REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202503202127
Gabriela Aparecida da Silva
RESUMO
Existem algumas técnicas cirúrgicas voltadas para o bem-estar de cães braquicefálicos, raças conhecidas por suas características físicas que predispõem a problemas respiratórios, particularmente a Síndrome Obstrutiva das Vias Aéreas. Dessa forma, identificar as causas dessa síndrome, e a importância dos sinais clínicos nos ajudam a chegar no diagnóstico e apresentar um conjunto de técnicas cirúrgicas que podem contribuir significativamente para a qualidade de vida desses animais. As cirurgias, como rinoplastia, estafilectomia, saculectomia, demonstram eficácia na redução dos sintomas respiratórios e na promoção de um estado de saúde mais estável. Além disso, o trabalho enfatiza a importância da conscientização dos tutores sobre a responsabilidade na criação e cuidados desses cães, a fim de prevenir complicações futuras. A análise de possíveis complicações cirúrgicas é realizada, visando aprimorar as práticas cirúrgicas e garantir um atendimento mais seguro. Ao integrar intervenções cirúrgicas com educação e sensibilização, essas técnicas buscam promover um bem-estar duradouro para os cães braquicefálicos, priorizando sua saúde e qualidade de vida.
Palavras-chave: Braquicefálico. Bem-estar. Estafilectomia. Rinoplastia. Síndrome.
ABSTRACT
There are some surgical techniques aimed at the well-being of brachycephalic dogs, breeds known for their physical characteristics that predispose them to respiratory problems, particularly Obstructive Airway Syndrome. Thus, identifying the causes of this syndrome and the importance of clinical signs helps us reach a diagnosis and present a set of surgical techniques that can significantly contribute to the quality of life of these animals. Surgeries, such as rhinoplasty, staphylectomy, and sacculectomy, have been shown to be effective in reducing respiratory symptoms and promoting a more stable state of health. In addition, the work emphasizes the importance of raising awareness among owners about their responsibility in raising and caring for these dogs, in order to prevent future complications. Possible surgical complications are analyzed with the aim of improving surgical practices and ensuring safer care. By integrating surgical interventions with education and awareness, these techniques seek to promote long-lasting well-being for brachycephalic dogs, prioritizing their health and quality of life.
Keywords: Brachycephalic. Rhinoplasty. Staphylectomy. Syndrome. Well-being.
1. INTRODUÇÃO
O crânio dos cães domésticos (Canis lupus f. familiaris, Linnaeus 1758) é amplamente variado em relação a sua conformação anatômica (CURTH, FISHER e KUPCZIK, 2017). Dessa forma é possível classificar a mesma em: cães braquicefálicos quando possuem face curta e larga (raças como Pug, Bulldog e Boxer); dolicocefálicos cães com a face longa e conformidades cranianas estreitas (raças como Galgo e Collie); ou mesocefálicos possuindo características intermediárias (raças como Beagle e Labrador Retriever) (EKENSTEDT, CROSSE e RISSELADA, 2020).
Cães de raça braquicefálica possuem na grande maioria, problemas respiratórios, gastrointestinais, dermatológicos, entre outros, sendo as sequelas respiratórias de maior frequência. Essas raças são bem populares, e a característica do seu fenótipo na maioria das vezes é o incentivo da procura por várias pessoas (EKENSTEDT, CROSSE e RISSELADA, 2020). Com isso é inadiável o impacto da reprodução de animais com essas características (O’NEILL et al., 2015).
Essas alterações anatômicas aumentam a susceptibilidade ao desenvolvimento da Síndrome Obstrutiva das Vias Aéreas dos Braquicefálicos (SOVAB) (LIU et al., 2017). Essa condição é marcada por problemas respiratórios e de regulação de temperatura, resultando na obstrução parcial ou total das vias aéreas superiores (EKENSTEDT, CROSSE e RISSELADA, 2020). No entanto, a maior parte dos tutores desses animais não percebe o impacto que a obstrução persistente das vias aéreas superiores tem na saúde e no bem-estar de seus animais, considerando normal a dificuldade respiratória que eles enfrentam (PACKER, HENDRICKS e BURN, 2012). Desse modo, a obstrução é relacionada a estreita passagem de ar pelas narinas fazendo com que a correção dessa estenose seja uma cirurgia primordial, pois outras alterações das vias podem ser secundárias a ela. (KOCH et al., 2003; CLARK, 2015).
