LEUCEMIA PLASMOCITÁRIA PRIMÁRIA: RELATO DE CASO

PRIMARY PLASMA CELL LEUCEMIA: CASE REPORT

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/ra10202504251543


Herbert Iago Feitosa da Fonsêca1
Aline Stephanie Perez Gomez1
Priscila Pires Gonçalves1
Lucas Queiroga Oliveira2
Igor Lorenzo Ribeiro de Oliveira3
Fernanda Lemos Magalhães3
Paulo Vítor de Amorim Silva3
Orientador: Rejane Nina Martins4


Resumo

A Leucemia Plasmocitária (LP) é uma condição rara e grave, podendo ser primária ou secundária ao Mieloma Múltiplo. A forma secundária tem um prognóstico mais sombrio, com sobrevida média de 18-20 meses, com resposta limitada aos tratamentos atuais, os quais incluem combinações de quimioterapia com corticoides, drogas imunomoduladoras e, em alguns casos selecionados, transplante de medula óssea. Este estudo relata o caso de uma paciente de 58 anos, com múltiplas comorbidades prévias, que apresentou sintomas constitucionais de forma subaguda, sendo deflagrado investigação para Mieloma Múltiplo devido ao seu quadro clínico (anemia, lombalgia, perda de peso, porém sem insuficiência renal). Após exames complementares, foi diagnosticada com Leucemia Plasmocitária Primária. A paciente foi tratada com quimioterapia (protocolo CYBORD) e recebeu suporte multidisciplinar. Durante a internação, enfrentou várias complicações, incluindo derrames pleural e pericárdico, fraturas ósseas e infecções. Apesar do tratamento, a paciente faleceu devido a complicações infecciosas meses após a alta hospitalar.

Palavras-chave: Leucemia Plasmocitária; Mieloma Múltiplo; Quimioterapia; Prognóstico.

1) Introdução

A Leucemia Plasmocitária (LP), também chamada de Leucemia de Células Plasmáticas (LCP), é uma condição rara e de prognóstico pouco favorável. Pode ser primária (Leucemia Plasmocitária Primária – LPP), ou secundária a um Mieloma Múltiplo (Leucemia Plasmocitária Secundária), sendo sua diferenciação importante tanto no ponto de vista do tratamento quanto do prognóstico, visto que a forma secundária da doença é ainda mais agressiva, com pouca resposta aos tratamentos atuais. Podem ser tentados esquemas com quimioterápicos como bortezomibe, associado a corticoides, bem como drogas imunomoduladoras e inibidores de proteossomos. Em alguns pacientes selecionados, pode-se associar transplante de medula óssea (alogênico ou autólogo). 

2) Objetivo

Relatar um caso clínico de uma paciente atendida no serviço terciário com Leucemia Plasmocitária, desde a suspeita clínica, diagnóstico, protocolo terapêutico instituído e seguimento. 

3) Métodos

Após assinatura de termo de consentimento com a própria paciente, foi realizado coleta de dados através de prontuário da paciente, obtive imagens da própria lâmina de sangue periférico da mesma no serviço de patologia, bem como levantado referência bibliográfica nas principais bases de dados (Lilacs, Pubmed, Scielo, Tratado de Hematologia e UpToDate), com os seguintes descritores em saúde: Leucemias; Plasmócitos; Células Plasmáticas. 

4) Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 58 anos, previamente hipertensa, portadora de Doença do Refluxo Gastroesofágico, Doença Diverticular, com história de Câncer Medular de Tireoide (com tireoidectomia total realizada em 2014), histerectomia e colecistectomia. Em junho de 2023 começou a apresentar lombalgia de média intensidade com progressão para coluna cervical e torácica. Evoluiu de forma gradativa com paresia e dor em pelve e membros inferiores, impossibilitando deambulação, perdeu 10 kg no período de 7 meses, além de síndrome anêmica, porém sem insuficiência renal. A paciente foi internada no final de fevereiro de 2024 em um hospital público de referência de forma emergencial devido queda do estado geral. Durante internação hospitalar, progrediu com anasarca, hemoptise, hematúria e dessaturação, sendo necessário suporte transfusional devido anemia grave e antibioticoterapia empírica para tratamento de infecção pulmonar.

Após duas semanas, já com estabilização inicial, foi transferida ao Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) para continuidade dos cuidados. Nos exames complementares, foram evidenciadas lesões em arcos costais e coluna torácica, com características de implantes secundários. Devido ao quadro de anemia persistente associada a dores ósseas, bem como aumento expressivo dos glóbulos brancos, foi indicada realização de mielograma pela suspeita de Mieloma Múltiplo.

