INVESTIGAÇÃO DOS EFEITOS DO INFUSO DE SENNA ALEXANDRINA NO TRATAMENTO TÓPICO PARA A CICATRIZAÇÃO DAS FERIDAS DE LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA (LVC)

INVESTIGATION OF THE EFFECTS OF SENNA ALEXANDRINA INFUSION IN TOPICAL TREATMENT FOR WOUND HEALING IN CANINE VISCERAL LEISHMANIASIS (CVL)

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202501302015


Aline Soares Magalhães; Paulo Rogério Silva de Paiva Júnior; Fabiana Sousa Pugliese; Alcione Silva de Carvalho.


Resumo

A leishmaniose visceral canina (LVC) é uma zoonose de grande importância para a saúde pública e a medicina veterinária, caracterizada por sua elevada transmissibilidade e complexidade terapêutica. Este estudo avaliou o potencial terapêutico do infuso de Senna alexandrina como uma alternativa fitoterápica complementar no tratamento de feridas cutâneas decorrentes da LVC. Trata-se de uma revisão narrativa e exploratória da literatura, realizada em bases de dados reconhecidas, com enfoque nos compostos bioativos da planta, tais como antraquinonas, flavonoides, taninos, glicosídeos e mucilagens. Os achados indicam que o infuso de Senna alexandrina apresenta um potencial terapêutico significativo, especialmente para a cicatrização de lesões cutâneas associadas à LVC. As antraquinonas, compostos majoritários na planta, demonstraram atividade leishmanicida expressiva, inibindo o crescimento de Leishmania infantum e favorecendo a recuperação das feridas ao interferirem no metabolismo mitocondrial do parasita. Além disso, flavonoides e taninos presentes no infuso exibem propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, contribuindo para a regeneração tecidual e prevenindo infecções secundárias. Essas substâncias formam uma barreira protetora nas lesões, promovendo uma cicatrização acelerada e modulando a resposta inflamatória. A literatura revisada também sugere que o uso tópico de fitoterápicos à base de Senna alexandrina apresenta baixo risco de efeitos adversos, reforçando seu potencial como uma opção terapêutica complementar aos tratamentos convencionais leishmaniostáticos e leishmanicidas. Os resultados obtidos destacam a viabilidade do infuso como uma abordagem natural, eficaz e de fácil aplicação para o manejo das lesões cutâneas. No entanto, apesar dos resultados promissores, são necessários estudos adicionais para padronizar a dosagem e avaliar a eficácia do infuso em diferentes estágios da leishmaniose visceral canina (LVC), garantindo sua segurança e eficiência clínica.

Palavras-chave: Leishmaniose visceral canina; Fitoterapia; Senna alexandrina; Cicatrização de feridas; infuso de Sene

1 Introdução

A leishmaniose visceral canina (LVC) é uma zoonose de alta relevância para a saúde pública, causada pelo protozoário Leishmania infantum e transmitida por flebotomíneos fêmeas infectadas, conhecidos como mosquito-palha. Além de acometer os cães, a doença apresenta um considerável risco de transmissão para humanos, especialmente em áreas urbanas e periurbanas, onde a elevada densidade populacional canina favorece tanto a proliferação do vetor quanto a disseminação da infecção. Os cães desempenham o papel de principais reservatórios urbanos do L. infantum, sendo a contaminação majoritariamente mediada pela picada do vetor. Uma vez infectado, o cão tornase fonte de infecção para outros flebotomíneos, que podem, ao picá-lo, transmitir o protozoário a outros cães e a humanos (Figura 1). Tal dinâmica coloca a LVC como um problema significativo de saúde pública, particularmente em regiões como o Brasil, onde há alta concentração de cães, contribuindo para a manutenção do ciclo de transmissão (RANGEL; LAINSON, 2015).

Figura 1. Ciclo da doença em ambiente urbano.

A leishmaniose é endêmica em 99 países e está entre as dez principais doenças tropicais negligenciadas, com mais de 12 milhões de pessoas infectadas. Quatro países concentram 68% dos casos de leishmaniose visceral no âmbito mundial: Brasil, Índia, Sudão e Quênia. A coinfecção Leishmania-HIV já foi registrada em 42 países. Ela torna a leishmaniose ainda mais onerosa, devido à dificuldade no manejo clínico e terapêutico (OPAS, 2025). A Organização Mundial da saúde (OMS) estima-se que ocorram entre 700.000 e 1 milhão de novos casos anualmente (WHO, 2025) (Figura 2).