O tratamento da SOVAB consiste na combinação de rinoplastia, estafilectomia e saculectomia laríngea. (TOUGUIO,2024).
Levando em consideração a importância das alterações anatômicas em raças braquicefálicas, investigar como a cirurgia corretiva da síndrome influencia a diminuição dos sinais clínicos e melhora a qualidade de vida desses animais se torna especialmente significativo (BRAGANÇA,2022).
O objetivo desse trabalho é detalhar das técnicas cirúrgicas utilizadas para melhorar o bem-estar de cães braquicefálicos, com foco na avaliação dos resultados tanto a curto quanto a longo prazo. Além disso, serão analisadas possíveis complicações cirúrgicas visando contribuir para o aprimoramento das práticas cirúrgicas voltadas para essas raças específicas.
2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
O objetivo desse trabalho é detalhar das técnicas cirúrgicas utilizadas para melhorar o bem-estar de cães braquicefálicos, com foco na avaliação dos resultados tanto a curto quanto a longo prazo. Além disso, serão analisadas possíveis complicações cirúrgicas visando contribuir para o aprimoramento das práticas cirúrgicas voltadas para essas raças específicas.
2.2 Objetivos Específicos
- Identificar as causas da Síndrome Obstrutiva das Vias Aéreas dos Braquicefálicos.
- Fazer uma revisão bibliográfica para apresentar a importância dos sinais clínicos e do conjunto de técnicas cirúrgicas para o bem-estar dos cães braquicefálicos.
- Descrever as principais cirurgias realizadas na Síndrome Obstrutiva das Vias Aéreas dos Braquicefálicos.
- Analisar as possíveis complicações cirúrgicas com intuito de aprimorar as práticas cirúrgicas voltadas aos cães braquicefálicos.
3. METODOLOGIA
3.1 Tipo de Estudo.
3.2 Base de dados.
A base de dados utilizada foi o Google Acadêmico, SciELO, com filtro para artigos em português e inglês, publicados nos últimos 12 anos.
3.3 Coleta de Dados.
Os dados coletados mais utilizados foram artigos, relatórios de estágio, teses de mestrado e revistas.
3.3.1 Descritores utilizados.
Os descritores utilizados foram síndrome braquicefálica em cães, síndrome aérea obstrutiva, braquicefálicos, síndrome braquicefálica.
3.3.2 Critérios de escolha e exclusão.
Critérios de escolha: Mestrados, artigos mais recentes, trabalhos bem desenvolvidos, relatórios de estágio em universidades nomeadas, trabalhos que citem as técnicas cirúrgicas e por título.
Critérios de exclusão: Títulos que não se encaixam no tema, artigos muito velhos.
3.4 Aspectos Éticos.
4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
4.1 ANATOMIA
4.1.1 Narinas Estenóticas
A estenose das narinas é uma alteração primária comum, caracterizada pela deformação da asa nasal e pelo estreitamento anormal das aberturas nasais (Figura 1) (MACPHAIL, 2019; EKENSTEDT et al., 2020). A asa da narina é composta por três cartilagens: lateral dorsal, lateral ventral e acessória, conforme ilustrado na figura 1 (DUPRÉ et al., 2013; EVANS e de LAHUNTA, 2013). Sendo assim, há uma restrição no fluxo de ar para a cavidade nasal, resultando em um esforço aumentado durante a inspiração e levando a dispneia, que pode variar de leve a grave (MACPHAIL, 2019).