Dessa maneira, inicialmente foi feita pesquisa por eletroforese de proteínas séricas, porém sem picos monoclonais. Seguiu-se com coleta de mielograma, porém não foi possível coletar material de medula óssea devido a dificuldades técnicas (hiperviscosidade – material aspirado insatisfatório para análise). Partiu-se, então, para pesquisa em sangue periférico com imunofenotipagem por citometria de fluxo que, por fim, evidenciou Leucemia de Células Plasmáticas Primária com positividade de fraca intensidade para os antígenos de imaturidade CD38, CD56 e CD138, com população composta por 70% de blastos (analisados por expressão de CD45). O método demonstrou ausência de antígenos Kappa e Lambda. Também foram pesquisados marcadores tumorais, com positividade para CA15-3, CEA e CA 125. 

O período no qual a paciente ficou internada, foram realizados dois ciclos de Quimioterapia conforme PROTOCOLO CYBORD – Ciclofosfamida + Bortezomib + Dexametasona). Tanto a primeira quanto segunda fase de quimioterapia foram feitas com intervalos semanais entre as doses aplicadas.  

Enquanto estava internada no HUGV, a paciente teve suporte de equipe multidisciplinar: hematologia, cuidados paliativos, ortopedia, psicologia e fisioterapia. A mesma evoluiu com derrames pleural e pericárdico (este último sem repercussão hemodinâmica digna de nota), bem como aparecimento de novas lesões osteolíticas, fraturas patológicas (costais e vertebrais), espasmos noturnos, náuseas e vômitos (principalmente após sessões de Quimioterapia), cefaleia, sudorese, sonolência excessiva, xerostomia, constipação, piora do refluxo gatroesofágico, diarreia, distúrbios do potássio e do cálcio. Também evoluiu com suspeita de infecção do trato urinário (disúria com grumos na urina e sensação de calafrio), sendo necessário tratamento empírico com antibióticos. Outros exames durante a internação revelaram contatos prévios com CMV e Toxoplasmose, identificados por sorologias IgG reagentes. 

Durante toda sua internação, manteve necessidade de suporte transfusional (três transfusões de concentrados de hemácias). No último hemoconcentrado, fez reação transfusional não hemolítica (calafrios no período pós-transfusão, sem outros comemorativos de destruição de glóbulos vermelhos).

Assistida pela equipe de fisioterapia e sob efeito da analgesia sistemática com opioide, a paciente apresentou melhora progressiva da movimentação, partindo de totalmente restrita ao leito para deambulação sem a necessidade de morfina de resgate.

Na alta hospitalar, após finalizados ciclos iniciais de Quimioterapia e resolvidas outras intercorrências, a paciente seguiu para acompanhamento pelos serviços ambulatoriais de Hematologia, Geriatria e Ortopedia. Porém, devido complicações infecciosas, a paciente veio a óbito meses após a alta. 

5) Discussão de caso:

A Leucemia de Células Plasmáticas é uma doença rara, de mau prognóstico. É uma discrasia plasmocitária definida pela demonstração clonal de plasmócitos (linfócitos B especializados em produção de imunoglobulinas) com contagem de pelo menos 20% no sangue periférico, ou uma contagem global de plasmócitos de 2×109/L(1). A doença pode se apresentar de forma primária, ou secundariamente à degeneração de um Mieloma Múltiplo prévio(2). Embora ambas as formas sejam de difícil tratamento, a forma secundária é de pior prognóstico, com sobrevida média de 18 a 20 meses, pois é comum o achado de alterações citogenéticas de pior sobrevida, como perda do p53 e del(17p)(3). Além do mais, enquanto a forma primária já possui anormalidades genéticas desde o início do desenvolvimento da doença, a forma secundária acumula desordens genéticas desde a formação inicial da Gamopatia Monoclonal de Significado Indeterminado (GMSI, ou do inglês MGUS), passando pelo estágio de Mieloma Múltiplo até sua forma final de Leucemia Plasmocitária Secundária (dessa forma, resulta na aquisição de fenótipos clonais mais agressivos)(4). Por fim, a forma primária da doença é mais comum em população mais jovem, e tem maior incidência de hepatoesplenomegalia e linfonodomegalia, contagem plaquetária mais elevada, menor número de lesões ósseas, menor quantidade de proteína M sérica e sobrevida mais prolongada do que aqueles com a forma secundária. Ambas as formas possuem prognóstico pobre, sendo a secundária pior que a primária. 