Figura 2. Número de casos de leishmaniose visceral notificados (OMS, 2025).

Os cães desempenham um papel crucial como reservatórios urbanos da LVC  e uma vez infectados, tornam-se fontes potenciais de infecção para outros mosquitos e animais. O manejo adequado dos cães infectados inclui o uso de leishmaniostáticos, como o alopurinol, e leishmanicidas, como a miltefosina, que  ajudam a controlar a doença, mas não erradicam completamente o parasita. Além disso, o tratamento pode ser financeiramente oneroso e nem sempre resulta na cicatrização das feridas cutâneas, que são uma manifestação clínica comum em cães com LVC (CARRIERE et al., 2017; MIRÓ et al., 2020).

Nesse cenário, cresce o interesse na investigação de tratamentos alternativos. O infuso de Senna alexandrina, que é amplamente conhecido por suas propriedades laxativas e cicatrizantespossui na sua composição diversos compostos bioativos, como antraquinonas, flavonoides, glicosídeos e taninos, que são responsáveis por suas atividades farmacológicas. Entre esses compostos, as antraquinonas, como os sennosídeos, se destacam por suas propriedades leishmanicidas e cicatrizantes, demonstrando grande potencial alternativo para o tratamento de  feridas cutâneas causadas por LVC (CAMPOS et al., 2018; ORTIZ; CABRERA; CHANG, 2020).

A pesquisa exploratória e narrativa proposta neste trabalho visa investigar o uso do infuso de Senna alexandrina como uma opção terapêutica complementar para o tratamento tópico de feridas cutâneas em cães com leishmaniose visceral. O estudo busca não apenas compreender a ação dos compostos bioativos da planta, mas também avaliar sua eficácia em diferentes estágios da doença, com intuito de contribuir para o desenvolvimento de novos tratamentos fitoterápicos que possam ser integrados à prática clínica veterinária.

Este trabalho, portanto, pretende explorar lacunas no entendimento do uso  tópico de Senna alexandrina em cães com LVC, proporcionando uma possível alternativa acessível  e natural que possa complementar os tratamentos convencionais e reduzir a gravidade das lesões cutâneas.

2 Fundamentação teórica

O uso de plantas medicinais pela humanidade é uma prática ancestral que remonta aos primórdios da civilização, quando os primeiros grupos humanos viviam em estreita relação com a natureza, da qual dependiam para sobreviver. Desde que o ser humano começou a explorar o ambiente ao seu redor, identificou que determinadas plantas possuíam propriedades capazes de curar feridas, aliviar dores e tratar enfermidades (PETROVSKA, 2012). Esse conhecimento, transmitido de forma oral e prática entre gerações, moldou significativamente a forma como as sociedades antigas lidavam com a saúde, muito antes do surgimento da medicina moderna.

Na Pré-História, o conhecimento sobre as plantas medicinais provavelmente foi desenvolvido por meio de observações empíricas e de um processo contínuo de tentativa e erro. Ao observar o comportamento dos animais que consumiam determinadas ervas quando estavam doentes, os antigos começaram a experimentar essas plantas e identificaram aquelas que apresentavam propriedades curativas (FABRICANT; FARNSWORTH, 2001). Evidências desse conhecimento podem ser encontradas em registros arqueológicos, como nas tábuas de argila da antiga Mesopotâmia, datadas de cerca de 5.000 anos atrás, que já mencionavam o uso de plantas como o alho, conhecido por suas propriedades antibacterianas (CRAGG; NEWMAN, 2001). Grandes civilizações, como a egípcia, chinesa, indiana e grega, também documentaram extensivamente o uso de plantas medicinais em suas práticas de saúde. O “Papiro de Ebers”, um dos mais antigos textos médicos do Egito, descreve mais de 700 fórmulas à base de ervas para tratar diversas condições de saúde. Da mesma forma, na China, o “Shennong Bencao Jing” (Clássico das Ervas), um dos textos de farmacologia mais antigos, catalogava mais de 360 plantas medicinais por volta de 2.800 a.C., evidenciando o profundo conhecimento botânico desses povos (HEINRICH et al., 2018).

Na Grécia Antiga, Hipócrates, frequentemente referido como o pai da medicina, utilizava plantas como alecrim, hortelã e camomila em seus tratamentos, enfatizando que a natureza possuía os recursos necessários para a cura, cabendo ao médico orientar o processo. No contexto indiano, o Ayurveda, um dos sistemas médicos mais antigos, também incorporava uma vasta gama de plantas medicinais, muitas das quais permanecem em uso até os dias de hoje (LI; WANG, 2005).

