LINGUAGEM: DA REPRESENTAÇÃO ORAL À PRODUÇÃO DE GÊNEROS EMERGENTES

LANGUAGE: FROM ORAL REPRESENTATION TO THE PRODUCTION OF EMERGING GENRES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202505252105


Maria Vânia Pereira Magalhães1


RESUMO

Este trabalho traça a trajetória do processo comunicativo da linguagem desde as sociedades da oralidade primária até a linguagem digital e tem como objetivo apresentar as transformações da linguagem diante da necessidade comunicativa de um grupo social que perpassa pela revolução tecnológica. Diante desse contexto, a escrita se apresenta como forma de registro resultante das novas tecnologias e tem papel fundamental na reorientação das estruturas sociais. Com a comunicação mediada por computador (CMC), a linguagem passa por adequações no novo ambiente (ciberespaço) que dispõe de agilidade, versatilidade, informação e promove, sobretudo, a interação entre pessoas em espaços físicos diferentes. O espaço dessa nova cultura tecnológica não somente potencializa a interação entre os grupos sociais, mas também propicia a evolução de gêneros que têm proliferado dentro das novas tecnologias.

Palavras-chave: Linguagem. Oralidade. Comunicação. Ciberespaço. Tecnologias.

ABSTARCT

This work traces the trajectory of the communicative process of language from the societies of primary orality to the digital language and aims to present the transformations of language in the face of the communicative need of a social group that goes through the technological revolution. Given this context, writing presents itself as a form of registration resulting from new technologies and plays a fundamental role in the reorientation of social structures. With computer-mediated communication (CMC), language passes through adaptations in the new environment (cyberspace) that has agility, versatility, information and mainly promotes the interaction between people in different physical spaces. The space of this new technological culture not only enhances the interaction between social groups, but also fosters the evolution of genres that have proliferated within the new technologies.

Keywords: Language. Orality. Communication. Cyberspace. Technologies.

INTRODUÇÃO

A linguagem como meio sistemático de comunicação tem alcançado dimensões que exigem, continuamente, das teorias da linguagem concepções que acompanhem as mudanças e influências linguísticas pelas quais a sociedade sofre, seja em decorrência da natural trajetória histórica, seja por fatores universais provocados pelo meio e que impulsionam novas aquisições da linguagem diante, principalmente, das intensas inovações tecnológicas responsáveis pela criação de ferramentas eletrônicas que tem se tornado, gradativamente, indispensáveis nas interações sociais, sejam relações interpessoais mais ou menos próximas.

O contexto marcado por essas interações é resultado da utilização dos softwares de comunicação, os quais reduzem virtualmente a distância entre os participantes do diálogo e, consequentemente, o tempo de espera entre cada enunciação. Agora, as concepções de espaço e tempo estão diretamente relacionadas ao ambiente em que se está inserido no momento: real ou virtual. Lévy (1998, p. 145) já havia mencionado que “o homem informatizado está inaugurando práticas sociais e culturais ainda parcialmente desconhecidas, assim como se aborda a costa de um continente inexplorado”. De fato, não há previsão de limite para os avanços tecnológicos digitais. 

E diante deste contexto dinâmico das tecnologias digitais, a linguagem vem sofrendo contínuas modificações para se adaptar ao meio social, as quais atingem não somente os campos morfológico e sintático, mas também o semântico, uma vez que a linguagem virtual, por convenções sociais, tem dado novos sentidos à palavra fora de seu contexto real.

1. DA ERA DA PEDRA À ERA DIGITAL

Desde a origem da humanidade a linguagem esteve presente antes mesmo da palavra como representação da necessidade de comunicação vivenciada pelo homem que, ao acompanhar a evolução de seu tempo, utilizou, naturalmente, formas de expressão, desde a mais complexa a mais abstrata, que melhor exprimissem suas emoções, sensações e sentimentos vividos.

1.1 Linguagem oral

O filósofo Jean-Jacques Rosseau (1978) já havia suposto que a evolução gradativa da linguagem humana resultou da necessidade de comunicação que, a priori, surgiu em forma de grito, denominado por ele de “grito da natureza”, usado pelos primeiros homens para solicitar socorro diante do perigo ou mesmo como forma de aliviar dores intensas. Não seria ainda a oralidade, mas a primeira manifestação de sua existência a posteriori.

Sem o uso da escrita e da oralidade, o homem primitivo dispunha de formas escassas de comunicação: ou fazia registros de seus pensamentos, por meio da imagem, nas paredes das cavernas e demais materiais (ossos, pedras, peles de animais etc.), ou expressava-se através de limitados gestos com plurissignificância.

