JUSTIÇA SOCIAL E ACESSIBILIDADE: DA DISCUSSÃO EPISTEMOLÓGICA À CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411291039


Iris Vasconcelos de Freitas Rocha
Miquéias Abnadabe Ferreira De Souza


RESUMO

A acessibilidade é definida pela ONU como um processo que busca a igualdade de oportunidades em diversas áreas da sociedade. Compreender o termo “Igualdade de Oportunidades” é fundamental para entender as implicações da acessibilidade. Segundo Dubet (2012), essa igualdade visa reduzir desigualdades sociais, tornando-as mais aceitáveis. A justiça social, referida por Rawls (1971) como a essência das instituições, é baseada na inviolabilidade dos direitos individuais. Assim, é essencial estabelecer uma conexão entre justiça social e acessibilidade. Este trabalho tem como objetivo explorar a acessibilidade sob a perspectiva de sua epistemologia e destacar sua importância para garantir os direitos das pessoas com deficiência, considerando seu reconhecimento no direito internacional e sua integração nos direitos fundamentais do direito brasileiro. A pesquisa enfatiza a análise da acessibilidade em relação à justiça social e a evolução desse direito no cenário internacional e interno.

PalavrasChave: Acessibilidade; Justiça Social; Direitos Humanos.

ABSTRACT

Accessibility is defined by the UN as a process that seeks equal opportunities in different areas of society. Understanding the term “Equal Opportunity” is fundamental to understanding the implications of accessibility. According to Dubet (2012), this equality aims to reduce social inequalities, making them more acceptable. Social justice, referred to by Rawls (1971) as the essence of institutions, is based on the inviolability of individual rights. Therefore, it is essential to establish a connection between social justice and accessibility. This work aims to explore accessibility from the perspective of its epistemology and highlight its importance in guaranteeing the rights of people with disabilities, considering its recognition in international law and its integration into the fundamental rights of Brazilian law. The research emphasizes the analysis of accessibility in relation to social justice and the evolution of this right on the international and domestic scene.

Keywords: Accessibility; Social Justice; Human Rights.

INTRODUÇÃO

A acessibilidade é conceituada pela Organização das Nações Unidas (ONU), como o processo de conseguir a igualdade de oportunidades em todas as esferas da sociedade. A partir desse conceito, observa-se a relevância de identificar o significado da locução: Igualdade de Oportunidades como o termo crucial para compreender os desdobramentos e repercussões epistemológicas da acessibilidade. Dessa maneira, analisa-se a noção de igualdade de oportunidades a partir da visão de Dubet (2012), como forma reduzir certas desigualdades sociais com propósito de torná-las aceitáveis, se não perfeitamente justas, na sociedade em que vivemos. O conceito é apresentado pelo sociólogo francês como uma forma de alcançar a justiça social a partir da concepção de Rawls (1971), que descreve a justiça como a primeira virtude das instituições sociais e baseia-se na inviolabilidade dos direitos de cada pessoa, que não podem ser violados nem mesmo em benefício da sociedade como um todo.

Conforme exposto no parágrafo anterior, pode-se dizer que a acessibilidade é uma forma de concretização de direitos – para minorias visíveis – garantidos pela justiça. Nessa visão, Welter (2023) argumenta que esses direitos não dependem de negociação política nem do cálculo dos   interesses sociais. Portanto, a justiça, assim como a verdade, como primeiras virtudes da atividade humana, não podem ser objetos de qualquer compromisso. Esse entendimento é corolário a inviolabilidade dos direitos descrita por Rawls (1971) e ainda se aproxima intrinsicamente da inalienabilidade, característica dos direitos humanos, apresentada por Leite (2018), como a impossibilidade de transferência e renúncia dos direitos. O autor conclui a descrição afirmando que a partir do momento em que os direitos são reconhecidos pelo Estado, não podem ser suprimidos.

Assim, se faz necessário compreender a relação entre justiça social e acessibilidade. Do mesmo modo, a consolidação desta como um direito a ser garantido mediante a promoção de condições de acesso e de participação em espaços, práticas e comunicações para todos os sujeitos. A temática tem repercussões no Direito Internacional a partir da Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgadas pelo Brasil em 2001 e 2009, respectivamente. Todavia, Abramo (2021) argumenta que não se pode confundir direitos destinados as pessoas com deficiência com direitos humanos. O autor contextualiza que basta enfatizarmos que tais classificações se distinguem pela abrangência, basicamente. Os direitos humanos são voltados a todos, sem distinções, enquanto obviamente, há destinação de direitos específicos as pessoas com deficiências, físicas ou mentais.

