JUDICIALIZAÇÃO EM SAÚDE: IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EFICAZES E A ATUAÇÃO DO FARMACÊUTICO

JUDICIALIZQTION IN HEALTH: IMPLEMENTATION OF EFFECTIVE PUBLIC POLICIES AND THE ROLE OF PHARMACISTS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10157502


Isabella Cunha Martins de Araújo, Jaqueline Larine Prado, Larissa Santos Silva, Samuel Oliveira Pena, Orientador: Anderson Scherer.


RESUMO 

A judicialização vem de uma necessidade dos cidadãos e instituições de ter o seu direito ao acesso à saúde garantidos de acordo com a constituição de 1988. Em muitos casos tanto os pacientes quanto os médicos se pegam em situações frustrantes onde todos os tratamentos possíveis foram testados, com isso há uma busca por novas tecnologias inovadoras que ainda não estão disponíveis no sistema único de saúde ou em território nacional. O fato é que em sua grande maioria, as decisões em relação a esses processos eram tomadas por juízes sem embasamento científico na área, logo, a criação do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário foi de extrema importância para auxiliar na tomada de decisões,  já que conta com uma equipe multidisciplinar para auxiliar nos pareceres técnicos, entre eles o farmacêutico, que será a peça chave, visto que possuem conhecimento técnico-científico e sempre embasadas em evidências científicas de fontes confiáveis. Outro fato importante é a atuação desse profissional nas etapas pré-processuais e processuais da judicialização, ademais o farmacêutico pode atuar em diversas instâncias sempre com o foco em sustentar as decisões jurídicas da melhor forma possível.

Palavras-chave: Judicialização. Farmácia Forense. Acesso à saúde. Atenção Farmacêutica. 

ABSTRACT

Judicialization comes from a need of citizens and institutions to have their right to access to health guaranteed according to the 1988 constitution. In many cases, both patients and doctors find themselves in frustrating situations where every possible treatment has been tried, as a result, there is a search for new innovative technologies that are not yet available in the Sistema Único de Saúde or in the national territory. The fact is that, for the most part, the decisions in relation to these processes were made by judges with no scientific basis in the area, therefore, the creation of the Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário was extremely important to assist in decision-making, since it has a multidisciplinary team to assist in technical opinions, including the pharmacist, which will be the key piece, since they have technical-scientific knowledge and always based on scientific evidence from reliable sources. Another important fact is the performance of this professional in the pre-procedural and procedural stages of judicialization, in addition, the pharmacist can act in several instances, always with a focus on supporting legal decisions in the best possible way.

Keywords: Judicialization. Forensic Pharmacy. Access to healthcare. Pharmaceutical Care.

INTRODUÇÃO

O Sistema Único de Saúde (SUS) desempenha um papel fundamental como a principal fonte de acesso a cuidados médicos e medicamentos essenciais para muitos brasileiros. Apesar dos esforços por meio de políticas públicas na área de Assistência Farmacêutica, como a Política Nacional de Medicamentos (PNM) e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), o desafio de garantir acesso adequado aos medicamentos no Brasil persiste. Estabelecida em 1988, a PNM visa assegurar o acesso gratuito a tratamentos, garantindo a segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, promovendo o uso racional. Posteriormente, em 2004, a PNAF foi reconhecida como política de saúde, regulamentando ações para promover o uso racional de medicamentos, incluindo prescrição, dispensação e orientação, além de normas para a aquisição de insumos de saúde (Horizonte B, 2019).

A Relação Nacional de Medicamentos (RENAME) é um elemento crucial, orientando a prescrição médica e servindo como referência nacional para a elaboração de listas estaduais e municipais, adaptadas à situação epidemiológica de cada região. Revisada periodicamente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) no SUS, a RENAME desempenha um papel central na estruturação da Assistência Farmacêutica, dividindo-se em Componente Básico, Estratégico e Especializado (Lima G, 2022).

