THERAPEUTIC ITINERARY AND CONSTRUCTION OF A NETWORK-BASED SINGULAR THERAPEUTIC PROJECT FOR A RARE CASE OF PRADER-WILLI SYNDROME: AN EXPERIENCE REPORT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202503291515
Lorenna Alves Bezerra1
Paulo Navarro de Moraes2
Resumo:
Este estudo analisa a construção de um Projeto Terapêutico Singular (PTS) para um caso raro de Síndrome de Prader-Willi (SPW) no Sistema Único de Saúde (SUS), destacando a articulação intersetorial entre atenção primária, serviços especializados e educação. Trata-se de um relato de experiência qualitativo, baseado no acompanhamento de um adolescente de 13 anos com SPW, utilizando diário de campo, reuniões multiprofissionais e articulação com genética e CAPSi. Os resultados evidenciaram fragilidades na regulação (demora no acesso a geneticistas), dinâmica familiar disfuncional (permissividade materna agravando obesidade) e diagnóstico tardio após anos de peregrinação por serviços. A implementação do PTS permitiu superar a fragmentação do cuidado mediante adaptações escolares (cadeira especial, monitor), suporte psicológico à família e priorização de fluxos via contatos informais. Conclui-se que o PTS, aliado à clínica ampliada é eficaz na coordenação de redes para casos complexos, reforçando o papel da Atenção Primária à Saúde (APS) como ordenadora do cuidado e destacando a necessidade de sistemas de informação integrados e formação em saúde coletiva. O estudo oferece um modelo prático para humanização e equidade no SUS.
Palavras-chave: Síndrome de Prader-Willi. Projeto Terapêutico Singular. Atenção Primária à Saúde. Itinerário Terapêutico. Regulação em Saúde.
Abstract:
This study examines the development of a Singular Therapeutic Project (PTS) for a rare case of Prader-Willi Syndrome (PWS) within Brazil’s Unified Health System (SUS), emphasizing intersectoral coordination among primary care, specialized services, and education. It is a qualitative experience report based on the follow-up of a 13-year-old adolescent with PWS, utilizing field diaries, multiprofessional meetings, and collaboration with genetics and the Child Psychosocial Care Center (CAPSi). Results revealed weaknesses in health regulation (delays in accessing geneticists), dysfunctional family dynamics (maternal permissiveness exacerbating obesity), and a late diagnosis after years of navigating multiple services. The PTS implementation addressed care fragmentation through school adaptations (specialized chair, monitor), psychological support for the family, and prioritizing informal contact-based workflows. The study concludes that the PTS, combined with a broadened clinical approach, effectively coordinates care networks for complex cases, reinforcing Primary Health Care (PHC) as the cornerstone of care coordination. It underscores the need for integrated information systems and training in public health. This work provides a practical model for humanizing care and advancing equity in SUS.
Keywords: Prader-Willi Syndrome. Singular Therapeutic Project. Primary Health Care. Therapeutic Itinerary. Health Regulation.
Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS) tem como premissa a garantia de acesso universal, integral e equitativo à saúde para todos os cidadãos. Para isso, o SUS deve organizar o funcionamento do sistema, incluindo a regulação de serviços, leitos, procedimentos e fluxos de atendimento (Brasil,2022).
Starfield (2002) propõe a Atenção Primária à Saúde (APS) como porta de entrada preferencial e primeiro acesso do indivíduo com o sistema, sendo este, juntamente com a integralidade, a longitudinalidade e a coordenação do cuidado, considerados atributos essenciais deste nível de atenção. Estima-se que a APS deva ser capaz de resolver até 85% dos problemas de saúde da população sob sua responsabilidade (CONASS, 2019). Para garantir a integralidade, contudo, é fundamental que a APS organize o acesso dos seus usuários, principalmente dos casos mais complexos e graves, entre os diferentes serviços, de acordo com a necessidade de cada um, permitindo, assim, o melhor uso das tecnologias e recursos na Rede de Atenção à Saúde (RAS) (Brasil, 2017; OPAS/OMS, 2018).
Responsável pela organização e articulação das redes de cuidado, sendo considerada a ordenadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS), a APS busca assegurar o acesso aos serviços de saúde, respeitando os princípios de universalidade, equidade e integralidade (Lavras, 2011). As limitações de recursos e a alta demanda por atendimentos, contudo, tornam algumas filas de espera inevitáveis. Nesses casos, a regulação busca otimizar a distribuição dos recursos de saúde, priorizando os casos mais graves e urgentes (Batista, 2019).
Pesquisadores têm apontado o financiamento insuficiente e o gerenciamento inadequado dos recursos disponíveis entre as principais causas dessas filas (Giovanella et al., 2018). Outros fatores, como os aspectos culturais que valorizam o atendimento especializado e a propedêutica armada (Franco e Merhy, 2005) e as consequentes procuras espontâneas e encaminhamentos não fundamentados de usuários para os níveis secundário e terciário, também contribuem para a formação das longas esperas. O acúmulo de demanda também evidencia a ineficácia do sistema em oferecer um acesso facilitado a uma APS resolutiva (Silva et al., 2020).
