PATHOLOGICAL GAMBLING AND THERAPEUTICSTRATEGIES: A LITERATURE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202413120924
Nilson Coltri Júnior1
Henrique Lima de Sousa2
RESUMO
Pelos seus aspectos clínicos, o entendimento do jogo patológico é de suma importância para a psiquiatria. No entanto, essa condição também apresenta características que demandam a atenção e a intervenção da saúde pública. Trata-se de uma patologia que representa um problema crescente na sociedade, especialmente em grupos vulneráveis. O jogo patológico afeta significativamente a saúde mental e as relações sociais das pessoas, trazendo consequências para elas, suas famílias e toda a sociedade, o que exige uma intervenção organizada, competente, estruturada e integrada pelos serviços de saúde. Dessa maneira, este estudo tem como objetivo revisar a literatura sobre o tratamento do jogo patológico e definir as melhores estratégias para tal. A metodologia utilizada foi a revisão de literatura, para qual foram realizadas buscas em bancos de dados como: Google Acadêmico, PubMed e Scielo. Para a busca em português, foram utilizados os descritores “transtorno”, “jogo patológico” e “tratamento”, enquanto para as pesquisas em inglês foram empregados “disorder”, “pathological gambling” e “treatment”, resultando na seleção de doze publicações. Ao final, concluiu-se que o tratamento do jogo patológico envolve uma abordagem multidisciplinar, incluindo psicoterapia, farmacoterapia, autoajuda, e intervenções financeiras e educativas. As estratégias mais eficazes para o tratamento focam no manejo personalizado do paciente, levando em consideração diversos fatores, como a presença de outros transtornos psiquiátricos concomitantes e o grau de comprometimento do paciente com o processo de recuperação.
Palavras-chave: Farmacoterapia. Psicoterapia. Psiquiatria. Saúde Pública.
ABSTRACT
Due to its clinical aspects, understanding pathological gambling is of utmost importance for psychiatry. However, this condition also presents characteristics that require the attention and intervention of public health. It is a pathology that represents a growing problem in society, especially among vulnerable groups. Pathological gambling significantly affects individuals’ mental health and social relationships, bringing consequences for them, their families, and society as a whole, which necessitates an organized, competent, structured, and integrated intervention by health services. Therefore, this study aims to review the literature on the treatment of pathological gambling and define the best strategies for it. The methodology used was a literature review, with searches conducted in databases such as Google Scholar, PubMed, and Scielo. For searches in Portuguese, the descriptors “transtorno,” “jogo patológico,” and “tratamento” were used, while for searches in English, “disorder,” “pathological gambling,” and “treatment” were employed, resulting in the selection of twelve publications. In the end, it was concluded that the treatment of pathological gambling involves a multidisciplinary approach, including psychotherapy, pharmacotherapy, self-help, and financial and educational interventions. The most effective strategies for treatment focus on the personalized management of the patient, considering various factors such as the presence of other concurrent psychiatric disorders and the level of the patient’s commitment to the recovery process.
Keywords: Pharmacotherapy. Psychotherapy. Psychiatry. Public Health.
1 INTRODUÇÃO
O jogo patológico caracteriza-se por uma periódica ou contínua perda de controle em relação ao jogo de azar, na qual o indivíduo se coloca em um ciclo, nutrindo grande preocupação em jogar para obter dinheiro e aplicar em novos jogos. Além disso, esse transtorno também possui, como característica, a manutenção deste comportamento, apesar das consequências adversas (DUARTE & MENDONÇA, 2022).
Segundo Miguel et al. (2023), o comportamento de apostas varia desde o jogador social, que aposta ocasionalmente sem prejuízos, até casos graves de jogadores compulsivos. Jogadores de risco apostam com mais intensidade e já enfrentam problemas como endividamento e conflitos, embora ainda não preencham critérios para Transtorno de Jogo (TJ). Jogadores patológicos, por outro lado, perdem o controle frequentemente, enfrentam prejuízos psicossociais e comprometem suas relações pessoais, atendendo aos critérios diagnósticos para TJ. Em casos mais graves, jogadores buscam tratamento devido a consequências severas, como endividamento extremo, desemprego, ruptura familiar e ideação suicida, exigindo intervenções urgentes.