Para o filósofo, a recorrência aos sons inarticulados e aos gestos só foi possível a partir do abandono do estado de isolamento primitivo. 

Quando as ideias dos homens começaram a estender-se e a multiplicar-se, e se estabeleceu entre eles uma comunicação mais íntima, procuraram sinais mais numerosos e uma língua mais extensa; multiplicaram as inflexões de voz e juntaram lhes os gestos que, por sua natureza, são mais expressivos e cujo sentido depende menos de uma determinação anterior (ROSSEAU, 1978, p. 248).

O estabelecimento de uma comunicação visual e auditiva promoveu, naturalmente, a invenção dos sons articulados e convencionais, que outrora eram apenas imitativos ou representativos. As sociedades da oralidade primária[1], por exemplo, estabeleciam uma comunicação representativa, uma vez que faziam uso da oralidade através de narrativas que eram repetidas, periodicamente, para os mesmos grupos sociais, como estratégia de memorização e valorização das tradições vigentes, já que não dispunham de outra forma de registro.

Nas sociedades orais, as mensagens linguísticas eram sempre recebidas no tempo e no lugar em que eram emitidas. Emissores e receptores partilhavam uma situação idêntica e, em geral, um universo análogo de significado. Os atores de comunicação estavam embebidos no mesmo banho semântico, no mesmo contexto, no mesmo fluxo vivo de interação (LÉVY, 1997, p. 03).

A exposição oral do narrador evidencia a importância dos elementos da comunicação – explorados por Jakobson (2010) na Teoria da Comunicação – no processo de transmissão de informação, construção de conhecimento e propagação de cultura e ideologias. Percebe-se ainda que a representação oral, nesta sociedade, favoreceu a interação entre narrador (remetente/falante/codificador) e espectador (destinatário/ouvinte/ decodificador) que comungavam de tempo e espaço em comum e reais, além de possibilitar diferentes interpretações que fogem do campo linguístico, visto que a representação oral (elementos linguísticos) em si é carregada de emoções (elementos extralinguísticos), sendo possível

evidenciar as funções poética e expressiva. Era preciso explorar ao máximo os artifícios que estivessem ao alcance das sociedades orais (dança, dramatização, música, etc.) para que os acontecimentos históricos fossem informados e perpetuados naquela sociedade. Todavia, a transmissão oral da mensagem, após as repetidas transmissões, poderia tanto ganhar quanto perder informação, uma vez que a oralidade primária era desprovida da modalidade escrita da língua.

1.2 Linguagem escrita

A evolução da linguagem é resultado da necessidade comunicativa de um grupo social, capaz de estabelecer, convencionalmente, signos linguísticos e aperfeiçoá-los. Mediante essa necessidade, a modalidade escrita da língua surge na história da sociedade como uma das possibilidades de comunicação ou de registro, atendendo a uma minoria, a princípio, já que a escrita é marcada, na Idade Média, pelo uso dos manuscritos (rolos e pergaminhos escritos à mão), os quais eram, praticamente, de utilização exclusiva da Igreja, onde se encontravam os monges copistas. 

Posteriormente, os pergaminhos foram substituídos pelo códex (livro manuscrito em folhas), o que foi considerado uma grande evolução, visto que o leitor poderia ficar com uma mão livre, o que em outrora não seria possível. 

Essas mudanças foram ocorrendo mediante a popularização da leitura que se intensificou com alguns fatos marcantes: o desenvolvimento do papel extraído da árvore, a revolução industrial e as invenções tecnológicas de Gutenberg (imprensa e tipografia). 

[…] o objeto livro torna-se popular e difunde a escrita, revolucionando o modo de ler: da leitura necessariamente oral e limitada dos rolos a uma leitura – também necessariamente – silenciosa e em grande quantidade, não mais reproduzida por copistas, mas por máquinas (RAMOS & RAMOS, 2016, p. 01).

A popularização do jornal impresso no início do século XVII promoveu, significativamente, a expansão do número de leitores, visto que estes contavam agora com a mobilidade, já que o texto impresso poderia ser lido em espaço público, sem a necessidade de o leitor sentar-se.

As interpretações, por meio da linguagem escrita, passaram a ter caráter mais individualizado e a aquisição do conhecimento dos fatos históricos não dependia mais da memorização de um discurso produzido em tempo e espaço comum entre os sujeitos envolvidos na comunicação.

