LEVONORGESTREL: USO INDISCRIMINADO DO CONTRACEPTIVO DE EMERGÊNCIA

LEVONORGESTREL: INDISCRIMINATE USE OF EMERGENCY CONTRACEPTIVES

LEVONORGESTREL: USO INDISCRIMINADO DE ANTICONCEPTIVOS DE EMERGENCIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7997730


Siumara Vieira Celestino1;
Tatiara Santana Novais1;
Anny Carolinny Tigre Almeida Chaves1.


RESUMO

Objetivo: Avaliar a partir de estudos presente na literatura, os principais fatores associados ao uso indiscriminado do levonorgestrel. Métodos: O trabalho se baseou em uma revisão bibliográfica de caráter exploratório a partir da busca de artigos que abordassem o tema da contracepção de emergência nas plataformas PubMed, ScienceDirect e Periódicos CAPES utilizando os seguintes filtros: Contraceptive, morning after-pill, Woman, health, brazil e emergency contraceptive. Resultados: No total 44 títulos foram encontrados nas buscas, entretanto apenas os 10 artigos mais diretamente relacionados ao tema foram selecionados. Os artigos selecionados demonstraram que o uso indiscriminado do levonorgestrel ocorre principalmente entre os jovens. Fatores como o não uso do preservativo e da pílula anticoncepcional foram os principais motivos da utilização desse medicamento. O maior nível de escolaridade e a maior condição social também demostraram estar associadas a sua utilização corriqueira. Apesar da facilidade de compra ser um ponto importante de autonomia sexual e prevenção de uma gravidez indesejada, o amplo acesso a esse medicamento parece resultar em maiores taxas de sexo sem proteção. Considerações finais: A presente revisão identificou que o uso indiscriminado do levonorgestrel é um problema amplo de ocorrência em diferentes contextos e não se restringe apenas a realidade do Brasil.

Palavras-chaves: Contracepção de emergência, Pílula do dia seguinte, Gravidez indesejada, Doenças sexualmente transmissíveis

ABSTRACT

Objective: To evaluate, based on studies in the literature, the main factors associated with the indiscriminate use of levonorgestrel. Methods: The work was based on an exploratory bibliographic review based on the search for articles that addressed the topic of emergency contraception on PubMed, ScienceDirect and Periodicals CAPES platforms using the following filters: Contraceptive, morning after-pill, Woman, health, Brazil and emergency contraceptive. Results: A total of 44 articles were found in the searches, however only the 10 most directly related to the topic were selected. The selected articles demonstrated that the indiscriminate use of levonorgestrel occurs mainly among young people. Factors such as not using condoms and the contraceptive pill were the main reasons for using this medication. The highest level of education and the highest social status have also been shown to be associated with its common use. Although the ease of purchase is an important point of sexual autonomy and prevention of an unwanted pregnancy, the wide access to this medication seems to result in higher rates of unprotected sex. Final considerations: This review identified that the indiscriminate use of levonorgestrel is a broad problem that occurs in different contexts and is not restricted to the reality of Brazil.

Key words: Emergency contraception, Morning after pill, Unwanted pregnancy, Sexually transmitted diseases.

RESUMEN

Objetivo: Evaluar, con base en estudios de la literatura, los principales factores asociados al uso indiscriminado de levonorgestrel. Métodos: El trabajo se basó en una revisión bibliográfica exploratoria basada en la búsqueda de artículos que abordaran el tema de la anticoncepción de emergencia en las plataformas PubMed, ScienceDirect y Periódicos CAPES utilizando los siguientes filtros: Anticonceptivo, píldora del día después, Mujer, salud, Brasil y anticonceptivo de emergencia. Resultados: En las búsquedas se encontraron un total de 44 artículos, sin embargo solo se seleccionaron los 10 más directamente relacionados con el tema. Los artículos seleccionados demostraron que el uso indiscriminado de levonorgestrel ocurre principalmente entre los jóvenes. Factores como el no uso de preservativo y la píldora anticonceptiva fueron los principales motivos para el uso de este medicamento. También se ha demostrado que el nivel más alto de educación y el estatus social más alto están asociados con su uso común. Aunque la facilidad de compra es un punto importante de la autonomía sexual y la prevención de un embarazo no deseado, el amplio acceso a este medicamento parece resultar en mayores tasas de relaciones sexuales sin protección. Consideraciones finales: Esta revisión identificó que el uso indiscriminado de levonorgestrel es un problema amplio que ocurre en diferentes contextos y no se restringe a la realidad de Brasil.

