LÓGICA E LINGUAGEM NO DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: UMA ANÁLISE DO CONCEITO DE REFUGIADO NA CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1951 E LEI Nº 9.474/1997

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13154521


Marco Antonio Lima da Cruz Filho


RESUMO: O artigo aborda elementos da comunicação, notadamente as definições das palavras, valendo-se, de exemplo para discussão, do conceito de refugiado na Convenção de Genebra de 1951 e Lei de Refúgio. São abordados os requisitos que compõem o termo, definição normativa, bem como eventual ambiguidade, equívoco ou vagueza em sua disposição, sob o prisma da Lógica. Conclui-se pela necessária delimitação da extensão do conceito de refugiado, como via de desenvolvimento científico e melhor aplicação do instituto.

Palavras-chave: Lógica e Linguagem. Direito Internacional. Refugiados.

ABSTRACT: This research addresses the elements of communication and concept of words, analysing the difference between the definitions of refugee in the 1951 Geneva Convention and the Brazilian Refugee Law. Reference is made to the concept of ambiguity, misunderstanding and vagueness in comunication under the lens of Logic. It concludes by the necessary establishment of extension for the refugee concept, as a manner of scientific development.

Keywords: Logic and Communication. International Law. Refugee.

1 INTRODUÇÃO

O que é lógica? Qual a relação entre lógica e linguagem? Conceitos e definições? Ora, o objeto da lógica contempla o pensamento e a linguagem, que se distinguem tal como a palavra e o conceito, afinal, “consiste num discurso linguístico que se dirige a determinado campo de entidades” (BARROS, 2019, p. 175).

Nas comunicações, são utilizadas palavras que apresentam definições distintas em contextos diferentes, tendo em vista que “as palavras não tem um único conceito, este varia em razão da sua forma de uso” (TOMAZINI, 2009, p. 56).

Considerando, a exemplo, o enunciado “O refugiado é uma pessoa”, vê-se que refugiado e pessoa apresentam significações próprias e que, diante da estrutura, estão relacionadas, possibilitando inferir que todo refugiado é uma pessoa.

Por outro lado, há a proposição, que é a ideia que se busca passar, ou seja, o conteúdo da frase, independentemente da língua utilizada, tal como “The refugee is a person” ou “Not every person is a refugee”. A lógica, neste caso, integra a linguagem, mas com objeto e objetivo distintos.

Então, a Lógica, enquanto Ciência, auxilia a análise do pensamento em sua estrutura formal, bem como os respectivos métodos de raciocínio humano, objetivando sanar eventuais ruídos comunicacionais (IBIDEM, p. 144). Em algumas ocasiões, tais ruídos se encontram na própria definição do vocábulo ou na maneira que este é usado.

Neste sentido, as definições operam como instrumentos linguísticos, sendo exteriorizados através de enunciados que, a depender do emprego, servem para informar, descrever, persuadir ou manifestar. Podem, ainda, ser referenciadas por palavras distintas, sem que se afaste seu verdadeiro sentido. Contudo, podem gerar vagueza ou ambiguidade, dificultando a transmissão da mensagem que se quer passar.

Assim, em razão da natureza complexa das significações, faz-se necessário estudo aprofundado sobre o instituto, uma vez que, quando mal utilizado, incide-se em problemática comunicacional, obscurecendo o real conceito das palavras, em contraponto ao que se busca alcançar através da lógica. É justamente o que se vê na temática dos refugiados.

O instituto do refúgio é disposto internacionalmente pela Convenção das Nações Unidas de 1951, formulada em Genebra, que é tida como o instrumento de maior relevância na matéria.

No caso brasileiro, há a Lei nº 9.474 de 1997, denominada Lei de Refúgio, que discute o tema em âmbito interno. De caráter humanitário, foi promulgada à luz das disposições contidas na supramencionada Convenção de 1951.

