REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412160951
Valério Hillesheim
RESUMO
O trabalho procura esclarecer algumas implicações essenciais nas reflexões de Wittgenstein sobre ética. Wittgenstein situa a ética como algo transcendental e sobrenatural. A partir de sua concepção de filosofia como atividade de esclarecimento lógico da linguagem, procura explicitar a diferença entre os valores e juízos absolutos e sua expressão, e as ações propriamente ditas. A pesquisa salienta a distinção de ética e ciência pertencendo a categorias distintas. A ética busca por razões que legitimam as ações em vista de uma vida com sentido e feliz, ao passo que a ciência investiga causas relacionadas aos fatos e fenômenos. O problema central consiste em distinguir as proposições normativas das descritivas. A relevância da investigação tem como razão central o fato tentar situar o dever ser da ética como algo distinto da necessidade lógica, como obrigatoriedade compatível com a liberdade.
Palavras–chave: linguagem, ética, filosofia, ação.
ABSTRACT
The work seeks to clarify some essential implications in Wittgenstein’s reflections on ethics. Wittgenstein situates ethics as something transcendental and supernatural. Based on his conception of philosophy as the activity of logical clarification of language, he aims to explain the difference between absolute values and judgments and their expression, and proper actions. The research highlights the distinction between ethics and science, belonging to distinct categories. Ethics seeks reasons that legitimize actions in view of a meaningful and happy life, whereas science investigates causes related to facts and phenomena. The central problem consists of distinguishing normative propositions from descriptive ones. The relevance of this investigation lies in attempting to situate the ethical imperative as something distinct from logical necessity, as an obligation compatible with freedom
Keywords: language, ethics, philosophy, action.
1 ESCLARECIMENTO PRELIMINAR
Ao longo da história do pensamento ético, muitas concepções foram erigidas por diferentes pensadores e pensadoras. A elaboração conceitual pode ter sido por tentativa de explicitar as razões de determinadas condutas e propor justificativas para as ações que são eticamente aceitáveis. Podem ter sido elaborações abstratas e especulativas para esclarecer o sentido e o significado de regras, princípios e valores, ou podem surgir de um espelhamento na prática cultural das sociedades ao longo do tempo, como incorporação dos hábitos e costumes do que era tido como desejável para o bem-estar, individual e coletivo. No processo histórico e cultural de instituição de valores morais e da prática ética, podemos identificar muitas possibilidades como causa do surgimento e do desenvolvimento das práticas culturais valorativas: instituições como a família, as religiões ou igrejas, o Estado e outras instituições. Assim também vale para a imprensa e as outras corporações. Toda instituição que sustenta ou propõe algo de relevante em termos de concepções valorativas, pode influenciar ou determinar o surgimento ou a prática de valores, priorizando uns em detrimento de outros, propondo uma hierarquia de valores, ou até mesmo uma inversão de valores que influenciam ou determinam as ações das pessoas.
O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre ética e linguagem e fazer distinções entre os valores e as ações praticadas com base nesses valores, a partir do esclarecimento das implicações lógicas dos conceitos envolvidos. Para tanto, não é necessária uma historiografia das concepções de ética, nem o resgate da história natural dos principais conceitos mobilizados em tal esclarecimento. Por vezes, algumas concepções podem ser mencionadas para esclarecer a diferença do modo de fazer filosofia ou do modo como Wittgenstein pensa a ética e o seu papel.
A filosofia, para Wittgenstein, não é uma teoria, tal como podemos identificar nas filosofias clássica, grega, medieval e moderna. O papel da filosofia não é propor ou defender teses, quer sejam realistas, subjetivistas, idealistas ou céticas. A filosofia consiste em uma atividade de esclarecimento da lógica da linguagem, do papel das proposições, do sentido e do significado dos termos na linguagem, nos diferentes usos e funções. A filosofia não se confunde com as ciências, na busca pelas causas e explicações, teorizações e predições. A filosofia visa a investigar e esclarecer as razões que impedem a clarificação do significado e do sentido dos conceitos, portanto, busca eliminar as confusões que impedem de vermos, nitidamente, o que é necessário para pensar corretamente. Em termos gerais, podemos dizer que a filosofia tem uma tarefa eminentemente crítica e terapêutica.
Pode parecer ser uma tarefa excessivamente simples, ou um reducionismo, limitar a filosofia a esse nível. No entanto, evitar as confusões, os problemas insolúveis, os problemas artificiais, os paradoxos e a falta de clareza do pensamento e da linguagem é condição de possibilidade de poder pensar e significar. É como se, para filosofar, alguns cuidados, procedimentos e esclarecimentos devessem ser estabelecidos e seguidos com todo rigor. Sem essa radicalidade, a verdadeira e genuína tarefa da filosofia estaria comprometida desde o ponto de partida. O filosofar de Wittgenstein exige entender a filosofia como essa atividade radical, crítica, genuína, rigorosa, cuidadosa, ao extremo, para poder deixar o pensamento com autonomia e autêntica liberdade de expressão. Por isso, “Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo” (Wittgenstein, 1994, p. 245). E a radicalidade de seu filosofar pode ser constatada na expressão “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar” (Wittgenstein, 1994, p. 281).