A partir disso, o presente trabalho buscará descrever a acessibilidade partir da sua epistemologia e apresentá-la como uma forma de concretizar os direitos das pessoas com deficiência a partir das repercussões no direito internacional e da sua incorporação no rol dos direitos e garantias fundamentais do direito doméstico, tendo como objetivo analisar os conceitos e as repercussões que envolvem a construção do direito à acessibilidade a partir da bibliografia e das normas constituídas. De forma específica, buscou-se analisar o conceito epistemológico de acessibilidade; Relacionar acessibilidade e Justiça Social e Descrever a construção da acessibilidade enquanto direito pela comunidade internacional e a sua incorporação no direito doméstico. A pesquisa se deu através de um revisão de literatura por conveniência e utilizou-se métodos de caráter qualitativo, pois se caracterizam por classificações e análises dissertativas, onde foram aferidas conclusões em relação a interpretações feitas por teóricos da área específica.

Na parte final do trabalho, serão vislumbradas possibilidades que fomentem a pesquisa mais direcionada no que se refere a atuação do Estado para assegurar de maneira concreta a garantia dos direitos das pessoas com deficiência, para além do estabelecido no ordenamento jurídico, tendo assim, um olhar mais indutivo da temática, no que se refere a investigação das políticas públicas de acessibilidade e inclusão.

ACESSIBILIDADE: CONCEITOS E ANÁLISES

No que se refere aos conceitos que envolvem a acessibilidade, percebe-se uma coesão nas definições, onde a partir da valorização e reconhecimento da convivência com a diversidade, o termo tem sido utilizado para garantir que todas as pessoas tenham acesso a todas as áreas de seu convívio. A ideia de justiça social também se faz presente, sempre aparecendo de forma correlata, seja na doutrina ou nas legislações específicas. O cerne da questão se apresenta quando se analisa a acessibilidade enquanto direito positivado de forma específica para as pessoas com deficiência. Apesar de existirem convenções internacionais que cristalizam essa garantia na matéria do direito internacional, alguns autores argumentam que devido a especificidade desses direitos, os mesmos não podem ser caracterizados como direitos humanos.

Desse modo, a partir da teoria dos direitos humanos e da evolução histórica dos direitos das pessoas com deficiência, Fernandes e Orrico (2008), descrevem o termo acessibilidade como palavra que pode expressar possibilidades, alcance de objetivos, cumprimento de metas e justiça social. Corrêa (2009), ao analisar a obra dos autores supracitados, conclui que a partir da leitura de Fernandes e Orrico (2008) pode-se encontrar diferentes discussões que englobam análises sobre a elaboração e execução das leis sobre acessibilidade e sobre as formas de garanti-la para todas as pessoas nos campos da Educação, Saúde, Trabalho e Assistência Social.

Nesse sentido, percebe-se ainda uma dicotomia na literatura no que se refere aos termos, acessibilidade e acesso. Donabedian (1973), por exemplo, definiu acessibilidade como um dos aspectos da oferta de serviços relativo à capacidade de produzir serviços e de responder às necessidades de saúde de uma determinada população. O autor ainda distingue duas dimensões da acessibilidade: a sócio-organizacional e a geográfica e indica que essas dimensões se inter-relacionam. Acessibilidade sócio-organizacional: inclui todas as características da oferta de serviços, exceto os aspectos geográficos, que obstruem ou aumentam a capacidade das pessoas no uso de serviços. Acessibilidade geográfica: relaciona-se à fricção do espaço que pode ser medida pela distância linear, distância e tempo de locomoção, custo da viagem, entre outros. Apesar de atributos dos indivíduos (sociais, culturais, econômicos e psicológicos) não fazerem parte do conceito de acessibilidade de Donabedian (1973), a relação destes com o uso de serviços é mediada pela acessibilidade, isto é, a acessibilidade expressa as características da oferta que intervêm na relação entre características dos indivíduos e o uso de serviços.