Não obstante, o regramento nacional fixa conceito de refugiado para além da definição clássica, ora disposta no instrumento que a motivou, abarcando não só o que migra por fundado temor de perseguição, mas também o que se move por grave e generalizada violação de direitos humanos.  

Assim, é imprescindível questionar se, sob o prisma da Lógica, quais os elementos que compõe o termo “refugiado”, sua definição, classe, bem como se há ambiguidade, vagueza ou equívoco no emprego da palavra, com base na Convenção de 1951 e Lei de Refúgio.  

Este artigo se propõe a examinar tais questões, analisando os enunciados normativos postos nestes instrumentos normativos, tecendo reflexões, ademais, sobre possíveis modos de sanar eventuais ambiguidades, vaguezas ou equívocos.

2 LÓGICA, LINGUAGEM E DIREITO INTERNACIONAL

A palavra contempla uma categoria extensa de elementos que refletem, ou buscam refletir, objetos. São ferramentas utilizadas em contextos distintos e com significações variadas, possuindo, assim, várias ocorrências que integram determinada classe, conforme leciona Wesley C. Salmon (SALMON, 1969, p. 120).

É, portanto, através da relação entre palavra e realidade que se cria o significado (MOUSSALLEM, 2016, p. 252). O significado, ou ocorrência, segundo Wesley C. Salmon, é um evento físico da palavra e poderá ser concebido via escrita ou fala, como uma forma de expressar eventos passados, presentes e futuros.

Não são, assim, meros emblemas que refletem acontecimentos, pois carregam denominação própria, convencionada socialmente e são amplamente aceitas. Separam, ademais, o que se enquadra naquele determinado conceito, a exemplo de “refugiado”, e o que não é abarcado por este, como “não refugiado”.

Palavras são, além disso, símbolos, que “na definição clássica, que remonta ao pensamento grego, um signo é aliquid p aliquo, alguma coisa que é reconhecida por akuém como indicação de algo.” (VOLLI, 2007, p. 31).

As palavras buscam, assim, infundir sentido na expressão, ao referenciar determinado objeto, fazendo o receptor da mensagem recordar imediatamente o que se busca transmitir. A respeito, Lucas Britto leciona o que segue:

“Todo nome designa algo e, além disso, possui um sentido. A linguagem humana possui três dimensões: a dimensão significativa (expressão linguística, sinais linguísticos), a dimensão objetiva (o objeto designado) e a dimensão significativa (a dimensão do sentido). Que é, então, sentido em sua distinção para denotação? O sentido é a maneira como se manifesta o objeto.” (BRITTO, 2016, p. 324)  

Um mesmo objeto poderá ser mencionado através de diferentes palavras, sem que perca sua identidade, preservando, assim, sua denotação. Poderá, ainda, ser referenciada por nomes diversos, com sentidos distintos, sem que se distancie de sua respectiva conotação.  

A significação não é condição ínsita da palavra. Ao contrário, é pactuada e admitida por convenção social, não-formal, à luz de fatos históricos e culturais, conforme dito anteriormente.

Neste sentido, e examinando a temática do refúgio, é imperioso mencionar a Convenção de 1951, que foi adotada no pós Segunda Guerra Mundial e buscou solucionar, a época, a condição emergencial dos refugiados europeus, que sofriam com graves violações humanitárias pelo nazismo (ACNUR, 2021). Assim, os reflexos históricos, culturais e sociais são evidenciados na norma, conforme trecho abaixo:

“Art. 1º – Definição do termo “refugiado” A. Para os fins da presente Convenção, o termo “refugiado” se aplicará a qualquer pessoa: 1) Que foi considerada refugiada nos termos dos Ajustes de 12 de maio de 1926 e de 30 de junho de 1928, ou das Convenções de 28 de outubro de 1933 e de 10 de fevereiro de 1938 e do Protocolo de 14 de setembro de 1939, ou ainda da Constituição da Organização Internacional dos Refugiados;” (ACNUR, 1951)

Ressalte-se que haverá necessariamente uma convenção que atribua significado ao vocábulo, uma vez que, segundo Marilda Lopez Ginez de Lara, “seriam, desse modo, sistemas definicionais que refletem a organização estruturada e delimitada de domínios específicos. A definição terminológica é classificadora, hierarquizante, estruturante; relaciona-se à definição da coisa […]” (GINEZ, 2004, p. 94).