Quais as principais confusões que a filosofia deveria evitar? As principais são as seguintes: a oscilação entre critérios e sintomas, sem clareza de quando estão em jogo os critérios ou os sintomas; a falta de clareza na diferenciação entre o factual e o metafísico; a confusão entre as causas, investigadas pelas ciências, e as razões, esclarecidas pela filosofia; a falta de distinção ou a mistura entre o descritivo e o normativo; a indistinção entre o necessário e o contingente; a permuta dos papeis exercidos pela dimensão lógica e pela dimensão empírica, sem esclarecimento do contexto e das razões exigidas para tal permuta; a confusão e a identificação entre a regra e os casos legislados pela regra; a confusão entre dizer e mostrar; a falta de distinção entre as proposições com sentido, sem sentido e absurdas; as concepções unilaterais, céticas, dogmáticas, idealistas e naturalistas do pensamento filosófico. A confusão principal na ética é a não distinção entre os valores como fundamento das ações e as ações singulares, cuja ocorrência recebe influência do contexto e das circunstâncias. O bom, na dimensão valorativa da ética, não pode ser igualado ao bom que se refere ao bom profissional, ao bom técnico, eficiente e eficaz. A diferenciação das implicações existentes nessa distinção é fundamental e só deve ser feita a partir da distinção do necessário e do possível. Ao ser estabelecido o que é logicamente necessário, surge o problema de entender se o obrigatório na ética, o dever ser, decorre dessa necessidade lógica ou não.
A concepção de ética de Wittgenstein não é resultado de concepções anteriores, nem a síntese ou antítese das clássicas concepções. Ela é tão genuína, original e singular quanto é o seu pensamento filosófico sobre a lógica, a linguagem, o pensamento e sua expressão. Por esse motivo, não é suficiente ou é até mesmo inadequado classificar o pensamento ético de Wittgenstein como relativista, conforme Loparic (2007), entre outros; como fundacionista ou infalibilista, conforme Stroll (1994), Danièle Moyal-Sharrock (2004, 2005, 2007) e Pleasants (2008); como falibilista e coerentista, conforme Dall’agnol (2010). Pode ser tentador ver certa semelhança no pensamento de Wittgenstein com a teoria ética da convicção, conforme Weber (2013), pois, para Wittgenstein, os valores são perenes e absolutos; ou com a teoria ética da responsabilidade, pois o sentido da ética tem a ver com a vida feliz e o sentido da vida, o que levaria a ver aí uma teleologia. Procurar por semelhanças ou contrariedades com outras concepções seria um trabalho interminável e pouco relevante.
2 “A FILOSOFIA DEIXA TUDO COMO ESTÁ”[1]
Ao lermos esta expressão de Wittgenstein, poderíamos imaginar uma filosofia pouco ativa e pouco preocupada com as grandes interrogações que sempre ocuparam os pensadores, ao longo do tempo, sobre questões éticas. Afinal, lemos o seguinte: “A gramática não diz como a linguagem tem que ser construída para cumprir com sua finalidade, para agir desta ou daquela maneira sobre as pessoas. Ela apenas descreve o emprego dos signos, mas de maneira alguma os elucida” (Wittgenstein, 1979, p. 186). Poderíamos, ingenuamente, entender que, diante dos problemas morais práticos, diante dos dilemas morais, diante da necessidade de buscar por razões e esclarecimentos sobre os argumentos usados em concepções morais, nada seria feito, e passaria a vigorar uma espécie de vale tudo. Se este fosse o caso, concordaríamos, assim, com o que está posto, com o que vige, em termos de fundamento da conduta. No entanto, não é o caso. O aforismo que sugere à filosofia deixar tudo como está precisa ser contextualizado e interpretado.
No Tractatus, Wittgenstein diz que
A filosofia não é uma das ciências naturais (A palavra ‘filosofia’ deve significar algo que esteja acima ou abaixo, mas não ao lado das ciências naturais). O fim da filosofia é o esclarecimento lógico dos pensamentos. A filosofia não é uma teoria, mas uma atividade. Uma obra filosófica consiste essencialmente em elucidações (Wittgenstein, 1994, p. 177).
Por isso, ela não elabora teorias, nem defende teses. Logo, não há uma elaboração de concepções de filosofia moral, tal como em Aristóteles, Kant, Hegel, entre outros. A radicalidade da distinção é para não cair “[…] em investigações psicológicas irrelevantes” (Wittgenstein, 1994, p. 179). Assim, a tarefa principal consiste em: “[…] delimitar o pensável […] cumpre-lhe limitar o impensável de dentro, através do pensável” (Wittgenstein, 1994, p. 179). Isso não quer dizer, entretanto, que Wittgenstein rejeite concepções de moral que sejam necessárias e desejáveis para a convivência humana. O seu interesse consiste em analisar as razões[2] apresentadas para fundamentar as concepções morais e a concatenação de razões para a legitimidade da argumentação.