Palabras clave: Anticoncepción de emergencia, Píldora del día después, Embarazo no deseado, Enfermedades de transmisión sexual.

INTRODUÇÃO

Apesar da disponibilização gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de métodos contraceptivos de uso regular como a pílula anticoncepcional, injeção hormonal e preservativo, a utilização de contraceptivos de emergência (CE), como a pílula do dia seguinte à base de levonorgestrel, tem se tornando bastante comum entre mulheres de diferentes faixas etárias (BARBOSA RM, et al., 2021; PROKOPCZUK SG, et al., 2022). O crescimento do uso indiscriminado desse medicamento tem sido observado principalmente entre os jovens e tem causado diversas preocupações quanto à disseminação de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e aumento da taxa de gravidez na adolescência (BRANDÃO et al., 2016; GARCIA VN, et al., 2019).

Por ser de baixo custo e apresentar alta eficiência na prevenção de uma gravidez indesejada, dentre os CE disponíveis no mercado, o levonorgestrel é um dos mais utilizados no Brasil e a depender da fase do ciclo menstrual em que a mulher se encontra, esse medicamento pode agir por dois mecanismos de impedimento da fecundação do óvulo. Neste caso, o levonorgestrel pode tanto atrasar a ovulação, quando a mulher está no início do ciclo menstrual conhecida também como primeira fase, quanto agir no muco cervical e alterar o transporte do óvulo e dos espermatozoides, quando o ciclo menstrual já está na segunda fase (PEREZ AA, et al., 2022).

A eficiência do levonorgestrel está diretamente relacionada com o tempo de uso, sendo assim a eficiência no impedimento da fertilização tende a reduzir paulatinamente à medida que o tempo entre a relação desprotegida e o tempo de uso do medicamento avançam (GUAZZELLI CAF e SAKAMOTO LC, 2020). Por não ser um medicamento considerado abortivo, após ocorrida a fertilização, o levonorgestrel tende a não apresentar o resultado esperado. Neste caso, a falta de necessidade de prescrição médica e a facilidade de compra desse medicamento contribuem para o seu uso no tempo indicado, aumentando assim as chances de não ocorrência de uma gravidez indesejada. Apesar de não ser considerado abortivo, a ocorrência de gravidez ectópica é relatada na literatura como um dos possíveis efeitos deste medicamento (LEELAKANOKN e MATHANEETHORN J, 2020).

Por ser um método de emergência, a pílula do dia seguinte deve ser utilizada quando houver falha no uso do método contraceptivo de rotina, como no caso de rompimento da camisinha, abuso sexual, deslocamento do diafragma, eventual relação sexual desprotegida e uso irregular do contraceptivo de rotina (BRASIL, 2012). Entretanto, principalmente entre os jovens têm se observado a adoção da pílula do dia seguinte em substituição ao uso do método contraceptivo de rotina. Como consequência, além da exposição à doença sexualmente transmissíveis pela não prevenção de trocas dos fluídos corpóreos durante o ato sexual (MEDEIROS LG, et al., 2014; GARCIA VN, et al., 2019; RIBEIRO RS, et al., 2020), o uso indiscriminado da pílula do dia seguinte pode resultar em efeitos colaterais que vão desde a irregularidades no ciclo menstrual, até dores abdominais e mamárias, náuseas, enjoos e dores de cabeça (GUAZZELLI CAF e SAKAMOTO LC, 2020; RIBEIRO RS, et al., 2020).

Apesar dos possíveis efeitos colaterais, comparado a outros CE, o levonorgestrel tem como principal vantagem a ocorrência reduzida de efeitos adversos, além de não apresentar redução da sua eficácia quando usado concomitantemente com medicamentos para combate de retrovírus. Sendo assim, para casos de abuso sexual, no qual é necessária a utilização de medicamentos de combate a doenças sexualmente transmissíveis, como o HIV, o levonorgestrel pode ser usado sinergicamente com esses medicamentos para a prevenção de possíveis consequências do abuso (BRASIL, 2010).

Outro fator que tem desestimulado o uso do preservativo e que tem estimulado o uso recorrente da pílula do dia seguinte, encontra-se o tabu sobre a diminuição da sensação de prazer na relação sexual com o uso do preservativo (MEDEIROS LG, et al., 2014). Atrelado a isso, a falta de necessidade de prescrição médica, o baixo custo e a disponibilização direta ao consumidor desse tipo de medicamento nas prateleiras das farmácias, além de facilitar o acesso ao medicamento, também parece estimular o seu uso corriqueiro (BARBOSA RM, et al., 2021).