Não obstante, as convenções sofrem mutações, especialmente diante de novos fatos históricos e evoluções linguísticas, como no caso da Lei de Refúgio brasileira. Concebida em 1997, apresenta faceta mais ampla se comparada ao instrumento que a inspirou, tendo em vista o desenvolvimento acadêmico na matéria, principalmente em razão do Protocolo sobre Estatuto dos Refugiados de 1967 e Declaração de Cartagena de 1984.

Frisa-se o desenvolvimento acadêmico como meio de evolução da temática pois, nos termos propostos por Fabiana Del Padre Tomé, a linguagem científica passa “por um processo de depuração, ou seja, elucidação e especificação dos sentidos próprios a cada vocábulo, reduzindo as imprecisões significativas” (DEL PADRE TOMÉ, 2017), enquanto que a linguagem natural não é rigorosamente estruturada, resultando em definições imprecisas ou ambíguas.

Dessa forma, afirma-se a importância do desenvolvimento linguístico, pela Ciência, como forma de eliminar ruídos no conceito de “refugiado”, que serão melhor discutidos adiante.    

2.1 Classes, elementos e extensão

Conforme mencionado anteriormente, os vocábulos, ocorrências ou classes, são invenções do homem, e para referenciá-los, enquanto elementos que fundam tais conceitos, “fala-se em extensão – ou denotação –, já para falar das condições de pertinência à classe que abrange estes indivíduos, fala-se em intensão – ou conotação.” (BRITTO, 2016, p. 326).

A classe comporta, assim, um conjunto de elementos, ou parte deles, apresentado os pontos que a caracterizam. Estes elementos, por sua vez, carregam os objetos que se busca classificar, e classes menores, ora contempladas por classes mais abrangentes (IBIDEM, p. 238).

No caso das subclasses, infere-se que detém todos os elementos caracterizadores de uma classe maior, havendo identidade de conceitos conotativos. Portanto, estará abarcada por esta, ainda que haja diferença quanto à parcela de seus elementos.  

Não obstante, uma classe não se resume aos elementos que denota, tendo em vista que, caso algum destes elementos se extingua, a classe não terá o mesmo destino. Difere, portanto, de sua denotação e conotação (TOMAZINI, 2009, p. 246).

Ademais, existem variados tipos de classes, como as (i) comuns – que comportam vários objetos -; (ii) as de apenas um objeto; (iii) as vazias – mas que tem extensão – e; (iv) as universais, que possuem todos os objetos, ou elementos, de determinado discurso.     

Entre classes, é possível que se estabeleçam relações, como a de pertinência, em que determinada classe é contida por outra, desde que possua os elementos para tanto.

Contudo, as que não se enquadram, ou seja, que são excluídas daquele conceito, pertencerão à classe complementar. Haverá, ainda, (i) relação de identidade entre classes quando forem equivalentes os elementos que as compõem; (ii) relação de intersecção na hipótese de elementos comuns e; (iii) relação de exclusão na ausência de elementos comuns. (IBIDEM, p. 248).

Por fim, as classes poderão ser unidas, resultando no surgimento de uma nova classe, que contém os elementos das que foram objeto de adição(DUARTE, 2020, p. 154).