Por isso, mesmo com as mudanças de método[3], a partir do período intermediário, em torno dos anos de 1929 e 1930, até o final de sua vida, em 1951, buscou o esclarecimento lógico e gramatical dos conceitos usados nas expressões envolvendo juízos e valores morais. Entendemos que Wittgenstein pressupõe que já houve o desenvolvimento moral e cognitivo e, a partir da educação e da cultura, as pessoas agem em diferentes e determinados contextos sociais. O interesse gramatical e terapêutico é por conta dos usos que causam os mal-entendidos[4] e podem comprometer a coerência da argumentação e as dificuldades no diálogo sobre a finalidade da ética para o sentido da vida e da vida feliz. Portanto, a atividade filosófica tem em vista a dimensão crítica e a necessidade de estabelecer limites para que o sentido das ações seja claro.
A gramática (lógica) é antecedente à verdade. As questões filosóficas dizem respeito aos limites dos sentidos, e estes são determinados pelas regras para o uso de palavras, pelo que faz sentido de se dizer em uma língua. Esta é a fonte de preocupação da filosofia com as regras gramaticais. Por seus esclarecimentos e disposições, as questões e confusões filosóficas típicas podem ser resolvidas e paradoxos solucionados (Hacker, 1985, p. 54).
Nesse sentido, esclarecidos os mal-entendidos, confusões, contradiçõnomearam aquelas outras propriedades eles estavam definindo bom; que aquelas outrases e tudo o que impede uma argumentação coerente, as escolhas, o comportamento ético e a responsabilidade pelas ações praticadas poderiam ser feitos de modo desejável e compatível com o que se espera de uma vida digna.
3 A ÉTICA É TRANSCENDENTAL
A ideia de que a ética é transcendental aparece no Tractatus (1994), entre os aforismos 6.41 e 6.4312. Wittgenstein apresenta a ética como sendo semelhante à estética, e tem a ver com o sentido do mundo e da vida, assim como o místico. Os valores da ética são absolutos e não podem ser expressos em proposições. Cabe lembrar que, no Tractatus, há três tipos de proposições: as proposições com sentido, são as bipolares, podem ser verdadeiras ou falsas; as proposições sem sentido, são as proposições da lógica, contradição e tautologia, e as proposições absurdas ou contrassensos, que são as filosóficas ou metafísicas. As proposições da ética, da estética e da mística estão na classe das proposições absurdas, ou seja, elas não são descritivas, como as das ciências e não são proposições lógicas. Por isso, elas não se referem ao mundo, não representam fatos, nem percepções e sensações, nem são formas sintáticas para organização de outras narrativas.
A distinção entre proposições descritivas que representam fatos e as proposições que expressam valores é fundamental para não cometer a falácia naturalista. Ela deve ser identificada em quais concepções morais aparece, e criticada. É o caso do pensador Moore (1998), por exemplo. O elemento principal dessa distinção é o fato de as proposições descritivas serem relativas aos fatos que são contingentes e as proposições valorativas implicaram valores que teriam valor intrínseco, quer dizer, valeriam em si mesmos e por si mesmos, independentemente das circunstâncias e da finalidade, portanto, são absolutos. Um dos pontos centrais do esclarecimento de Moore é este:
E é um fato que a Ética visa à descoberta de quais são aquelas outras propriedades pertencentes a todas as coisas que são boas. Mas, demasiados filósofos pensaram que quando eles nomearam aquelas outras propriedades eles estavam definindo bom; que aquelas outras propriedades, de fato, não eram simplesmente ‘outro’, mas absoluta e inteiramente o mesmo que bondade. Esta visão é proposta por mim, para chamar a “falácia naturalista” e dela me esforçarei, agora, de tratar (Moore, 1998, p. 108).
Wittgenstein, como um grande estudioso do pensamento de Moore, conhecia muito bem a falácia naturalista e a crítica feita por Moore. Ao dizer que a ética é transcendental e que os valores são absolutos, não está reproduzindo o sentido que a metafísica clássica atribui à ética e aos valores. Não é possível mostrar, aqui, pelo limite de espaço e tempo, as diferenças entre a forma como a tradição pensava o transcendental, a forma como Kant usa o sentido de transcendental e a forma como Wittgenstein adota. O transcendental pode ser entendido como gramatical, e o gramatical pode ser entendido como lógico. Logo, Wittgenstein faz uma análise lógica das proposições da ética.
