REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10162294
LEMOS, Julia Zuqui 2
RIBEIRO, Adriano Martins3
RESUMO
O presente artigo teve como objeto de estudo a compreensão do fenômeno jurídico da judicialização da política, que acarreta o domínio exercido pelo Poder Judiciário sobre os demais poderes. Discorreu-se ainda sobre a contestável legitimidade do Judiciário para intervir em temas de cunho governamental, bem como sua expansão incontida, que busca legalidade no Poder Legislativo, afim de medir forças com o Executivo. Nesta perspectiva, a pesquisa abordou a judicialização da política brasileira no âmbito das eleições gerais de 2022. Diante disso, foi elaborado o seguinte questionamento: como o Poder Judiciário influencia o destino da democracia? Para tanto, o objetivo geral da pesquisa pautou-se em compreender a Tripartição do Poder e os limites constitucionais da intervenção entre as partes integrantes. Por conseguinte, os objetivos específicos foram a identificação dos pilares que sustentam a judicialização da política, assim como a demonstração da ocorrência do supracitado fenômeno jurídico por meio da análise das decisões proferidas nas ADPFs 964, 965, 966 e 967. De mesmo modo, objetivou-se delimitar o cenário político-econômico que causou o alargamento do judiciário em decorrência dos demais. Esse estudo consistiu em uma pesquisa bibliográfica de cunho descritivo e explicativo, foi conduzido pela abordagem qualitativa, ocorrida no ordenamento jurídico, Google acadêmico, repositório PUC, revistas, teses, livros, artigos científicos e sites. À vista disto, verifica- se que a judicialização da política afeta negativamente a democracia brasileira, influenciando as eleições e ultrapassando os limites constitucionais do Poder Judiciário. Por essa razão, propostas de reforma no Supremo Tribunal Federal são consideradas válidas para preservar o Estado Democrático de Direito.
Palavras-Chave: Tripartição do Poder. Judicialização da Política. Poder Judiciário. Eleições.
1. INTRODUÇÃO
O Poder Público desempenha um papel fundamental na efetivação de direitos sociais, no entanto, muitas vezes, o Estado deixou de cumprir essas garantias fundamentais. Nesses casos, o Guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, interveio para garantir a execução dessas obrigações em casos específicos. Nesta perspectiva, a pesquisa aborda a judicialização da política brasileira no âmbito das eleições gerais de 2022.
Em conformidade com a Constituição Federal de 1988, que aborda temas sociais relevantes para o nosso ordenamento jurídico, destaca-se a tripartição dos poderes baseada na Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu. O conjunto de leis trabalha com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, cada qual com sua função e foco em causas e assuntos sociais específicos.
Nesse sentido, a pesquisa pauta-se no seguinte problema: como o Poder Judiciário influencia no destino da democracia? Como forma de responder à pergunta, o estudo tem como objetivo geral a compreensão da Tripartição do Poder e os limites constitucionais da intervenção entre as partes integrantes. Por conseguinte, os objetivos específicos são identificar os pilares que sustentam a judicialização da política, assim como demonstrar a ocorrência do supracitado fenômeno jurídico por meio da análise das decisões proferidas nas ADPFs 964, 965, 966 e 967. De mesmo modo, objetiva-se delimitar o cenário político-econômico que causou o alargamento do judiciário em decorrência dos demais.
Nos últimos anos, a participação do Poder Judiciário em questões sociais e políticas – que deveriam ser tratadas na esfera dos outros dois poderes mencionados anteriormente – aumentou significativamente. Como resultado, os nomes dos ministros do STF se tornaram cada vez mais conhecidos devido à alta intervenção em questões como as eleições presidenciais e político-partidárias.
A metodologia utilizada no estudo foi a pesquisa bibliográfica, por meio do acervo bibliotecário da FACISA, livros, teses, bancos de dados da SciELO, Google Acadêmico, repositório da PUC, dissertações, artigos científicos e legislação brasileira, uma abordagem qualitativa, tendo o âmbito nacional como local de estudo.
Assim, o artigo foi dividido em quatro etapas, a primeira retratou a historicidade da tripartição do poder, que tem como principal objetivo o equilíbrio dos poderes estatais, a segunda caracterizou o conceito de judicialização da política.
Posteriormente, em sua terceira etapa, foi feita a análise das ADPFs 964, 965, 966 e 967, com o objetivo de demonstrar, no caso concreto, como a judicialização da política afeta os Poderes Executivo e Legislativo de forma direta. Por último, foram analisadas as propostas parlamentares para a alteração do funcionamento do Supremo Tribunal Federal, a fim de demonstrar a visão do Legislativo acerca do alargamento do Poder Judiciário.
2. METODOLOGIA
A presente pesquisa teve como base uma investigação bibliográfica, utilizando livros, artigos científicos, teses e leis relevantes. Segundo Webster’s International Dictionary, a pesquisa é uma busca minuciosa e crítica de fatos e princípios, envolvendo métodos científicos para encontrar respostas para questões propostas.
Conforme afirmou (MANZO, 1971:32), a bibliografia oferece meios para resolver problemas já conhecidos e também explorar novas áreas em que os problemas ainda não foram totalmente definidos. A pesquisa bibliográfica, como explicam (MARCONI E LAKATOS, 2019), tem como objetivo colocar o pesquisador em contato com tudo que foi escrito ou registrado sobre determinado assunto, de forma a obter um panorama amplo e detalhado da temática investigada.