A regulação é um processo complexo que envolve a organização e coordenação de diversos recursos e serviços de saúde. Ela busca garantir o acesso dos pacientes de acordo com a necessidade e a gravidade do seu quadro clínico. Tal ferramenta baseia-se em critérios técnicos e protocolos clínicos, visando priorizar os casos mais urgentes e garantir que os recursos de saúde sejam utilizados de forma eficiente e equitativa (Brasil,2022). Isso envolve a gestão e o controle da oferta de serviços médicos, como consultas, exames, cirurgias e internações, incluindo a definição de tempo máximo de espera para cada tipo de procedimento (Bastos, 2020). O processo de regulação é realizado por meio de sistemas de informação, que permitem o controle e monitoramento dos fluxos de atendimento e a gestão da demanda por serviços de saúde. Esses sistemas auxiliam na identificação, cadastro e acompanhamento dos pacientes, além de permitir a verificação da disponibilidade de recursos e a marcação de consultas e procedimentos (Bastos, 2020).
A regulação no SUS também envolve a articulação entre diferentes níveis de atenção à saúde, como a atenção primária, as especialidades médicas, os hospitais e as demais unidades da assistência. Essa articulação é fundamental para garantir a continuidade do cuidado e o encaminhamento adequado dos pacientes dentro do sistema de saúde (Bastos, 2020). As dificuldades são ainda maiores para indivíduos idosos, crônicos e aqueles de maior vulnerabilidade social, por exigirem cuidado continuado ou demandarem serviços com maior frequência em diferentes níveis de atenção. Isso resulta em interdependência entre os pontos da rede, a fim de manter suas enfermidades estáveis e evitar agudizações que necessitam de atenção especializada (Ribeiro & Cavalcanti, 2020). Em outros termos: o acompanhamento inadequado e não realizado de maneira longitudinal desses grupos específicos culmina em descompensação das doenças de base e consequências desastrosas para o paciente e, ainda, para o sistema de saúde, havendo, assim, sobrecarga do setor hospitalar. (Cabral et al.,2019). Assim, o sistema de regulação no SUS é essencial para garantir o acesso e a qualidade dos serviços de saúde no Brasil, buscando equilibrar a oferta e a demanda e promovendo uma gestão eficiente dos recursos disponíveis (Batista, 2019).
No entanto, mesmo que existam fluxos previamente definidos, isso não garante de forma rígida o percurso de um paciente dentro da rede de atenção e, diferentes itinerários terapêuticos podem ser traçados; estes se definem pelo percurso que o indivíduo faz na RAS, desde as primeiras manifestações dos sintomas até a busca por diferentes serviços de saúde, podendo envolver consultas com profissionais de saúde, uso de medicamentos, busca por práticas alternativas ou tradicionais, e eventualmente o acesso a serviços de maior complexidade como hospitais e cirurgias (Alves, 2015).
O itinerário pode variar significativamente dependendo de fatores como características individuais do paciente (como idade, gênero, condição socioeconômica), características do sistema de saúde local (disponibilidade de serviços, precariedade do sistema, proximidade geográfica), e fatores socioculturais (crenças, valores culturais, práticas tradicionais de saúde). Compreender esse percurso permite identificar possíveis obstáculos que os pacientes enfrentam ao buscar cuidado, o que ajuda os profissionais de saúde a planejarem estratégias mais eficazes para melhorar o acesso, à adesão ao tratamento e a qualidade da assistência prestada, buscando garantir um cuidado contínuo e integrado que atenda as necessidades específicas de cada paciente (Alves, 2015).
Nesse contexto, a Política Nacional de Humanização (PNH) constitui uma estratégia que tem o objetivo de promover serviços de saúde mais inclusivos e acolhedores, tanto para os usuários quanto para os profissionais. Sua função é transformar a qualidade do atendimento, tornando-o mais resolutivo, ético, acessível e respeitoso às necessidades das pessoas. Criada em 2003 com o intuito de concretizar os princípios do SUS nas atividades de atenção e gestão em saúde, ela é capaz de promover a integração entre gestores, servidores e usuários por meio do método da tríplice inclusão — que articula a participação ativa de trabalhadores, gestores e usuários na construção coletiva de soluções para os desafios do sistema. Esse método permite melhor forma de cuidado e organização dos serviços, garantindo autonomia e transformação da realidade por meio da responsabilidade compartilhada (Brasil, 2010).
A Rede HumanizaSUS baseia-se na diversidade da população brasileira, defendendo um SUS construído com a participação de todos e comprometido com a qualidade dos serviços, propõe um trabalho mais acolhedor e resolutivo e fomenta a autonomia dos usuários. Além da valorização das diferentes camadas no processo de produção (Brasil, 2019)
Uma das diretrizes da PNH é a Clínica Ampliada, proposta de cuidado em saúde que busca integrar diferentes saberes e práticas, indo além da abordagem tradicional. Esse conceito enfatiza a necessidade de considerar o contexto do paciente, reconhecendo que a saúde é influenciada por múltiplos fatores. Esta propõe um olhar mais amplo sobre o indivíduo, onde aspectos como suas vivências, relações e condições de vida são levados em conta na prática clínica. Isso envolve a criação de um vínculo mais próximo entre profissionais e pacientes, favorecendo a comunicação e o entendimento mútuo. A clínica ampliada busca fortalecer a autonomia do indivíduo, incentivando sua participação ativa no processo de cuidado (Brasil, 2010).
Como ferramenta desta, cabe enfatizar a importância de Projetos Terapêuticos singulares (PTS), sendo uma abordagem centrada no paciente, utilizada em contextos em que é preciso personalização do cuidado, adaptação e flexibilidade, levando em consideração as necessidades, desejos e o contexto de vida de cada um. O PTS busca entender o indivíduo não apenas como portador de uma doença, mas como um ser humano complexo, cujas experiências e vivências influenciam sua saúde e bem-estar. Trata-se de um processo colaborativo, envolvendo tanto a equipe de saúde quanto o próprio paciente. A interdisciplinaridade é fundamental nesse processo, pois profissionais de diferentes áreas contribuem com suas expertises, proporcionando uma abordagem integral que considera aspectos físicos, emocionais e sociais do cuidado (Alves,1999).