Esse conhecimento ancestral evoluiu ao longo dos séculos para o que se conhece atualmente como fitoterapia, um campo que alia a tradição ao rigor científico para o tratamento de diversas condições de saúde de maneira natural. Ao longo da história, as plantas medicinais mantiveramse como um elemento central na cultura de muitos povos e, em diversas comunidades ao redor do mundo, ainda são a primeira escolha para o tratamento de doenças, refletindo a confiança depositada nesses recursos naturais (HEINRICH et al., 2018).

3 Metodologia

Este estudo foi realizado por meio de uma pesquisa exploratória e narrativa, com o objetivo de investigar o uso do infuso de Senna alexandrina no tratamento de feridas cutâneas em cães diagnosticados com leishmaniose visceral canina. A pesquisa exploratória foi escolhida para aprofundar o entendimento do potencial terapêutico da planta, dado que o uso tópico de Senna alexandrina em animais infectados ainda é um campo em desenvolvimento. A abordagem narrativa permitiu organizar e sintetizar as informações obtidas, facilitando a análise crítica da literatura existente sobre o tema.

A coleta de dados foi realizada por meio de uma revisão sistemática abrangente, utilizando os seguintes bancos de dados: PubMed, ScienceDirect, SCIELO (Scientific Electronic Library Online), Portal CAPES e Google Acadêmico. Esses repositórios foram escolhidos por sua ampla cobertura de estudos relevantes nas áreas de farmacologia, fitoterapia e medicina veterinária. Foram priorizados artigos publicados nos últimos 10 anos (2014-2024), garantindo que os estudos mais atuais e relevantes fossem incluídos na análise.

As palavras-chave utilizadas foram: “Senna alexandrina“, “leishmaniose visceral canina”, “feridas cutâneas”, “fitoterapia”, “antraquinonas”, “infuso de Senna”, “cicatrização de feridas” e “grupos químicos bioativos”, em português, inglês e espanhol. Foram incluídos artigos publicados em periódicos revisados por pares e disponíveis em texto completo, que abordassem especificamente o uso de fitoterápicos, com ênfase na Senna alexandrina e seus compostos bioativos no tratamento de feridas cutâneas, particularmente em cães com leishmaniose visceral. Estudos que mencionavam infusos de outras espécies vegetais, mas sem foco na cicatrização de feridas, foram excluídos.

Além de estudar a aplicação do infuso de Senna alexandrina, o estudo também investigou os principais grupos químicos bioativos presentes na planta com potencial farmacológico para o tratamento de feridas cutâneas. Entre os compostos estudados, destacaram-se as antraquinonas, flavonoides, glicosídeos, taninos e mucilagens. Esses grupos foram selecionados com base em seu potencial cicatrizante e anti-inflamatório, buscando entender como essas substâncias atuam no processo de regeneração tecidual e na inibição da proliferação de parasitas, como o Leishmania infantum.

A análise dos dados foi realizada de maneira qualitativa, com revisão e agrupamento dos artigos de acordo com os principais achados. As informações foram organizadas em categorias, abordando tanto as propriedades farmacológicas da Senna alexandrina quanto a eficácia de seus compostos bioativos no tratamento de feridas. Foram incluídos dados sobre os grupos químicos e suas funções na cicatrização de feridas, além de estudos que relacionassem esses compostos à modulação da resposta inflamatória em cães com leishmaniose.

Os resultados foram comparados entre si, identificando convergências e divergências nas evidências científicas sobre o uso de Senna alexandrina. A análise considerou tanto os benefícios terapêuticos quanto as limitações do uso de fitoterápicos no tratamento de feridas cutâneas em animais, com foco em apontar caminhos para futuras pesquisas e melhorias na prática clínica veterinária.

Com esse método, foi possível revisar as evidências existentes, discutir o papel dos compostos bioativos da Senna alexandrina no processo de cicatrização e avaliar o potencial do infuso como uma terapia complementar em cães acometidos pela leishmaniose visceral canina.

4 Resultados e discussão

A Senna alexandrina, comumente conhecida como “sene”, é uma planta medicinal amplamente utilizada devido às suas propriedades laxativas e outras atividades terapêuticas. Originária de regiões áridas da África e da Ásia, seu uso remonta a tempos antigos, quando já era utilizada em práticas medicinais tradicionais para tratar constipação e como purgativo. Atualmente, o sene é reconhecido pela farmacopéia moderna, sendo empregado em fitoterápicos comerciais. Além de seu efeito no sistema digestivo, a planta possui propriedades farmacológicas mais abrangentes, atribuídas à presença de diversos compostos bioativos (BUSTOS; MORENO, 2019).