A partir da 3ª e 4ª edição do American Psychiatric Association (DSM) e na 10ª edição da Classificação Internacional de Doença (CID-10), o jogo patológico passou a ser considerado como uma alteração do comportamento humano. No DSM-5, o jogo patológico foi reclassificado como um transtorno aditivo, tornando-se o primeiro e único vício comportamental formal no manual. Em parte, o raciocínio para a realização dessa reclassificação foi o de que o jogo patológico se assemelha mais a transtornos por uso de substâncias do que com transtorno obsessivo-compulsivo ou com controle de impulso (COSTA, RODRÍGUEZ & MARCHIORI, 2022).
Algumas características do jogo patológico, como o anonimato, a facilidade proporcionada por transações financeiras instantâneas e a possibilidade de jogar tanto em casa quanto em qualquer lugar, aumentam os riscos e favorecem a perda de controle, especialmente entre os mais jovens. Esses jogos podem frequentemente levar o jogador a um estado de alienação da realidade, já que ele tende a se envolver de forma solitária, em ambientes isolados, seguindo regras simples e sem qualquer interação direta com outras pessoas (TAVAZZANI & MARCECA, 2020).
Shanh et al., (2019) destacam que aproximadamente 1 a 2% da população adulta na América do Norte sofre de graves problemas relacionados ao jogo. A dificuldade de percepção sobre a gravidade desse transtorno é um fenômeno amplamente conhecido sobre esses jogadores, mas ainda é pouco investigado. Essa resistência em reconhecer a necessidade de tratamento faz com que muitos minimizem ou neguem o problema, resultando em consequências clínicas e sociais graves. Entre essas consequências estão falência financeira, perda de emprego, violência doméstica, rupturas familiares, além de quadros de depressão, ansiedade, pensamentos suicidas e abuso de substâncias.
Dessa maneira, o presente estudo possui como objetivo revisar a literatura sobre o tratamento do jogo patológico e definir as melhores estratégias para tal.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O jogo patológico é classificado como um transtorno psiquiátrico e está inserido na décima revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). Ele pertence ao Capítulo V: Transtornos Mentais e Comportamentais, sendo codificado como F63.0, dentro da categoria dos Transtornos dos Hábitos e dos Impulsos (F63). No DSM-V, o Transtorno do Jogo está na seção II, dentro do capítulo sobre Transtornos Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos, mais especificamente na parte que aborda transtornos não relacionados a substâncias.
Segundo DSM-V (2014, p. 586), a gravidade desse tipo de transtorno tem por base a quantidade de critérios diagnósticos apresentados (os critérios estão descritos no DSM-V), sendo que um paciente é considerado como: de gravidade leve, quando preenche quatro ou cinco critérios; moderado, quando relatam de seis a oito critérios; e grave, quando preenche de oito a nove critérios. Geralmente, os pacientes que procuram por tratamento encontram-se nas formas moderada e grave. Na forma grave, o critério mais frequente trata-se do indivíduo que relata “colocar em risco relacionamentos ou oportunidades profissionais devido ao jogo e depender de outras pessoas para obter fundos a fim de cobrir as perdas”.
Para jogadores patológicos, o jogo provoca grandes tensões, especialmente quando perde, sendo que essa tensão favorece o impulso para jogar. Jogadores patológicos também gostam de desafios, e por isso, são atraídos para situações estimulantes, que não envolvam monotonia ou tarefas repetitivas. Dependendo do resultado do jogo, a autoestima do indivíduo é alterada, ou seja, se ganham, sentem-se vitoriosos e importantes e, se perdem, sentem-se fracassados (TAVAZZANI & MARCECA, 2020).