O PTS é útil, por exemplo, em situações complexas que não se enquadram em protocolos estabelecidos. Projetos singulares também podem estar em conexão com os chamados antiprotocolos, abordagem que põe em questão os modelos tradicionais de cuidado baseados em protocolos rígidos e padronizados. Embora estes visem garantir uniformidade e eficiência nos atendimentos, o antiprotocolo propõe uma flexibilização das práticas, visando incluir a singularidade do usuário e as especificidades de cada situação em seu processo de cuidado (Campos, 2003). Essa perspectiva busca superar a visão mecanicista que muitas vezes desconsidera as necessidades e o contexto individual dos pacientes. Assim, a prática clínica pode ser adaptável e responsiva ao contexto, propondo um cuidado mais humanizado, que se distancia da padronização excessiva.
O presente relato de experiência parte do atendimento de um caso complexo em particular, relacionado a uma condição genética rara (a Síndrome de Prader-Willi), que demandou mobilizar diferentes níveis de atenção na RAS e mesmo equipamentos e atores de outros setores, para além da saúde.
A Síndrome de Prader-Willi é causada pela perda de expressão de genes em uma região específica do cromossomo 15. Tal fato pode ocasionar uma ampla variedade de sintomas capazes de interferir na qualidade de vida dos indivíduos afetados, como: hipotonia muscular ao nascer, dificultando a sucção e o tônus postural; a hiperfagia, que ocasiona a ingestão exagerada de alimentos devido a falta de saciedade e consequentemente a obesidade. Essa patologia pode ser responsável ainda por baixa estatura devido a problemas hormonais, como hipogonadismo e hipotireoidismo. Além de distúrbios comportamentais, como obsessões, compulsões e dificuldades no aprendizado e na interação social (SBP, 2022).
O diagnóstico precoce e o manejo multidisciplinar são essenciais para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e para oferecer suporte e acolhimento adequado às famílias, visto os desafios significativos que tal condição representa para os envolvidos. Dessa forma, a articulação dos sistemas de saúde é fundamental para garantir um atendimento eficiente exigindo um trabalho coordenado e integrado. Essa assistência em rede visa otimizar recursos, melhorar a qualidade do atendimento e promover uma experiência mais fluida para os pacientes. Isso envolve a comunicação eficaz entre profissionais de saúde de diferentes especialidades, a troca de informações clínicas através de sistemas de registros eletrônicos, e a organização de fluxos de atendimento que garantam que os pacientes recebam o cuidado adequado no momento certo (Cassidy et al, 2012)
Dessa forma,este trabalho tem como objetivo analisar a construção de PTS como estratégia de coordenação do cuidado em saúde. Para isso, revisa-se o itinerário terapêutico de um caso raro de Síndrome de Prader-Willi, destacando a elaboração de um PTS que integrou diferentes níveis da Rede de Assistência em Saúde (RAS). O estudo busca demonstrar como a articulação entre serviços e a abordagem personalizada podem fortalecer a integralidade do cuidado, especialmente em situações que demandam flexibilidade e interdisciplinaridade.
Metodologia
Trata-se de estudo de natureza qualitativa tipo descritivo-reflexivo, consistindo de relato de experiência que busca reconstituir o itinerário terapêutico de um usuário do SUS com diagnóstico provável de Síndrome de Prader-Willi a partir da construção de um Projeto Terapêutico Singular. Descreveu-se a integração da rede de assistência em saúde e intersetorial por meio da construção de Projeto Terapêutico Singular, que envolveu: o Conselho do Tutelar; a escola e integrantes da regional de ensino; a equipe de Saúde da Família (eSF); a equipe do Centro de Atenção Psicossocial infantil (CAPSi) e do serviço especializado da genética em hospital terciário.
Estes diferentes atores foram acionados em momentos distintos conforme a necessidade da condução do caso e a percepção da Equipe responsável. Este estudo apresenta a condução do caso, durante o ano de 2024, a partir da visão da autora principal e de seus registros em diário de campo, inicialmente feitos por anotações manuais em cada encontro e transcritos para o programa digital Microsoft Word. A mesma era residente do último ano do Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade e médica da eSF responsável pelo atendimento à família do caso índice.
A equipe de eSF viu a necessidade de elaboração de um PTS para abordagem do caso, e este foi desenvolvido em quatro etapas fundamentais: na primeira etapa, realizou-se o diagnóstico e análise situacional do sujeito, considerando seus aspectos físicos, psíquicos e sociais, e identificando suas vulnerabilidades, potencialidades e redes de apoio; na segunda etapa, foram definidas as ações e metas acordadas com a família do sujeito de forma compartilhada; na terceira etapa, foi feita divisão de responsabilidades entre os membros da equipe, com a definição de um profissional de referência responsável pelo acompanhamento do caso; na quarta etapa foi feita a reavaliação do processo, a revisão das metas e a adaptação do plano de ação conforme necessário (Brasil, 2010).