A judicialização da saúde, como fenômeno em expansão, revela-se não apenas como um desafio intrínseco às políticas públicas, mas também como um reflexo das demandas crescentes por acesso a tratamentos de saúde. Este processo implica uma recorrência notável aos tribunais por parte dos cidadãos, que buscam suprir lacunas deixadas pelo sistema público em relação a tratamentos médicos, medicamentos e procedimentos específicos. Embora motivada pela legítima defesa do direito à saúde, essa prática introduz complexidades substanciais na execução de políticas públicas eficientes. A questão se torna ainda mais premente ao considerar o equilíbrio delicado necessário entre a proteção dos direitos individuais dos cidadãos e a sustentabilidade global do sistema de saúde (De Moura, 2023).

Além disso, a judicialização da saúde não se restringe apenas à esfera normativa, mas também desdobra-se em implicações financeiras e administrativas. O aumento dos litígios relacionados à saúde pode sobrecarregar o sistema judiciário e impactar os recursos públicos disponíveis para a promoção da saúde coletiva. A complexidade dessas questões destaca a necessidade urgente de abordagens holísticas que não só atendam às demandas individuais dos pacientes, mas também considerem os aspectos estruturais e orçamentários do sistema de saúde (De Moura, 2023).

No que tange sobre o acesso a medicamentos, um fenômeno complexo que envolve reivindicações legítimas e intervenções judiciais, destaca o papel do farmacêutico. Enquanto regulamentações recentes expandem as atribuições clínicas do farmacêutico, sua atuação na pré-processual e processual, especialmente no Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-JUS), é crucial. Este órgão técnico, composto por profissionais de saúde, oferece suporte técnico e pericial para auxiliar juízes em casos complexos, visando decisões embasadas (SARTORI; PINTO; FREITAS, 2018).

A importância do farmacêutico na judicialização é evidenciada pela sua capacidade de contribuir com informações técnicas, avaliação clínica e orientação regulatória. Diante da complexidade do sistema de saúde brasileiro e da crescente judicialização, a atuação do farmacêutico emerge como um elemento-chave na busca por equilíbrio entre garantir o acesso justo à saúde e promover um sistema de saúde funcional (Destro, 2021).

DESENVOLVIMENTO

 1 EFETIVAÇÃO DO SUS

A partir dos anos de 1970, junto ao movimento de redemocratização no Brasil, surgiram discussões e pautas sobre o movimento de reforma sanitária. Tal movimento envolveu diversas pessoas e em diversos escopos como: trabalhadores e profissionais da saúde de todo país, professores universitários, estudantes, diversos setores populares, com um único objetivo de criar um pensamento político que fragmentasse com a atual situação da época (BODRA; DALLARI, 2020).

No ano de 1976, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) foi criado, e após dez anos, com sua democratização, a 8ª Conferência Nacional de Saúde reuniu cerca de 4 mil pessoas, resultando em discussões iniciadas em pré-conferências estaduais e municipais que produziram textos, debates e mesas-redondas, culminando em um relatório final. Tal relatório enfatizou o conceito de direito à saúde, incluindo: educação, trabalho, moradia, alimentação, participação popular, acesso universal, igualitário e etc. (BODRA; DALLARI, 2019).

Sobre o texto, destaca-se ainda a criação de um Sistema Único de Saúde (SUS) totalmente separado da previdência, com destaque na:

Descentralização na gestão dos serviços; integralização das ações superando a dicotomia preventivo-curativo; unidade na condução das políticas setoriais; regionalização e a hierarquização das unidades prestadoras  de  serviços;  participação  da  população através de suas entidades representativas, na formulação da política, do planejamento, na gestão, na execução e na avaliação das ações de saúde; fortalecimento do papel do Município;  introdução de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito do serviço de saúde, possibilitando ao usuário o direito democrático de escolher a terapêutica preferida(Id. Ibid., p.10-11)

Além disso, o relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde defende a:

Universalização em relação à cobertura populacional a começar pelas  áreas  carentes  ou  totalmente  desassistidas; equidade  em  relação  ao  acesso  dos  que  necessitam  de  atenção;  atendimento  oportuno segundo  as  necessidades;  respeito  a  dignidade  dos  usuários  por  parte  dos  servidores  e  prestadores  de  serviço  de  saúde,  como  um  claro dever e compromisso com sua função pública; atendimento de qualidade compatível com o estágio de desenvolvimento do conhecimento e com recursos disponíveis; direito de acompanhamento a doentes internados, especialmente crianças; direito de assistência psicológica sem a discriminação que existe atualmente(Id. Ibid., p.11)

Este relatório foi um marco no início de uma campanha de mobilização popular, na garantia ao direito universal à saúde, indo contra a mercantilização da medicina e por melhorias nos serviços públicos, assim, defendendo a caracterização dos serviços de saúde como públicos e essenciais (DANTAS; DANTAS, 2020a).

A 8ª Conferência Nacional de Saúde em seu relatório, serviu como base para a Subcomissão de Saúde da Assembleia Constituinte de 1988, na qual elaborou uma proposta alinhada com os princípios da conferência. Seu resultado, foi o surgimento do Direito Sanitário Brasileiro, baseando-se no conceito amplo de saúde, abrangendo diversos setores, fundamentando-se em acesso universal, igualdade, integralidade e participação social, organizado por meio do SUS, descentralizado e regionalizado (DANTAS; DANTAS, 2020b).

Observa-se abaixo o texto constituinte do Art. 196:

Quadro 1 – Evolução do texto constitucional

TEXTO DA SUBCOMISSÃOTEXTO DA CF/88
Art. 1º. A saúde é um dever do Estado e um direito de todos.
§1° O Estado assegura a todos condições dignas de vida e acesso igualitário e gratuito às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde de acordo com suas necessidades. 
§2° A lei disporá sobre a ação de rito sumário pela qual o cidadão exigirá do Estado o direito previsto neste artigo.
Art.196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Fonte: BODRA & DALLARI, 2019.

Atualmente, fica estabelecido que um dos maiores desafios do Brasil é estabelecer e consolidar a relação entre saúde e direito, com base nos princípios constitucionais do direito à saúde.

2 Política Nacional de Medicamentos (PNM) e Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF)

Sabe-se que o SUS é a principal fonte de acesso a cuidados médicos e medicamentos essenciais para muitos brasileiros. Apesar de todas as políticas públicas na área de Assistência Farmacêutica, como a Política Nacional de Medicamentos (PNM) e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), e com investimentos em alta, o acesso aos medicamentos no Brasil permanece como desafio. 

A PNM instituída em 1988 através da Portaria GM/MS nº3.916, tende assegurar o acesso à tratamentos de forma gratuita, viabilizando a garantia da segurança, da eficácia e da qualidade dos medicamentos e a promoção do seu uso racional. Após 6 anos da institucionalização da PNM, em 2004, a PNAF foi considerada uma política pública de saúde de acordo com a resolução de nº 338 do Conselho Nacional De Saúde (CNS), tendo como objetivo regulamentar ações que auxiliem na promoção do uso racional de medicamentos, como exemplo, prescrição, dispensação, orientação no consumo adequado e correto dos mesmos e, elaboração de normas resolutas para o acompanhamento na aquisição de insumos de saúde (SILVA, 2022).

2.1 RENAME

Além de garantir os 3 (três) grandes eixos estratégicos já previstos, a PNM garante o acesso da população aos medicamentos essenciais previstos na Relação Nacional de Medicamentos (RENAME). A RENAME é adotada a nível nacional, e serve de referência para a elaboração das listas estaduais e municipais conforme a situação epidemiológica de cada região, além de orientar a prescrição médica e servir como instrumento racionalizador das ações no âmbito da assistência farmacêutica (LIMA, 2022).