No caso deste trabalho, foi realizada uma revisão bibliográfica com análise e discussão detalhada das fontes consultadas, buscando um aprofundamento significativo da temática. De acordo com Vergara (2008), a revisão bibliográfica pode utilizar procedimentos estatísticos, interpretativos ou ambos para confrontar o problema de pesquisa e a teoria previamente analisada, chegando-se assim a uma conclusão.
Segundo (DENZIN E LINCOLN, 2006), a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem interpretativa do mundo, buscando compreender os fenômenos a partir dos significados que as pessoas lhes atribuem. Assim, a revisão bibliográfica permitiu ao pesquisador compreender de forma mais ampla e interpretativa a judicialização da política, especificamente no âmbito das eleições gerais brasileiras de 2022, possibilitando uma análise crítica da temática.
O local de estudo foi o próprio contexto nacional, com foco nas legislações pertinentes ao assunto, quais sejam, a Constituição Federal de 1988, a Lei das Eleições, o Código Eleitoral, a Lei das Inelegibilidades e Resoluções do TSE. A pesquisa foi delimitada para investigar a Tripartição dos Poderes, bem como analisar expansão incontida das decisões judiciárias como um possível instrumento de violação desses preceitos Constitucionais.
A investigação teve início a partir da curiosidade de compreender como decisões judiciárias poderiam violar a Tripartição dos Poderes consagrada na Constituição Federal. A presente pesquisa foi realizada com base no acervo bibliotecário da FACISA, no ordenamento jurídico, nos bancos de dados da SciELO, no Google Acadêmico, no repositório da PUC, em revistas, teses, livros, artigos científicos, jornais, sites, rádio e redes sociais, a fim de alcançar os resultados esperados.
3. DA TRIPARTIÇÃO DO PODER
O presente capítulo retrata a historicidade da Tripartição do Poder, desde a monarquia absolutista até os dias atuais, na República Federativa do Brasil. Demonstrando como, no período Iluminista, Locke e Montesquieu sistematizaram e aprofundaram o tema. Essas ideias influenciaram a formação dos sistemas políticos democráticos e têm sido fundamentais na organização dos poderes estatais. No ordenamento jurídico brasileiro, se manifestam por meio do sistema de freios e contrapesos.
A Teoria de Separação de Poderes surgiu como uma solução para o absolutismo, um sistema de governo em que todos os poderes eram concentrados em uma única pessoa, detentora de autoridade absoluta sobre todos os aspectos de sua soberania. Embora tenha surgido no século XIV, a ideia de separação dos poderes só foi claramente percebida a partir do século XVII, na Inglaterra, sendo desenvolvida por diversos filósofos e continuando a evoluir até o presente momento.
No absolutismo, o poder era centralizado na figura de uma autoridade central, o rei, que detinha todos os poderes do governo. Thomas Hobbes foi um dos principais defensores desse sistema de poder. Partindo de sua concepção de estado de natureza, Hobbes argumentava que, em um estado sem leis, os indivíduos poderiam agir sem restrições, resultando no caos para a vida em sociedade (HOBBES, 1651).
Assim pontua (CHEVALLIER 1999), em sua análise sobre os pensamentos de Jean Bodin, um jurista do século XVI, afirmou que a essência primordial da soberania reside no poder de conceber e promulgar leis, sem a necessidade de obter consentimento de ninguém, pois todas as outras características da soberania de um rei estão contidas na criação e na revogação das leis, que governam todos.
Durante muito tempo, não houve objeção ao poder absolutista que dominava a sociedade, pois era apoiado pelos ricos burgueses da época, que viam na monarquia absolutista uma aliada poderosa para facilitar seus negócios e impulsionar seu crescimento econômico.
No entanto, no final do século XVII e início do XVIII, começou a ser manifestada insatisfação com poder excessivo da monarquia absoluta na Europa continental, especialmente na França. O Iluminismo e a busca por novas formas de governo impulsionaram a discussão sobre a separação dos poderes, sendo desenvolvida por pensadores como John Locke na Inglaterra e Montesquieu na França (BONAVIDES, 1998).
Locke e Montesquieu desempenharam papéis fundamentais na discussão e desenvolvimento da teoria da tripartição do poder. Suas ideias e contribuições ajudaram a moldar a compreensão contemporânea da separação dos poderes e influenciaram a forma como as democracias modernas estruturam seus sistemas de governo.
John Locke defendia a existência de direitos naturais inalienáveis dos indivíduos, incluindo a vida, a liberdade e a propriedade. Ele argumentava que o propósito principal do governo era proteger esses direitos, e caso o governo falhasse em cumprir essa função, o povo teria o direito de rebelar-se contra ele. Locke também enfatizava a importância da separação dos poderes, defendendo a existência de um poder legislativo separado do poder executivo, a fim de evitar abusos de autoridade.
Conforme destacado por (CHEVALLIER, 1999), no contexto da busca por uma regulamentação dos poderes concedidos ao Estado pelo povo, John Locke discute os poderes que o indivíduo já possui no estado natural e que são transferidos ao estado civil com o propósito de garantir o bem comum. Em primeiro lugar, como meio de assegurar sua própria preservação e a dos outros, o ser humano detém o poder de restringir seus próprios direitos naturais em prol de uma convivência harmoniosa.