Tal ferramenta é importante para organizar e facilitar o cuidado, promovendo a autonomia do paciente e estimulando a corresponsabilidade entre a equipe de saúde e o usuário. O processo é baseado no diálogo entre os profissionais de saúde, incluindo diferentes áreas de especialização, e o paciente, o que permite que as intervenções sejam moldadas de acordo com as especificidades de cada caso. Essa abordagem participativa configura o PTS como um movimento de coprodução e cogestão do processo terapêutico, essencial para indivíduos ou grupos em situação de vulnerabilidade (Silva et al, 2016).
Por ser um relato de experiência que visa o aprofundamento teórico a partir de situação vivenciada de forma espontânea na prática clínica, este trabalho não passou por comitê de ética, amparado na resolução número 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2016). De acordo com o item VII do parágrafo único do artigo primeiro, o sistema CEP/CONEP não registra nem avalia pesquisas que visem o aprofundamento teórico de situações que surgem de maneira espontânea e contingencial na prática profissional, desde que não revelem informações que possam identificar os sujeitos.
A metodologia do Itinerário Terapêutico foi escolhida por permitir o conhecimento e a compreensão da trajetória do indivíduo pelo sistema de saúde, constituindo a rede e processos de saúde em busca de cuidado e tendo como objetivo a resolutividade, reconhecendo a importância da subjetividade do sujeito no entendimento do processo saúde-doença, indissociável da história das relações sociais.
A intenção deste relato não é retratar a patologia e os seus aspectos biológicos específicos, mas relatar um caso de sucesso de humanização na coordenação do cuidado e no processo de construção do Projeto Terapêutico Singular do paciente, evidenciando o itinerário terapêutico percorrido por ele.
Resultados e Discussão

Figura 1 – Elaboração da Autora.
O caso em questão se iniciou, para a equipe de Saúde da Família, em Março de 2024, quando o Conselho Tutelar, por meio da escola, acionou a Unidade Básica de Saúde devido a faltas excessivas de uma criança de 13 anos. Tratava-se de um garoto com peso superior a 164 quilos com o diagnóstico inicial de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Logo foi agendada reunião com diferentes serviços, organizada pela Assistente Social da UBS.
A primeira reunião ocorreu na escola da criança junto à equipe de saúde responsável pelo caso. Além da diretora, da pedagoga, da professora, do membro representante de ONG que atua com pacientes com TEA, do conselheiro tutelar, de membros da Regional de Ensino, da Assistente Social da UBS, da mãe e da irmã do paciente em questão. Ao todo, eram cerca de 30 pessoas nesse encontro, em que foi exposto o caso e discutidas como seriam definidas as metas de acompanhamento da criança. Inicia-se, dessa forma, a formulação do PTS, considerando a análise situacional do sujeito.
Notou-se, já nesta primeira reunião, a dificuldade da mãe do indivíduo em lidar com as demandas da criança e impor limites. Sempre evitando conflitos com o filho, ela atendia todos os seus desejos, oferecendo grandes quantidades de comida nos mais absurdos e inconvenientes horários. Assim, a primeira impressão das equipes de profissionais da saúde e da educação foi a situação de uma família disfuncional, na qual a criança era responsável por gerenciar sua rotina, decidindo o que faria diariamente, o que comeria e os horários desses acontecimentos, definindo inclusive se ele iria ou não comparecer à Escola.
Foi estabelecido inicialmente: a adaptação física da Escola com cadeira apropriada, banheiro adaptado, turma reduzida, monitor do sexo masculino. Decidido o acompanhamento em conjunto na Instituição de pessoas com TEA e pactuado com os familiares da criança empenho para o maior comparecimento e permanência nas aulas.
Apesar das adaptações realizadas pela Escola, a criança ainda apresentava o mesmo comportamento, com faltas excessivas nas aulas e, quando frequentava, permanecia curtos períodos de tempo, como 20 minutos, o que impedia qualquer atividade e avanço satisfatório em termos de progresso de ensino. Por este motivo, foi realizada visita domiciliar à família, feita pelo conselheiro tutelar, pela médica da eSF (acompanhada do preceptor do Programa de Residência Médica de Medicina de Família e Comunidade) e pela Assistente Social da UBS, em meados de abril de 2024. Cabe enfatizar o esforço da equipe de saúde em reavaliar o processo de seguimento de metas pactuadas inicialmente, quarta etapa da elaboração do PTS, e a verificar a necessidade de adaptações do plano original conforme necessário.
Nessa visita, percebeu-se que a dinâmica familiar era baseada na realização dos desejos da criança e, concomitantemente, na ansiedade que seu comportamento causava na mãe. Dentro desse contexto, a genitora apresentava preocupação excessiva no que os vizinhos ou outras pessoas pensavam sobre os gritos da criança, quando ele lidava com a frustração, e a agressividade que ele mostrava com gestos e palavras, se contrariado. Dessa maneira, evidenciou-se um isolamento social fortalecido pela genitora que a todo custo evitava esse comportamento combativo da criança atendendo a seus desejos, por mais absurdos e deletérios que fossem. Essa visão sobressaiu sobre a Equipe da UBS e o entendimento de que a obesidade da criança era baseada por esse relacionamento negativo, que desencadeou todos os processos seguintes, visto o desejo da mãe de esconder seus problemas dentro de casa.
Posteriormente, houve reunião virtual com o psiquiatra do CAPSi que acompanhou o caso em questão. Nesse encontro reforçou-se novamente o comportamento disfuncional da mãe, sempre enfatizando o seu papel fundamental nas atuais circunstâncias da criança. Assim, acordou-se atendimento multiprofissional com a genitora para compreender seu contexto e suas dificuldades nessa conjuntura.