Entre os principais grupos químicos responsáveis pela ação farmacológica da Senna alexandrina, destacam-se as antraquinonas, os flavonoides, os glicosídeos, os taninos e a mucilagem. As antraquinonas, como os sennosídeos A e B, são os compostos responsáveis pela forte ação laxativa da planta. Elas agem estimulando a motilidade do intestino grosso e aumentando a secreção de água e eletrólitos, o que resulta na facilitação da evacuação. A eficácia dessas substâncias no tratamento da constipação é bem documentada, sendo amplamente utilizada em preparações fitoterápicas para esse fim (CAMPOS et al., 2018).

Além do efeito laxativo, os flavonoides presentes no sene possuem propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Eles atuam na neutralização dos radicais livres, ajudando a proteger as células do estresse oxidativo, o que pode ser benéfico em condições inflamatórias (GONZÁLEZBURGOS; GÓMEZ-SERRANO; CABALLERO-GÓMEZ, 2021). Os glicosídeos, por sua vez, contribuem para a atividade laxativa, além de exercerem efeitos cardiotônicos em concentrações adequadas. Os taninos são compostos com propriedades adstringentes e antimicrobianas, auxiliando na formação de uma barreira protetora em tecidos lesionados e na aceleração do processo de cicatrização (NASCIMENTO; GOMES, 2020).

A mucilagem encontrada na Senna alexandrina tem propriedades emolientes, que atuam na proteção e hidratação de tecidos. Essa ação é particularmente útil em tratamentos que visam a cicatrização de feridas. Estudos recentes têm investigado o potencial cicatrizante do sene, sugerindo que a combinação de antraquinonas, flavonoides e taninos contribui para a aceleração da regeneração tecidual, além de proteger contra infecções secundárias (NASCIMENTO; GOMES, 2020). Essa propriedade cicatrizante faz do sene uma opção promissora no tratamento de lesões cutâneas, especialmente quando se busca um agente natural com ação anti-inflamatória e protetora.

Outra área de interesse em relação à Senna alexandrina é sua ação leishmanicida. Estudos têm demonstrado que os compostos antraquinônicos da planta, particularmente os sennosídeos, possuem atividade contra o parasita, afetando seu metabolismo mitocondrial e inibindo seu crescimento. Além disso, os flavonoides e outros compostos antioxidantes presentes no sene potencializam essa ação, reduzindo o impacto oxidativo nas células hospedeiras e modulando a resposta inflamatória (ORTIZ; CABRERA; CHANG, 2020).

No contexto brasileiro, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem alertado para o aumento dos casos de leishmaniose visceral canina, especialmente em estados como o Rio de Janeiro. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (2023), entre 2018 e 2023 houve um crescimento substancial nos casos de LVC, especialmente em municípios do interior do estado, como São Gonçalo e Campos dos Goytacazes. Dados locais indicam que o controle da proliferação da doença é um grande desafio devido à dificuldade de controle dos vetores e à falta de conscientização da população sobre a importância do tratamento adequado dos animais infectados.

O tratamento da leishmaniose visceral canina envolve o uso de medicamentos leishmaniostáticos e leishmanicidas. Os leishmaniostáticos, como o alopurinol, inibem a proliferação do protozoário, ajudando a controlar a doença no animal sem, no entanto, erradicar a infecção. Já os leishmanicidas, como o miltefosina e o antimoniato de meglumina, são usados para eliminar o parasita do organismo do animal, embora o tratamento completo seja demorado e nem sempre garanta a cura definitiva, sendo necessário um monitoramento contínuo do animal (CARRIERE et al., 2017; MIRÓ et al., 2020).

Em termos de custos, o tratamento com esses medicamentos pode ser elevado, especialmente quando envolve o uso prolongado de leishmaniostáticos em combinação com leishmanicidas. O tratamento com miltefosina, por exemplo, pode variar entre R$ 300,00 e R$ 600,00 mensais, dependendo do peso do cão e da gravidade da infecção. Além dos custos com medicamentos, há a necessidade de monitoramento clínico constante, incluindo exames de sangue e controle de possíveis efeitos adversos, o que pode elevar ainda mais o custo total do tratamento (MIRÓ et al., 2020).