De forma secundária, no estado de natureza, é o indivíduo quem possui a prerrogativa de fazer valer suas próprias restrições e de punir aquele que violar as leis naturais, de acordo com sua própria concepção de justiça. Ambos esses poderes são transferidos ao estado civil durante o processo de sua formação, sendo denominados por Locke como poder legislativo e poder executivo, respectivamente (CHEVALLIER, 1999, p. 112). Nesse contexto, nas palavras de Locke,
[…] todo poder confiado como um instrumento para se atingir um fim é limitado a esse fim, e sempre que esse fim for manifestamente negligenciado ou contrariado, isto implica necessariamente na retirada da confiança, voltando assim o poder para as mãos daqueles que o confiaram, que podem depositá- lo de novo onde considerarem melhor para sua proteção e segurança (LOCKE, 1689, p. 173)
Assim, Locke elaborou a primeira teoria política sobre a separação dos poderes, que se aproximava consideravelmente do modelo atual, devolvendo o poder às mãos do povo e retirando a ideia de um poder divino e absoluto nas mãos dos soberanos (LOCKE, 1689). No entanto, posteriormente, surgiria uma teoria, altamente inspirada na de Locke, que introduziria algumas mudanças pontuais, porém extremamente significativas: a teoria de Montesquieu.
Por sua vez, Montesquieu elaborou em sua obra “O Espírito das Leis”, em 1748, uma concepção sofisticada sobre a separação dos poderes. Montesquieu argumentava que o poder estatal deveria ser dividido em três esferas independentes e equilibradas: o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Ele acreditava que essa separação de poderes era crucial para evitar a concentração excessiva de autoridade nas mãos de um único indivíduo ou órgão governamental, garantindo assim a liberdade e os direitos individuais. Montesquieu propôs que cada poder atuasse como um freio sobre os outros, estabelecendo assim um sistema de freios e contrapesos.
Em suma, a teoria da tripartição do poder de Montesquieu representa um importante marco na história do pensamento político, estabelecendo os fundamentos para a separação e equilíbrio dos poderes estatais. Sua influência é perceptível nas Constituições modernas, que adotam essa divisão como base para a organização dos sistemas políticos democráticos, promovendo a governança responsável e a proteção dos direitos individuais.
O ordenamento jurídico brasileiro adota o Sistema de Freios e Contrapesos, cujas origens remontam à análise de Montesquieu (1748). O filósofo propôs que o Poder Executivo deveria limitar o Poder Legislativo, a fim de evitar que este último concentrasse todo o poder e se tornasse despótico. Da mesma forma, o Legislativo deveria examinar a execução das leis que ele próprio criou, garantindo que o Executivo as implementasse conforme o idealizado. Esse sistema tem evoluído ao longo do tempo, sempre com o objetivo de assegurar a separação dos poderes e a correta atribuição de suas funções, evitando que qualquer um deles se sobreponha indevidamente. Sob essa ótica, de acordo com a manifestação de Montesquieu
Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. (MONTESQUIEU, 1748)
Embora o Sistema de Freios e Contrapesos não esteja expressamente previsto na Constituição, sua adoção é evidente na forma como as atribuições de cada poder são dispostas. Há diversos casos em que o Poder Judiciário influencia o Legislativo e o Executivo, assim como o Executivo influencia o Judiciário e o Legislativo, conforme demonstrado a seguir.
Um exemplo visível do controle do Poder Legislativo pelo Executivo é o poder de veto. O Executivo pode vetar projetos propostos pelo Legislativo, que são obrigados a enviá-los para análise do Presidente da República, conforme estabelece o artigo 66 da Constituição. Além disso, o presidente tem o poder de vetar projetos considerados inconstitucionais, de acordo com o § 1º do mesmo artigo.
O artigo 84 da Constituição Federal de 1988 também prevê essa prerrogativa do Executivo, incluindo o poder de sancionar e promulgar leis, assim como fazer decretos para a melhor execução das mesmas. Essas atribuições estabelecem uma relação de dependência do Legislativo em relação ao Executivo, limitando suas ações. O Executivo também exerce controle sobre o Poder Judiciário por meio do indulto presidencial, conforme o artigo 84, inciso XII da Constituição. Essa medida permite ao presidente corrigir decisões jurídicas e liberar um condenado, contrariando o que foi decidido pelo Judiciário. (BRASIL, 1988)
Por outro lado, o Poder Judiciário exerce controle sobre o Poder Legislativo por meio do controle de constitucionalidade. O Judiciário tem o dever de analisar as leis produzidas pelo Legislativo em busca de possíveis inconstitucionalidades, podendo revogá-las. Essa prerrogativa é exercida pelo Supremo Tribunal Federal, considerado o guardião da Constituição, de acordo com o artigo 102 da Constituição Federal.