Ao situar a ética como transcendental significa, também, “o assombro ante a existência do mundo” (Wittgenstein, 2005, p. 220). O assombro ou o espanto ou o encantamento diz respeito à experiência de sentido frente à existência do mundo e da vida como um todo em oposição à não existência do nada. Sobre a existência do mundo como totalidade, a ciência nada pode dizer. Portanto, a experiência ética sobre o sentido da existência do mundo e da vida, diz respeito ao sentido a partir da contemplação do mundo como totalidade organizada. Quem contempla o mundo como totalidade limitada e organizada nos limites do espaço lógico é o sujeito metafísico. “O sujeito não pertence ao mundo, mas é um limite do mundo” (Wittgenstein, 1994, p. 247). O sujeito metafísico, de forma transcendental, contempla o mundo como totalidade limitada e organizada, dentro do espaço lógico, e o assombro ocorre pela impossibilidade de entender e oferecer razões sobre a finitude ou infinitude do mundo, bem como em relação a sua causa última. Por ser o limite do mundo, o sujeito metafísico não está no mundo entre os fatos, como parte do mundo. “O eu entra na filosofia pela via de que ‘o mundo é meu mundo’” (Wittgenstein, 1994, p. 247). Este eu não é o eu psicológico, empírico e antropológico. É o eu em sua identidade metafísica. É esse eu que tem um olhar contemplativo sobre o mundo como totalidade limitada, no espaço lógico. O espaço lógico é a condição para pensar o mundo. Que o mundo seja mundo é o que produz o assombro, pois “o mundo e a vida são um só” (Wittgenstein, 1994, p. 245).
O eu transcendental e metafísico reconhece-se como portador de uma vontade. Porém, a vontade não pode alterar os fatos do mundo, concatenados de modo contingente. “O mundo é independente de minha vontade” (Wittgenstein, 1994, p. 273). Sendo assim, não há um nexo entre a vontade e o mundo que possa explicar qualquer modificação do mundo. Por isso, o sentido do mundo não pode ser constitutivo do mundo, deve estar fora dele, conforme o aforismo 6.41 do Tractatus. Por essa razão, não há qualquer valor ético como constitutivo do mundo. O valoroso deve estar fora do mundo e não pode ser representado, o que torna impossível a existência de proposições com sentido na ética.
O dever ser da ética implica uma necessidade que não está atrelada à necessidade lógica. O deve ser assim ou o tem que ser assim, na ética, deve expressar uma coercitividade compatível com a liberdade. A normatividade ética é transcendental, pois não poderia depender da contingência dos fatos no espaço lógico, nem da necessidade lógica, como uma tautologia, por exemplo. O sujeito metafísico, portador de uma vontade, como limite do mundo e não pertencente ao mundo, deve ter a liberdade como constitutiva, o que torna possível ele ser a causa da ação, sem uma determinação factual. A causa da ação deve estar no sujeito metafísico, logo, a responsabilidade está intrínseca ao sujeito e não tem qualquer punição ou recompensa atrelada aos eventos do mundo. “Deve haver, na verdade, uma espécie de recompensa ética e punição ética, mas elas devem estar na própria ação” (Wittgenstein, 1994, p. 277).
O critério principal para entender a punição ou a recompensa ética não é, portanto, consequencialista. Wittgenstein, ao dizer que “o mundo do feliz é um mundo diferente do mundo do infeliz” (Wittgenstein, 1994, p. 277), parece adotar uma deontologia do ato e não uma deontologia da norma. A ação, em si mesma e por si mesma, oferece as condições para compreender que faz sentido fazer daquela forma e não de outra, não necessitando de critérios externos para valorar a ação. O dever fazer assim e não de outra forma faz com que o juízo moral seja emitido a partir do sentido da ação para a vida feliz. Mas o que seria uma vida feliz? Talvez algo como a vivência e a contemplação serena da ordem e da harmonia entre a vontade livre e o sentido da ação para a própria vida do sujeito agente; a compreensão da autossuficiência para o sentido da vida a partir da contemplação do sentido e da responsabilidade para com a ação; da coparticipação e da copresença do que é possível alcançar em relação à “vida da vida”; a vivência de um possível elo entre a vida do indivíduo e a vida propriamente dita; sentir a vida em toda sua intensidade possível e gozar do prazer estético e místico de estar existindo como autor dos atos, diretor da própria vida e partícipe das condições de sentido da vida.
A ética, na medida em que brota do desejo de dizer algo sobre o sentido último da vida, sobre o bem absoluto, o absolutamente valioso, não pode ser uma ciência. O que ela diz não acrescenta, em nenhum sentido, ao nosso conhecimento, mas é um testemunho de uma tendência do espírito humano que eu pessoalmente não posso senão respeitar profundamente e que por nada neste mundo ridicularizaria (Wittgenstein, 2005, p. 13).
Como a linguagem poderia dizer tal experiência ética quanto ao sentido da ação para a vida? Pela análise crítica feita por Wittgenstein, as proposições absurdas da ética não poderiam ter sentido. O valor único e genuíno das experiências éticas tem um caráter absoluto, pois não depende de fatores, características, circunstâncias ou qualidades extrínsecas. Os valores absolutos devem valer por si mesmos. Logo, eles não têm valor por atribuirmos valor. Portanto, o caráter valorativo das práticas éticas não pode ser avaliado nem pelos resultados das ações, nem pelas consequências das ações, por mais positivas que possam ser classificadas no sentido pragmático.