4.1.2 Palato Mole Alongado
Em condições normais, a borda do palato mole posiciona-se logo à frente da ponta da epiglote ou apenas toca-a levemente (MEOLA, 2013). Diferentemente de outros cães, os braquicefálicos apresentam a transição do palato duro para o palato mole mais caudal e, além disso, este último frequentemente se estende além da borda da epiglote (BJORLING et al., 2000; MEOLA, 2013), variando de alguns milímetros a mais de um centímetro (Figura 2) (FOSSUM e MACPHAIL, 2019). Durante a inspiração, o palato mole alongado é puxado em direção à glote, obstruindo o fluxo de ar na laringe e vibrando, o que produz um som nítido (BJORLING et al., 2000; KOCH et al., 2003; DUPRÉ et al., 2013; MEOLA, 2013; FOSSUM e MACPHAIL, 2019). Com o tempo, o atrito entre o palato mole alongado e a epiglote provoca inflamação e edema, reduzindo ainda mais o fluxo de ar e agravando os sinais clínicos (SHELL, 2012b).
Em um cão normocefálico, o comprimento do palato mole pode medir aproximadamente 6 cm, 3 cm de largura e 5 mm de espessura. Sendo assim, nos cães braquicefálicos, esses tamanhos são alterados consequentemente aumentando de tamanho devido ao espessamento do epitélio superficial, edema generalizado pelo atrito do tecido conjuntivo e alterações musculares (BOFAN et al., 2015; GRAND & BUREAU, 2011; MEOLA, 2013; PICHETTO et al., 2011).


4.1.3 Eversão dos sacos laríngeos
A eversão dos sacos laríngeos é observada em grande parte dos animais que sofrem de SOVAB (PRATSCHKE, 2014). Essa mudança é notada quando tem o início do colapso laríngeo e, quando ocorre junto com a eversão das tonsilas, contribuindo para a estenose da faringe. Ela surge devido ao deslocamento dos ventrículos laríngeos de suas criptas em direção ao lúmen da entrada da glote, resultando em uma obstrução ventral na região. Quando evertidos, os sacos aparecem como estruturas convexas, esbranquiçadas e brilhantes, situadas na frente das cordas vocais ao longo da superfície ventrolateral do lúmen da laringe, conforme ilustrado na figura 4 (ALLEMAND et al., 2013; EKENSTEDT et al., 2020).


4.2 RAÇAS
Entre as raças caninas braquicefálicas mais conhecidas, temos Shih Tzu, Pug, Pequinês, Mastim napolitano, Mastim, Lhasa Apso, Pequeno Brabançon, Griffon de Bruxelas, Dogue-de-bordeaux, Cavalier King Charles Spaniel, Boxer, Boston Terrier, Bulldog Inglês, Bulldog Francês, Bulldog Australiano, Bulldog Americano e Affenpinscher (FAWCETT et al., 2019).
4.3 TRATAMENTO CIRÚRGICO
O tratamento efetivo para a correção da SOVAB consiste em correção cirúrgica dos seus componentes anatômicos (TORREZ e HUNT, 2006). O tratamento cirúrgico pode incluir várias técnicas, sempre dependendo das alterações individuais de cada animal, a correção da estenose de narina, palato mole alongado e remoção dos sacos laríngeos invertidos quando apresentados, são procedimentos indispensáveis para a melhoria dos sintomas da SOVAB (FOSSUM, 2014).
4.3.1 Alaplastia
A alaplastia é o procedimento mais utilizado e consiste na excisão de uma cunha de ambas as asas nasais e sutura dos defeitos. A realização dessa técnica se dá pela excisão em cunha da ala nasal onde a cunha pode ser horizontal, vertical ou lateral ou numa recessão com punch (PACKER e TIVERS, 2015). As incisões podem realizar-se com um bisturi nº 11 ou 15, ou ainda com um punch de biópsia. Realizam-se duas a quatro suturas simples interrompidas, com material monofilamentar absorvível, para aposição das margens da cunha (DUPRÉ, FINDJI e OECHTERING, 2013).
A ressecção em cunha vertical inicia-se a incisão no ápex dorsal do triângulo, 2 mm lateral e paralelo ao bordo medial da cartilagem. Estende-se a incisão até à porção ventral da asa da narina (AIKEN, 2021). Faz-se uma segunda incisão, também com início no ápex dorsal do triângulo, mas que se direciona ventral e lateralmente, para criar e permitir remover uma cunha triangular das narinas (Figura 6) (AIKEN, 2021). O limite lateral da cunha deve formar um ângulo de 40–70° desde o limite medial (DUPRÉ et al., 2013).