Duas semanas após, tal encontro aconteceu na UBS. A genitora relatou seu primeiro relacionamento matrimonial, que considerava abusivo e que culminou em gestação e, após muitas privações, em um divórcio. Posteriormente, em meio a relações conturbadas e fortuitas, uma nova gestação indesejada ocorreu, sendo descoberta apenas aos 6 meses de idade gestacional. Houve o entendimento do despreparo dos genitores, que optaram por deixá-la sob os cuidados de uma tia próxima; esta criança era o caso índice deste relato.
Essa familiar notou alguns problemas desde o início relatando um bebê sem tônus, que não sustentava a cabeça e não chorava. Essa percepção não era compartilhada pela mãe – aparentemente, passava pouco tempo com o filho – que negava haver qualquer tipo de problema. Assim, a criança chegou à primeira infância, sempre com queixas da escola acerca de seu comportamento evitativo e isolado, ocasionando mudanças frequentes de instituições.
Até que a tia levou a criança a uma consulta, sem o conhecimento da mãe, e o diagnóstico de TEA foi levantado. A partir daí, consultas particulares com especialistas começaram, mas sempre com relutância materna. Contudo, com a dificuldade cada vez maior em lidar com o comportamento da criança, a tia a deixou aos cuidados maternos. Então, a mãe precisou afastar-se das atividades laborais devido às necessidades especiais que o filho passou a exigir.
Dessarte, a preocupação materna em relação ao comportamento da criança sempre a fez procurar terapêuticas rápidas e de fácil aplicação. Em vista do diagnóstico de TEA, as características peculiares que ela tentava negar agora tinham uma justificativa e que a culpa não recaía sobre ela, pois quando um filho é diagnosticado com uma doença, é bastante comum que a mãe experimente sentimentos intensos de culpa. Esses sentimentos podem surgir por uma variedade de razões e podem ser exacerbados dependendo da natureza da doença e das circunstâncias pessoais da mãe. Neste caso, a equipe de Saúde da Família identificou que a mãe enfrentava uma pressão social que a responsabilizava integralmente pela saúde e bem-estar do filho, sob a percepção de que seu papel como cuidadora não estava sendo desempenhado de maneira satisfatória.
Esses sentimentos foram cada vez mais perceptíveis conforme a equipe envolvida ouvia a mãe e, em meados de maio, uma nova reunião na escola foi realizada, agora com a presença da tia da criança que passou a maior parte da infância com ela. A familiar relatou que não conseguia mais ajudar a irmã sob o discurso de que ninguém era capaz de permanecer com o indivíduo e atender suas necessidades.
Após esse encontro, um novo foi realizado com profissionais de saúde da UBS, o psiquiatra do CAPSi e a genitora e, uma fala marcou aquela reunião na impressão da eSF: “A culpa é sua”, acusou o psiquiatra à genitora. Ele tentava fazê-la entender que a criança só tinha acesso ao excesso calórico-alimentar porque a mãe fornecia a comida. À equipe, pareceu uma quebra da vinculação já frágil da mãe com o psiquiatra infantil. O progresso do caso ainda era bastante lento, o comportamento permissivo da mãe continuava e a dinâmica familiar pouco havia mudado.
A UBS que sedia a eSF responsável pelo caso, por ser cenário do programa de Residência Médica, recebe periodicamente a visita de uma preceptora psiquiatra para sessões de Apoio Matricial, importante ferramenta da ampliação da clínica (Campos,2014) na qual o especialista focal vem fazer consultas compartilhadas e discussão de casos com os médicos residentes, ampliando a capacidade diagnóstica e a resolutividade da APS (Santos et al, 2020). Durante uma dessas sessões de matriciamento, a médica da eSF aproveitou o momento para discutir o caso índice, e a hipótese de uma síndrome genética foi levantada, questionando o diagnóstico inicial de TEA. Começava então a investigação da Síndrome de Prader-Willi.
Trata-se de doença genética rara, responsável pela obesidade grave, hipotonia e atraso no desenvolvimento motor e cognitivo do paciente. Síndrome estimada em cerca de 4.500 pessoas no Brasil, embora muitos casos ainda não tenham sido diagnosticados. Tal patologia é a principal causa genética de obesidade infantil, com alta morbi-mortalidade resultante de alterações no cromossomo 15 de herança paterna (SBP, 2022). A detecção precoce da Síndrome é crucial para iniciar o tratamento e garantir um melhor desenvolvimento físico e cognitivo. No Brasil, apesar de a prevalência ser desconhecida, o número de casos estimados e o baixo diagnóstico indicam a necessidade de maior conscientização dos profissionais de saúde sobre essa síndrome rara (SBP, 2022).
Visando elucidação diagnóstica, foi então agendada uma consulta com uma geneticista em serviço especializado, no final de junho de 2024. A consulta foi viabilizada por meio de uma articulação extra-oficial: a psiquiatra, reconhecendo a urgência do caso, utilizou seu contato direto com especialista. Essa ação permitiu que o caso fosse priorizado, contornando a fila de regulação do SUS, que normalmente demandaria meses de espera. O itinerário terapêutico do paciente ia então se formando a partir do Projeto Terapêutico Singular.