4 AS PROPOSIÇÕES ABSURDAS DA ÉTICA E AS PROPOSIÇÕES DESCRITIVAS
DAS AÇÕES
As proposições da ética não são significativas. Não reconhecer isso pode fazer com que se cometa a falácia naturalista ou uma confusão conceitual. As proposições da ética têm valor absoluto ou expressam valor absoluto. Por isso, Wittgenstein afirma que “[…] de repente vejo com clareza, como se se tratasse de um lampejo, não somente que nenhuma descrição que posso imaginar seria apta para descrever o que entendo por valor absoluto, mas que rechaçaria ab initio qualquer descrição significativa que alguém pudesse sugerir em razão de sua significação” (Wittgenstein, 2005, p. 224). As proposições que descrevem ações não são da mesma categoria das proposições da ética. Proposições descritivas de ações e proposições que expressam valores pertencem a categorias distintas.
Dessa forma, quando dizemos que alguém é uma pessoa boa, estamos usando uma proposição absurda da ética, pois ela pretende expressar um valor, o valor da bondade, mas não é possível à medida que o valor da bondade não é um fato ou fenômeno, por isso, não pode ser descrito. É bem diferente quando descrevemos atos tidos como bondosos. Por exemplo, Maria destinou o feriado para cuidar dos idosos doentes em um asilo. Ela fez curativos nas feridas das pernas de um idoso, deu banho em outro idoso, pessoa com deficiência, trocou fraldas de outra idosa, ouviu as histórias de vida de cada um deles, foi muito afetuosa e tornou o feriado mais interessante para algumas pessoas. Essa descrição é possível de ser feita e representa, com sentido, um conjunto de atos praticados por Maria. Podemos chamar de atos louváveis; atos desejáveis; atos que admiramos por promoverem o bem-estar e suprirem certas necessidades das pessoas. No entanto, ao observarmos esse conjunto de ações praticados por Maria, não conseguimos identificar, no conjunto de fenômenos, o valor da bondade. “A Ética, na medida em que brota do desejo de dizer algo sobre o sentido último da vida, sobre o bem absoluto, o absolutamente valioso, não pode ser uma ciência” (Wittgenstein, 2005, p. 224). Como saber, então, se as ações de Maria estão fundamentadas no valor da bondade? Pela observação dos fenômenos externos não teríamos nenhuma garantia. Como saber, então, se se trata da prática ética fundamentada em valores ou ações com qualquer outra motivação?
Em primeiro lugar, quem poderia saber, com certeza, é somente a própria Maria. O conjunto de ações praticadas deve ser por iniciativa própria, com a intenção e a motivação de ajudar aos necessitados, sem interesse pessoal e sem visar a um retorno, uma recompensa, quer financeira ou de qualquer outra ordem. Sem visar ao reconhecimento dos outros, aplausos e possíveis honrarias decorrentes de tais atos. Na base da decisão deve estar a vontade livre, pois, se a ação foi induzida ou determinada por alguma circunstância ou por alguém, diríamos que os atos não tiveram uma razão suficiente, com liberdade e espontaneidade. O ato moral deve ser resultado da livre escolha do sujeito agente, com a consciência de todas as implicações do ato. As implicações dizem respeito às regras, princípios e valores que orientam a ação às consequências, tanto para o próprio sujeito agente, quanto para os outros, para o ambiente e para a sociedade. Mas a pessoa não poderia estar ensimesmada em fantasias, ficções, delírios, alucinações e toda sorte de elucubrações peculiares e subjetivistas? Talvez. No entanto, essa possibilidade seria cotejada com o quadro de referências e imagem de mundo que tem um caráter mais amplo, externo e geral do que as experiências singulares e contingentes da pessoa.
O quadro de referência, a visão de mundo e as formas de vida implicam o copertencimento e a partilha, com os outros, de regras, princípios e valores. Dessa forma, a ação praticada, envolvida em determinado contexto, com determinadas circunstâncias, exterioriza e expressa valores que são compreendidos pelos outros, quanto ao sentido e ao significado. O sentimento de pertencimento aos grupos sociais, às práticas culturais, ao país e a instituições faz com que haja compreensão, por parte dos outros, de quais valores estão envolvidos na ação. A vida social e comunitária implica a troca e a partilha de crenças, regras, princípios e valores que são as bases (Hintergrund) para a experiência ética da vida. As trocas simbólicas ocorrem de variadas maneiras nos usos e práticas linguísticas do cotidiano.