O Supremo realiza esse controle por meio de instrumentos como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Além disso, o Legislativo exerce controle sobre o Judiciário por meio das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), previstas no artigo 58, § 3º da Constituição. Por meio das CPIs, o Legislativo tem o poder de investigar a Administração Pública. (BRASIL, 1988)
Por fim, a análise histórica da Tripartição do Poder, desde o absolutismo até a atual República Federativa do Brasil demonstra a relevância da teoria da separação dos poderes, destacando-se o papel de Locke e Montesquieu, que sistematizaram a teoria da separação dos poderes, influenciando os sistemas políticos democráticos. Essa teoria tem relevância nas Constituições modernas e no ordenamento jurídico brasileiro, se manifestando neste por meio do sistema de freios e contrapesos.
4. JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA
A judicialização da política é um fenômeno de grande impacto na estrutura política, social e econômica do Brasil, sendo protagonizada pelo crescente destaque das políticas públicas, combate à corrupção e julgamento de membros do Legislativo e Executivo. O Poder Judiciário atua obrigatoriamente quando provocado, considerando essas causas. Ao receber demandas eleitorais, como no caso de impugnação de candidaturas, é quebrada a ideia do efeito inter partes da demanda, pois a decisão terá forte impacto social mesmo sendo uma solicitação individual.
Para além dos efeitos práticos da judicialização das eleições, de forma linear, em termos de procedências ou improcedências processuais, é importante considerar mais amplamente as dinâmicas judiciais que estão em jogo durante uma disputa eleitoral. Isso significa que o objetivo do litigante não é simplesmente obter uma decisão favorável na ação, mas sim obter a vitória nas eleições, utilizando o Judiciário como um meio para alcançar esse objetivo. Nesse sentido, de acordo com o Ministro Luís Roberto Barroso, judicialização
[…] significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata- se, como intuitivo, de uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo… No Brasil, como assinalado, a judicialização decorre, sobretudo, dois fatores: o modelo de constitucionalização abrangente e analítica adotado; e o sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós – que combina a matriz americana – em que todo juiz e tribunal pode pronunciar a invalidade de uma norma no caso concreto – e a matriz europeia, que admite ações diretas ajuizáveis perante a corte constitucional. (BARROSO, 2020, p. 03).
Assim, ao mesmo tempo, o Judiciário cria regras, aplica a lei, interpreta e reinterpreta o Direito, exercendo um peso significativo no modelo institucional brasileiro. Diante de seu protagonismo, tanto o Judiciário quanto o Supremo Tribunal Federal (STF), o mais alto órgão da justiça brasileira, desempenham um papel relevante.
Desse modo, o Judiciário precisa se adaptar e compreender que as partes se manifestam dentro e fora do processo. A dinamicidade dos conflitos leva o Direito a ocupar uma posição tão dinâmica quanto a democracia e a sociedade, promovendo transformações significativas, sempre evoluindo quando acionado por meio de litígios.
Portanto, é assegurado que esse fenômeno é resultado de escolhas legítimas feitas em um processo que teve início em 1980 e culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nessa Carta Magna, estão contidas as promessas de uma democracia igualitária e de um Estado participativo, mas também protetor do exercício dos direitos. Assim, nas palavras do professor e jurista Lenio Streck
Em uma democracia é desejável que se cumpram os limites semântico- hermenêuticos de um texto legal. Não posso invocar a literalidade quando me interessa; e tampouco devo ignorar os limites esses quando desgosto subjetivamente daquilo que também podemos chamar de significado convencional. O ponto: há que se ter coerência no tipo de abordagem interpretativa que define a concepção de direito que tem o intérprete. (STRECK, 2020, verbete Literalidade)
Nesse sentido, é essencial haver coerência na forma como são interpretadas as leis, pois isso reflete na visão sobre o que é justo e legal, e contribui para manter um sistema jurídico estável e respeitado. Havendo a violação de direitos, recorre-se ao órgão mediador: o Poder Judiciário. Ele define e interpreta os casos, como as questões eleitorais e políticas, com uma participação significativa dos movimentos sociais e baseado no modelo constitucional adotado, que não impõe limites à atuação judicial. Assim, a decisão pode ser tomada individualmente por um juiz ou por ministros de tribunais superiores, conferindo uma relevância maior à sociedade. Contrapondo o a ideia de desequilíbrio entre os poderes:
Apesar do diagnóstico de ativismo, em geral inspirado por uma concepção de separação de poderes há muito problematizada pela teoria e pela prática constitucionais, o STF não enfrentou qualquer resistência política consistente ao longo dos primeiros 25 anos da Constituição. […] Por baixo do ativismo mais vocal, que poderíamos chamar de “retórica do guardião entrincheirado”, há um passivismo também seletivo – a “prática do guardião acanhado”, ainda a ser melhor mapeado a avaliado. Essa imagem mais crua de ativismo despertou poucas reações do Congresso. (OLIVEIRA, 2019)
Neste comentário, o autor citado aborda a existência de críticas ao ativismo judicial, frequentemente justificadas pela concepção da separação dos poderes, porém ressalta a ausência de grandes reações por parte do Congresso Nacional. Ele destaca que o diagnóstico do ativismo judicial se fundamenta em decisões estrategicamente adiadas pela corte, com o intuito de promover consulta popular.