Frente ao aparente crescimento do uso de CE, o principal objetivo desse trabalho foi apresentar uma revisão sistemática, com base na busca de artigos nas plataformas Science Direct, PubMed e Periódicos CAPES, que apontem as principais causas e os fatores associados ao crescimento contínuo do uso de levonorgestrel por mulheres, além de apontar o panorama geral sobre o uso indiscriminado desse medicamento.

MÉTODOS

Este trabalho trata-se de uma revisão sistemática da literatura, de caráter descritivo, em que o conhecimento produzido é publicado em artigos sobre o indiscriminado de contraceptivos. De acordo com GARCIA FM, et al. (2020), neste tipo de revisão, os fatos são descritos criteriosamente com a realidade das informações que já foram definidas como um problema a ser investigado.

Dessa forma, foi realizado um levantamento bibliográfico dos artigos indexados nos últimos 5 anos (2019, 2020, 2021, 2022 e 2023) nas bases de dados Pub Med, Science Direct e periódico CAPES. Nas duas primeiras plataformas os seguintes descritores em inglês foram utilizados para realizar a busca: (((Contraceptive) AND (morning after-pill) AND (Woman)) AND (health) AND (brazil)). Na base de dados periódicos CAPES os filtros utilizados para a busca foram: ((emergency contraceptive) AND (morning after-pill)).

O operador booleno AND foi utilizado como conjunção de ligação entre os termos supracitados visando aumentar o refino das buscas, resultando assim em estudos com ocorrência simultânea dos termos buscados.

Paralelo ao período preestabelecido, outro critério de inclusão adotado foi o tema dos artigos, sendo priorizados estudos que abordavam o uso indiscriminado do contraceptivo emergencial por mulheres em diferentes contextos. Além de artigos em português, trabalhos em inglês e espanhol também foram utilizados na escrita dessa revisão.

RESULTADOS

O número de artigos selecionados com base nos filtros utilizados para as buscas variou em função dos diferentes sites de busca utilizados.

Para as buscas baseadas nos filtros: (((Contraceptive) AND (morning after-pill) AND (Woman)) AND (health) AND (brazil)), dois artigos foram encontrados e selecionados na plataforma PubMed (artigo 1 e 2). Utilizando os mesmos filtros, 31 títulos foram encontrados na plataforma ScienceDirect, entretanto, apenas dois artigos foram selecionados (artigos 1 e 3).

Para a plataforma Periódicos CAPES, a busca com base nos filtros: ((emergency contraceptive) AND (morning after-pill)) resultou em 11 títulos, dos quais 6 foram selecionados (2, 3, 6, 7, 8 e 10) (Tabela 1).

Tabela 1 – Artigos selecionados nas plataformas PubMed, ScienceDirect e Periódicos CAPES.

PubMed
NAutores (ANO)Título
1LEON RGP, et al. (2019)Contraceptive use in Latin America and the Caribbean with a focus on long-acting reversible contraceptives: prevalence and inequalities in 23 countries.
2BORGES ALV, et al. (2012)Emergency contraceptive use among women attending Primary Health Care services in three Brazilian capital cities.
ScienceDirect
NAutores (ANO)Título
1
BARBOSA RM, et al. (2021)The emergency contraceptive pill in Brazil: High usage rates but schooling differences persist
3
Marquez-Lameda RD (2022)Predisposing and enabling factors associated with Venezuelan migrant and refugee women’s access to sexual and reproductive health care services and contraceptive usage in Peru
Periódicos CAPES
NAutores (ANO)Título
2
CEULEMANS M, et al. (2022)Development and Pilot Testing of a Dispensing Protocol on Emergency Contraceptive Pills for Community Pharmacists in Belgium
3
LEON-LARIOS F, et al. (2022)Nursing Students’ Knowledge, Awareness, and Experiences of Emergency Contraception Pills’ Use
6
HEWAMANNE S (2021)
Emergency Contraceptives are our Saviors: Sri Lanka’s Global Factory Workers Negotiating Reproductive Health
7
LANGER B, et al. (2020)The Quality of Counselling for Oral Emergency Contraceptive Pills – A Simulated Patient Study in German Community Pharmacies
8GULERIA S, et al. (2020)Emergency contraceptive pill use among women in Denmark, Norway and Sweden: Population-based survey
10ROSHI, D, et al. (2019)Prevalence and Correlates of Emergency Contraceptive Use in Transitional Albania

OBS: A ordem na tabela se refere a ordem dos artigos nas plataformas nos quais os mesmos foram selecionados.