Com a escrita, passou a ser possível tomar conhecimento de fatos presenciados ou relatos feitos por pessoas que viveram em outras épocas ou lugares. Pela primeira vez na história da humanidade, o discurso pôde ser compreendido fora do contexto em que foi produzido (DIAS, 1999, p. 269).

A partir do século XIX, muitos foram os avanços tecnológicos que influenciaram na forma de comunicação da sociedade. Os novos dispositivos e suportes (televisão, computador, disco de vinil etc.) configuram-se como revolução da linguagem, passando do estágio de uma oralidade primária para secundária, dispondo dos demais recursos e técnicas disponíveis, conforme ilustração a seguir.

Figura 01 – Revolução da linguagem

Fonte: Dias (1999, p. 269)

De acordo com Pugliese (1999), “a evolução das formas de linguagem nos posiciona em uma cultura tecnológica, na qual o rádio, a televisão e mais recentemente os computadores estimulam o desenvolvimento da oralidade em uma esfera de dependência da escrita”. Para o autor, pertencemos a uma cultura escrita, mesmo que não a percebamos. O fato é que, com a comunicação mediada por computadores, os diferentes suporte e instrumentos (papel, lápis, prensa, computador) podem ser utilizados em um único suporte, o que configura o novo paradigma, já que a tecnologia da informação possibilitou a integração dos tipos de linguagem.

[…] textos escritos e oralizados, imagens fixas e em movimento, sons musicais ou ruídos, gestos, toques e toda sorte de respostas corporais se combinam para constituir uma modalidade discursiva única e holística. A informática nos impõe, portanto, o desafio de aprender a construir o pensamento e expressá-lo socialmente através de um conjunto integrado de meios, através de um discurso áudio-tátil-verbo-moto-visual, sem hierarquias e sem a hegemonia de um código sobre os demais (MACHADO, 2002, p. 109).

Sob essa perspectiva, tem-se uma linguagem escrita em menor extensão para dar espaço às demais formas de discurso que ganham amplitude à medida que as inovações tecnológicas acontecem.

1.3 Linguagem digital e suas implicações

A comunicação mediada por computador (CMC), ou comunicação eletrônica, traz consigo uma série de implicações socioculturais que refletem, diretamente, na linguagem e esta, necessariamente, adapta-se ao seu tempo e ao espaço, o que não significa maior ou menor complexidade em sua estrutura linguística.

De acordo com Pugliese (2010, p. 11), “a linguagem digital é, em essência bastante simples, configurando-se como uma linguagem articulada com as tecnologias de informação e comunicação, as TIC”, as quais possibilitam ações diversas, conforme a intenção do sujeito social: interagir, comunicar, adquirir conhecimento, fornecer ou obter informação etc.  Na perspectiva de Kenski (2007), a linguagem digital é

uma linguagem de síntese, que engloba aspectos da oralidade e da escrita em novos contextos […] rompe com as formas narrativas circulares e repetidas da oralidade e com o encaminhamento contínuo e sequencial da escrita e se apresenta como um fenômeno descontínuo, fragmentado e, ao mesmo tempo, dinâmico, aberto e veloz. Deixa de lado a estrutura serial e hierárquica na articulação dos acontecimentos e se abre para o estabelecimento de novas relações entre conteúdos, espaços, tempo e pessoas diferentes (p. 31).

Para o autor, a linguagem digital aproxima-se do que de fato acontece quando os interlocutores interagem face a face, visto que a impossibilidade do contato físico não impede que a comunicação seja efetiva, já que a linguagem escrita no ambiente virtual é acompanhada de outros recursos que garantem a finalidade comunicativa nesse contexto. A utilização dos emoticons (ícones indicadores de emoção) e outros elementos semióticos (imagens, fotos, sons, áudios etc.) são, por exemplo, recursos extralinguísticos impregnados de subjetividade, portanto, têm função importante no alcance da intenção comunicativa.

Figura 02 – Emoticons

Fonte: Google imagens

Os aplicativos de conversação ou chats (Skype, Whatsapp, Messenger etc.) e as redes sociais (Facebook, Instagram, Twiter etc.), oriundos da revolução causada pela explosão tecnológica, são hoje as ferramentas de interação sociocomunicativas mais utilizadas, porque, além de exercerem sua função comunicativa e informativa, possibilitam a rapidez da comunicação e a interação entre os falantes. Por essa razão, é comum a linguagem apresentar caráter informal, sendo constantes as marcas da oralidade por meio do emprego exagerado de abreviações.

