REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10577750
Mateus de Oliveira Chociai1
Pedro Fauth Manhães Miranda2
Resumo: Na eleição para o Poder Legislativo, é certo que nem sempre os candidatos mais votados ocuparão todas as vagas disponíveis, uma vez que o Brasil adota o sistema de representação proporcional, no qual apenas os partidos que atingirem o quociente eleitoral poderão participar do rateio de cadeiras disponíveis. Diante desse cenário, esse trabalho tem como objetivo analisar o fenômeno das sobras eleitorais, que ocorre quando restam lugares não preenchidos para cargos legislativos, após a aplicação dos quocientes partidários. A discussão é relevante sobretudo devido à possível insegurança jurídica que a questão pode gerar nos candidatos e partidos políticos, uma vez que a legislação eleitoral estabelece o patamar de 80% do quociente eleitoral para distribuição de sobras eleitorais, porém a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem entendido que esse limite é irrazoável e não deve ser aplicado. O método utilizado foi a pesquisa exploratória e documental, de forma qualitativa. Através da pesquisa realizada, foi possível compreender que há instabilidade jurídica quanto à definição de sobras eleitorais, pois a lei e a jurisprudência compreendem que devem ser distribuídas de forma diferente, fazendo-se necessária uma padronização acerca do tema no ordenamento jurídico brasileiro, de modo a afastar a insegurança jurídica.
Palavras-chave: Direito Eleitoral, Quociente Partidário, Vagas Remanescentes, Representatividade.
1 Introdução
Em relação ao escopo do presente trabalho, interessa entender o conflito entre candidatos, hoje detentores de mandato legislativo contra candidatos não eleitos por outros partidos, mesmo com votação maior. Portanto, possui também o propósito de capacitar os acadêmicos de Direito sobre a importância de estudos impessoais quanto às falhas do Direito eleitoral, o que termina por impactar múltiplas esferas – administrativas, políticas, sociais etc. – do país.
Dentro do escopo estabelecido, temos como marco final temporal deste resumo o julgamento inconcluso das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 7.228, 7.263 e 7.325, pendentes no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).
2 Objetivos
Discorrido os primeiros detalhes, seguimos ao questionamento: “Existe insegurança jurídica quanto à distribuição de sobras eleitorais nas Eleições 2024?’’, confrontando tal problema com os objetivos de comprovar a existência ou inexistência de insegurança jurídica quanto à distribuição de vagas parlamentares nas sobras
eleitorais. De maneira conceitual, busca-se analisar o panorama do sistema eleitoral proporcional e suas rupturas quanto à proposta de um sistema pluripartidário e que fortaleça debates que visem a melhora e renovação autossuficiente da política.
3 Método e Técnicas de Pesquisa
Foi realizada pesquisa exploratória e documental, a fim de desbravar a legislação eleitoral aplicável ao caso, sobretudo no que se refere às sobras eleitorais. Conforme Gil (2008), a pesquisa documental é a que se vale de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico. Quanto à forma de abordagem do problema, a pesquisa é qualitativa, de modo que se busca analisar e discutir o conteúdo da lei eleitoral e de alguns julgados do STF acerca do tema objeto deste trabalho.
4 Resultados
Estabelecido pela Resolução 23.677/2021, do TSE, e embasado na Lei 4.737, de 15 de julho de 1965, temos que quociente eleitoral é a quantidade mínima de votos para determinado partido participar do rateio de cadeiras disponíveis em determinada cidade, Estado ou país, sendo calculada pelo número de votos válidos (descontam-se as abstenções, os votos brancos e nulos) dividido pelo número de vagas em disputa para o Legislativo municipal, estadual ou federal.
Art. 106. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior. (BRASIL, 1965)
Nota-se a seguir que, por esta resolução, houve a inserção de uma cláusula, exigindo que o candidato eleito possua votação mínima de 10% do quociente eleitoral determinado, o que promove certa equiparação e isonomia na disputa entre partidos.