ACESSIBILIDADE E JUSTIÇA SOCIAL

Colino (2013), realizou um estudo sobre os conceitos de discriminação, preconceito e a sua existência frente ao princípio da isonomia, haja vista que o autor descreve acreditar que este paralelo é fundamental para a compreensão do tema do acesso à justiça pelo deficiente físico. O respeito às diferenças entre as pessoas é amplamente difundido em nossa legislação, sendo que inclusive, existe menção no Preâmbulo de nossa Constituição Federal à proteção dos interesses difusos, bem como em nossa legislação infraconstitucional. Nessa perspectiva, Colino (2013) apresenta que interesses difusos são aqueles indivisíveis e inerentes a um grupo de interesses ou categoria indeterminável de pessoas, que são reunidas entre si pela mesma situação de fato, como no caso em análise, os deficientes.

A Constituição Federal declara no caput do art. 5° que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Já o artigo 3º do nosso supremo ordenamento legal, dispõe em seu inciso IV, onde se lêem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre eles, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. E é nesse sentido que a redação dos artigos 5º e 6º da nossa Magna Carta, no Título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais, são apontados mandamentos que buscam garantia ao respeito à vida humana.

Todas as pessoas têm graus de saúde diferentes e peculiaridades físicas e mentais próprias. O que se busca são instrumentos capazes e eficazes de proteção ao respeito às diferenças. Diante do exposto, verifica-se que o princípio basilar da isonomia deve ser tratado à exceção quando nos referimos aos deficientes. Colino (2013), destaca que o princípio da isonomia, ou princípio da igualdade, a destarte do verdadeiro chavão jurídico que se tornou o caput do artigo 5º de nossa Constituição Federal, seguramente abrange muito além do brocardo “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.”

Na mesma linha de Colino (2013), Paula (2013), proferiu que falar em acessibilidade é falar em igualdade. Igualdade de oportunidades, de condições, de possibilidades e afastar as diferenças em prol de uma sociedade mais justa. Quando a discussão sobre o princípio da isonomia e sua aplicação se inicia, se faz necessário compreender que o mesmo pretende não somente nivelar os cidadãos do Estado de Direito, mas pretende sim que toda legislação seja elaborada em consonância com este princípio. No que se refere ao princípio da igualdade aplicado as pessoas com deficiência, Colino (2013), contextualiza que cuidar de resguardar a obediência à isonomia de todos diante do texto da lei, evita-se discriminações desnecessárias e não inclusivas, pois se faz necessário colocar as pessoas com deficiência em situação privilegiada em relação aos outros cidadãos, e este benefício é perfeitamente justificado e explicado pela própria dificuldade de inclusão natural desse grupo de pessoas.

A partir das ideias de Colino (2013) e Paula (2013), pode-se inferir que a acessibilidade e a justiça social estão relacionadas, pois a acessibilidade é um pilar para a garantia dos direitos de cidadania e a justiça social é a garantia do acesso a recursos básicos. A acessibilidade é fundamental para a inclusão social, que é um valor da justiça social. Apesar das reflexões discorridas, é importante lembrar que durante muito tempo a pessoa com deficiência foi privada de qualquer tutela legal por parte do Estado. Nesse contexto, Leite (2016), argumenta que foi a partir da Constituição de 1934 (onde houve uma pequena observação a proteção dos direitos tratados) que se iniciou um processo em busca dos direitos das pessoas com deficiência. No entanto, a autora sustenta que hoje, com os artigos constitucionais e a legislação infraconstitucionais é possível garantir esses direitos através do acesso à justiça. O texto de Leite (2016), fundamenta sua argumentação a partir de Colino (2013) e de estudos mais antigos, que mostram que o interesse pela compreensão da relação entre acessibilidade e justiça social é notório nos estudos jurídicos.