Figura 03 – Palavras abreviadas

Fonte: Google imagens

Esse tipo de linguagem, aparentemente complexa, é de fácil compreensão para os membros de uma comunidade dialógica que tanto codificam a mensagem, na condição de emissores, quanto decodificam os signos linguísticos enquanto receptores. Se a linguagem empregada produz efeito e permanece em uso entre os interactantes, ela cumpre seu papel social.

A linguagem só vive na comunicação dialógica daqueles que a usam. É precisamente essa comunicação dialógica que constitui o verdadeiro campo da vida da linguagem. Toda linguagem, seja qual for o seu campo de emprego (linguagem cotidiana, a prática, a científica, a artística, etc.), está impregnada de relações dialógicas (BAKHTIN, 2013, p. 209).

Crystal (2001 apud MARCUSCHI, 2005), em seu livro “A linguagem e a internet”, aponta três aspectos que buscam descobrir “o papel da linguagem na internet e o efeito da internet na linguagem”:

(1) do ponto de vista da linguagem, temos uma pontuação minimalista, uma ortografia um tanto bizarro, abundância de abreviaturas nada convencionais, estruturas frasais pouco ortodoxas e uma escrita semialfabética; (2) do ponto de vista da natureza enunciativa dessa linguagem, integram-se mais semioses do que usualmente, tendo em vista a natureza do meio; (3) do ponto de vista dos gêneros realizados, a Internet transmuta de maneira bastante complexa gêneros existentes, desenvolve alguns realmente novos e mescla vários outros (p. 19).

Sob essa perspectiva, há muito que considerar, pois a discussão sobre a linguagem é ampla e sua dinamicidade exige, constantemente, atualização de concepções que acompanhem as mudanças da atividade dialógica que, no ambiente virtual, acontecem com maior fluidez, gerando implicações na escrita que tende a ser informal devido à menor monitoração e rapidez do tempo (MARCUSCHI, 2005). 

2. CIBERESPAÇO E GÊNEROS EMERGENTES

De acordo com Lévy (1999 apud SARDINHA 2011), o ciberespaço “é a representação de um estágio avançado de auto-organização social, em desenvolvimento – a inteligência coletiva”. Esse espaço surge mediante as inovações tecnológicas que dispõem de suportes e possibilitam ao homem novas formas de sociabilidade e interação. Neste contexto, tem-se a cibercultura, um fenômeno presente na vida do homem contemporâneo e que se apresenta como cultura no ciberespaço, possibilitando o falar livremente e em grupos nas redes sociais e potencializando a conversação.  

Para Erickson (1997 apud MARCUSCHI 2008, p. 198), “a interação on-line tem o potencial de acelerar enormemente a evolução dos gêneros” e estes têm proliferado no ambiente virtual, conforme a necessidade comunicativa do homem.

Os gêneros adaptam-se, renovam-se e multiplicam-se e devem ser estudados na relação com as práticas sociais, os aspectos cognitivos, os interesses, as relações de poder, as tecnologias, as atividades discursivas e no interior da cultura. Mudam, fundem-se para manter sua identidade funcional com inovação organizacional. Nem são estáticos, nem puros, são formações interativas, multimodalizadas e flexíveis de organização social que contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia (MARCUSCHI, 2005, p. 19).

Segundo Marcuschi (2008), a temática “gêneros textuais” vem sendo discutida desde a década de 60 com a linguística do texto e a análise conversacional, mas o enfoque nos gêneros textuais emergentes da mídia virtual é mais recente e estes surgem, desaparecem ou se modificam conforme a necessidade comunicativa do homem, sendo válido destacar os seguintes:

1)     E-mail (correio eletrônico): ferramenta utilizada para enviar ou receber, instantaneamente, mensagens por meio da internet. Tem caráter formal e é considerado um gênero que evoluiu da carta.

2)     Chat fechado (bate-papo): tipo de conversação em grupo e em tempo real por meio da internet, sendo possível envio de áudios, imagens e arquivos. Esse tipo de interação comunicativa, atualmente, é utilizado com maior frequência entre os usuários do aplicativo Whatsapp (também considerado rede social) e Messenger (chat da rede social Facebook).

3)     Chat privado (bate-papo em sala privada): tipo de conversação on-line entre dois interactantes.

4)     Meme: é um gênero que tem tomado repercussão no ciberespaço, cujo termo vem do grego e significa imitação. Esse tipo de gênero consegue rapidamente multiplicar uma informação e associar a outras informações, integrando frases, músicas, conceitos, aspectos culturais, etc. Devido sua capacidade de se espalhar rapidamente entre vários usuários da internet, acaba tornando-se viral.