A prevalência do jogo ainda possui poucas informações, porém o DSM-V (2014) estima que ela está em torno de 0,2 a 0,3% na população em geral e que, ao longo da vida, essa taxa é de 0,4 a 1%. Quanto ao sexo, o masculino é o que mais sobressai, chegando a 0,6% contra 0,2% para o sexo feminino.
Sobre os fatores de risco para o transtorno patológico, Hubert (2014) destacou que esse transtorno é multifatorial, sendo que os fatores de risco e causas mais comuns são: a neurobiologia, o componente genético e hereditário, traços de personalidade, histórico familiar disfuncional, experiências precoces com o jogo, vulnerabilidade ao estresse, comorbilidades com outras perturbações mentais, facilidade de acesso a jogos, fatores sociodemográficos, ganhos de prêmios em jogos e gestão emocional por meio do jogo.
Estudos epidemiológicos sugeriram que cerca de 10% das pessoas com jogo patológico procuram tratamento profissional ou frequentam grupos de autoajuda, como por exemplo o grupo de Jogadores Anônimos. Os dados das linhas de apoio ao jogo também relatam baixas taxas de procura de tratamento (2,6%), com os homens normalmente jogando por períodos mais longos antes de pedir ajuda do que as mulheres (10 anos versus 7 anos) e buscando ajuda em idades mais jovens (38 anos versus 45 anos de idade). As mulheres possuem maior probabilidade do que os homens de procurar tratamento para o transtorno em questão e são mais propensas a se recuperar, embora a recuperação possa ter envolvimento do jogo persistente. As motivações para procurar tratamento variam e podem incluir problemas financeiros, relacionais, legais e outros. Além disso, obter informações de fontes colaterais, como familiares, pode ser extremamente útil. (POTENZA et al., 2019).
A forma ideal de avaliar os resultados do tratamento do transtorno do jogo patológico ainda é amplamente debatida. Embora as diretrizes de consenso sugiram o uso de medidas de comportamento de jogo, envolvendo mecanismos de mudança, uma revisão sistemática demonstrou que medidas de resultados diferentes foram utilizadas em vários domínios, o que sugere uma conceituação multidimensional de recuperação. Assim, o manejo de pacientes com transtorno do jogo patológico requer a consideração de múltiplos fatores, incluindo a presença ou ausência de transtornos psiquiátricos concomitantes, além de dar importância ao desejo do paciente de iniciar ou não o tratamento. As abordagens terapêuticas geralmente incluem psicoterapia e/ou farmacoterapia, embora nenhum medicamento tenha sido aprovado por conselhos reguladores em qualquer país para o tratamento específico do transtorno do jogo patológico (PICKERING et al., 2019).
Yau & Potenza (2015) acrescentam que os tratamentos para o vício podem ser divididos em três fases. A primeira é a fase de desintoxicação, que busca alcançar a abstinência de forma segura, reduzindo os sintomas imediatos de abstinência, como ansiedade, irritabilidade e instabilidade emocional, que podem ocorrer tanto em vícios comportamentais quanto em dependência de substâncias). Ela pode envolver medicamentos para auxiliar na transição. A segunda fase é de recuperação, com ênfase no desenvolvimento de motivação sustentada para evitar recaídas, na aprendizagem de estratégias para lidar com os desejos e no desenvolvimento de padrões de comportamento novos e saudáveis para substituir o comportamento viciante. Esta fase pode envolver medicamentos e tratamentos comportamentais. Como terceira fase, tem-se a prevenção de recaídas, que tem por finalidade, a abstinência a longo prazo. Esta última fase é, talvez, a mais difícil de alcançar, com o declínio da motivação, e o renascimento de pistas de aprendizagem associadas que ligam a experiência hedônica ao comportamento viciante e às tentações que podem ameaçar o processo de recuperação, como fatores externos (por exemplo, pessoas, lugares) e internos (por exemplo, engajamento retomado, estresse, conflito interpessoal, sintomas de condições mentais comórbidas).