Os valores envolvidos na ação expressam a conjugação com conceitos aparentados, em semelhanças de família, em que a interconexão conceitual faz os jogos de linguagem expressarem o parentesco conceitual articulado. Assim sendo, o conceito de bondade pode estar imbricado com o conceito de empatia, generosidade, alteridade, respeito recíproco, entre outros. A forma como os outros avaliariam a ação de Maria, para entender o significado de bondade, não seria, portanto, pela enunciação da proposição absurda “Maria é uma pessoa boa”. A ação ética de Maria seria entendida pelo fato de haver o compartilhamento de elementos comuns vivenciados em determinada sociedade, em determinada cultura. O sentido da ação ética estaria na própria ação, e a recompensa ética seria traduzida pelo fato de a vida ter sentido, a partir do que dignifica a ação. Embora a felicidade não seja o telos visado pela ação, a vida feliz seria a expressão das atitudes éticas.
A sabedoria de vida, alcançada pela prática ética, não é, obviamente, gratuita e espontânea. Certamente, há toda uma base de aprendizado (Abrichtung = exercício, treino) adquiridos ao longo da vida. Não há, em Wittgenstein, uma teoria desse desenvolvimento moral, algo que diz respeito à psicologia, por exemplo. O interesse de Wittgenstein é pelo papel gramatical dos conceitos, em outras palavras, pela lógica da linguagem. Por mais que seja desafiador mostrar o papel da lógica para a ética, algumas coisas parecem ser evidentes. Por exemplo, a noção de impossibilidade lógica é fundamental de ser entendida ao pensarmos as proposições, absurdas ou descritivas na ética. Assim como “[…] é impossível que palavras intervenham de dois modos diferentes, sozinhas e na proposição” (Wittgenstein, 1994, p. 137), deveria ser logicamente e eticamente impossível que os valores pudessem intervir de modos diferentes, sozinhos e nas proposições, ou sozinhos e em interconexão com outros valores.
A linguagem que expressa valores e juízos morais pode ser complexa como um “traje que disfarça o pensamento”, conforme o Tractatus (1994, p. 165). O traje da linguagem cotidiana pode esconder a complexidade do uso proposicional valorativo e descritivo. O esclarecimento da lógica da linguagem pode mostrar que a contradição é uma impossibilidade. Assim, nas proposições descritivas, é impossível que um ato seja feito e não seja feito ao mesmo tempo, que ele seja visto como bom e mau ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, que ele tenha uma consequência aceitável e inaceitável ao mesmo tempo. Podemos, por analogia, aplicar esse raciocínio aos valores? Acreditamos que sim, pois um valor não pode ser e não ser valor, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. A contradição, como impossibilidade lógica, pode servir de base para a apresentação de razões, na ética. No caso hipotético da bondade de Maria, conforme apresentado acima, se o valor da bondade é fundamento para os atos bondosos de Maria, a bondade não pode ser uma impossibilidade. Embora não se possa tratar as proposições da ética, por serem absurdas, como descritivas, como tendo sentido ou serem representativas, não se pode pensá-las como impossibilidade. É a lógica emprestando o seu serviço à ética.
A necessidade lógica se apresenta, também, em uma tautologia. A proposição, Maria é casada, ou Maria não é casada, será sempre verdadeira. Nesse caso, “A verdade da tautologia é certa” (Wittgenstein, 1994, p. 199). Pela concepção de tautologia e de contradição do Tractatus, isto é lógico, elas não podem representar e descrever fatos e fenômenos. Por essa razão, elas não podem descrever ações práticas da ética, como os casos listados de Maria ajudando pessoas idosas em um asilo. Por outro lado, “Tautologia e contradição não são, porém, contrassensos (sic); pertencem ao simbolismo, analogamente à maneira, na verdade, como o ‘0’ pertence ao simbolismo da aritmética” (Wittgenstein, 1994, p. 199). Se as proposições da ética que expressam valores e juízos morais são contrassensos, não são, obviamente, tautologias e contradições. Por essa razão, podemos inferir que a necessidade lógica não pode ser usada no mesmo sentido que a necessidade ética, muito menos aplicar a necessidade lógica para a ética, como se a noção de obrigatoriedade ética fosse sinônimo de necessidade. O dever ser moral tem um sentido de obrigatoriedade, a partir do que é possível, por escolhas, segundo o que se compreende por aceitável, desejável e adequado no campo da conduta. Logo, o “deve ser” assim ou o “tem que ser assim”, na ética, não implica, em sentido estrito, uma necessidade lógica idêntica à necessidade da tautologia e da contradição. Se não fosse assim, as proposições absurdas da ética seriam “Maria é boa” ou “Maria não é boa” para a tautologia, e “Maria é boa” e “Maria não é boa”, para a contradição, o que é bem diferente de como Wittgenstein apresenta.