3. ANÁLISE DE CONVERSAS DE WHATSAPP E MEMES

Neste trabalho, deter-se-á à análise de dois gêneros emergentes do ambiente virtual: chat fechado (conversas de grupo de Whatsapp) e memes. O primeiro foi extraído de duas conversas realizadas por um grupo de estudantes usuários do aplicativo Whatsapp e o último do Google Imagens (duas amostras). A intenção desta análise é verificar as características da linguagem digital, bem como a interatividade, o grau de informalidade e as marcas de subjetividade.

3.1 Texto 01: Meme sobre pregação do pastor mirim

Fonte: Google imagens

1)     A informação contida nesse tipo de gênero só é compreendida se o leitor tiver conhecimento de atualidades ou se os conhecimentos adquiridos conseguirem fazer relação entre as informações humorizadas. Neste caso, o gênero faz referência às pregações do pastor mirim chamado Miguel, de 15 anos, que viralizou nas redes sociais, no mês de abril de 2025, por fazer uso de frases em inglês que, segundo ele, se tratava de uma língua estranha inspirada pelo Espírito Santo.

2)     O gênero é carregado de humor, sendo marcado pela reprodução das frases que se repetiam nas pregações do pastor mirim.

3)     As frases soltas, em inglês, e fora de contexto começaram a ser utilizadas em diversas situações do cotidiano, ampliando ainda mais a repercussão dos memes. A viralização foi tão expressiva que muitas pessoas, até então desconhecedoras do pastor mirim Miguel, passaram a procurá-lo nas redes para entender a origem e o sentido das expressões que se popularizaram.

3.2 Textos 02 e 03: Conversação em grupo de Whatsapp

Fonte: Aplicativo Whatsapp (própria autora)

1)     Através da análise, percebeu-se o uso frequente de redução de palavras, subtração ou supressão de vogais, prevalecendo uma escrita consonântica, como observado também no texto 01: 

•        q (que)

•        msg (mensagem)

•        pq (porque)

•        blz (beleza)

•        tbm (também)

2)     Outra característica da linguagem digital é a ausência de acentuação: so (só).

3)     A subjetividade é marcada, principalmente, pelo uso dos emoticons (emoji) que têm a finalidade de transmitir a emoção ou sentimento que a enunciação carrega. Outra marca de subjetividade é o uso da interjeição “ops”, a qual é bastante empregada na oralidade em situações de retificação da enunciação.

4)     O uso de onomatopeia também é usado como forma de demonstrar sentimentos ou emoções. Geralmente, seu uso é mais frequente quando se quer expressar risada: Kkkkkkkkk (risada intensa)

3.3 Texto 04: Meme Forever Alone

Fonte: Google imagens

1)     O texto 04, apesar de apresentar linguagem semelhante aos textos 02 e 03 – como é o caso de “vc” (você) – é carregado de certo sarcasmo, pois evidencia uma questão muito comum nas redes sociais: a publicidade de detalhes, que no caso é tirar o “bandeide”.

2)     Nota-se que algumas letras são trocadas ou empregadas equivocadamente, porém não comprometem a sonoridade das palavras, e outras são reduzidas e alteradas ao mesmo tempo, não fazendo uso da norma culta, o que é próprio da oralidade:

•        Simplismente (simplesmente)

•        Porque (por que)

•        Vey (velho)

3)     O emprego dos verbos, principalmente na forma infinitiva, é geralmente marcado pela supressão do -r no final:

•        Tira (tirar)

4)     No ambiente virtual parece haver conflito entre a língua materna e o inglês, optando ora por uma ora por outra:

•        Bandeide (Band-aid)

5)     Quanto ao ditongo nasal “-ão” é, na maioria dos casos, substituído por “-um”, “-aum”, “-ao”, “-u” ou, simplesmente, não é marcado:

•        n (não)

Vale ressaltar que a amostra contemplou um número mínimo de ocorrências linguísticas que se destacam no ambiente virtual, pois o campo é vasto para muitas discussões, principalmente diante das transformações que ocorrem em função das necessidades comunicativas do homem contemporâneo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As concepções sobre a linguagem são inúmeras que, ora se divergem ora se convergem ou complementam-se, todavia há um consenso quando se considera que linguagem e sociedade são bases da constituição humana que se organiza em grupos sociais e estes, por sua vez, estabelecem um sistema de comunicação que é a língua. Como fato social e dinâmico, ela acompanha as transformações de seu tempo e espaço, possibilitando, através da linguagem (signos linguísticos), a manifestação da necessidade social do homem. Este que não se contentou em, simplesmente, fazer parte de uma sociedade oralizada e memorizar os fatos históricos para transmitir para as futuras gerações, trouxe à sociedade contemporânea inovações das quais usufrui, podendo ampliar e tornar acessíveis seus conhecimentos. Diante desse contexto, a linguagem tem se adaptado ao novo espaço (ciberespaço) que exige agilidade no fornecimento e recebimento de informação. 