3 METODOLOGIA
Utilizou-se como metodologia a revisão de literatura, na qual se realizaram buscas em bancos de dados como: Google Acadêmico, PubMed e Scielo. Para a busca em português, foram utilizados os descritores “transtorno”, “jogo patológico” e “tratamento”, enquanto para as pesquisas em inglês foram empregados “disorder”, “pathological gambling” e “treatment”. Foram encontradas um total de 4.981 publicações, sendo 3.286 no Google Acadêmico, 1.308 PubMed e 387 Scielo.
Para filtragem desse material, aplicaram-se alguns critérios de inclusão, como: publicações a partir do ano de 2014; idiomas português, inglês ou espanhol; artigos publicados na íntegra. Os critérios de exclusão aplicados, foram: publicações duplicadas; e não diretamente relacionados ao tema.
Após a aplicação dos critérios de inclusão/exclusão, foram selecionadas doze publicações, sendo que todo material utilizado como base bibliográfica, está descrito no final deste estudo, no capítulo de referências.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Neste estudo, foram selecionadas um total de doze publicações, sendo estas analisadas segundo autor/ano de publicação, objetivo e resultados apresentados, conforme demonstrado na Tabela 1.
Tabela 1: Distribuição das publicações selecionadas para compor o presente estudo segundo autor/ano, objetivo e resultados apresentados.
AUTOR/ANO | OBJETIVO | RESULTADOS |
Hubert, P. F. (2014) | Avaliar, descrever, caracterizar e comparar os diferentes grupos de jogadores nos modos offline, online e misto, subdivididos por grupos de jogadores recreativos, abusivos (em risco) e jogadores patológicos. | Muitos grupos de jogadores patológicos têm vulnerabilidades próprias, como: os jogadores patológicos online são mais jovens e numerosos, que devem ser alvo de maior proteção e acompanhamento em relação à adição e às novas tecnologias, não esquecendo os jogadores patológicos off-line, que possuem mais idade e mais consequências individuais negativas. |
DSM-5 (2014) | Padronizar os critérios diagnósticos dos transtornos mentais. | Não se aplica. |
POTENZA, M. N. et al., (2015) | Realizar uma revisão sistemática das medidas disponíveis para avaliar a consciência do problema do jogo, avaliar as suas propriedades psicométricas e determinar até que ponto cobrem os domínios principais da consciência da doença: Conscientização sobre Transtornos Gerais, Atribuição de Sintomas, Consciência da Necessidade de Tratamento e Consciência das consequências negativas. | A escala do tipo Likert poderia ser usada em estudos epidemiológicos para explorar o impacto da consciência prejudicada do jogo problemático e patológico no início e a adesão ao tratamento, prognóstico e resultados clínicos e sociais para jogadores e suas famílias. |
Yau, Y. H. C.; Potenza, M. N. (2015) | Resumir os avanços recentes em nossa compreensão dos vícios comportamentais, descrever considerações sobre tratamento e abordar direções futuras. | Reconhecer vícios comportamentais e desenvolver critérios diagnósticos apropriados são importantes para aumentar a conscientização sobre esses transtornos e para promover estratégias de prevenção e tratamento. |
Pickering, D. et al., (2018) | Detalhar como a recuperação é retratada atualmente no campo do jogo, extraindo e mapeando a gama de variáveis de resultados usadas para avaliar a eficácia do tratamento. | A incorporação de domínios de resultados mais amplos que se estendem além dos sintomas e comportamentos específicos do transtorno sugere uma abordagem multidimensional de recuperação. |
Santos, M. B. (2018) | Descrever os malefícios ocasionados pelo envolvimento do indivíduo com jogos de azar, o jogo patológico e suas consequências para a sociedade, sendo um problema de saúde pública. | O tratamento é possível e pode ser realizado por psicólogos, médicos, farmacêuticos e diversos profissionais da área da saúde. A sociedade em geral deve ter atenção a pessoas propensas a desenvolver o hábito de jogar compulsivamente, por ser uma patologia que causa severos danos ao jogador. |