A RENAME é revisada periodicamente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) no SUS e é um dos elementos principais na elaboração das relações municipais de medicamentos essenciais (REMUME) (LIMA, 2022).

A relação da RENAME está segmentada entre:

2.1.1 Componente Básico da Assistência Farmacêutica

O componente básico é voltado para o fornecimento de medicamentos para as condições de saúde atendidas na Atenção Primária. Desta forma, o acesso a esse componente ocorre nas unidades básicas de saúde para obtenção de medicamentos e insumos como os disponíveis da RENAME e REMUME, medicamentos e insumos do programa Saúde da Mulher e medicamentos e insumos para o tratamento de Diabetes Mellitus; (BRASIL. SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE, 2023)

2.1.2 Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica

Visa a prevenção, diagnóstico, tratamento e controle de endemias e patologias de vulnerabilidade social por meio de programas estratégicos de saúde. Essas patologias possuem relevância socioeconômica e afetam, principalmente, populações vulneráveis. Dentre estas patologias, pode-se citar: tuberculose, hanseníase, doença de chagas e dengue (BRASIL. SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE, 2023).

2.1.3. Componente Especializado da Assistência Farmacêutica

É uma estratégia de acesso a medicamentos definidos através de publicações feitas pelo Ministério da Saúde (MS), por meio de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT), sobre pactuação de financiamento entre União, Estados e Municípios. Dentro deste componente é garantido a integralidade do tratamento medicamentoso para doenças raras, oncológicas, crônicas e glaucoma (SILVA, REGINA & CORTE, DALLA, 2011).

3 JUDICIALIZAÇÃO

Para afinco dessas ações, um fenômeno conhecido como “Judicialização do acesso a medicamentos”, no qual o farmacêutico desempenha importante papel no que tange a perícia técnica e avaliação clínica envolvidos no processo.

De acordo com VENTURA et al.,2010, o fenômeno da judicialização da saúde trata-se de reivindicações legítimas de cidadãos e instituições para garantia e promoção dos direitos de cidadania firmados nas leis nacionais (por exemplo, constituição federal do Brasil de 1988) e internacionais. Estas reivindicações se dão por meio de processos jurídicos que visam garantir à parte interessada seu direito assegurado.

No entanto, conforme OLIVEIRA et al., 2015, muitas vezes, a decisão jurídica interfere nas decisões coletivas tomadas pelo poder político, resultando num judiciário que decide politicamente sem o conhecimento necessário para atuar com a lógica do sistema político, formulador e executor das políticas públicas.

Este processo judicial contra os Poderes Públicos teve início na década de 90 devido à epidemia de HIV/ AIDs para acesso a medicamentos e procedimentos médicos (VENTURA et al., 2010). Esta ampla estratégia utilizada pelas organizações não-governamentais (ONGs) resultou numa jurisprudência favorável à responsabilização dos entes federativos (RIOS, 2003). Esta ação resultou na criação da política pública de distribuição gratuita de medicamentos (Lei nº 9.313/96), e, posteriormente, com o aumento do número de processos judiciais favoráveis a partir de 1997, instaurando o que atualmente é denominado Judicialização da Saúde.

4 A IMPORTÂNCIA DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NA JUDICIALIZAÇÃO

A regulamentação da profissão farmacêutica no Brasil foi oficializada a partir da publicação do Decreto Nº 20.377, de 8 de setembro de 1931. Observa-se que o farmacêutico, enquanto profissional da saúde, é o único do setor que tem como foco o produto (o medicamento), enquanto as demais profissões da área da saúde são direcionadas para o manejo do paciente ou de serviços médicos. Esta peculiaridade coloca o farmacêutico numa posição ímpar no que tange a estrutura do sistema de saúde, podendo contribuir com um ponto de vista focado na qualidade e eficácia do produto e na segurança do paciente (OLIVEIRA et al., 2015).