Na construção teórica, vale ainda ressaltar a contribuição de Wanner (2010), que ensina que o acesso à justiça busca a adequada tutela jurisdicional, não apenas o acesso o ingresso em juízo, mas um processo adequado ao caso e com uma resposta efetiva, sendo o referido acesso um Direito Humano Fundamental, direito próprio da natureza humana independente da sociedade, que tem a finalidade de respeitar a dignidade e proteger do poder arbitrário estatal, por isso o acesso à justiça é inerente a condição de ser humano, buscar a justiça é um direito humano fundamental. Neste estudo, quando fala-se em acesso à justiça das pessoas com deficiência, trata-se de todas as barreiras que vão além de questões processuais. Leite (2016) argumenta que a pessoa com deficiência possui restrições devido a sua condição, portanto nem sempre está em igualdade com as demais pessoas da sociedade. A autora descreve que atividades simples do dia a dia como andar, trabalhar e estudar nem sempre são possíveis ao deficiente, neste contexto igualdade não é tratar os desiguais igualmente, mas dar a devida atenção e atender as necessidades de cada um efetivamente.

Nesse sentido, Araújo e Ragazzi (2016), afirmam que é necessário haver uma compensação daqueles menos favorecidos, garantindo uma ampla admissão em juízo, cujo tema abrange questões que se situam no campo econômico (pobreza, alto custo do processo), no psicológico (desinformação, descrença na justiça) e no jurídico (legitimidade ativa individual). Na análise dos autores, o poder constituinte entendeu que

são necessárias medidas especificas de proteção às pessoas com deficiência e produziu artigos constitucionais que visam igualar direitos. Dessa forma, foram garantidos direitos como; a promoção de programas de assistência integral, de prevenção e atendimento especializado (art. 227, § 1°, inciso II); a reserva de vaga em concurso público (art. 37, VIII); o atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208, III); no âmbito da assistência social (art. 203), a sua habilitação, reabilitação e a promoção de sua integração à vida comunitária (inciso IV); eliminação de barreiras arquitetônicas (art. 227, § 2° e art. 244); e um salário mínimo mensal (inciso V).

Na próxima secção, se apresentará como a acessibilidade se constituiu como direito fundamental através dos tratados internacionais, bem como a sua incorporação pelo direito pátrio. Além disso, se suscitará uma reflexão no que se refere ao exercício da cidadania pelas pessoas com deficiência a partir das concepções de Marshall (1967) que elucida o conceito de cidadania de uma maneira que vai além do estabelecido nos estatutos legais.

A CONSTRUÇÃO DA ACESSIBILIDADE COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL

Ribeiro (2016), descreve que no Brasil, a partir da Carta de 1988, importantes tratados internacionais de direitos humanos foram ratificados pelo Estado, entre eles a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo, em agosto de 2008. Portanto, além dos direitos constitucionais previstos no âmbito nacional, esses indivíduos passam a ser titulares de direitos internacionais. Vale dizer, passam a ter direitos acionáveis e defensáveis no âmbito internacional. Nesse cenário, percebe-se a consolidação do direito a acessibilidade na comunidade internacional, o que corrobora com o conceito de direitos humanos apresentado por Guerra (2011), o qual os descreve como um conjunto de regras jurídicas internacionais.

No entanto, é necessário corroborar com a alegação feita por Leite (2018), de que a definição dos direitos humanos revela-se complexa, pois esses direitos não se encontram fechados e acabados, tratando-se, em realidade, a partir da definição do autor, de direitos in fiere, isto é, continuam se expandindo. Leite (2018) ainda deixa claro que com o passar do tempo e de acordo com as exigências da sociedade contemporânea, são adicionados novos direitos.

No decorrer do trabalho, os direitos das pessoas com deficiência foram apresentados como consequência dos interesses difusos, aqueles indivisíveis e inerentes a uma categoria indeterminável de pessoas. Todavia, percebe-se que Colino (2013), em nenhum momento fez menção a esses direitos como direitos difusos, mas sim, como direitos fundamentais que envolvem interesses difusos. Como já citado anteriormente, a convenção dos direitos das pessoas com deficiência, adotada pela organização das nações unidas em 2006, assinada pelo Brasil em 2007, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008 e internalizada, com status de Emenda Constitucional, no ordenamento jurídico Brasileiro mediante o Decreto nº 6.949/2009, marca o início de uma trajetória de mobilização social e reconhecimento formal dos direitos das pessoas com deficiência.