Wittgenstein sugere que a Ética é sobrenatural e que agir eticamente seria análogo a “seguir uma estrada absolutamente correta. Creio que seria aquela que, ao vê-la, todo mundo deveria tomar com necessidade lógica […]” (Wittgenstein, 2005, p. 219). Creio que o sentido de necessidade lógica aqui é a forma da necessidade. Ou seja, ao entendermos a necessidade lógica, por analogia, deveríamos aplicá-la nas escolhas éticas. Acreditamos que a necessidade moral se apropria da necessidade lógica, colocando como ponto de partida a possibilidade de escolher por liberdade. Entendemos que deve existir uma transmutação da necessidade lógica para a obrigatoriedade moral, para existir a compatibilidade com a liberdade. Se fôssemos aplicar, diretamente, a necessidade lógica para o campo da ética, entenderíamos que as escolhas ficariam condicionadas por um sentido forte de necessidade, o que levaria a comprometer a ideia mesma de liberdade, condição fundamental para pensar as ações éticas, a partir do direito de escolha e a responsabilidade que daí deriva.
As escolhas devem ter uma razão para justificá-las. Embora, para Wittgenstein, as justificativas devem ter um fim, “mas a cadeia de razões tem um fim” (Wittgenstein, 1996, p. 145), no sentido de terem um limite, não podemos abrir mão de apresentá-las, quando necessário, para pretender dar legitimidade à argumentação e convencer os que não aderem ou não compreendem por que escolher um caminho em detrimento de outro é desejável, porque escolher fazer de uma forma ou de outra é preferível. Nenhuma pessoa razoável pode escolher sem levar em conta regras, princípios e valores que orientam a ação de um indivíduo em determinado grupo. As disputas de opiniões, as diferentes crenças, os diferentes tipos de argumento estão atrelados a um quadro de referência valorativo, a um sistema de valores e a uma imagem de mundo. É esclarecedora a seguinte passagem de Wittgenstein:
Imagine que você fosse como pesquisador a um país desconhecido cuja língua você desconhece completamente. Em que circunstância você diria que as pessoas de lá dão ordens, entendem as ordens, cumprem ordens ou se insurgem contra elas etc.? O modo de agir comum dos homens é o sistema de referência por meio do qual interpretamos uma língua estrangeira. O modo de agir comum dos homens é o sistema de referência por meio do qual interpretamos uma língua estrangeira (Wittgenstein, 1996, p. 115).
Assim como uma língua estrangeira é interpretada segundo esse sistema de referências, as regras, princípios e valores morais de outras grupos que não o nosso são interpretados. Estas são as condições pelas quais uma escolha pode ser qualificada como preferível em relação a outra. No campo da ética, não pode haver escolhas gratuitas e completamente arbitrárias, em que reinam as peculiaridades do psicologismo e do relativismo cultural. Cada escolha, embora eivada de influência das circunstâncias, de interesses, da intencionalidade interessada e das finalidades próprias de cada ação, precisa ser aceita a partir de critérios objetivos. Tais critérios devem valer como elementos que acomunam os interesses dos sujeitos agentes, em determinada sociedade, em torno daquilo que é significativo e valorativo para promover a dignidade humana. Afinal, deve haver uma ligação interna entre os valores e as práticas éticas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: O CARÁTER INCONCLUSO DAS REFLEXÕES
SOBRE A ÉTICA
A complexidade e as dificuldades em torno da definição e compreensão do que é ética teriam levado Wittgenstein ao silêncio em relação a esse tema? Acreditamos que o trabalho de esclarecimento lógico da linguagem era prioritário e, a partir deste trabalho, poderíamos compreender as implicações para a ética. Para Wittgenstein, a ética não é uma ciência e não pode, portanto, ser explicada pela psicologia, nem por qualquer outra ciência. A ética é uma atitude que se fundamenta no que é tido como bom. Não o bom descritivo das assim chamadas boas ações, mas o bom em si mesmo e por si mesmo, o que equivaleria a uma espécie de Bem Supremo, para lembrar Espinosa. As razões apresentadas deveriam visar justificar que as ações éticas seriam praticadas com fundamento nesse valor absoluto e não a partir de qualquer sorte de causas. E, para Wittgenstein, não é adequado, olhar uma causa a partir de dentro, acreditando ser uma razão. Causas e razões pertencem a categorias distintas.
Talvez, a questão mais difícil de ser aceita, em ética, é que o outro ou os outros têm o direito legítimo de discordar, escolher de outra maneira e decidir segundo o que entendem ser o melhor. Não há, por isso mesmo, nenhuma garantia de que haveria qualquer tipo de consenso sobre o que é eticamente desejável. Os argumentos podem não convencer, e as ações dos outros podem tomar rumos completamente diferentes de uma pessoa para a outra, de um grupo para outro. Mais desafiador ainda é aceitar que, mesmo que os argumentos sejam aceitos, alguém pode, por liberdade, fazer o contrário do que é razoável, eticamente falando. Humanamente é bem possível isso ocorrer. É claro que, nesses casos, os juízos morais, condenando tais atitudes, seriam expressos de forma contundente. No entanto, não necessariamente, têm o poder de alterar, influenciar ou determinar as ações das pessoas.