Mais recentemente, conforme Resolução Nº 585 de 29 de agosto de 2013 do Conselho Federal de Farmácia, foram regulamentadas as atribuições clínicas do farmacêutico, por exemplo, o acompanhamento farmacoterapêutico, a conciliação terapêutica e a revisão da farmacoterapia. Neste contexto, o farmacêutico passa a atuar no cuidado direto ao paciente, promovendo o uso racional dos medicamentos e de outras tecnologias em saúde. Vale ressaltar que esta alteração das atribuições do farmacêutico é recente, pois o farmacêutico sempre foi historicamente um profissional com pouco ou nenhum envolvimento com o paciente (OLIVEIRA et al., 2015).

Esta dupla função de zelar pela qualidade e eficácia do medicamento e pela segurança do paciente (e acompanhamento do tratamento) fazem com que ele seja um elemento de alteração no equilíbrio entre a judicialização da saúde e a construção de um sistema de saúde funcional e adequado, que atenda à todas as necessidades da população brasileira (FREITAS; FONSECA; QUELUZ, 2020).

Neste sentido, observa-se que parte dos processos, no contexto da judicialização da saúde, são pedidos de importação ou acesso no âmbito nacional à medicamentos ainda não aprovados na ANVISA. Este fenômeno se torna ainda mais comum com o acesso difundido à internet, por meio da qual o paciente entra em contato com possíveis soluções para seu problema de saúde sem passar pelo filtro médico. Casos recentes, como a aprovação da Lei 13.269/2016 que autorizou o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna antes de seu registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), são exemplos de mal uso do poder político regulamentando o uso de medicamentos. Foi necessário que o Supremo Tribunal Federal (STF) deferisse um pedido liminar de inconstitucionalidade para suspender a eficácia da lei. No entanto, é necessário ressaltar que foi o mesmo STF que deferiu, em outubro de 2015, o uso da droga por um paciente terminal, que entrou na justiça para acessar o tratamento (COSTA; SILVA; OGATA, 2020).

Observa-se que, no exemplo citado, a função do médico é contornada pelos pacientes que buscam tratamento por meio da via Jurídica. Neste sentido, cabe ao farmacêutico, que possui o entendimento aprofundado das questões de qualidade e eficácia de medicamentos, auxiliar os juízes a tomar uma decisão embasada; e orientar o paciente, tanto no âmbito regulatório quanto no âmbito da atenção farmacêutica, uma vez que o farmacêutico é um profissional de saúde de fácil acesso à população (toda farmácia possui um profissional farmacêutico responsável). Esta posição dá ao profissional farmacêutico a capacidade de observar relatos de eventos adversos ou monitorar tendências de uso de produtos que ocorrem fora do controle do médico especializado (COSTA; SILVA; OGATA, 2020).

No entanto, a Judicialização nem sempre é uma intervenção do poder judiciário na saúde com vias a burlar as legislações instituídas pela ANVISA. Muitas vezes, devido a ineficiências do sistema de saúde no Brasil, o próprio médico se vê, diante de inúmeras tentativas de tratamento do paciente mal sucedidas, buscar tratamentos inovadores ainda não disponíveis no sistema público de saúde ou no território nacional. Nestes casos, o próprio médico aconselha o paciente a entrar na justiça, como via de acesso ao tratamento possivelmente eficaz (VENTURA et al., 2010).

5 NÚCLEO DE APOIO TÉCNICO DO PODER JUDICIÁRIO – NAT-JUS

O NAT-JUS é um órgão técnico que opera dentro do sistema judiciário no Brasil e tem como objetivo fornecer apoio técnico, consultoria e expertise especializada ao poder judiciário a fim de auxiliar em casos complexos que demandam conhecimentos específicos, ele tem papel importante no auxílio aos juízes em análise de informações técnicas e científicas para tomada de decisões mais embasadas e justas em processos judiciais (BRASIL. NÚCLEO DE APOIO TÉCNICO DO PODER JUDICIÁRIO, 2023).