A criança, a irmã deste, a mãe e a médica da eSF compareceram à consulta, onde a médica especialista fez um breve histórico familiar e algumas características físicas e comportamentais a deixaram convicta da Síndrome de Prader-Willi. Mesmo sem a confirmação do teste genético, a criança apresentava características marcantes da Síndrome: a hipotonia muscular quando bebê, o ganho de peso exacerbado após os 8 anos, o consumo alimentar excessivo, o peso atual apesar de sua taxa metabólica, os olhos com formato alongado e levemente inclinados, lábio superior fino e cantos curvados para baixo, além do hipogonadismo, atraso escolar e fala infantilizada. A profissional não demorou mais do que 20 minutos para validar clinicamente a hipótese diagnóstica e questionou o motivo da demora na procura do serviço, visto que a criança iniciou o ganho de peso de forma considerável há mais de 5 anos, deixando claro, mais uma vez, o comportamento da mãe de enfrentamento, escondendo a criança.
A genitora não parecia preocupada com o levantamento de nova patologia e ficou calada durante todo o tempo, apenas se dirigia a criança e respondia o que lhe era perguntado, enquanto a irmã, também presente, questionou o tratamento, possibilidade de cura, expectativa de vida e o que mudaria com um novo diagnóstico em relação aos direitos do paciente. A médica respondeu objetivamente aos questionamentos e encaminhou aos diferentes serviços do próprio Hospital: endocrinologia, reabilitação e agendou mapa genético.
Percebeu-se, dessa forma, a construção de uma rede de cuidado bastante distinta dos mecanismos formais convencionais, os quais muitas vezes se restringem a encaminhamentos burocráticos e contrarreferências restritos à pesquisa de prontuários desatualizados, incompletos e inconsistentes, em sistemas de informação isolados, que não compartilham informações entre si (Mendes, 2011). Essas limitações, intrínsecas a modelos fragmentados de gestão, geram rupturas no acompanhamento longitudinal de pacientes com condições complexas, como a Síndrome de Prader-Willi, cujo manejo exige sincronia entre múltiplos serviços e setores. Enquanto o sistema tradicional opera sob uma lógica linear marcada por filas de espera prolongadas, registros clínicos desconexos e duplicação de esforços, o PTS emerge como uma estratégia disruptiva, instituindo uma rede de cuidado horizontal e coesa (BRASIL, 2014; Campos, 1999). No Brasil, essa abordagem é prioritariamente articulada pela Atenção Primária à Saúde (APS), com o suporte estrutural de equipes multiprofissionais (eMulti), que integra profissionais de diversas áreas como: assistentes sociais, psicólogos e nutricionistas para desenhar intervenções contextualizadas às realidades biopsicossociais dos usuários, ofertando suporte no processo de elaboração e implementação das ações de cuidado (Campos,, 2007).
Essa rede colaborativa contrasta com a rigidez dos fluxos convencionais, nos quais os encaminhamentos raramente consideram a multidimensionalidade do cuidado. A eMulti, ao atuar como elo entre a APS, serviços especializados e setores extra-setoriais (como educação e assistência social), viabiliza uma cogestão que não se limita à transferência de responsabilidades (Brasil, 2014). No caso relatado, por exemplo, a atuação interdisciplinar da eMulti permitiu não apenas a integração entre genética, psiquiatria e endocrinologia, mas também a adaptação do ambiente escolar e o fortalecimento do vínculo familiar, aspectos críticos para o manejo da hiperfagia e das comorbidades comportamentais associadas à síndrome (Campos, 1999). Essa sinergia demonstra como a articulação em rede, mediada pelo PTS, substitui a fragmentação por um fluxo orgânico de dados e decisões (Cecílio, 2012). Assim, o cuidado deixa de ser um conjunto de ações isoladas para tornar-se um processo dinâmico, orientado pelas singularidades do itinerário terapêutico e pela efetiva integração dos princípios do SUS, como a equidade e a integralidade (Paim et al, 2011; Mehry, 2014).
Posteriormente, um novo encontro com os profissionais da UBS e da instituição de ensino ocorreu para traçar as metas frente a esse novo diagnóstico em investigação. Sendo espaço para retirada de dúvidas, estigmas e para novo planejamento de condução, o Projeto Terapêutico Singular é implementado e reformulado durante todo o processo tendo como principal objetivo atender às necessidades do indivíduo de forma personalizada e integral, considerando suas particularidades e não se limitando apenas ao tratamento de questões clínicas ou farmacológicas (Brasil, 2007; Campos, 2003). Este modelo de cuidado visa abarcar as dimensões físicas, emocionais, sociais e culturais do sujeito, levando em conta suas vulnerabilidades e, proporcionando um atendimento que seja mais amplo e holístico, torna-se um instrumento útil na construção de intervenções para situações de vulnerabilidade, ajustando as ações conforme a realidade do paciente (Mehry, 2014; Ayres, 2009).
Vale ressaltar ainda, que a eSF foi bastante acionada durante todo o primeiro semestre do ano de 2024; a mãe da criança que, queixava-se da translocação para diversos serviços desejava apenas visitas domiciliares, já que a criança com dificuldade de locomoção devido ao peso, exigia motorista de aplicativo até para ir a escola que permanecia a poucos metros de sua residência; a instituição de ensino estava em contato constante com a UBS por meio da assistente social, para saber sobre novas estratégias de abordagem. Porém, quando a atenção secundária assumiu o controle do caso, a equipe assistente perdeu o papel de coordenadora, as informações só eram acessadas pelo o que estava escrito em prontuário e que a UBS tinha acesso, mas se tratavam de sistemas distintos. Isso evidencia a necessidade de melhor comunicação da RAS, criada com o intuito de unir sistemas de saúde fragmentados e isolados que dificultam o cuidado integral e longitudinal do paciente.