Vejamos como estes conceitos se aplicam ao refúgio, iniciando pela definição de refugiado na Convenção de 1951 e Lei de Refúgio:

Convenção sobre Estatuto dos Refugiados de 1951Lei nº 9.474/1997 (Lei brasileira de Refúgio)
“Art. 1º – Definição do termo “refugiado”: 1) Que foi considerada refugiada nos termos dos Ajustes de 12 de maio de 1926 e de 30 de junho de 1928, ou das Convenções de 28 de outubro de 1933 e de 10 de fevereiro de 1938 e do Protocolo de 14 de setembro de 1939, ou ainda da Constituição da Organização Internacional dos Refugiados;¹ […]

2) Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.” (ACNUR)
“Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III – devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.” (PLANALTO)

Na Convenção de 1951, o refugiado, enquanto classe, é considerado como a pessoa que, por temor de perseguição, em razão de convicções religiosas, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, esteja fora de seu país de origem e para ele não possa retornar (Art. 1º da Convenção de 1951). É com base neste conjunto de elementos que se fixa a definição do instituto, bem como sua respectiva extensão (denotação) e intensão (conotação).

Há, portanto, a classe maior, que é o refúgio, e seus elementos, notadamente os fundados temores e impossibilidade de retorno à determinada nação, que, em conjunto, configuram a extensão do termo que se busca denotar.

Além de elementos, valendo-se de analogia às definições de classe e subclasse, é interessante pensar que estes requisitos que compõem o termo “refugiado” figuram como subclasses, uma vez que possuem regramento próprio em outros diplomas, a exemplo da perseguição religiosa que, no Brasil, é também regrado pela Lei nº 7.716/1989.

Seguindo, é possível que um indivíduo integre a classe do “refugiado” ao cumprir apenas um elemento do art. 1º, independentemente de não possuir os demais.

Para ilustrar, imaginemos um ser que, a época, temesse por sua vida no país de moradia, em detrimento de suas convicções religiosas. Ainda que não fosse perseguido por questões de nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, seria possível que pedisse a proteção oferecida pelo instituto, já que cumpre um dos requisitos normativos, ou seja, integrando uma subclasse da classe “refúgio”, bem como atendendo à um dos elementos.  

Na Lei de Refúgio, para que se goze da proteção que o instituto oferece, é necessária a presença do fundado temor de perseguição por “raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas” (Art. 1º, inciso I da Lei de Refúgio), bem como que se encontre fora do país de origem ou residência habitual e a ele não possa retornar. Ainda, agrega-se ao termo a “grave e generalizada violações de direitos humanos” (Art. 1º, inciso III da Lei de Refúgio).

Em comparação a Convenção de 1951, nota-se que a denotação conferida pela Lei de Refúgio é consideravelmente mais ampla, além de possuir mais elementos que fixam sua intensão, como a generalizada violações de direitos humanos.

Aliás, é possível afirmar que a Lei de Refúgio é uma classe que engloba a Convenção de 1951, sendo esta última uma subclasse da primeira. Isto porque a Lei de Refúgio, além de abarcar as hipóteses previstas pela Convenção, oferece novos incisos, como o temor por raça e as graves violações de direitos humanos. Assim, nota-se que uma contempla a outra, possibilitando que se cumpram os requisitos de ambas ou apenas uma.

2.2 Nomes e definições

Nomes expressam objetos com atributos idênticos, dividindo-se em gerais e individuais. Nas lições de Paulo de Barros Carvalho, um nome será geral quando inserido em discurso pela necessidade que certa palavra denote uma classe de objetos e respectivos atributos (BARROS, 2019, p. 123).  

A definição, conforme anunciado anteriormente, estabelece os critérios ou elementos imprescindíveis a composição de uma palavra, delineando, com precisão, o que se pretende expressar.