Art. 8º. Nas eleições proporcionais, estarão eleitos(as), entre os(as) registrados(as) por partido político ou federação de partidos, as candidatas e os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um(a) tenha recebido. (BRASIL, 2021)
O objetivo maior desta reforma eleitoral de 2021 foi evitar o ‘’efeito Tiririca’’, possibilidade onde um candidato, com votação expressiva, alavanca a eleição de candidatos com votação minimamente representativa. Desta maneira, o autor Márcio Cunha Carlomagno em sua obra nos traz que:
O mesmo fenômeno já havia ocorrido em São Paulo, em anos anteriores, com Enéias (2002) e Clodovil (2006), assim como ocorreu em 2014 com Celso Russomanno. No caso de 2010, Tiririca teve uma votação de 1.353.820 em uma eleição cujo quociente eleitoral foi de 304.533 votos. Sua votação ajudou a eleger, consigo, os deputados Otoniel Lima (PRB), 95.971 votos, Delegado Protógenes (PCdoB), 94.906 votos e Vanderlei Siraque (PT), 93.314 votos. (CARLOMAGNO, 2016, p.2)
Definido o quociente eleitoral para concluir-se quantas cadeiras cada partido receberá, exige-se do Tribunal Superior Eleitoral a definição do quociente partidário que estabelecerá o número de vagas distribuídas. Tal entendimento encontra-se fixado no Código Eleitoral de 1965: “Art. 107. Determina-se para cada partido o quociente partidário dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda, desprezada a fração” (BRASIL, 1965). Com o entendimento consolidado destes termos e conceitos, avancemos à próxima seção.
5 Discussão
Ora, se nem todos os partidos com chapas proporcionais obtêm sucesso dentro dos requisitos estabelecidos no Código Eleitoral, como ocorre a distribuição de vagas remanescentes? A Reforma Eleitoral de 2015, Lei 13.165/2015, manteve a redação da Lei original do Código Eleitoral que exigia a distribuição de sobras eleitorais para partidos que cumprissem o quociente eleitoral, porém a Reforma de 2017, Lei 13.488/2017, abrangeu a destinação para todos os partidos.
Com o advento da Lei 14.211/2021, mesmo que o partido obtenha o quociente eleitoral para uma cadeira necessita-se obter 10% do quociente eleitoral como requisito individual. Agora, na mesma resolução, estabeleceu-se que somente serão destinadas vagas de sobras aos partidos políticos e federações que atingirem, no mínimo, 80% do quociente eleitoral e que o candidato eleito tenha atingido 20% do quociente eleitoral (já dividido o número de votos válidos pelo número de cadeiras aptas ao Município ou ente federativo).
Dentro da modesta opinião deste autor, com essa cláusula encontra-se justiça aos dirigentes partidários que não medem esforços para montarem chapas proporcionais justas, competitivas e plurais, não gerando privilégio, mas uma correção histórica ao voltar a promover discussão da boa política.
Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o art. 108 serão distribuídos de acordo com as seguintes regras:
[…]
§ 2º Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos que participaram do pleito, desde que tenham obtido pelo menos 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral, e os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) desse quociente. (BRASIL, 1965)
Com a divisão da votação do partido ou federação, encontra-se o número de cadeiras pré-estabelecidas, somando-se o número ‘’um’’ para fins de organizar qual partido tem prioridade na distribuição da cadeira remanescente, organizando-se pela maior média de votação.
A base da teoria de separação dos poderes é eles serem harmônicos, mas também independentes entre si. Confrontando a separação dos poderes, o STF busca soluções vinculantes, segundo o texto da Lei 14.211/2021 e seus parâmetros que visam dar segurança jurídica, isonomia e justiça aos dirigentes partidários.
Por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 7.228, 7.263 e 7.325, requer-se abrir precedente quanto à perda do mandato de diversos deputados estaduais e federais democraticamente eleitos ainda nas Eleições proporcionais de 2022. Por mais que o objeto das ações trate de mandatos de deputados federais e estaduais eleitos no pleito mais recente, ressalta-se também a sua importância para as eleições de 2020 (que pode ter seu resultado afetado, caso o STF decida retroativamente) e que será uma solução definitiva para as eleições de 2024.
1. Ementa: CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. SOBERANIA POPULAR E REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA NO SISTEMA PROPORCIONAL. DISTRIBUIÇÃO FINAL DE SOBRAS ELEITORAIS COM EXCLUSÃO DE PARTIDOS QUE NÃO ALCANÇARAM 80% DO QUOCIENTE ELEITORAL. FAVORECIMENTO DESPROPORCIONAL DE CANDIDATOS COM VOTAÇÃO INSIGNIFICANTE. DISTORÇÃO NA REPRESENTATIVIDADE DO PLEITO. FERIMENTO AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PARCIAL PROCEDÊNCIA COM INTERPRETAÇÃO CONFORME AOS ARTS. 109, § 2º, E 111 DO CÓDIGO ELEITORAL, COM REDAÇÃO DA LEI 14.211/2021 E DA RESOLUÇÃO 23.677/2021 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS PARA A MODULAÇÃO DE EFEITOS. APLICAÇÃO IMEDIATA AO PLEITO DE 2022. 1. Embora legítima a imposição aos partidos políticos de cláusula de desempenho eleitoral para diversos fins, como funcionamento parlamentar e participação no Fundo Eleitoral, é inconstitucional a regra legal que exclui os Partidos Políticos que não alcançaram o patamar de 80% do quociente eleitoral da distribuição de sobras eleitorais, por violação aos princípios da razoabilidade, soberania popular, do pluralismo político e da democracia representativa, bem como do art. 45, CF, que impõe a adoção do sistema proporcional nas eleições para a Câmara dos Deputados e para as Assembleias Legislativas dos Estados (MORAES, 2023, p.1).