Tavazzani, M. T.; Fara, G. M.; Marceca, M. (2020) | Realizar uma abordagem sobre o jogo patológico e o seu desafio para a saúde pública. | É necessário um esforço de coordenação entre o Serviço Nacional de Saúde – a nível estadual, regional e local – e as Organizações Não Governamentais, para fazer face aos aspectos culturais, políticos, comunicacionais, organizacionais, tecnológicos e de saúde pública para enfrentamento ao transtorno do jogo patológico. |
Hasanovic, M. et al., (2021) | Apresentar uma visão abrangente dos transtornos do jogo, desde a definição, epidemiologia, manifestações, comorbilidades, avaliação, opções de tratamento e formas de tratamento existentes. | Diversas opções de tratamento são possíveis, desde a autoajuda até invenções breves e terapias intensivas. Esses tratamentos são eficazes na redução de problemas de jogo e oferecem opções para pacientes com diferentes necessidades e preocupações. |
Costa, L. F.; Rodrígues, V. G. & Marchiori, E. S. (2022) | Analisar a evolução das concepções de diagnóstico dos problemas de saúde mental associados ao jogo, a partir da hipótese de distinção entre os diagnósticos apresentados, para, em seguida, serem analisados seus aspectos em termos de: (i) relevância epidemiológica; (ii) vulnerabilidade e fatores de risco; (iii) modelos etiológicos; (iv) diagnóstico e triagem; e (v) prevenção e tratamento | A despeito das distinções em termos de diagnósticos, tendo em vista a gradação associada à manifestação de sintomas, bem como de seus efeitos, aspectos associados aos fatores de prevenção, triagem, diagnóstico e tratamento convergem em políticas e projetos voltados à tutela sanitária dos usuários. |
Dowling, N. et al., (2022) | Examinar a eficácia das principais categorias de intervenções apenas farmacológicas (antidepressivos, antagonistas de opioides, estabilizadores de humor, antipsicóticos atípicos) para jogos desordenados ou problemáticos, em relação às condições de controle com placebo. | Esta revisão fornece suporte preliminar para o uso de antagonistas opioides (naltrexona, nalmefeno) e antipsicóticos atípicos (olanzapina) para produzir melhorias a curto prazo na gravidade dos sintomas do jogo, embora a falta de evidências disponíveis impeça uma conclusão sobre o grau em que estes agentes farmacológicos podem melhorar outros índices de jogo ou de funcionamento psicológico. |
Duarte, D. E. P. & Mendonça, M. N. B. (2022) | Efetuar uma revisão sobre o jogo patológico, as suas consequências e abordagens terapêuticas. | Existem diferentes abordagens de tratamento: cognitivo-comportamental, psicodinâmicas, intervenção familiar e farmacoterapia. |
Yarbakhsh, E.; Sterren, A. V. D.; Bowles, D. (2023) | Analisar a literatura atual sobre triagem e intervenções terapêuticas para danos concomitantes de jogo e uso de substâncias para entender como os agravos podem ser gerenciados em um ambiente de tratamento. | As intervenções psicossociais parecem oferecer os melhores resultados nas medidas de jogo para aqueles que sofrem danos concomitantes com o uso de substâncias. |
Fonte: Levantamento realizado pelo autor (2024)
O manejo de pacientes com transtorno do jogo patológico depende de diversos fatores, incluindo a presença ou ausência de transtornos psiquiátricos associados, como transtornos por uso de substâncias, de humor, de controle de impulsos e de ansiedade. Outro aspecto relevante é o nível de motivação do paciente para buscar tratamento, assim como a importância de intervenções focadas na correção de cognições irracionais sobre o jogo. As abordagens terapêuticas geralmente envolvem o uso de psicoterapia e farmacoterapia, embora ainda não haja medicamentos aprovados especificamente para esse transtorno. (COSTA; RODRÍGUES & MARCHIORI, 2022).