O conceito, assim, é figura semelhante à classe, cujo recorte será lastreado por sua extensão, ou denotação, e intensão, ou conotação. A respeito, Lucas Britto assevera o seguinte:

“A atividade definitória, sendo o meio pelo qual se demarca o campo de aplicabilidade de um conceito, atua ora pela extensão – por meio das definições denotativas – ora pela intensão – as chamadas definições intensivas ou conotativas. Numa e noutra, demarca-se uma classe: nas primeiras, ao elencar seus elementos, nas segundas, ao dar os critérios para que se possa submeter os objetos da experiência à prova, ainda que não os conheçamos todos de antemão.” (BRITTO, 2016, p. 342)

Retomando a discussão sobre o refugiado, fora visto que a denotação e conotação do termo estão postas, com elementos precisamente delineados, fixando os requisitos que compõem a classe e subclasse.

Neste aspecto, questiona-se o contexto de elaboração de ambos os conceitos jurídicos, se precedem a concretização do fato, ou seja, o refúgio, ou se criados em momento anterior, por exemplo, à grave e generalizada violações de direitos humanos, que culminaram em diásporas nas diferentes regiões do mundo.

Esclareça-se que, quando da elaboração de definição conotativa, há a possibilidade da fixação de norma jurídica, sem que a conduta a que se dirija tenha sido praticada. Portanto, “delimitam o campo de extensão da hipótese que é projetada pelo aplicador na linguagem da realidade social para demarcar os fatos, capacitados pelo direito, a dar ensejo ao nascimento de relações jurídicas.” (TOMAZINI, 2009, p. 249). É delineada, então, a intensão do vocábulo em momento prévio a sua realização no plano fático.

Entretanto, em concretizando-se o fato previsto pela norma jurídica, restará posta sua extensão, noticiada em termos individualizados, que denotam os elementos presentes na definição.

Não se pretende aqui discutir se as normas sobre refugiados antecedem a movimentação humana que hoje se define como refúgio, mas apenas aventar a possibilidade de elaboração de regramento jurídico antes do fato em si.

2.3 Ambiguidade, equívoco e vagueza

As classificações para determinada classe são propostas com base em critérios, fundados em diferentes quesitos, para compor determinado modelo. Em regra, não há transtorno em proceder diante desta multiplicidade de significações.

Não obstante, defende Wesley C. Salmon que “há casos, entretanto, em que o pretendido significado não se põe claro. Diz-se, então, que o vocábulo está sendo empregado de modo ambíguo, pois o enunciado em que figura admite pelo menos duas interpretações diferentes.” (SALMON, 1969, p. 137).

Dessa forma, em havendo vários significados, faz-se necessário atentar para as dificuldades lógicas, notadamente ruídos comunicacionais, em que a validade de determinada palavra deverá ser mantida ao longo de discussões textuais (IBIDEM, p. 138).

Nesse caso, poderá a ambiguidade ser definida conforme regras gramaticais, em que, segundo Cláudia Zavaglia, é quando uma frase possibilita duas interpretações semânticas ou sintáticas, sendo, assim, considerada ambígua (ZAVAGLIA, 2003, p. 240).

Há distinção entre ambiguidade gramatical e as oriundas da estrutura da frase (IBIDEM). Fabiana Del Padre Tomé discute, ainda, os tipos de ambiguidade, que podem ser: (i) homonímia, que é quando uma palavra pode designar mais de um objeto, a depender do seu uso; (ii) polissemia, que é quando um mesmo termo reflete significados diversos na mesma frase e; (iii) processo-produto, em que uma palavra indica a palavra e o resultado da aplicação desta (DEL PADRE TOMÉ, 2017).  

Ser ambígua, contudo, difere-se da vagueza por traços sutis. Ruth M. Kempson propõe que existem tipos diferentes de vagueza, como a (i) referencial – em que se questiona a aplicação do vocábulo à determinados objetos -; (ii) por sentido indeterminado e; (iii) por ausência de especificações acerca do significado (KEMPSON, 1977, p. 125).   

Pelo exposto, é possível afirmar que o conceito de refugiado na Convenção de 1951 e Lei de Refúgio são vagas ou ambíguas? Existe confusão em suas definições ou estão adequadamente postas?