Dentre as atribuições que contemplam as atividades do NAT-JUS, os tópicos relevantes para a atuação Farmacêutica na Judicialização são:

  I – Monitorar as ações judiciais que envolvam prestações de assistência à saúde, como o fornecimento de medicamentos, produtos ou insumos em geral, tratamentos e disponibilização de leitos hospitalares.

II – Monitorar as ações judiciais relativas ao Sistema Único de Saúde (SUS);

III – propor medidas concretas e normativas voltadas à otimização de rotinas processuais, à organização e à estruturação de unidades judiciárias especializadas;

IV – Propor medidas concretas e normativas voltadas à prevenção de conflitos judiciais e à definição de estratégias nas questões de direito sanitário;

V – Estudar e propor outras medidas consideradas pertinentes ao cumprimento do objetivo do Fórum Nacional

Tais aspectos são essenciais para melhoria contínua na garantia dos direitos à saúde para os pacientes de forma igualitária, justa e segura (BRASIL. DE APOIO TÉCNICO DO PODER JUDICIÁRIO, 2023).

5.1 NAT-JUS E A ATUAÇÃO FARMACÊUTICA

O NAT-JUS é composto por médicos, farmacêuticos, enfermeiros e psicólogos, que juntos, quando necessário, elaboram notas técnicas e pareceres para auxiliar os juízes nas decisões que envolvam matérias de saúde.

5.2 FARMÁCIA FORENSE 

As Ciências Forenses desempenham um papel cada vez mais crucial nos procedimentos judiciais e legais, sendo fundamentais para garantir sua resolução adequada e eficiente. Para alcançar seu objetivo de apoiar a Justiça, é indispensável a clareza da informação científica obtida por meio da atividade pericial, assim como a aplicação rigorosa na condução das perícias. Dentro desse contexto, o Especialista Forense é alguém que, com base em seu conhecimento científico, contribui para a investigação não apenas por meio da análise pericial e elaboração do respectivo relatório, mas também fornecendo esclarecimentos em tribunal (SARTORI; PINTO; FREITAS, 2018).

Incluindo o profissional Farmacêutico em meio as condutas mencionadas, hoje, as possibilidades de intervenção dele no acesso judicial a medicamentos ocorrem nas fases pré-processuais e processuais

Durante a fase processual, o farmacêutico desempenha um papel significativo no Núcleo de Apoio Técnico (NAT-JUS) junto aos magistrados (mencionado no item 5.1 acima). A principal responsabilidade do NAT-JUS é emitir parecer prévio em todas as ações que envolvam a prestação de serviços do SUS, e sua atuação deve estar fundamentada em dois princípios indispensáveis: a celeridade e a imparcialidade (AUGUSTO; PINTO; FREITAS, 2018).

Lembrando que: As procuradorias das três esferas de gestão também podem dispor de pareceres técnicos de farmacêuticos para subsidiar suas manifestações jurídicas (SARTORI; PINTO; FREITAS, 2018).

No que diz respeito à etapa pré-processual, os profissionais farmacêuticos elaboram pareceres técnicos com o intuito de ampliar as chances de resolução de questões de maneira administrativa. Eles têm a capacidade de atuar em diversas instâncias, como nas defensorias públicas, em colaboração com o Ministério Público, nas secretarias de saúde, nos núcleos de conciliação, nos centros de informações sobre medicamentos, e em outros órgãos relacionados ao assunto (AUGUSTO; PINTO; FREITAS, 2018).

O profissional farmacêutico detém uma compreensão abrangente do sistema de saúde, possui uma sólida formação técnico-científica e procura obter informações a partir de evidências científicas provenientes de fontes confiáveis. Além disso, desempenha um papel crucial na identificação dos medicamentos requisitados durante o atendimento, orienta os usuários sobre como acessar os medicamentos na rede SUS conforme as condições estabelecidas pelas políticas públicas de saúde. Também fornece orientações aos usuários e prescritores sobre a necessidade de justificação para o uso de medicamentos em situações não contempladas nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) ou que não estejam nas listas do SUS. Adicionalmente, oferece informações técnicas para a elaboração de ações, abrangendo a identificação dos medicamentos, posologia, modo de administração e quantidade total do tratamento, assim como sobre os efeitos adversos e possíveis interações (DE; técnico-científico, 2021).