Com seu texto expresso pelo art. 1º da Lei 14.211/2021, colocam-se em campos opostos a Câmara dos Deputados e o Ministro Alexandre, de forma que candidatos, de grande votação, não são eleitos por descumprirem a cláusula partidária de 80% do quociente eleitoral mas atingem os 20% de cláusula individual do candidato. A base do sistema eleitoral vigente não se molda em eleger os mais bem colocados, mas sim, dentro de um sistema pluripartidário-ideológico, debater as políticas públicas e levar candidatos capacitados ao pleito.
De toda maneira, justa ou não, a Reforma Eleitoral de 2021 proposta pelo Legislativo, o STF tem trilhado seu caminho para uma decisão final que visa restabelecer a certeza jurídica das sobras eleitorais, se o sistema é válido, se é inválido e retroage para as eleições de 2022 ou se será invalidada tendo seus efeitos aplicados nas eleições de 2024. De outro lado, a Câmara dos Deputados atua nos bastidores para um consenso junto ao presidente do TSE, o Ministro Alexandre de Moraes, construindo soluções para diversos temas do Direito Eleitoral, como a anistia dos partidos, da Ficha Limpa, incluindo também nosso tema de sobras eleitorais:
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) tem buscado a criação de uma aliança para articular mudanças nas regras eleitorais de 2024. As alterações a serem tratadas pela “minirreforma” têm como alvo as cotas para mulheres e negros, além do fundo eleitoral’ (BRASIL, 2023)
Ainda em 2023, com a conclusão das ações inconclusas no STF, espera-se avanços significativos visando garantir o rito procedimental correto.
6 Conclusão
Concluída a pesquisa e elaboração de conteúdo teórico, confirma-se a hipótese de incerteza jurídica quanto à definição de sobras eleitorais, até mesmo com os mandatários envolvidos nas ADI’s citadas anteriormente.
Ao decorrer da construção deste resumo, constata-se a complexidade e dificuldade de raciocínio lógico em estabelecer a distribuição de sobras eleitorais. Há dúvidas por parte dos partidos, dos candidatos e também das próprias seções da Justiça eleitoral espalhadas pelo país, inexistindo um modus operandi padronizado quanto à distribuição de cadeiras. Com os dados parciais (votos dos ministros Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski), necessita-se de contínua pesquisa após a ‘’minirreforma’’ eleitoral proposta pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o fim da votação do Plenário do STF.
7 Referências
BRASIL. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em: https://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/codigo-eleitoral-1/codigo-eleitoral-lei-nb0-4.737-de-15-de-julho-de-1965. Acesso em: 12 set. 2023.
BRASIL. Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13165.htm. Acesso em: 12 set. 2023.
BRASIL. Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13488.htm. Acesso em: 12 set. 2023.
BRASIL. Lei nº 14.211, de 1º de outubro de 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14211.htm. Acesso em: 12 set. 2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.228. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Disponível em:https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6458957. Acesso em: 12 set. 2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.263. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Disponível em:https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6513675. Acesso em: 12 set. 2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.325. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Disponível em:https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6539691. Acesso em: 12 set. 2023
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução Nº 23.677, de 16 de dezembro de 2021. Disponível em: https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2021/resolucao-no-23-677-de-16-de-dezembro-de-2021. Acesso em: 12 set. 2023.
CARLOMAGNO, Márcio C. Sistema proporcional, puxador de votos e um problema inexistente: os mais votados já são os que se elegem. Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR, v.3, n.10, julho. p. 1-14.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6ª ed. v. 10. São Paulo: Atlas S.A., 2008.
MORAES, Alexandre de. Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 7.228, 7.263 e 7.325. Minuta de voto do Ministro Alexandre de Moraes, proferido em Plenário Virtual. 25 ago. 2023. Disponível em: https://uploads.maisgoias.com.br/2023/08/d23fe38f-5850395.pdf Acesso em: 17 set. 2023.
1Email: chociaimateus20@gmail.com
Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – Paraná, Brasil.
2E-mail: pedromiranda.adv@gmail.com
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Paraná, Brasil.
Professor colaborador da Universidade Estadual de Ponta Grossa – Paraná, Brasil.