Ainda nesse contexto, merece destaque as idas e vindas da criança e de seus familiares entre os serviços de saúde até a hipótese diagnóstica da síndrome, o que incomodava grandemente a genitora. O trajeto iniciou-se em serviços particulares quando pequeno, passando por neurologista, pediatra, psiquiatra e psicólogo; chega ao sistema público por Conselho Tutelar, passa por psiquiatra infantil novamente, agora no CAPSi, até nível secundário com geneticista. Posteriormente, alcança endocrinologista e vários setores de reabilitação intelectual, contando com fonoaudiologia, terapeuta e outras subespecialidades. O que evidencia as atividades desenvolvidas pelo indivíduo na busca de tratamento para a doença, no caso seu itinerário terapêutico, e o conseguinte percurso traçado após intervenção da equipe assistente, ou seja, o paciente escolhe o início da jornada, mas seu avançar é decidido de acordo com o raciocínio clínico dos serviço a que teve acesso (Minayo, 2009).
A experiência descrita integra princípios fundamentais da Atenção Primária à Saúde (APS), como acesso universal, longitudinalidade (acompanhamento contínuo do paciente) e integralidade (oferta de cuidados multidisciplinares). Esses elementos garantem não apenas a continuidade assistencial, mas também uma abordagem holística, essencial para casos complexos, como doenças raras. A coordenação do cuidado é reforçada pelo uso de diagnósticos em rede, que facilitam a comunicação entre profissionais de diferentes níveis de atenção, evitando fragmentação e redundâncias. A clínica ampliada, uma prática que vai além do modelo biomédico tradicional, mostrou-se crucial para identificar e manejar situações clínicas incomuns, enquanto a abordagem centrada na pessoa priorizou o impacto emocional e social do diagnóstico, envolvendo tanto o paciente quanto sua família (Starfield, 2002). Essa integração evidencia o papel estratégico da APS como porta de entrada do sistema de saúde, organizando fluxos e articulando redes de cuidado para casos que exigem intervenções especializadas (OPAS/OMS, 2018). Além disso, o modelo assegura longitudinalidade, evitando que o paciente peregrine entre serviços sem coordenação, um problema comum em sistemas fragmentados (Ribeiro, 2020).
A APS destaca-se ainda por sua proximidade geográfica e cultural com as comunidades, graças à sua estrutura descentralizada e capilarizada. Essa característica permite que profissionais utilizem a tecnologia das relações — ou seja, a construção de vínculos baseados em empatia, escuta ativa e respeito — como ferramenta para humanizar o atendimento. Nesse contexto, categorias como acolhimento (recepção qualificada das demandas), acesso facilitado e vínculo terapêutico tornam-se pilares para práticas efetivas (Coelho e Jorge, 2009). Essa dinâmica favorece a horizontalidade nas relações, onde saberes técnicos e populares se integram, promovendo colaboração entre profissionais, pacientes e comunidade. A construção de grupalidade, espaços coletivos de decisão, fortalece estratégias para aprimorar ações de saúde, alinhadas aos princípios do SUS (Universalidade, Equidade, Integralidade) e às diretrizes da Política Nacional de Humanização (HumanizaSUS) (Coelho e Jorge, 2009).
A Atenção Primária é frequentemente subestimada no manejo de doenças raras, mas seu papel é fundamental. Como primeiro contato, a APS pode reduzir o “peregrinar diagnóstico”, um desafio global que demora, em média, 5 a 7 anos para conclusão em casos raros. A longitudinalidade permite detectar sinais sutis ao longo do tempo, enquanto a coordenação com especialistas viabiliza encaminhamentos ágeis. No Brasil, a Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Raras (Portaria 199/2014) depende dessa integração, mas ainda enfrenta entraves como subfinanciamento e capacitação desigual. Porém, as dificuldades enfrentadas na articulação da rede de assistência são evidenciadas em muitas regiões que, carecem de sistemas de referência e contrarreferência eficientes, sobrecarregando a APS, além da pressão por produtividade (ex.: número de consultas/dia) pode minar o tempo necessário para acolhimento e vínculo, além de currículos ainda focados no hospitalocentrismo que deixam lacunas em saúde coletiva e gestão de redes (Campos, 2021).
Considerações Finais
A Clínica Ampliada e Compartilhada, exercida por meio da construção de Projetos Terapêuticos Singulares, representa uma estratégia fundamental para humanizar o cuidado, alinhando-se aos princípios estruturantes do SUS, como a integralidade, a equidade e a universalidade (BRASIL, 2007). O PTS, enquanto ferramenta centrada na singularidade do paciente, amplia a clínica ao integrar dimensões biopsicossociais e contextuais do indivíduo, não se limitando à abordagem biomédica tradicional e incorporando a escuta qualificada das necessidades subjetivas, familiares e sociais (Campos, 2003).
No contexto de casos raros, como a Síndrome de Prader-Willi, a singularização da construção do projeto terepêutico permite que as intervenções sejam adaptadas às especificidades clínicas e às complexidades psicossociais, evitando a rigidez de modelos padronizados que frequentemente invisibilizam demandas únicas. A elaboração do PTS promove um atendimento menos fragmentado e mais resolutivo, priorizando a corresponsabilidade entre profissionais, usuários e redes de apoio, além de fortalecer a interdisciplinaridade como eixo central na construção de soluções compartilhadas, construindo um itinerário terapêutico também singular (Mehry, 2014).