Claro que isso instauraria desacordos profundos entre os utentes de concepções éticas vigentes. A busca pretendida por pessoas desejosas da prática do bem, é claro, visa a acordos, não desacordos, muito menos desacordos profundos[5].
Quem poderia espantar-se com esses fatos e obviedades? Ora, o filósofo! Talvez apenas o filósofo possa perceber que não somos racionais antes de admitirmos certas coisas; ou ainda que, para sermos racionais, é preciso antes sermos razoáveis, aceitando momentos prévios de salutar e constitutiva penumbra (Salles, 2024, p. 307).
Em um mundo onde o relativismo cultural parece ditar o que é adequado também no comportamento humano; onde as múltiplas referências colocam-se com pretensões de legitimidade, com toda força; onde as diferentes concepções morais reivindicam legitimidade, embora não consigam consenso sobre sua legitimidade; onde as diferentes hierarquizações de valores, quando não a inversão de valores, são algo praticamente naturalizado; onde a tecnociência parece esmaecer imagens e visões de mundo míticas e religiosas; onde tudo parecer ser permitido, porém com experiências intensas de que nem tudo é adequado; onde o que é obrigatório juridicamente é confundido com o que é obrigatório moralmente ou vice-versa; onde a obediência ao que não é obrigatório é confundida com “tudo é permitido”; onde o sentimento de pertencimento à humanidade está em crise; onde a experiência fundamental do que é entendido como dignidade humana é confundido com aparências de êxito, sucesso, honra e glória, entre outras coisas, parece filosoficamente salutar seguir a sugestão de Wittgenstein de, ao fazer comparações, aprender a ver diferenças.
Este parecer ser o ponto de partida adequado para, através do diálogo, com razoabilidade, interagir com o outro e instituir, através da cooperação e da copresença, condições mínimas para as ações eticamente desejáveis. Afinal, para Wittgenstein, afirmar que há vários sistemas de ética não significa que todos tenham a mesma legitimidade. Logo, é necessário este exercício interessado em procurar, junto com o outro, razões suficientes e necessárias para uma convivência digna.
REFERÊNCIAS
DALL’AGNOL, Darlei. A Ética no Segundo Wittgesntein vista a Partir de Loparic. Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 5, n. 3, p. 2-13, número especial, jul.-dez., 2010.
LOPARIC, Z. Ética Originária e Práxis Racionalizada. In: DALL’AGNOL, D. Verdade e respeito: a filosofia de Ernst Tugendhat. Florianópolis: Edufsc, 2007, p. 263-344.
MOORE, G. Edward. Principia ethica.São Paulo: Ícone, 1998. Tradução de Márcio Pugliesi e Divaldo Roque de Meira.
SALLES, João Carlos. Gatos, peixes e elefantes: a gramática dos acordos profundos.São Paulo: Aretê Editora e Comunicação, 2024.
SALLES, João Carlos. O Retrato do Vermelho e Outros Ensaios. Salvador: Quarteto Editora, 2006.
SHARROCK, Danièle Moyal. The Third Wittgenstein. The Pos-Investigations Works. Hampshire: Ashgate Publishing, 2004.
STROLL, Avrum. Moore and Wittgenstein on Certainty. Oxford: Oxford University Press, 1994.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. 2. ed.Petrópolis-RJ: Vozes, 1996. Tradução de Marcos G. Montagnoli.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus.2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994. Tradução de Luiz Henrique Lopes dos Santos.
WITTGENSTEIN, Ludwig Conferência sobre Ética. In: DALL’AGNOL, Darlei. Ética e Linguagem: uma introdução ao Tractatus de Wittgenstein. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2005, p. 213-224.
[1] Acerca dessa concepção, devemos lembrar que “o filósofo trata uma questão como uma doença” (Wittgenstein, 1994, p. 126).
[2] Na análise das razões, Wittgenstein é cuidadoso, crítico e procura estabelecer rigorosos limites no estabelecimento dos fundamentos, pois “[…] os elos da corrente de razões chegam a um fim, na fronteira do jogo” (Wittgenstein, 2003, p. 69). Esta é uma das razões que impedem, no nosso modo de entender, de chamar Wittgenstein de fundacionista. Ele analisa os usos dos conceitos, princípios e valores na ação, na prática, nos usos regrados em jogos de linguagem envolvendo a dimensão valorativa.
[3] A filosofia não terá mais um único método, como no Tractatus, qual seja, o esclarecimento lógico das proposições, no pensamento tardio, a filosofia terá diferentes métodos, diferentes atividades, ou seja, descrever e exemplificar os usos dos conceitos, em jogos de linguagem, como forma terapêutica.
[4] “A terapia dissolve, pois, confusões conceituais; afinal, na filosofia, é sempre preciso perguntar: ‘Como se pode enxergar este problema de modo que se torne solúvel?’” (Salles, 2006, p. 127).
[5] Uma boa análise dos acordos profundos, em Wittgenstein, como forma de superar os desacordos, pode ser encontrada em Salles (2024).