Neste sentido, Duarte & Mendonça (2022) colocam que o tratamento mais eficaz para o jogo patológico é norteado pela combinação da psicofarmacologia, psicoterapia, intervenções educativas, financeiras e de autoajuda. A psicoterapia que tem se mostrado mais eficaz para o tratamento do jogo patológico é a terapia cognitivo-comportamental, que possui como objetivo modificar o comportamento por meio do reforço de atitudes adaptativas e eliminação das atitudes não desejadas. Os autores ressaltam também a importância da intervenção familiar, sendo essencial o envolvimento da família no processo de recuperação do paciente para se atingir um desfecho mais favorável. Para Hubert (2014), a terapia cognitivo-comportamental tem sido a mais utilizada para tratar o jogador patológico por possuir mais investigação produzida, demonstrando melhores resultados, sendo que ela se pauta, frequentemente, em breves intervenções e entrevistas motivacionais, bem como na orientação para centros ou grupos de tratamento ou ambulatórios.
Sobre o tratamento farmacológico (apesar de não existir um protocolo), Santos (2018) ressalta que, devido à existência de comorbidades associadas ao jogo patológico, existem diversos medicamentos que podem ser eficazes para o tratamento desta patologia, como é o caso dos antagonistas opioides (Hidrocoloreto de Nalmefene e Naltrexona) e dos antidepressivos. A naltrexona é um fármaco que tem se mostrado eficaz na diminuição dos sintomas do jogo, de acordo com ensaios clínicos e em relatos de casos. É um fármaco que age inibindo neurônios dopaminérgicos em regiões do cérebro e tem sido prescrito para tratar dependência a opioides e álcool, que são comuns em pessoas com jogo patológico.
Hasanovic et al. (2021) concordam que os medicamentos utilizados no tratamento da depressão também têm sido aplicados para tratar o transtorno do jogo, mas geralmente resultam em efeitos mistos, modestos ou nenhum efeito. Assim, há evidências limitadas de eficácia dos antidepressivos no tratamento de distúrbios do jogo. Pesquisas com estabilizadores de humor, utilizados no tratamento de jogos de azar comórbidos e transtorno bipolar, demonstraram que o lítio reduziu os sintomas do jogo em maior extensão quando comparado ao placebo. Os dados sugerem o potencial dos estabilizadores de humor no tratamento do jogo na população com duplo diagnóstico.
Ao se observar o que foi colocado acima, percebe-se que o tratamento farmacológico parece ser mais eficaz em pacientes que possuem comorbidade associada ao jogo patológico. Duarte & Mendonça (2022) colocam que, em pacientes com impulsividade e perturbação do humor, pode-se prescrever inibidores da receptação de serotonina, estabilizadores do humor, antagonistas dos receptores opioides, antipsicóticos de 2ª geração e Bupropiona. Segundo os autores, não há um consenso sobre a droga mais eficaz e, por este motivo, o tratamento deve ser realizado individualmente e associado ao tratamento psicológico.
Yarbakhsh; Sterren & Bowles (2023), por meio de uma revisão de literatura, destacaram que o tratamento com agonistas opioides (naloxona ou naltrexona) combinados com intervenções psicossociais mostraram algumas melhorias nas medidas de jogo e uso de substâncias ao longo do tempo. No entanto, os estudos controlados que compararam o tratamento com agonista opioide ativo mais intervenção psicossocial e placebo mais intervenção psicossocial não discerniram uma diferença estatisticamente significativa entre os resultados. Isto sugere que as intervenções psicossociais podem ter sido o fator crítico nos resultados do tratamento. Ademais, os agonistas opioides podem ser apropriados em alguns contextos de tratamento, mas serão contraindicados em outros. Por exemplo, os agonistas de opiáceos podem precipitar a abstinência em pacientes que utilizam opiáceos, incluindo buprenorfina e metadona, não sendo indicados nesses casos.