Na concepção de Paula (2013), a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) ampliou a compreensão de deficiência, distanciando-a de um conceito meramente biológico, e aproximando-a de entendimentos mais complexos, que denunciam a estrutura social que aparta do convívio social a pessoa deficiente. A amplitude do conceito de deficiência contida nesse dispositivo permite compreendê-la como um reflexo do funcionamento da sociedade que oprime, exclui e gera efeitos negativos sobre os indivíduos. Sendo assim, o autor conclui que promover cidadania a essas pessoas é um dever que se funda no princípio da dignidade da pessoa humana, alicerce dos direitos fundamentais presentes na Constituição da República.

Além da incorporação da CDPD no nosso ordenamento jurídico como uma norma constitucional material, na secção anterior, citou-se os dispositivos constitucionais que tratam sobre os direitos fundamentais das pessoas com deficiência. No entanto, Ribeiro e Déa (2021), destacam que apesar de haver proteção constitucional e direitos garantidos às pessoas com deficiência, muito se questiona quanto à eficácia e efetiva aplicabilidade desses direitos. Partindo disso, as autoras citam as legislações infraconstitucionais que tratam matéria.

Existem também algumas legislações específicas e direcionadas à proteção dos direitos das pessoas com deficiência, e dentre as principais pode-se citar: Lei 7.405/85, considerada símbolo internacional de acesso (rampas de locomoção para cadeirantes, largura de portas, existência de banheiros adequados aos deficientes, etc.); Lei 10.048/2000 que garante prioridade no atendimento e transporte público com reserva de assentos, com a produção de veículos de transporte coletivo planejados objetivando facilitar o acesso aos deficientes físicos; Lei 10.098/2000 que garante acessibilidade a prédios públicos e particulares, parques, vias públicas e demais espaços públicos, reserva de dois porcento de vagas de estacionamento aos deficientes devidamente identificadas, semáforos com equipamentos que emitam sinais sonoros aos deficientes visuais, etc (Ribeiro e Déa, 2021, p. 8).

Além das legislações citadas, merece destaque a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) que foi elaborada como forma de integração das principais normas relativas às pessoas com deficiência. Essa Lei ratifica vários direitos já assegurados em âmbito constitucional e legislações esparsas, adequando direitos e deveres às necessidades de cada pessoa, conforme sua necessidade.

Em que pese a existência dessas garantias estabelecidas em lei, Ribeiro e Déa (2021) esclarecem que também que há um grande desrespeito a elas no âmbito social, não sendo incomum constatar pessoas sem deficiência estacionarem em vagas destinadas a essas pessoas, bem como ausência de rampas de acesso, ou atendentes em órgãos públicos que possuam conhecimento em Libras aptos a garantirem atendimento de pessoas com deficiência auditiva. Ante todas as garantias constitucionais e legais elencadas, vislumbra-se que em grande parte esses direitos restringem-se apenas a palavras escritas, havendo ainda uma enorme necessidade de adaptação, educação e efetivação para aplicabilidade e eficácia desses direitos. Como cidadãos que são, pessoas com deficiência merecem todos os direitos constitucionais de forma igualitária, e devem ter seus direitos específicos assegurados de forma que haja sua completa inclusão social em todos os aspectos.

A partir da observação feita por Ribeiro e Déa (2021), pode-se dizer que a cidadania das pessoas com deficiência se constitui apenas de maneira formal, conforme a definição de Marshall (1967), a qual a cidadania representa a expressão concreta do exercício da democracia. Exercer a cidadania plena para o autor, significa ter direitos civis,   políticos   e sociais.   Nesse sentido,   Marshall (1967)   apresenta dois   tipos de cidadania. A cidadania formal, que é, conforme o direito internacional, indicativo de nacionalidade e de pertencimento a um Estado-Nação por meio de um estatuto. E a cidadania substantiva que é definida como a posse dos direitos que são estabelecidos.

Diante da correlação das ideias expostas ao longo do estudo, pode-se concluir que além das normativas apresentadas, é relevante compreender a relação dos direitos das pessoas com deficiência, com os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da cidadania. Além disso, a materialidade dos direitos tem relação intrínseca com o direito à vida, à saúde, à educação e ao trabalho.