DISCUSSÃO

Nos últimos anos a utilização de CE tem sido foco de vários estudos no Brasil. No geral, altas taxas de uso desse medicamento têm sido reportadas e estão associadas a diferentes fatores como: idade, escolaridade, estado matrimonial e a níveis socioeconômicos, como mostrado no artigo 1.

Os autores do artigo supracitado tinham o objetivo de verificar as taxas de uso de contraceptivos de emergência por mulheres em São Paulo e as variáveis associadas aos padrões de consumo. Barbosa RM, et al. (2021) conduziram uma pesquisa transversal baseada em respostas sobre a utilização desse método por 4 mil mulheres com idades entre 15 e 44 anos. A associação das variáveis baseada no modelo de regressão demonstrou que para este grupo, maiores taxas de utilização da pílula do dia seguinte estão associadas à pratica sexual com parceiros esporádicos ou a relações amorosas não-estáveis. Além disso, os autores também concluíram que quanto maior o nível de escolaridade, maior o conhecimento sobre o CE e, consequentemente, maior a sua utilização.

Até certo ponto, resultados como estes podem ser considerados antagônicos aos esperados, tendo em vista que quanto maior o nível de conhecimento, maior deveria ser a preferência pela utilização de métodos contraceptivos de prevenção à gravidez indesejada e à transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, como no caso do preservativo masculino ou feminino combinado com a pílula anticoncepcional.

Contrastando com os resultados obtidos por Barbosa RM, et al. (2021), no artigo 4 selecionado da plataforma Science direct, Márquez-Lameda RD (2022) conduzindo um estudo de cruzamento transversal com um grupo de 3.378 mulheres venezuelanas residentes no Peru, observou que em condições de instabilidade residencial, como em condições de imigração, o uso de CE é maior entre as mulheres refugiadas, principalmente quando o nível de escolaridade é mais baixo. Em termos percentuais, 5,7% das mulheres entrevistadas relataram já terem feito uso desse medicamento, principalmente as mulheres em uma faixa etária de 15 a 20 anos. A utilização também foi maior entre mulheres casadas e em posição socioeconômica mais elevada.

De modo geral, a situação socioeconômica mostra-se como um dos principais fatores envolvidos nas maiores taxas de uso do CE, tendo em vista a facilidade com qual esse tipo de medicamento é comercializado nas farmácias. Corroborando com os dois primeiros autores, no artigo 2, Borges ALV, et al. (2021) também observaram que uma posição socioeconômica mais elevada favorece o acesso das mulheres à pílula do dia seguinte. Este estudo envolveu 2.051 mulheres com idades entre 18 e 49 anos frequentadoras de Unidades Básicas de Saúde nos estados de Cuiabá, Aracaju e São Paulo. Uma regressão logística múltipla foi utilizada para analisar a influência da escolaridade, do número de parceiros, da condição socioeconômica e da situação trabalhista no padrão de consumo de CE.

Além de índices de consumo mais elevados para as mulheres em melhor situação socioeconômica, Borges AVL, et al. (2021) também observaram que entre as entrevistadas com 9 até 11 anos de escolaridade e que apresentavam estabilidade trabalhista, o consumo também foi maior. Comparando entre estados, quase o dobro das mulheres de São Paulo disseram já terem feito uso do CE quando em comparação com os outros dois estados. Com relação ao número de parceiros, 47,1% das mulheres com quatro ou mais parceiros disseram ter feito uso da pílula do dia seguinte.

Uma vez que nos últimos anos, a preocupação com DSTs tem diminuído, principalmente entre os jovens, o uso da pílula do dia seguinte, quando em comparação com o uso de preservativo, tem crescido cada vez mais como forma de evitar uma gravidez indesejada. Entretanto, a rotatividade de parceiros e a utilização errônea do CE em substituição ao método contraceptivo principal aumenta a exposição dos indivíduos a doenças sexualmente transmissíveis. Em detrimento ao uso de contraceptivos reversíveis de longa duração (DIU e implantes subdermicos), no Brasil existe uma preferência pela utilização de contraceptivos reversíveis de curta duração (preservativos e pílulas anticoncepcionais) (LEON RGP, et al., 2019).