Por meio de uma ação judicial, busca-se produzir reações no eleitorado. Portanto, muitas vezes, o mais importante não é o veredito favorável do tribunal e os efeitos imediatos da decisão, mas sim, a série de consequências políticas que são geradas quando uma ação judicial é proposta no contexto das eleições. Com o aumento da judicialização, o Tribunal Superior Eleitoral tem sido demandado com mais frequência, sendo chamado a tomar decisões rápidas e efetivas em relação a diversas questões relacionadas à campanha eleitoral, sendo este um dos pilares de sustentação da judicialização da política.
Essa pressão acaba por influenciar as decisões do TSE, que precisa conciliar a busca pela imparcialidade com a necessidade de tomar decisões em tempo hábil para garantir a realização das eleições dentro do prazo estipulado. Afinal, segundo o Mural Eletrônico do TSE, do dia 16 de agosto – data de início das propagandas eleitorais, conforme art. 36 da Lei 9.504/97 – ao dia 30 de outubro de 2022 – votação do segundo turno – foram proferidas mais de 92 mil decisões na justiça eleitoral (TSE, 2022).
Desse modo, a busca por coerência na interpretação das leis e a manutenção de um sistema jurídico estável são fundamentais para preservar os princípios democráticos. No entanto, a crescente demanda por decisões judiciais no contexto eleitoral coloca pressão sobre o Tribunal Superior Eleitoral, que precisa equilibrar a imparcialidade com a necessidade de decisões ágeis para garantir o cumprimento do cronograma eleitoral. Essa dinâmica destaca a importância de se encontrar um equilíbrio entre os poderes e instituições democráticas, respeitando o sistema constitucional.
5. ANÁLISE DAS DECISÕES POLÍTICAS NO PODER JUDICIÁRIO
As eleições presidenciais de 2022 no Brasil despertaram um intenso debate sobre o papel do Poder Judiciário nas decisões políticas que permearam o processo eleitoral. Nesse contexto, a análise das decisões proferidas pelo judiciário ganha relevância, uma vez que essas determinações podem influenciar diretamente o desfecho do pleito e ter repercussões significativas no âmbito político e social do país. Para tanto, o presente capítulo fará a análise das ADPFs 964, 965, 966 e 967.
O caso do ex-deputado Daniel Silveira representa um marco significativo nas relações entre o Poder Judiciário e o Legislativo no Brasil. Em abril de 2022, Silveira foi condenado, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a oito anos e nove meses de prisão, na Ação Penal 1044, devido à divulgação de um vídeo nas redes sociais contendo ataques e insultos aos Ministros da Corte, pelos crimes de incitação à abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 23, inciso IV, c/c art. 18, da Lei 7.170/1983) e coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal). Essa prisão gerou um intenso debate sobre a imunidade parlamentar, os limites da liberdade de expressão e a separação dos poderes.
No dia seguinte, o então presidente Bolsonaro concedeu o indulto, tendo como respaldo legal o artigo 84, inciso XII, da Constituição Federal. As Arguições de Descumprimento de Preceitos Fundamentais citadas em supra foram ajuizadas com a finalidade de questionar a validade da graça constitucional, visto que esta deve resguardar o interesse público. Foram descumpridos os princípios da moralidade e da impessoalidade, previstos no artigo 37 da CRFB, utilizando da atribuição conferida pelo artigo 84 de forma à beneficiar o réu e, de forma reflexa, os aliados políticos do presidente. Nas palavras do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, sobre o princípio da moralidade
Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que as sujeita a conduta viciada à invalidação, portanto tal princípios assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. (MELLO, 2010, p. 119)
A questão da incompatibilidade do indulto com a democracia é um assunto abordado por diversos pensadores jurídicos ao longo do tempo. William Blackstone, jurista inglês, em sua obra O Tratado de Direito Comum Inglês, de 1769, define o indulto como o ato pelo qual o soberano exerce o poder de perdoar ou reduzir a punição imposta a um indivíduo condenado por um crime, sendo este discricionário e incompatível com o sistema democrático de governo (BLACKSTONE, 1769). Desse modo, conforme petição inicial juntada pelo partido político Rede Sustentabilidade no processo em questão
[…] assim como a imunidade parlamentar não pode servir de escudo protetivo para práticas de condutas ilícitas, também não se pode admitir que a prerrogativa de o Presidente da República conceder graça sirva para acobertar aliado político e particular da justa pena estabelecida pelo Poder Judiciário. (REDE SUSTENTABILIDADE, 2022)
O caso de Daniel Silveira é emblemático porque envolveu não apenas a prisão de um parlamentar, mas também a discussão sobre a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar. O ex-deputado foi preso após publicar um vídeo em que fazia ameaças aos ministros do STF e defendia o AI-5, um dos atos mais repressivos da ditadura militar.
A prisão de Daniel Silveira foi fundamentada em diversas jurisprudências, leis e doutrinas, bem como nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADPF) 966, 964, 965 e 967. A ADPF 966, por exemplo, trata da liberdade de expressão e da proteção da honra e da imagem das pessoas. Já a ADPF 964 discute a imunidade parlamentar e a possibilidade de prisão de parlamentares em flagrante delito (STF, 2022).