Na técnica em cunha horizontal, as incisões são feitas de medial para lateral. A incisão começa próximo ao bordo medial da asa nasal e continua até ao longo do bordo ventral até ao bordo lateral (MONNET, 2003).
A resseção em cunha lateral, consiste na excisão de uma cunha vertical de tecido desde o aspecto caudolateral do plano nasal externo, na junção entre o nariz e a pele. Deve ter profundidade suficiente para incluir uma porção da prega alar. Quando as margens são suturadas, a asa nasal é deslocada caudolateralmente e fixada numa posição de abdução, abrindo a narina (DUPRÉ et al., 2013).
4.3.2 Rinoplastia a laser CO2
A rinoplastia com laser CO2 é indicada em cães de pequeno porte ou em gatos (LODATO e MAUTERER, 2014). No laser os valores utilizados devem ser de baixa potência e uma ponta de diâmetro reduzido, realizando incisões controladas e finas (HOLT e MANN, 2002). Uma vez que o tecido nasal é muito vascularizado, a incisão com lâmina de bisturi pode resultar numa hemorragia importante (DUPRÉ et al., 2013). O laser deve ser utilizado a uma potência de 4 a 5W, com uma configuração de feixe contínuo para obter resultados eficientes.
Durante o corte o laser deve ser inclinado em direção medio-lateral (ML), evitando assim que o laser prejudique o tecido exterior da narina para não o despigmentar. Pode-se recorrer ao uso de um algodão embebido em solução salina ou epinefrina, para evitar que o laser lesione os tecidos subjacentes no interior da narina (LODATO et al., 2014).
4.3.3 Estafilectomia
A estafilectomia é uma técnica que possui o objetivo de reduzir o comprimento do palato mole através da ressecção da porção caudal do mesmo (DUPRÉ e HEIDENREICH, 2016; KRAINER e DUPRÉ, 2022). Nessa técnica pode ser utilizada uma lâmina de bisturi, tesoura, laser de dióxido de carbono (CO2), eletrobisturi monopolar ou bipolar ou com um selador de vasos (FOSSUM, 2013; AIKEN, 2021; KRAINER & DUPRÉ, 2022).
Técnica tradicional: Para tracionar o palato mole rostralmente, coloca-se uma pinça de Allis no bordo caudal do mesmo ou uma sutura de tração (FOSSUM, 2013; AIKEN, 2021). Em seguida, determina-se o local da ressecção do palato mole com a língua na sua posição normal (AIKEN, 2021). Colocam-se suturas de fixação em ambos os bordos laterais do local de ressecção do palato, prende-se com pinças hemostáticas e, com a ajuda de um auxiliar, aplica-se ligeira tração lateral (FOSSUM, 2013; AIKEN, 2021). Caso não tenha auxiliar, inicia-se uma sutura (um nó de cirurgião) com fio de sutura sintético absorvível 4-0 ou 5-0 no bordo lateral do palato mole no local da ressecção (MATHEWS, 2012a). Coloca-se uma pinça hemostática na ponta do fio de sutura, que é deixado longo para auxiliar na manipulação do palato (MATHEWS, 2012a). Com uma tesoura Metzenbaum redonda, realiza-se um corte transversal de 1/3 da largura do palato mole, iniciando do lado com o início da sutura e estendendo para o centro do palato mole (MATHEWS, 2012a; AIKEN, 2021). Em seguida, faz-se uma sutura contínua simples sobrepondo a mucosa nasofaríngea e orofaríngea (MATHEWS, 2012a; FOSSUM, 2013) utilizando o início de sutura previamente realizado, sem incluir os músculos palatinos na sutura (AIKEN, 2021). Aproximadamente 1/3 do comprimento do palato mole é cortado de cada vez, até se ter completado a ressecção do mesmo (Figura 7) (AIKEN, 2021). Este processo é repetido em secções para limitar a hemorragia, que normalmente é mínima. A hemostasia é efetuada com a pressão da sutura (AIKEN, 2021). Após a remoção do palato mole, aspira-se a porção caudal da faringe e remove-se as compressas inicialmente colocadas (AIKEN, 2021). Alguns cirurgiões preferem marcar o palato mole com uma pinça hemostática de forma a definir o local de ressecção e prevenir a remoção excessiva de palato mole. (MATHEWS, 2012a)