A venda e o uso excessivo de pílula do dia seguinte parecem não se restringir a realidade de apenas alguns países. Visando orientar melhor mulheres que se dirigem às farmácias da Bélgica para a compra de pílulas do dia seguinte, no artigo 2, de Ceulemans M, et al. (2022), por exemplo, propuseram desenvolver e testar um protocolo de liberação de CE a ser aplicado pelos farmacêuticos no momento da venda desse medicamento. Nesse estudo, os farmacêuticos que participaram da elaboração do protocolo apontaram a necessidade de indagar questões como: Quando ocorreu a relação desprotegida? Quando foi seu último ciclo menstrual e qual o período de duração? Você faz uso de algum método contraceptivo? Nas últimas quatro semanas houve a ingestão de algum medicamento ou CE?

Questões como as apontadas pelos farmacêuticos entrevistados no estudo de Ceulemans M, et al. (2022), além de orientar a mulher para o uso correto, também podem servir de orientação para evitar a compra desnecessária e o uso indiscriminado da pílula do dia seguinte. Apesar dos potenciais benefícios, os autores também observaram o receio por parte dos farmacêuticos em abordar questões pessoais no momento da venda do CE. Entretanto, os mesmos apontaram que prioridade sobre o modo de ação e esclarecimentos sobre precauções após o uso da pílula do dia seguinte devem ser abordadas no momento da venda desse medicamento.

Apesar da aplicação de questionários durante a compra e do aconselhamento farmacêutico ser vista como uma ferramenta para diminuição da venda e do uso excessivo de CE, em um estudo transversal conduzido através da simulação de compra de CE em 199 diferentes farmácias da Alemanha, Langer B, et al. (2020) observaram que para situações nas quais diferentes CE estão disponíveis para venda, a exemplo do levonorgestrel e do acetato de ulipristal, o aconselhamento farmacêutico também pode resultar na venda equivocada do CE indicado para cada caso. Neste caso, um dos fatores apontados pelos autores para venda errada seria a falta conhecimento por parte dos atendentes das farmácias, os quais na referida pesquisa demonstrou não se tratar apenas de farmacêuticos, mas também de técnicos de farmácia.

No Brasil, a falta de aconselhamento e a não exigência de prescrição, favorecem a venda descontrolada e uso indiscriminado desse tipo de medicamento. A falta de dados sobre a venda e o não requerimento de prescrição médica também é observada para venda de CE na Espanha. Assim como demonstrado no artigo 3, visando mensurar a facilidade de compra e o nível de conhecimento de quem faz uso do CE, Leon-Larios F, et al. (2022) realizaram uma pesquisa transversal analítica e descritiva envolvendo 478 estudantes de enfermagem do sexo feminino e masculino da Universidade de Sevilha. Na ocasião a pesquisa constatou que um total 25,7% dos alunos entrevistados já havia recorrido ao uso do CE, devido a falha no uso preservativo ou em função da prática sexual sem a utilização de um método contraceptivo.

Leon-Larios F, et al. (2022) observaram também que mesmo a maior parte dos estudantes tendo relatado uso do CE apenas uma vez, uso acima de quatro vezes também foi citado na pesquisa. Apesar da maioria dos alunos terem respondido corretamente ao questionário, mesmo sendo da área da saúde, alguns alunos demonstraram não ter conhecimento sobre uso correto e o modo de ação desse medicamento. A crença sobre o CE ser abortivo e afetar o embrião em caso de gravidez foi observada entre os estudantes. Além disso, a afirmação de que a pílula do dia seguinte é um método contraceptivo e que seu uso pode ocorrer de forma indiscriminada sempre que necessário também foram observadas.

A não utilização de métodos contraceptivos como o preservativo e pílula anticoncepcional, e a prática do coito interrompido é frequentemente relatada como justificativa para o uso do CE. Em contextos culturais em que a prática sexual e a gravidez antes do casamento não são bem aceitas, e no qual o sexo sem proteção é comum devido ao machismo, a utilização do CE pode ser vista como uma ferramenta de “liberdade” sexual para a mulher, aumentando assim o seu uso indiscriminado (LEON-LARIOS F, et al. 2022).

A influência cultural na escolha do método conceptivo pode ser vista no artigo 6, de autoria de Hewamanne S (2021). A pesquisa envolveu entrevistas em diferentes períodos (2015 e 2017) com dois grupos de trabalhadores de uma Zona Franca no Sri Lanka, um grupo formado por 15 trabalhadores e um segundo grupo formado por 100 trabalhadores. Em ambos os casos, os entrevistados tinham entre 20 a 30 anos de idade. Nesse contexto, a pesquisadora observou que assim como o aborto, a utilização de CE está associada a uma cultura de machismo e de subserviência da mulher em relação as vontades do homem. Além disso, também foi observado que a adoção desses dois métodos também está correlacionada com a proibição do sexo antes do casamento e a falta de acesso a programas de planejamento familiar. Neste caso, o uso do CE seria uma maneira das mulheres “burlarem” esse tabu e ter algum tipo de controle sobre sua vida sexual e reprodutiva, mas sem colocar em risco sua reputação com a ocorrência de uma gravidez indesejada.