Dowling et al. (2022) ao examinar a eficácia das principais categorias de intervenções apenas farmacológicas (antidepressivos, antagonistas de opioides, estabilizadores de humor, antipsicóticos atípicos), verificaram que o uso de antagonistas opioides (naltrexona, nalmefeno) e antipsicóticos atípicos (olanzapina) podem produzir melhorias a curto prazo na gravidade dos sintomas do jogo patológico, embora a falta de evidências disponíveis impeça uma conclusão sobre o grau em que estes agentes farmacológicos podem melhorar outros índices de jogo ou de funcionamento psicológico. Os autores ressaltaram que, apesar de terem havido algumas considerações a respeito da administração de antagonistas de opiáceos no tratamento de distúrbios ou problemas de jogo, as intervenções farmacológicas devem ser administradas com cautela e considerando cuidadosamente as necessidades do paciente.
Yau et al. (2015) concluem que, para tratar o jogo patológico, é necessário atentar-se às três fases já mencionadas: desintoxicação, recuperação e prevenção de recaídas.
Ainda, é importante mencionar que, quando um paciente é submetido a um tratamento eficaz de determinado transtorno concomitante, geralmente o resultado consiste na diminuição da gravidade do problema do jogo. Porém, mesmo nos espaços psiquiátricos, um diagnóstico de jogo patológico em adolescente e adultos portadores de outros transtornos psiquiátricos por vezes podem passar despercebido, o que destaca a necessidade da identificação eficaz através da triagem aprimorada e sistemática (POTENZA et al., 2019).
5 CONCLUSÃO
Neste estudo, foi possível verificar que o tratamento do jogo patológico envolve a psicoterapia, farmacoterapia, autoajuda, intervenções financeiras e educativas. Apesar da farmacoterapia estar presente no tratamento do jogo patológico, ainda não existe regulação e aprovação de medicamentos voltados ao tratamento específico deste transtorno.
A terapia cognitivo-comportamental foi identificada como a abordagem psicoterapêutica mais eficaz, demonstrando melhores resultados em comparação com outras psicoterapias. A intervenção deve levar em consideração fatores como a presença de transtornos psiquiátricos concomitantes e o comprometimento do paciente com o processo de recuperação.
Assim, o manejo do jogo patológico deve ser contínuo e personalizado, conduzido por uma equipe multiprofissional, a fim de garantir que os pacientes recebam o suporte necessário ao longo de todo o processo de recuperação.
Espera-se que os resultados apresentados neste estudo contribuam para a escolha das melhores abordagens terapêuticas em relação ao jogo patológico, ao mesmo tempo em que ressaltam a gravidade desse transtorno. Além disso, é essencial que futuras pesquisas aprofundem-se na compreensão dos impactos sociais e psicológicos relacionados ao jogo patológico, bem como explorem novas estratégias de intervenção e prevenção, visando um tratamento mais eficaz e abrangente dessa condição.