No caso de Daniel Silveira, o ministro Alexandre de Moraes fundamentou a prisão do ex-deputado na ADPF 965, que trata da proteção das instituições democráticas e do Estado de Direito. Segundo o ministro, as ameaças feitas por Silveira representavam uma clara tentativa de atacar as instituições democráticas e o Estado de Direito, o que justificava a sua prisão em flagrante. Além disso, a ADPF 967 trata da suspensão liminar dos efeitos do decreto presidencial de concessão do indulto, até o julgamento.
O caso de Daniel Silveira, portanto, evidencia a proeminência do poder Judiciário no destino da democracia brasileira. A prisão do ex-deputado foi uma medida excepcional, mas necessária para proteger as instituições democráticas e o Estado de Direito. No entanto, é importante ressaltar que a judicialização da política brasileira não deve ser vista como algo positivo ou desejável.
A atuação do poder Judiciário deve ser sempre pautada pela imparcialidade, pela objetividade e pelo respeito aos princípios democráticos e constitucionais. A judicialização da política, quando utilizada de forma inadequada ou excessiva, pode representar uma ameaça à democracia e ao Estado de Direito, o que deve ser evitado a todo custo. Nos termos da petição juntada pelo Partido dos Trabalhadores na ADPF 964,
A doutrina jurídica moderna tem trabalhado cada vez mais o chamado Constitucionalismo Abusivo, que significa o uso dos instrumentos constitucionais existentes de modo contrário aos próprios princípios da Constituição. Isto é, em aparente cumprimento dos requisitos formais para dar validade a determinado ato de índole constitucional, a autoridade acaba por minar direitos e garantias fundamentais, tal como ocorrido no presente feito. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2022)
No caso apresentado, em razão do protagonismo atribuído ao Supremo Tribunal Federal nos últimos anos, a prisão e posterior processo judicial do ex- deputado geraram intensos debates políticos e jurídicos, colocando em evidência a questão da liberdade de expressão e os limites da atuação parlamentar. Essa controvérsia causou impacto direto nas eleições, pois coloca em xeque a imagem de partidos e políticos associados a Daniel Silveira.
A repercussão pública da prisão de Silveira, combinada com a natureza das acusações contra ele, levanta questões sobre a postura dos partidos e candidatos que estiveram de alguma forma alinhados com o ex-deputado. A opinião pública tende a avaliar a resposta desses atores políticos diante de casos controversos como uma medida de sua integridade e compromisso com a democracia. Assim, a associação de partidos e candidatos com figuras polêmicas como Silveira pode prejudicar sua reputação e credibilidade perante os eleitores, afetando seu desempenho nas eleições gerais de 2022.
Além disso, a prisão de Daniel Silveira trouxe à tona o debate sobre a independência e a atuação do Poder Judiciário. As decisões tomadas pelo STF em relação ao caso despertaram acusações de ativismo judicial e politização da justiça. Essa discussão sobre a influência do Judiciário no cenário político-eleitoral afetou a percepção dos eleitores em relação à imparcialidade e à legitimidade das instituições jurídicas. Essas polêmicas podem ter influenciado a tomada de decisão dos eleitores, afetando o resultado das eleições de 2022 e moldando a forma como a política e a justiça são percebidas no país. Sob essa ótica, tal como expresso por José Augusto Delgado,
Filio-me à corrente daqueles que pregam ser a democracia, com todos os seus defeitos, um regime muito melhor do que a mais perfeita das ditaduras. A Democracia, mesmo ferida, homenageia, pelo menos, a esperança de um povo e simboliza o modelo de liberdade, de segurança e de desenvolvimento cultural e econômico pretendido pelo cidadão, diferente do que acontece com qualquer outro tipo de regime. Aperfeiçoar a atuação do regime democrático para o século XXI não é tarefa das mais fáceis. Uma série de obstáculos deve ser enfrentada e regulada, sem se falar nas resistências que serão impostas por clones conservadores e resistentes a mudanças, por serem beneficiados com a situação atual. O certo é que algo precisa ser feito e com ousadia. (DELGADO, 2000, p. 165)
Relacionando esse trecho à judicialização da política, pode-se interpretar que o autor reconhece a necessidade de aprimorar o funcionamento do sistema político democrático, inclusive no que diz respeito à influência do Poder Judiciário. A judicialização da política pode ser vista como uma das questões desafiadoras a serem enfrentadas, exigindo uma abordagem corajosa para regulamentar essa relação entre poderes, garantindo a autonomia do Judiciário e preservando a separação de poderes.
Desse modo, as eleições presidenciais de 2022 no Brasil trouxeram à tona o debate sobre o papel do Poder Judiciário na política e na tomada de decisões que afetam o processo eleitoral. A análise das decisões proferidas pelo judiciário tornou- se essencial para compreender o desfecho do pleito e suas implicações políticas e sociais, como no caso do ex-deputado Daniel Silveira, que exemplifica a interação complexa entre o Judiciário e o Legislativo. É fundamental encontrar soluções que preservem a integridade das instituições democráticas e a autonomia dos poderes, garantindo uma relação harmoniosa e eficaz entre eles.
6. PROPOSTAS PARLAMENTARES PARA A ALTERAÇÃO DO FUNCIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Após as eleições gerais de 2022, o Congresso Nacional brasileiro tem testemunhado um aumento significativo nas discussões e propostas para alterar as regras que regem o funcionamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse movimento tem ganhado impulso principalmente devido à insatisfação de alguns setores do Senado e da Câmara dos Deputados com as recentes decisões proferidas pelo STF. Este capítulo tem como objetivo analisar as principais propostas de alteração no funcionamento do STF e discutir as motivações por trás dessas iniciativas.