Mesmo em países onde o planejamento familiar e o uso de método contraceptivo são abordados como uma questão de saúde pública, a prática sexual sem preservativo e sem o uso de pílulas concepcionais é recorrente. Estudos realizados na Dinamarca, Suécia e Noruega, por exemplo, demonstraram que a prática do sexo sem preservativo e com parceiros esporádicos também são os principais motivos para o uso indiscriminado do CE. Essas observações foram feitas por Guleria S, et al. (2020) (artigo 8) com base nas respostas de 48.788 mulheres. Para as análises os autores disponibilizaram para as entrevistadas questionários impressos e em formato digital contendo perguntas quanto a idade, frequência e uso de CE, escolaridade, estado matrimonial e hábitos de vida. As razões e os intervalos de confiança foram obtidos a partir de modelos logísticos generalizados com base nas respostas das entrevistadas. Assim como outros autores, Guleria S, et al. (2020) observaram também que maiores taxas de uso de CE ocorrem entre mulheres solteiras e com alto nível de escolaridade. Fatores como o consumo de álcool e o tabagismo também são citados por esses autores como agravantes do uso de CE.

A não exigência de prescrição médica para compra de pílula do dia seguinte tem como principal vantagem a facilidade de compra e a possibilidade de uso imediato após a relação desprotegida, evitando assim a ocorrência de uma gravidez indesejada, uma vez que a eficácia do medicamento depende do tempo de uso, a facilidade de compra corrobora para a eficiência desse contraceptivo. Contudo, a facilidade de acesso também parece estimular o seu uso indiscriminado e a prática sexual sem proteção, o que pode aumentar o risco de exposição a doenças sexualmente transmissíveis. Mesmo em países onde a prescrição médica ainda é exigida, na prática o CE é vendido sem essa necessidade, assim como é citado por Roshi D, et al. (2019) no artigo 10.

Confirmando resultados observados também por outros pesquisadores, Roshi D, et al. (2019) aplicando a metodologia de estudo transversal cruzado a partir das respostas de questionários aplicados a 205 mulheres albanesas, observaram que mesmo havendo a exigência legal de prescrição para compra de CE, as mulheres albanesas tinham fácil acesso ao levonorgestrel nas farmácias. Do total de mulheres entrevistadas, 46,8% reportaram já terem feito uso do CE em alguma ocasião e quase 100% relataram não terem apresentado prescrição para a compra. Diferentes de outros estudos citados anteriormente, nesse estudo o autor observou que o maior uso ocorreu entre mulheres de nível socioeconômico mais baixo. Os autores argumentam que o custo elevado dos métodos contraceptivos pode ser o principal motivo para o alto uso do CE já que o mesmo é muito mais barato. Comparado a outros países da Europa, a Albânia demonstrou uma estimativa de venda de CE muito mais elevada, 0,22 doses diárias a cada 1.000 habitantes.

CONCLUSÃO

A eficácia, o baixo índice de efeitos colaterais e a possibilidade de uso concomitante com outros medicamentos são a principais vantagens que favorecem o amplo uso do levonorgestrel na prevenção de uma gravidez indesejada resultante de uma relação ou abuso sexual desprotegidos. Além do fácil acesso no momento da compra, a falta de necessidade de prescrição corrobora para eficiência no uso desse medicamento, entretanto, esse parece ser também um dos principais estimuladores do seu uso indiscriminado. Além dos possíveis efeitos a longo prazo, o uso indiscriminado do levonorgestrel em substituição ao contraceptivo de rotina pode resultar na disseminação de DSTs, acarretando assim em um problema de saúde pública. Neste caso, a conscientização da população em geral, através de campanhas de promoção da Saúde Sexual, sobre a importância do uso regular do contraceptivo de rotina e da utilização do levonorgestrel apenas em caso de efetiva emergência, faz-se necessária para desestimular o uso indiscriminado deste medicamento.

REFERÊNCIAS

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Universidade Salvador – UNIFACS, Feira de Santana – BA.
Autora correspondente: *E-mail: annytigre@hotmail.com