Na técnica com laser de CO2 a abordagem é semelhante à correção cirúrgica tradicional (com tesoura) (PEAVY e WILDER-SMITH, 2012). Deve-se ter atenção à proteção das vias aéreas, usando um evacuador de fumo e utilizando compressas umedecidas com solução salina para proteger o tubo endotraqueal e os tecidos da faringe da exposição ao laser (PEAVY e WILDER-SMITH, 2012). Após a indução anestésica, mas antes da colocação do tubo, deve-se demarcar com um feixe de laser pulsátil, com o animal em decúbito dorsal e a cabeça e pescoço colocados numa posição anatómica normal, o local da ressecção do palato mole. Coloca-se o tubo endotraqueal (PEAVY e WILDER-SMITH, 2012). Com pinças de Allis ou suturas de tração, traciona-se o palato mole cranialmente. Realiza-se a excisão com o laser, ligeiramente medial à região previamente marcada, o que permite ocorrer alguma contração tecidual durante o procedimento e na cicatrização (PEAVY e WILDER-SMITH, 2012). Com esta técnica não é necessário suturar, cicatrizando por segunda intenção. Quando se utiliza o laser de CO2, o material não deve ser refletor e deve-se utilizar proteção ocular (PEAVY e WILDER-SMITH, 2012).
4.3.4 Saculectomia
A saculectomia consiste na resseção dos ventrículos laríngeos evertidos, considerado estádio I de colapso laríngeo (PACKER e TIVERS, 2015).
Quando os sacos laríngeos se encontram evertidos, estes podem ser removidos através do uso de uma tesoura Metzenbaum, uma lâmina nº15 ou, em cães de maior porte, laser CO2. Independentemente do método utilizado, deve-se extubar o animal e retrair delicadamente os sacos com fórceps, de modo a causar uma maior eversão dos mesmos e, em seguida, corte-os transversalmente (Figura 8). Ao utilizar um laser CO2, posicione um aplicador com uma ponta em algodão embebido em epinefrina ou solução salina por de trás dos sacos laríngeos e faça a ablação do tecido sobre o aplicador, evitando que o laser danifique tecidos adjacentes. O laser utilizado deve ter uma ponta de 0,8 a 1,4 mm, com uma potência de 6 a 10W e feixe contínuo, uma vez que este feixe tem uma melhor capacidade de coagulação em contraste com o feixe intermitente. A hemorragia neste local é geralmente mínima, não sendo necessário na maioria das vezes suturar a região, no entanto, deve-se ter medidas previamente preparadas para que se houver hemorragia evitar que o sangue drene para a traqueia. Se não for possível estancar, realizar hemostasia a hemorragia com o laser ou eletrocautério, deve-se reposicionar o tubo endotraqueal, com o manguito ao nível dos sacos laríngeos, infle o manguito de modo a aplicar pressão diretamente no tecido hemorrágico e deixe no local por cinco minutos, em seguida, esvazie o manguito e reavalie a área, repetindo o processo se a hemorragia ainda estiver presente (LODATO et al., 2014).

4.4 COMPLICAÇÕES CIRÚRGICAS
Em relação as complicações pós-cirúrgicas mais importantes podemos citar a tumefação das vias aéreas, regurgitação e pneumonia por aspiração, edema, dispneia, tosse e hemorragia pós-operatória (KRAINER e DUPRÉ, 2022). Menos frequentemente pode ocorrer pneumonia por aspiração, com uma taxa de mortalidade de 0 a 3,3%. Esta, no entanto, não tem sido muito relatada nos estudos mais recentes (ADSHEAD, 2014; PACKER et al., 2015).
A dispneia aguda e morte após a cirurgia são complicações possíveis dado o elevado risco anestésico destes animais. Por vezes, a inflamação e edema das vias aéreas após cirurgia pode provocar obstrução severa da laringe e asfixia, tornando necessário re-entubar ou realizar uma traqueostomia temporária, em situações de dispneia aguda (MacPhail, 2013). Em casos de prevenção à pneumonia aspirativa manter-se elevados a cabeça e o pescoço é essencial após os procedimentos cirúrgicos. Com isso, mesmo o cuff do tubo endotraqueal insuflado não previne completamente a aspiração de fluidos para as vias aéreas. Porém, a sua desinsuflação antecipada pode provocar aspiração desses fluidos (ADSHEAD, 2014).