REFERÊNCIAS
MIGUEL, Euripedes Constantino; LAFER, Beny; ELKIS, Helio; FORLENZA, Orestes Vicente (org.). Clínica Psiquiátrica de Bolso. 3. ed. São Paulo: Manole, 2023
COSTA, Lucas Fernandes; RODRÍGUEZ, Victor Gabriel & MARCHIORI, Eduardo Saab. Jogo patológico versus transtorno de jogo: o estado de arte. Revista Ciência et Praxis, v. 15, n. 29, p. 36-57, 2022. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/364654919_Jogo_patologico_versus_transtorno_de_jogo_o_estado_de_arte. Acessado em: 22 de julho de 2024
DSM-5. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5ª edição, Porto Alegre: Artmed, 2014. Disponível em: https://www.institutopebioetica.com.br/documentos/manual-diagnostico-e-estatistico-de-transtornos-mentais-dsm-5.pdf. Acessado em 09 agosto de 2024
DOWLING, Nicki, MERKOURIS, Stephanie; LUBMAN, Dan; THOMAS, Shane; BOWDEN-JONES, Henrietta & COWLISHAW, Sean. Pharmacological interventions for the treatment of disordered and problem gambling. Cochrane Database of Systematic Reviews., v. 9, n.9, p. 1-113, 2022. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36130734/. Acessado em: 16 de agosto de 2024
DUARTE, Desidério da Encarnação Palma & MENDONÇA, Marta Nélia Belchior. Quando o jogo se torna patológico. Brazilian Journal of Health Review, v.5, n.1, p. 202-209, 2022. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/article/view/42435. Acessado em 02 de agosto de 2024
HASANOVIC, Mevludin; KULDIJA, Abdurahman; PAJEVIC, Izet; JAKOVLJEVIC, Miro & HASANOVIC, Muhammed. Gambling disorder as an addictive disorder and creative psychopharmacotherapy. Psychiatria Danubina, v. 33, n. 4, p. 1118-1129, 2021. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35354178/. Acessado em: 16 de agosto de 2024
HUBERT, Pedro Felipe. Jogadores patológicos online e off-line: caracterização e comparação. Tese (Doutorado em Psicologia). Universidade Autônoma de Lisboa. Lisboa, 2014. Disponível em: https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/720/1/Tese%20Doutoramento%20Pedro%20Hubert%20Jogo%20Online%20e%20offline%20final%2007-04-2014.pdf. Acessado em: 15 Ago. 2024
PICKERING, Dylan; KEEN, Brittany; ENTWISTLE, Gavin & BLASZCZYNSKI, Alex. Measuring treatment outcomes in gambling disorders: a systematic review. Addiction, v.113, n. 3, p. 411-426, 2018. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28891116/. Acessado em: 15 de agosto de 2024
POTENZA, Marc; BALODIS, Iris; DEREVENSKY, Jeffrey; GRANT, Jon; PETRY, Nancy & VERDEJO-GARCIA, Antonio, YIP, Sarah. Gambling disorder. Nat Rev Dis Primers., v. 5, n. 51, p. 1-21, 2019. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31346179/. Acessado em: 15 de Agosto de 2024
SANTOS, Morgana Borges. Jogos patológicos e sua influência para a saúde pública. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Farmácia). Universidade Estadual de Goiás, Anápolis, 2018. Disponível em: https://repositorio.ueg.br/jspui/handle/riueg/1702. Acessado em: 16 de agosto de 2024
TAVAZZANI, M. T.; FARA, Gaetano Maria & MARCECA, M. Mind the GAP*! Pathological gambling, a modern defy to public health. Ann Ig., v. 32, n. 2, p. 186-199, 2020. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31944213/. Acessado em: 08 de agosto de 2024
YARBAKHSH, Elisabeth; STERREN, Anke van der & BOWLES, Devin. Screening and Treatment for Co-occurring Gambling and Substance Use: A Scoping Review. Journal of Gambling Studies., v. 39, p. 1699-1721, 2023. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37493839/. Acessado em: 03 de setembro de 2024
YAU, Yvonne & POTENZA, Marc. Gambling Disorder and Other Behavioral Addictions: Recognition and Treatment. Harv Rev Psychiatry., v. 23, n. 2, p. 134-146, 2015. Disponível em: https://pubmedE.ncbi.nlm.nih.gov/25747926/. Acessado em: 01 de setembro de 2024
1Residente do Curso de Psiquiatria da Universidade Federal do Tocantins Campus de Palmas-TO. e-mail: nilsoncoltrijunior@gmail.com
2Preceptor do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Mestre em Saúde da Família (PROFSAUDE/UNIFAP). e-mail: henriquelimas.psiq@gmail.com