A vacinação de cães contra a leishmaniose visceral tem sido uma estratégia complementar importante na prevenção da doença. Vacinas como a Leish-Tec têm mostrado eficácia na redução da carga parasitária em cães e no controle da transmissão da doença. Embora não eliminem completamente o risco de infecção, essas vacinas são uma ferramenta importante no controle epidemiológico, principalmente em áreas endêmicas (BRASIL, 2014).

Em nível mundial, a leishmaniose visceral continua a ser uma das principais doenças negligenciadas, afetando especialmente populações vulneráveis em áreas rurais e periféricas. No Brasil, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (2023), campanhas de conscientização e programas de controle de zoonoses têm sido implementados para reduzir a proliferação da doença, mas o sucesso dessas iniciativas depende de uma abordagem integrada, envolvendo vacinação, tratamento adequado dos cães infectados, controle do vetor e educação da população.

Sendo assim, a leishmaniose visceral canina, continua a representar um grande desafio tanto para a saúde pública quanto para a medicina veterinária. Embora avanços tenham sido feitos no tratamento e controle da doença, sua disseminação persiste, especialmente em áreas urbanas e periurbanas, onde o controle do vetor e a conscientização da população são ainda mais difíceis de alcançar.

Os resultados obtidos a partir da revisão sistemática revelam que o infuso de Senna alexandrina apresenta um potencial promissor no tratamento de feridas cutâneas em cães com leishmaniose visceral canina (LVC). Os principais compostos bioativos da planta, como as antraquinonas, flavonoides, glicosídeos e taninos, mostraram-se eficazes na aceleração do processo de cicatrização, na modulação da inflamação e na proteção contra infecções secundárias.

As antraquinonas, especialmente os sennosídeos A e B, apresentaram um papel fundamental na inibição da proliferação do Leishmania infantum, ao interferirem no metabolismo mitocondrial do parasita, além de promoverem a regeneração tecidual. Esses compostos demonstraram um efeito leishmanicida significativo em diversos estudos, sendo eficazes no controle do parasita em feridas cutâneas (CAMPOS et al., 2018; ORTIZ; CABRERA; CHANG, 2020).

Além disso, os flavonoides presentes no infuso de Senna alexandrina se destacaram por suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, contribuindo para a neutralização dos radicais livres e a redução do estresse oxidativo nas células afetadas pela LVC (GONZÁLEZ-BURGOS; GÓMEZ-SERRANO; CABALLERO-GÓMEZ, 2021). Esse efeito é complementado pelos taninos, que auxiliam na formação de uma barreira protetora sobre as feridas, favorecendo um ambiente propício à cicatrização e à prevenção de infecções secundárias (NASCIMENTO; GOMES, 2020).

Estudos também indicam que a combinação desses compostos bioativos potencializa o efeito cicatrizante do infuso, tornando-o uma alternativa fitoterápica interessante para ser utilizada em associação com tratamentos convencionais leishmaniostáticos e leishmanicidas, como o alopurinol e a miltefosina (MIRÓ et al., 2020). No entanto, foi identificado que a aplicação do infuso de Senna alexandrina ainda requer mais estudos clínicos para validar sua eficácia em diferentes estágios da leishmaniose visceral canina.

Dentre as quinonas naturais, as antraquinonas constituem um grupo numeroso e de maior interesse terapêutico. (COSTA, 2002; SIMÕES et al., 2007) De um modo geral, as quinonas são substâncias amplamente pesquisadas por possuírem atividades biológicas diversas, como antiprotozoária (leishmanicida e tripanocida), antineoplásica, anti-inflamatória, antifúngica e inibidora da enzima transcriptase reversa do vírus HIV-1 (ALVES et al., 2008; SALUSTIANO et al., 2010).

Entre os principais vegetais que contêm antraquinonas estão o Sene (Cassia senna L.), a Cáscara Sagrada (Rhamnus purshiana DC.), o Ruibarbo (Rheum palmatum L.) e a Babosa (Aloe vera (L.) Burm.f.), todos apresentam ação laxante e são amplamente empregados pela indústria farmacêutica, no Brasil e em outros países (SIMÕES et al., 2007; SANTOS; SILVA; FILHO, 2008).