Durante este tempo é recomendável monitorar a PaO2 do animal, mas sem causar estresse desnecessário. Ao realizar a extubação, deve-se ter o material necessário para realizar uma nova entubação se a saturação de O2 não permanecer a ≥ 90%. (FOSSUM, 2014; TRAPPLER e MOORE, 2011; LINDSAY et al, 2020).
4.5 CONSIDERAÇÕES ANESTÉSICAS
Por consequência da anatomia dos cães braquicefálicos a anestesia se torna uma questão delicada, com a obstrução das Vias Aéreas Superiores (VAS) e também a predisposição destas raças para refluxo gastroesofágico, pneumonia por aspiração, êmese, tendência para hipóxia, conformação ocular anormal e subsequente ulceração de córnea, hipercapnia, hipertensão arterial, pode haver um impacto no manuseio do paciente durante a anestesia. (OECHTERING et al., 2016; DOWNING e GIBSON, 2018).
A Sociedade Americana De Anestesiologistas (ASA) possui uma classificação do estado do paciente cirúrgico, quando elevada tem sido associada a um risco maior de morte em cães e gatos. (BILLE et al., 2012). Com isso, os cães braquicefálicos geralmente são classificados como ASA II, ou seja, pacientes que possuem alguma doença sistêmica sem limitação funcional, devido a sua morfologia, quando não possuem outras doenças concomitantes. (GRUENHEID et al., 2018). Quando os cães braquicefálicos são sintomáticos e portam doença sistêmica severa com limitação funcional é classificado como ASA III, podendo ser relacionado a um risco moderado de mortalidade sob anestesia geral. (SCALES e CLANCY, 2019).
Os cães braquicefálicos tem maior PaCO2 e menor SpO2, e grande predisposição para hipóxia e hipercapnia em comparação as outras raças de cães. (HOAREAU, JOURDAN, MELLEMA e VERWAERDE, 2012; ARULPAGASSAM et al., 2018).
Reduzir o estresse ao máximo nos braquicefálicos é extremamente importante, pois ele aumenta o desconforto respiratório podendo ocasionar um estado de ansiedade com alto risco de colapso. (M. RISCO-LÓPEZ, 2015).
5. CONCLUSÃO
Conclui-se que a investigação das técnicas cirúrgicas para o bem-estar de cães braquicefálicos destaca a relevância de intervenções adequadas para melhorar a qualidade de vida desses animais. As cirurgias, como a correção das vias aéreas superiores, demonstraram ser eficazes na mitigação de problemas respiratórios comuns nessas raças. Além disso, a conscientização sobre a responsabilidade na criação e no cuidado desses cães é fundamental para prevenir complicações futuras. Assim, ao integrar práticas cirúrgicas com educação e sensibilização, podemos promover um bem-estar duradouro para os cães braquicefálicos, garantindo que sua saúde e qualidade de vida sejam priorizadas.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Adshead S. Reducing the risk of anaesthetic complications in patients with brachycephalic obstructive airway syndrome. Vet Nurse. 2014;5(2):78-87. doi:10.12968/vetn.2014.5.2.78
Aiken, S. (2021). Brachycephalic Airway Disease. In B. A. Niemiec (Ed.), Breed Predispositions to Dental and Oral Disease in Dogs (1st Ed., pp. 77-92). John Wiley & Sons, Inc.
Arulpagasam, S., Lux, C., Odunayo, A., Biskup, J., & Sun, X. (2018). Evaluation of pulse oximetry in healthy brachycephalic dogs. Journal of the American Animal Hospital Association, 54(6), 344-350.
Bille, C., Auvigne, V., Libermann, S., Bomassi, E., Durieux, P., & Rattez, E. (2012). Risk of anaesthetic mortality in dogs and cats: an observational cohort study of 3546 cases. Veterinary anaesthesia and analgesia, 39(1), 59-68).