A comunicação mediada por computadores – e a consequente popularidade da utilização dos dispositivos móveis –, não possibilitou apenas a diversidade de suportes e instrumentos de comunicação, mas a reunião de diferentes linguagens em um mesmo suporte. Essa cultura tecnológica tem estimulado tanto o uso da oralidade quanto da escrita, contudo, é esta última que tem sofrido as transformações de uma revolução que, à medida que tem disponibilizado ao homem contemporâneo formas de acesso à leitura, tem propiciado a brevidade da escrita, já que agora os meios dispõem de elementos sonoros, auditivos e semióticos, o que dá espaço para a proliferação de gêneros emergentes da tecnologia digital. 

A discussão sobre a temática está longe de ser encerrada em razão de sua complexidade e é certo que perdurará, já que o objeto de estudo é dinâmico.


2São também chamadas de culturas orais, ágrafas, cultura sem escrita, culturas não-letradas, culturas oralistas, culturas verbo-motoras ou acústica e são, por excelência, o lugar dos narradores, dos mitos e das lendas (RAMAL 2002 apud PUGLIESE, 2010, p. 07)


REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.

DIAS, Cláudia Augusto. Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais. Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/ci/v28n3/v28n3a4.pdf>. Acesso em: 09 mai. 2025.

LÉVY, Pierre. A globalização do significado. São Paulo: Folha de São Paulo, 1997.

LÉVY, Pierre. A Máquina Universo: Criação, Cognição e Informática. Porto Alegre: Artmed, 1998.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999.

JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. 22.ed. Tradução de Izidoro Blikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 2010.

KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas: Papirus, 2007.

KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

MACHADO, Arlindo. As mídias são os livros do nosso tempo? In: PERUZZO, Cicília M.K. (org). A mídia impressa: o livro e as novas tecnologias. São Paulo: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares, 2002.

MARCUSCHI, L.A. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, A., GAYDECZKA, B., BRITO, K. (org.), Gêneros textuais: reflexões e ensino. Palmas: Kaygangue, 2005a.

_______. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In: MARCUSCHI, L. A. & XAVIER, A. C. (Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2005.

_______. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

PUGLIESE, André. Comunicação: reflexões sobre a mídia e a linguagem. I Encontro de História da Mídia da Região Norte, ALCAR – Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia. UFT, Palmas, TO, outubro de 2010. Disponível em:<http://www.ufrgs.br/alcar/noticias-dosnucleos/artigos/Comunicacao%20reflexoes%20sobre%20a%20midia%20e%20a%20linguage m.pdf>. Acesso em: 09 jan. 2023.

ROUSSEAU, J. J. Ensaio sobre a origem das línguas. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Coleção Os Pensadores).

RAMOS, Penha Élida GhiottoTuão; RAMOS, Márcio César Silva. Whatsapp: comunicação, ubiquidade e minimalismo. Anais do Encontro Virtual de Documentação em Software Livre e Congresso Internacional de Linguagem e Tecnologia Online, [S. 1], v. 5, n. 1, jun. 2016. ISSN 2317-0239. Disponível em:<http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/anais_linguagem_tecnologia/article/view/10 481>. Acesso em: 09 jan. 2023.

SARDINHA, Tânia Fonseca da Rocha. O contexto da tecnologia digital e os gêneros textuais emergentes. Anais do XV Congresso Nacional de Linguística e Filosofia. Cadernos do NNLF, vol. XV, n. 5, t. 3. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011. Disponível em:<http://www.filologia.org.br/xv_cnlf/tomo_3/176.pdf>. Acesso em: 09 jan. 2023.


1Mestre em Letras pela Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA); Especialista em Linguística pela Faculdade Educaminas; Graduada em Letras pela Universidade Federal do Pará (UFPA) – Parauapebas/PA – E-mail: vaniamagalhaesm@yahoo.com.br