Ao considerar desejos, contextos de vida e processos de adoecimento em sua complexidade, essa abordagem não só fortalece a integralidade do cuidado, mas também reforça a necessidade de redes de assistência articuladas, capazes de garantir acesso contínuo e equânime à saúde (Mendes, 2011). O caso relatado expõe a articulação entre APS, serviços especializados, educação e assistência social, mediada por um PTS, como elemento potente para superar as lacunas da fragmentação do sistema, garantindo que os fluxos da RAS sejam orientados pelas necessidades reais do paciente (Brasil, 2014). Assim, a experiência evidencia que a humanização do cuidado, ancorada em estratégias participativas e flexíveis, é essencial para transformar desafios estruturais como: a descoordenação entre níveis de atenção e a lentidão na regulação em oportunidades de fortalecimento do SUS, assegurando que princípios éticos e técnicos coexistam na prática cotidiana da saúde coletiva (Brasil, 2007).
Referências
ALVES, P. C. Itinerários terapêuticos: trajetórias entre o pluralismo médico e a integração de cuidados. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015.
AYRES, J. R. C. M. Cuidado e humanização das práticas de saúde. In: ______. Cuidado: trabalho e interação nas práticas de saúde. Rio de Janeiro: CEPESC/IMS-UERJ, 2009. p. 49-84.
BASTOS, L. B. R. et al. Práticas e desafios da regulação do Sistema Único de Saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 54, p. 25, 2020. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rsp/article/view/166636/159342. Acesso em: 15 out. 2023.
BATISTA, S. R. et al. O complexo regulador em saúde do Distrito Federal, Brasil, e o desafio da integração entre os níveis assistenciais. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 24, n. 6, p. 2043-2052, 2019. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2019.v24n6/2043-2052/. Acesso em: 15 out. 2023.
BRASIL. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 set. 2017.
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização (PNH): documento base para gestores e trabalhadores do SUS. 4. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2007.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 199, de 30 de janeiro de 2014. Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 jan. 2014. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0199_30_01_2014.html. Acesso em: 15 out. 2023.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. (Caderno de Atenção Básica, n. 27).
BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 abr. 2016.
CABRAL, A. P. et al. Impacto do acompanhamento longitudinal em doenças crônicas. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 43, n. 122, p. 987-1001, 2019.
CAMPOS, G. W. S. Apoio matricial e atenção primária em saúde. São Paulo: Hucitec, 2014.
CAMPOS, G. W. S. Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 393-403, 1999.
CAMPOS, G. W. S. Um método para análise e co-gestão de coletivos. São Paulo: Hucitec, 2003. Disponível em: https://lume-re-demonstracao.ufrgs.br/eps/assets/pdf/metodo_paideia_cogestao.pdf. Acesso em: 15 out. 2023.
CAMPOS, G. W. S.; DOMITTI, A. C. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 399-407, 2007.
CAMPOS, G. W. S. et al. Dilemas na regulação do acesso à atenção especializada de crianças com condições crônicas complexas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 1-15, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/dkZXRhXhJJfz9hHhmf3h7ZK/. Acesso em: 15 out. 2023.
CASSIDY, S. B. et al. Prader-Willi Syndrome. Genetics in Medicine, v. 14, n. 1, p. 10-26, 2012.
CECÍLIO, L. C. O. Os modelos tecnoassistenciais em saúde: da pirâmide ao círculo, uma possibilidade a ser explorada. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 4, p. 1297-1315, 2012.
CONASS. A Atenção Primária à Saúde no SUS. Brasília: CONASS, 2019.
FRANCO, T.B. & MEHRY, E.E., Produção Imaginária da Demanda in Pinheiro, R. & Mattos, R.A. (orgs.) “Construção Social da Demanda”; IMS/UERJ-CEPESC-ABRASCO, Rio de Janeiro, 2005.
GIOVANELLA, L. et al. Atenção Primária à Saúde no Brasil. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 42, n. 1, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/CrHzJyRTkBmxLQBttmX9mtK/. Acesso em: 15 out. 2023.
MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. 2. ed. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011.
MERHY, E. E. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.
MINAYO, M. C. S. O conceito de itinerário terapêutico e sua contribuição para a compreensão dos processos de saúde e doença. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 17-26, 2009.
OPAS; OMS. Renovação da Atenção Primária em Saúde nas Américas. Washington, D.C.: OPAS, 2018.
PAIM, J. S. et al. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet, v. 377, n. 9779, p. 1778-1797, 2011.
RIBEIRO, J. M.; CAVALCANTI, M. L. T. Desafios da regulação em redes de atenção à saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 8, 2020.
SANTOS, L. M. et al. Projeto Terapêutico Singular no SUS: uma revisão integrativa. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 29, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/8HVkGwqqWKYZSzH8xdpxcqH/. Acesso em: 15 out. 2023.
SILVA, A. I. et al. Projeto Terapêutico Singular para profissionais da Estratégia de Saúde da Família. Cogitare Enfermagem, Curitiba, v. 21, n. 3, p. 1-10, 2016.
SILVA, R. M. et al. Sobrecarga do sistema hospitalar e fragilidades na regulação do SUS. Revista Saúde Pública, São Paulo, v. 54, p. 1-10, 2020.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Síndrome de Prader Willi e tratamento com somatropina. Junho de 2022. [S.l.]: SBP, 2022.
STARFIELD, B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, 2002.
1 Discente do Programa de Pós-Graduação, modalidade Residência em Medicina de Família e Comunidade da COREME/SES- Escola de Saúde Pública do Distrito Federal.
2 Docente do Programa de Pós-Graduação, modalidade Residência em Medicina de Família e Comunidade da COREME/SES- Escola de Saúde Pública do Distrito Federal.