Para análise mais acurada destas perguntas, é necessário rememorar o quadro comparativo da página em que refugiado, pela Convenção de 1951, contém os seguintes elementos constitutivos: temor de perseguição por raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas (Art. 1º da Convenção de 1951).

A seu turno, a Lei de Refúgio fixa o conceito através dos seguintes elementos: fundado temor de perseguição por raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política, bem como grave ou generalizada violação de direitos humanos(Art. 1º da Lei de Refúgio).

Em atenção ao conceito disposto em ambos os regramentos, nota-se que a intensão de “refugiado” está posta, muito embora a extensão do termo se mostre incerta. Isto porque não há menção expressa ao que seria, a exemplo, grave ou generalizada violação de direitos humanos.

Neste ponto, a definição abarcaria os que se deslocam forçadamente por conflito armado? Por desastres ambientais? Por crises econômicas, hídricas, sanitárias ou de saúde pública? E por orientação sexual? Não é possível afirmar que a definição de “refugiado” é intencionalmente geral, ainda que houvesse a possibilidade de, em detrimento da imprecisão, tutelar todas as hipóteses de deslocamento forçado, ora mencionadas. Afinal, tal concessão estaria a critério dos aplicadores da norma.

De todo modo, ao não delinear a extensão do termo, é capaz que nenhuma destas ocasiões sejam tuteladas, afinal, não é o que expressamente versa o artigo. Há impacto, sobretudo, na precisão terminológica do conceito de “refugiado”, dificultando o desenvolvimento científico na matéria, bem como sua adequada aplicação.

Para sanar a problemática suscitada, e nas palavras de Fabiana Del Padre Tomé, é importante que “onde a ambiguidade e a vaguidade representarem empecilhos à precisão terminológica que o conhecimento científico requer, imprescindível um processo de elucidação, esclarecendo o sentido e a extensão atribuídos à palavra” (DEL PADRE TOMÉ, 2017).

Ao comentar o processo de elucidação, Aurora Tomazini de Carvalho defende que é meio de afastar imprecisões no discurso, tendo em vista que haverá a explicação sobre a adequada aplicação do termo (TOMAZINI, 2009, p. 62). Assim, para que se encontre maior precisão, é necessário primeiramente esclarecer a extensão do conceito, principalmente o que se busca proteger. Tal ato possibilitará melhor aplicação do instituto, bem como seu adequado desenvolvimento científico.  

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito embora fixada de maneira vaga, a definição de refugiado é fruto de processo histórico, amplamente discutido pela Ciência do Direito, sob o viés humanitário. Por excelência, o que se busca é a evolução do conceito, com base no plano fático, para ampliar o leque de proteção aos que se deslocam forçadamente.

Contudo, para que tal objetivo seja atingido, é necessário identificar problemas e saná-los. Neste caso, a extensão do termo se apresenta como empecilho ao desenvolvimento do instituto, tendo em vista a incerteza que denota sobre sua aplicação. Há, portanto, um ruído comunicacional, que impede o receptor da mensagem de entender adequadamente o que se busca comunicar.

Assim, enquanto Ciência que analisa as Ciências, a Lógica será a ferramenta ideal para solução da problemática conceitual, afinal, possibilitará colocar em evidência aspectos da formação do vocábulo, bem como o que se busca delinear.

Eliminadas vaguezas, ambiguidades e equívocos, entende-se pela adequada aplicação do termo. Os reflexos disto, não obstante, serão melhor vistos na vida real.


¹A respeito das Convenções de 1928 e 1933, conforme discussões empreendidas por Cyro Saadeh e Mônica Mayumi Eguchi, foram instrumentos propostos em razão do surgimento do nacional-socialismo na Alemanha, a partir de 1933, que resultou em crise de refugiados na região, sendo, majoritariamente, judeus não-arianos e opositores ao regime. Dessa forma, a Liga das Nações elaborou estes instrumentos para garantir abrigo aos perseguidos (SAADEH e MAYUMI).

REFERÊNCIAS

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