Diversas decisões do STF têm gerado descontentamento no Congresso, sendo que três delas se destacam como pontos de tensão notáveis. A decisão mais polêmica diz respeito ao chamado “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas. O STF declarou a inviabilidade dessa tese, que defendia a demarcação apenas das terras ocupadas por indígenas até 5 de outubro de 1988. Enquanto os grupos indígenas comemoram essa decisão, a bancada ruralista, que representa interesses do agronegócio, é favorável ao “marco temporal.”
Outra questão que tem causado debate é o julgamento sobre o porte de maconha para uso pessoal. Até o momento, a maioria dos ministros do STF se posicionou contra a criminalização desse porte. No entanto, o julgamento foi interrompido antes da conclusão, gerando mais incertezas sobre a legalização desse aspecto do uso de drogas. Além disso, o tribunal começou a analisar uma ação que busca a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Após um voto a favor da descriminalização, esse julgamento também foi suspenso, o que intensificou as discussões sobre um tema altamente polarizador na sociedade brasileira:
A decisão majoritária não é apenas um processo decisório eficaz, é um processo respeitoso. Respeita os indivíduos de duas maneiras. Primeiro, respeita e considera seriamente a realidade das duas diferenças de opinião quanto à justiça e ao bem comum. A decisão majoritária não requer que a opinião de ninguém seja menosprezada ou silenciada por causa da importância imaginada do consenso. Ao impor o nosso apoio e o nosso respeito como processo decisório, ele não exige que nenhum de nós finja haver um consenso quando não há, meramente porque pensamos que deveria haver – quer porque qualquer consenso é melhor do que nenhum, quer porque a visão evidentemente correta por si que não conseguimos imaginar como alguém poderia sustentar o contrário. (WALDRON, 2003, p. 192-193)
Nesse contexto, no Congresso Nacional, há reclamações de que os ministros do STF estão legislando em áreas que deveriam ser de competência dos parlamentares, eleitos justamente para fazer valer a decisão majoritária. No entanto, a sociedade também critica o Congresso por não definir regras claras em temas importantes, como o aborto e o porte de drogas. Diante dessas controvérsias, vários parlamentares apresentaram propostas para mudar o funcionamento do STF. Nessa perspectiva, conforme expresso:
Somente a lei, como expressão da vontade geral institucionalizada, limitado o Estado a interferências estritamente previstas e mensuráveis na esfera individual, legitima as relações entre os dois setores, agora rigidamente separados, controláveis pelas leis e pelos juízes. (FAORO, 2001, p. 820)
Nessa toada, ressalta-se a importância da lei como base para legitimar as relações entre o Estado e o indivíduo, enfatizando a necessidade de leis claras e mensuráveis que estabeleçam os limites da atuação do Estado na esfera individual. No mesmo sentido, são abordadas medidas concretas para controlar e regulamentar o poder do Estado, principalmente no âmbito do Poder Judiciário. Por conseguinte, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe decisões monocráticas, tomadas por um único ministro, que tenham como efeito suspender leis ou atos normativos que afetem a coletividade ou suspender atos dos chefes dos poderes executivos e legislativos.
Essa PEC foi aprovada em um curto período de tempo na CCJ. A mesma PEC também estabelece que os pedidos de vista em julgamentos devem ser coletivos e limitados a seis meses, podendo ser renovados por mais três. Atualmente, um ministro pode pedir vista e suspender indefinidamente um julgamento, o que tem causado atrasos em diversas decisões. Assim, o objetivo é proibir decisões monocráticas de ministros que tenham como efeito suspender leis ou atos normativos que afetem a coletividade.
As críticas, tanto parte da doutrina quanto alguns Ministros da Suprema Corte, são recorrentes e contundentes em relação à apreciação de medidas cautelares de forma monocrática, inclusive com efeitos de sustar leis ou atos normativos, contrariando o que está estabelecido na Lei nº 9.868/1999 e no Regimento Interno do STF. Nesse sentido, Lênio Streck (2019):
É necessário reconhecermos a existência de um direito fundamental dos cidadãos ao cumprimento dos arts. 10 da Lei nº 9.868/1999 e 97 da Constituição Federal. Concluindo-se, portanto, que a concessão monocrática da medida cautelar não pode ser utilizada para substituir a decisão no modo full bench, por isso, deve ser utilizada apenas nos casos de recesso ou férias, e deve ser imediatamente levada a plenário para referendo. (STRECK, 2019, p. 323)
Desse modo, o objetivo da PEC de proibição de decisões monocráticas no contexto de afetação à coletividade está em sintonia com o disposto na Lei, bem como com o entendimento de juristas consagrados. Há também discussões sobre a possibilidade de estabelecer mandatos com prazo definido para ministros do STF. Atualmente, pela lei, um ministro pode permanecer no STF até atingir a idade limite de 75 anos. O Ministro da Justiça, Flávio Dino, por exemplo, defendeu um mandato de 11 anos para os magistrados da corte suprema, com base em uma média aritmética dos mandatos nas Cortes Constitucionais da Europa.