Clinicamente a doença pode demonstrar anemia, sangramentos e infecções de repetição, bem como lesões osteolíticas e distúrbios eletrolíticos. Devido à agressividade da doença, é mister o tratamento ser iniciado de forma precoce. Apesar dos protocolos atuais ainda terem desfechos pouco satisfatórios (com algumas referências que demonstram sobrevida de até 36 meses(4), com sobrevida média de 7 meses), podem ser utilizados bortezomibe em combinação com dexametasona e ciclofosfamida, talidomida, lenalidomida, em combinação com corticoterapia, bem como ciclos de associação de vincristina, dexametasona e doxorrubicina (VAD)(5). Também há a opção de transplante de medula óssea (alogênico ou autólogo) naqueles pacientes que toleram o procedimento. Outra possibilidade terapêutica é o uso de anticorpos biespecíficos direcionados ao antígeno de maturação de células B (BCMA) e ao receptor acoplado à proteína G, família C, grupo 5, membro D (GPRC5D), embora os pacientes com LCP tenham sido frequentemente excluídos de ensaios clínicos pivotais recentes(6). No fim, a doença continua um desafio terapêutico significativo, e novas pesquisas são necessárias a fim de garantir melhores desfechos para estes pacientes(7)(8)

Arquivo pessoal junto ao setor de Hematologia e Patologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas: células plasmocitárias em sangue periférico com pleomorfismo evidente, em graus evolutivos diversos (células maduras junto à outras mais imaturas, com cromatina frouxa, num mesmo campo), bem como pano de fundo com hemácias em Rouleaux (empilhamento de células).  

Arquivo pessoal junto ao setor de Hematologia e Patologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas: plasmoblastos em sangue periférico. 

6) Conclusão

A Leucemia de células plasmáticas ainda possui prognóstico desfavorável, com sobrevida média de poucos meses apesar das terapias atuais, sobretudo na sua forma secundária. Embora as possibilidades terapêuticas possam prolongar a sobrevida desses pacientes, ainda está aquém do esperado. Intercorrências infecciosas ainda predominam como complicações inerentes tanto ao tratamento quanto à progressão da doença. Novos estudos precisam ser realizados a fim de alcançar terapias mais específicas que, no fim, possam garantir mais qualidade de vida a esses doentes. 

7) Referências

1. ZAGO MA, FALCÃO RP, PASQUINI R, Tratado de Hematologia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2013

2. JELINEK T, BEZDEKOVA R, ZIHALA D, et al., More Than 2% of Circulating Tumor Plasma Cells Defines Plasma Cell Leukemia-Like Multiple Myeloma Journal of Clinical Oncology: Official Journal of the American Society of Clinical Oncology. 2023;41(7):1383-1392. doi:10.1200/JCO.22.01226.

3 SOUZA CLM; PERINI GF; HAMERSCHLAK N; SILVEIRA PAA, Leucemia de células plasmocitárias, Einstein (São Paulo) 11 (1), Mar 2013.

4 COSTA MFH, AZEVEDO JCAKE , CÉSAR MP, BANDEIRA VMA, SILVA MCG, CORREIA MCB, Leucemia de células plasmáticas: relato de caso clínico, Hematology, Transfusion and Cell Therapy Volume 43, Supplement 1, October 2021, Page S161.

5 VAN DE DONK NWCJ, LOKHORST HM, ANDERSON KC, RICHARDSON PG, How I treat plasma cell leucemia, Blood, 20 September 2012 _ Volume 120, Number 12. 

6 BERNARDI C, BEAUVERD Y, TRAN TA, et al., Anti-Bcma and GPRC5D Bispecific Antibodies in Relapsed/Refractory Primary Plasma Cell Leukemia: A Case Report, Frontiers in Immunology. 2024;15:1495233. doi:10.3389/fimmu.2024.1495233.

7 LI AY, KAMANGAR F, HOLTZMAN NG, et al, A Clinical Perspective on Plasma Cell Leukemia: A Single-Center Experience, Cancers. 2024;16(11):2149. doi:10.3390/cancers16112149.

8 GONG Z, KHOSLA M, VASUDEVAN S, MOHAN M, Current Status on Management of Primary Plasma Cell Leukemia, Current Oncology Reports. 2024;26(9):1104-1112. doi:10.1007/s11912-024-01563-0.


1Discentes do Programa de Residência Médica de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), e-mail herbertffonseca@gmail.com;
2Discente do Programa de Residência Médica de Patologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas;
3Discentes do curso de Bacharelado em Medicina da Universidade Federal do Amazonas (UFAM);
4Preceptoria do Programa de Residência de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas, e-mail: rejane.martins@ebserh.gov.br