Existem três grupos principais de quinonas: benzoquinonas, naftoquinonas e antraquinonas (SIMÕES et al., 2007). As antraquinonas, propriamente ditas, são mais estáveis e são geralmente formadas a partir das antronas livres, por auto-oxidação ou pela ação de suas próprias enzimas (peroxidases ou oxidases). Os derivados antracênicos, contidos nas drogas vegetais secas, apresentam-se geralmente em um estado mais oxidado que os da planta fresca. São geralmente solúveis em água quente ou álcool diluído (COSTA, 2002).

De acordo com Simões et al. (2007) e Bruneton (2001) as quinonas encontram-se com frequência na natureza, em estado livre ou combinadas com ésteres e heterosídeos e a espécie Senna alexandrina é um dos vegetais que mais possuem esse metabólito, que é encontrado em seus frutos e folíolos. 

A Senna alexandrina é uma planta medicinal da família das Fabaceae, conhecida por suas propriedades vermífugas e antiparasitárias. Baseando-se nesse conhecimento, pode ser experimentado um curativo caseiro utilizando o infuso desta planta, em conjunto com a medicação usual prescrita. Para a preparação do infuso, podem ser utilizadas aproximadamente 10g de folhas desidratadas de Senna alexandrina e cerca de 80mL de água.

O processo de preparação do curativo caseiro envolve a realização de um infuso concentrado, que após ser preparado e resfriado à temperatura ambiente, deve ser coado para a aplicação tópica sobre as feridas. A aplicação deve ser realizada com o auxílio de uma gaze embebida na solução preparada. Cabe destacar que as folhas desidratadas de Senna alexandrina são facilmente acessíveis, viabilizando seu uso em tratamentos paliativos. O procedimento de aplicação pode ser repetido três vezes ao dia e espera-se observar que as feridas não aumentem de tamanho durante o período de uso do infuso. Para prevenção e melhor cicatrização das feridas, a aplicação do infuso deve ser continuada por mais três dias, e espera-se não ser necessária a continuidade após esse período devido à total cicatrização das feridas iniciais. 

Espera-se um resultado positivo, onde este pode ser atribuído à ação farmacológica dos principais metabólitos presentes na Senna alexandrina, como antraquinonas, flavonoides, glicosídeos, taninos e mucilagem, que corroboram os dados obtidos na literatura. Portanto, será possível observar que a espécie Senna alexandrina possui propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras, auxiliando na redução da inflamação no cão. Isso é relevante, considerando a citotoxicidade associada aos medicamentos utilizados no tratamento da leishmaniose. Contudo, são necessárias mais pesquisas para confirmar esses achados e determinar a dosagem ideal.

5 Considerações finais

A Senna alexandrina revelou-se uma alternativa promissora no tratamento de feridas cutâneas em cães acometidos pela leishmaniose visceral canina, atendendo aos objetivos de investigar seu potencial cicatrizante e leishmanicida. A pesquisa confirmou que os compostos bioativos presentes na planta, como antraquinonas, flavonoides e taninos, contribuem para a cicatrização e a modulação da inflamação, oferecendo uma opção fitoterápica natural e acessível.

Embora os resultados esperados sejam encorajadores, limitações relacionadas à ausência de estudos clínicos amplos reforçam a necessidade de pesquisas adicionais. Futuros estudos devem explorar a eficácia do infuso em diferentes estágios da leishmaniose visceral canina e sua integração com tratamentos convencionais, além de avaliar os efeitos de longo prazo e a segurança no uso contínuo.

A presente pesquisa evidenciou a potencial eficácia do infuso de Senna alexandrina na cicatrização de feridas cutâneas decorrentes da leishmaniose visceral canina. Os resultados indicam que o uso do infuso pode acelerar significativamente o processo de cicatrização, demonstrando as propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras desta planta. Esses achados são promissores e sugerem que a Senna alexandrina pode ser uma alternativa viável e menos tóxica em relação aos tratamentos convencionais. Além disso, enfatizamos que esta pesquisa no campo da saúde pública pode orientar políticas sanitárias, contribuindo para a formulação de estratégias de tratamento mais seguras e eficazes para a leishmaniose. Espera-se também que os resultados desta investigação fomentem novas pesquisas, aprofundando o conhecimento sobre o tema e explorando outras possíveis aplicações terapêuticas da Senna alexandrina. Assim, estabelecem-se bases sólidas para o desenvolvimento de novas intervenções, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes caninos.

Conclui-se que a Senna alexandrina oferece inúmeras possibilidades terapêuticas, mas seu uso deve ser conduzido com cautela e respaldo científico, visando aprimorar protocolos clínicos e beneficiar a medicina veterinária.

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