5.3 PARECER TÉCNICO-CIENTÍFICO

O parecer técnico-científico (PTC) representa um tipo específico de análise para a avaliação de tecnologias em saúde (ATS), destacando-se pela abordagem ágil e pela finalidade de oferecer suporte à gestão e à tomada de decisão em saúde fundamentada em evidências científicas. A condução e o conteúdo do PTC devem ser simplificados, apresentando-se em linguagem acessível. Além de contribuir para a tomada de decisões, os resultados de um PTC podem indicar a necessidade de novas investigações quando a evidência disponível é considerada insuficiente (DE BARROS et al., 2021).

Além de seguir Condutas Terapêuticas Baseadas em Evidências, é essencial contextualizar e avaliar todas as informações, incorporando conhecimentos das ciências farmacêuticas, como a Farmácia Clínica, a Farmacoeconomia e a Farmacovigilância(DE; técnico-científico, 2021).

A legislação que respalda as competências técnicas do farmacêutico na elaboração de Notas Técnicas (NT), Pareceres Técnico-Científicos (PTC) e Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) encontra-se estabelecida no Decreto nº 85.878, de 7 de abril de 1981, que regulamenta a Lei nº 3.820, de 11 de novembro de 1960 (BRASIL), a qual trata do exercício da profissão farmacêutica e estabelece diversas disposições. O artigo 1º do decreto define as atribuições privativas dos profissionais farmacêuticos, incluindo a elaboração de laudos técnicos e a realização de perícias técnico-legais relacionadas a atividades, produtos, fórmulas, processos e métodos farmacêuticos ou de natureza farmacêutica (inciso IV), bem como o desempenho de outros serviços e funções no domínio de sua capacitação técnico-científica profissional (inciso VI). O artigo 2º estipula que são atribuições dos profissionais farmacêuticos atividades afins, incluindo vistoria, perícia, avaliação, arbitramento e serviços técnicos, além da elaboração de pareceres, laudos e atestados dentro das suas atribuições respectivas (inciso III) (BRASIL,2018).  

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da complexidade do sistema de saúde brasileiro e dos desafios enfrentados na busca por acesso equitativo aos medicamentos, a expansão das atribuições clínicas do farmacêutico, aliada à sua atuação no Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-JUS), revela-se como um elemento-chave na busca pelo equilíbrio entre garantir o acesso justo à saúde e promover um sistema de saúde funcional.

A judicialização da saúde, embora motivada por direitos legítimos, apresenta desafios significativos para a execução de políticas públicas sustentáveis. O aumento dos litígios relacionados à saúde pode sobrecarregar o sistema judiciário e impactar os recursos públicos disponíveis, destacando a necessidade urgente de abordagens holísticas que considerem tanto as demandas individuais dos pacientes quanto os aspectos estruturais e orçamentários do sistema de saúde.

Nesse contexto, o farmacêutico emerge como um agente crucial na interface entre o sistema de saúde e a judicialização, contribuindo com informações técnicas, avaliação clínica e orientação regulatória. Sua presença no NAT-JUS, ao lado de profissionais de diversas áreas da saúde, fortalece a capacidade do poder judiciário em tomar decisões embasadas, promovendo um parecer crítico e técnico.

Diante do fenômeno da judicialização do acesso a medicamentos, é evidente que a função do farmacêutico vai além da assistência direta ao paciente ou da qualidade e segurança do medicamento, abraçando também a orientação técnica nas decisões judiciais. Esta abordagem integrada do profissional farmacêutico se mostra essencial para construir um sistema de saúde que atenda às necessidades da população brasileira de maneira justa, segura e eficiente.

 7 REFERÊNCIAS

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