As propostas de alteração no funcionamento do STF têm gerado diversas opiniões e debates. O presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco, manifestou seu apoio à ideia de um mandato fixo para ministros, argumentando que isso fortaleceria o poder judiciário e a Suprema Corte. Por outro lado, o presidente da Câmara, Arthur Lira, enfatizou a importância do equilíbrio entre os poderes constitucionais, mas se mostrou contrário à ideia de um mandato fixo para ministros, enfatizando a independência e os limites constitucionais de cada poder.
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, expressou sua convicção de que não há motivos para alterações no funcionamento da instituição, destacando o bom desempenho histórico do STF. O ministro Gilmar Mendes, o mais antigo do tribunal, questionou por que as propostas de reforma parecem se concentrar unicamente no STF após o país enfrentar ameaças à democracia, levantando dúvidas sobre a eficácia real dessas reformas e se elas verdadeiramente visam aprimorar o sistema judiciário.
As propostas de alterações no funcionamento do Supremo Tribunal Federal refletem as tensões políticas e ideológicas no Brasil. A busca por equilíbrio entre os poderes constitucionais e a necessidade de assegurar a governabilidade do país são desafios complexos que o Congresso e o STF precisam enfrentar. É fundamental que essas discussões sejam realizadas com respeito às instituições democráticas e à Constituição Federal, visando o melhor interesse do país e de seus cidadãos.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A judicialização da política representa um desafio à harmonia entre os órgãos que constituem os poderes da República Federativa do Brasil, uma vez que, ao conferir protagonismo ao Poder Judiciário e destacar suas figuras proeminentes e decisões, tende a ultrapassar os limites constitucionais de atuação estabelecidos. No contexto brasileiro, a divisão tripartite do poder se concretiza por meio do sistema de freios e contrapesos, desempenhando um papel fundamental na manutenção do equilíbrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
As eleições presidenciais de 2022 no Brasil ressaltaram o papel do Poder Judiciário na política e a necessidade de entender as implicações políticas e sociais de suas decisões. Portanto, é crucial encontrar soluções que preservem a integridade das instituições democráticas, mantendo a autonomia dos poderes e promovendo uma relação harmoniosa entre eles. As propostas de alterações no funcionamento do Supremo Tribunal Federal refletem as tensões políticas e ideológicas no país, exigindo discussões respeitosas e embasadas na Constituição Federal para garantir o bem- estar da nação e de seus cidadãos.
Ademais, a presente pesquisa buscou entender como o Poder Judiciário influencia o destino da democracia, por meio do objetivo geral de compreender a Tripartição do Poder e os limites constitucionais da intervenção entre as partes integrantes. Nesse sentido, ao ultrapassar os papéis delimitados e tomar decisões de grande relevância política, destacando seus membros e envolvendo questões eleitorais em seus votos, é possível que o Poder Judiciário tenha influenciado no desfecho das eleições gerais de 2022.
Os objetivos específicos foram alcançados ao analisar os fundamentos da judicialização da política. Os membros do Poder Judiciário buscam ganhar notoriedade, destacando suas decisões de natureza política e, assim, conquistando espaço junto ao eleitorado. Da mesma forma, a análise das decisões proferidas nas ADPFs 964, 965, 966 e 967 permitiu uma compreensão prática do tema da pesquisa, especialmente na maneira como o Supremo Tribunal Federal (STF) abordou o caso do ex-deputado Daniel da Silveira, com votos que evidenciaram claramente suas opiniões políticas.
Com o aumento da judicialização da política, o Tribunal Superior Eleitoral se tornou um ator central nas eleições, frequentemente convocado para tomar decisões rápidas e efetivas que impactam o processo eleitoral. Essa pressão exerce influência sobre as decisões do TSE, que deve equilibrar a busca pela imparcialidade com a necessidade de garantir eleições dentro dos prazos estabelecidos.
Além disso, em um contexto socioeconômico atual marcado por uma polarização política extrema enfrentada pelo governo, tais decisões, permeadas por questões eleitorais e ideológicas, intensificam os conflitos políticos e exercem influência direta nas eleições.
Essa relação complexa ilustra como o Poder Judiciário pode moldar indiretamente o destino da democracia ao influenciar o resultado de processos eleitorais, como ilustrado no caso do ex-deputado Daniel Silveira, destacando a importância de manter uma relação equilibrada entre os Poderes para a preservação das instituições democráticas e a autonomia das partes integrantes.
Por tudo o que foi analisado, a judicialização da política em nada beneficia a democracia brasileira. Decisões judiciais enviesadas e embasadas em questões opinativas, que têm por objetivo causar reações no eleitorado, não merecem prosperar, pois não é este o papel constitucional do Poder Judiciário definido pelo sistema de freios e contrapesos. Desse modo, propostas parlamentares de alteração do funcionamento do Supremo Tribunal Federal se mostram válidas e oportunas, a fim de zelar pelo Estado Democrático de Direito e assegurar a integridade do sistema tripartite.
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1 Artigo apresentado à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Bacharel em Direito, em 2023.
2 Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA, em Itamaraju (BA). E-mail: julialemoszuqui@gmail.com
3 Professor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (FACISA). E-mail: adrianno_martins@hotmail.com.