A garantia legal dos direitos fundamentais da pessoa com deficiência No que se refere a correlação com os direitos supracitados no fim na secção anterior, percebe-se que o Direito à vida é um pressuposto básico e fundamental para o exercício dos demais direitos. No entanto, Ribeiro e Déa (2021) afirmam que não basta apenas o resguardo do direito à vida, mas sim do usufruto de uma vida digna como garantia de um   direito   humano fundamental constitucional. Mais uma vez se ver aqui, o aspecto da cidadania das pessoas com deficiência sendo limitada aos textos legais. É nesse sentido que Lopez (2020) afirma que direito à vida das pessoas com deficiência ainda precisa ser reafirmado:

A sociedade contemporânea urbana também ainda lida com o tema e a pessoa com deficiência, por vezes, tem mitigado ou relativizado seu direito à vida. Há um intenso debate entre o aborto e a vinculação dessa escolha com o nascimento de bebês que tenham alguma deficiência, por exemplo, no Brasil, houve esse debate diante do nascimento de bebês com síndrome congênita do Zika Vírus. Há, ainda, casos de países que procuram desestimular o nascimento de bebês com deficiência em função de uma leitura puramente financeira que projeta sobre tais pessoas altos custos em políticas públicas. Em resumo, independente das motivações, mesmo no século XXI, o direito à vida para pessoas com deficiência não é inequivocamente garantido, ao contrário, em alguns cenários, pode estar em risco (Lopez, 2020, p. 95).

Formalmente, o direito à vida e a vida digna das pessoas com deficiência, está estabelecido no § 1º do art. 227 da Constituição Federal, que estabelece que o Estado promoverá programas de assistência integral, bem como de prevenção e atendimento especializado para as PCDs. No mesmo contexto, o artigo 10 do Decreto 6949/2009 que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aduz que os Estados partes devem reafirmar que todo o ser humano tem o inerente direito à vida. E por fim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência destinou o artigo 10 para tratar sobre o direito à vida, estabelecendo que compete ao poder público garantir a dignidade da pessoa com deficiência ao longo de toda sua vida.

Assim como o direito à vida, a Constituição Federal de 1988 determina que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, nos termos do artigo 196. Já a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência se preocupou em tornar a saúde mais acessível àqueles que possuem algum tipo de deficiência. A título de exemplo, a Lei 7.853/89, em seu artigo 2º, estabeleceu algumas ações que devem ser promovidas para a pessoa com deficiência, na área da saúde, como a garantia de acesso das pessoas portadoras de deficiência aos estabelecimentos de saúde públicos e privados, e de seu adequado tratamento neles, sob normas técnicas e padrões de conduta apropriados; a garantia de atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não internado; o desenvolvimento de programas de saúde voltados para as pessoas portadoras de deficiência, desenvolvidos com a participação da sociedade e que lhes ensejem a integração social. Além disso, conforme observado por Lopez (2020), os planos privados de saúde e seguros não podem impedir ou dificultar o acesso as pessoas com deficiência sob pena de detenção de 2 a 5 anos e multa.

A educação trata-se de mais uma garantia constitucional estabelecida nos artigos 205 ao 214, onde prevê ser um direito fundamental, em seus diversos níveis e modalidades, prestigiando as pessoas com deficiência ao indicar o atendimento educacional especializado, preferencialmente na sede regular de ensino, nos termos do artigo 208, inciso III da Carta Política de 1988. Ao analisar o direito à educação das pessoas com deficiência, Ribeiro e Déa (2021), chamam atenção que há um tempo era praxe dos ensinos superiores e demais instituições de ensino, cobrarem uma taxa extra para a matrícula e mensalidade de pessoas com deficiência, o que foi abolido pelo Estatuto da pessoa com deficiência estabelecendo, inclusive, pena de 2 a 5 anos de prisão e multa para quem impedir ou dificultar o ingresso deste aluno em qualquer escola regular. Além disso, nota-se a alteração da Lei 12.711/2012, que a partir da nova redação estabelecida pela Lei 13.409/2016, define as regras sobre a reserva de vagas para as pessoas com deficiência nos cursos técnicos, médio e superiores a nível federal das instituições de ensino. O Estatuto ainda prevê que, o poder público deve garantir pleno acesso ao currículo escolar em condições de isonomia, em um sistema educacional acessivo e totalmente inclusivo, oferecendo apoio especializado caso seja necessário.

Consubstanciado no princípio da igualdade, o direito ao trabalho é outro direito social previsto na carta magna de 1988. Além disso, o valor social do trabalho também é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. O artigo 27 da já citada Convenção dos direitos das pessoas com deficiência, regulamenta o direito ao trabalho, onde os Estados Partes devem reconhecer o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Na legislação infraconstitucional, destaca-se o dispositivo presente no regime jurídico único dos servidores públicos civis da união (Lei 8.112/1990), que estabelece perante a União, que 20% das vagas oferecidas em seus concursos, sejam destinadas às pessoas com deficiência. O percentual mínimo ficou estabelecido por meio do Decreto n º 3.298 de 20/12/1999, com a reserva de 5% das vagas para as pessoas com deficiência, havendo iniciativas semelhantes nos Estatutos Estaduais e Municipais, para o regime dos servidores públicos.

Na iniciativa privada também não foi diferente, a criação de reserva de cotas ocorreu através da Lei nº 8.213/91, em seu art. 93, estipulando um percentual mínimo de contratação   de   pessoas   com   deficiência   conforme   o   número   de   empregados ali contratados.

Diante do exposto, nota-se uma gama de normativas que asseguram formalmente os direitos das pessoas com deficiência, Todavia, para que os indivíduos titulares desses direitos tomem posse das garantias fundamentais que são estabelecidas pela legislação, vindo assim, a exercerem a cidadania substancial descrita por Marshall (1967), se faz necessário que a ação coletiva dessa categoria siga se organizando e aperfeiçoando os instrumentos que ampliem a garantia dos direitos elencados através de ações concretas do poder público que se convertam em políticas públicas de inclusão e acessibilidade, bem como a fiscalização das ações existentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo dos tempos e durante o percurso histórico, as pessoas com deficiência foram marginalizadas da sociedade, no entanto, foi havendo significativas mudanças e conquistas de direitos, onde tais pessoas deixaram de ser excluídas e passaram a ter um tratamento mais humano culminando no reconhecimento como sujeitos sociais. O Estado Democrático de Direito, a partir dos princípios da isonomia e da garantia dos direitos das minorias, deve, por meio da ação governamental, fazer com que o reconhecimento das pessoas com deficiência seja colocado em prática a partir de garantias legais e de instrumentos que constituam atividade material do Estado para atender as necessidades da categoria das pessoas com deficiência.

E é nesse sentido, que este estudo buscou lançar luzes sobre a pluralidade das definições que envolvem o conceito de acessibilidade e traçar uma relação do conceito com a noção de justiça e a construção de novos direitos em torno dos interesses e necessidades das pessoas com deficiência. Conforme destacado por Ribeiro e Déa (2021), com a chegada da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com deficiência, se criou um novo cenário de conquistas, passando a ter possibilidades de acesso e de reconhecimento na esfera educacional, política e social. No entanto, como já explanado no parágrafo anterior, se faz necessário que esse reconhecimento seja colocado em prática. Nessa perspectiva, esta pesquisa buscou contextualizar a construção dos direitos e as garantias formais das pessoas com deficiência, se reconhecendo a necessidade, para quem, tiver interesse pela temática, se aprofundar no que diz respeito garantia desses direitos a partir da atuação do Estado.

De toda forma, percebe-se que a partir de um levantamento bibliográfico consistente e uma concatenação coerente das diversas concepções apresentadas, os objetivos do trabalho foram alcançados. Acessibilidade, acesso à justiça e igualdade, foram os conceitos que constituíram os pilares da pesquisa, onde a apresentação da relação que os envolve e a consolidação dos direitos das pessoas com deficiência como direitos fundamentais foi o fio condutor que problematizou a investigação.

Por fim, espera-se que esta pesquisa sirva como base para fundamentar estudos posteriores no que se refere a acessibilidade. Como sugestão para levantamentos futuros, indica-se investigar sobre convenções internacionais mais específicas no que se refere as pessoas com deficiência, bem como analisar a eficácia das legislações nacionais na implementação de políticas públicas de inclusão que venha assegurar os direitos das pessoas com deficiência de forma substancial e uma análise mais direcionada da temática em relação aos princípios constitucionais. Dessa maneira, novos estudos precisam enfatizar ter como objeto as políticas públicas, as quais não devem ser encaradas como uma caridade, mas sim, como uma verdadeira forma de inserção das PCD na sociedade, assegurando o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, garantindo, assim a dignidade da pessoa humana.

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