BRAGANÇA, Ana Catarina Lopes. Impacto da abordagem cirúrgica na qualidade de vida dos cães braquicéfalos: perspectiva do tutor. Lisboa,p(22-23),2022.
Bjorling, D., McAnulty, J. & Swainson, S. (2000). Surgically Treatable Upper Respiratory Disorders. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, 30(6), 1227–1251.
Curth, S., Fischer, M. S., & Kupczik, K. (2017). Patterns of integration in the canine skull: an inside view into the relationship of the skull modules of domestic dogs and wolves. Zoology, 125, 1-9.
Downing, F., & Gibson, S. (2018). Anaesthesia of brachycephalic dogs. Journal of Small Animal Practice, 59(12), 725-733.
Dupré, G., & Heidenreich, D. (2016). Brachycephalic Syndrome. Veterinary Clinics Of North America: Small Animal Practice, 46(4), 691-707.
Dupré, G., Findji, L. & Oechtering, G. (2013). Brachycephalic Airway Syndrome. In E. Monnet (Ed.), Small Animal Soft Tissue Surgery, John Wiley & Sons, Ltd, Chichester, UK, pp. 167–183.
Ekenstedt, K. J., Crosse, K. R., & Risselada, M. (2020). Canine brachycephaly: anatomy, pathology, genetics and welfare. Journal of comparative pathology, 176, 109-115.
Fawcett, A., Barrs, V., Awad, M., Child, G., Brunel, L., Mooney, E., … McGreevy, P. (2019). Consequences and management of canine brachycephaly in veterinary practice: perspectives from Australian veterinarians and veterinary specialists. Animals, 9(3), 1–25. https://doi.org/10.3390/ani9010003
Findji, L., & Dupré, G. (2013). Brachycephalic Syndrome: Innovative Surgical Techniques. Clinician’s Brief, Surgery, Soft Tissue(June), 79 – 85.
Fossum, T. (2014). CIRURGIA de Pequenos Animais (4th Ed. PT, Vol. 4; T. W. Fossum, C. W. Dewey, C. V. Horn, A. L. Johnson, C. M. MacPhail, M. G. Radlinsky, … M. D. Willard, Eds.). Elsevier.
Fossum, T. W. & MacPhail, C. (2019). Surgery of the Upper Respiratory System. In T. W. Fossum, Small animal surgery, 5th ed., Elsevier Inc., Philadelphia, PA, pp. 833–843.
Grand, J.-G. R. & Bureau, S. (2011). Structural characteristics of the soft palate and meatus nasopharyngeus in brachycephalic and non-brachycephalic dogs analysed by CT. The Journal of Small Animal Practice, 52(5), 232–239.
Gruenheid, M., Aarnes, T. K., McLoughlin, M. A., Simpson, E. M., Mathys, D. A., Mollenkopf, D. F., & Wittum, T. E. (2018). Risk of anesthesia-related complications in brachycephalic dogs. Journal of the American Veterinary Medical Association, 253(3), 301-306.
Holt, T. L., & Mann, F. A. (2002). Soft tissue application of lasers. Veterinary Clinics: Small Animal Practice, 32(3), 569-599.
Hoareau, G. L., Jourdan, G., Mellema, M., & Verwaerde, P. (2012). Evaluation of arterial blood gases and arterial blood pressures in brachycephalic dogs. Journal of Veterinary Internal Medicine, 26(4), 897-904.
Krainer, D., & Dupré, G. (2022). Brachycephalic Obstructive Airway Syndrome. Veterinary Clinics Of North America: Small Animal Practice, 52(3), 749-780.
Koch, D. A., Arnold, S., Hubler, M. & Montavon, P. M. (2003). Brachycephalic Syndrome in Dogs. Compendium: Continuing Education for the Practising Veterinarian (North American Edition), 25(1): pp.48-55
LADLOW, Jane; LIU, Nai-Chieh; KALMAR, Lajos; SARGAN, David. Brachycephalic obstructive airway syndrome. Veterinary Record, v. 182, n. 13, p. 375-378, mar. 2018. Wiley. http://dx.doi.org/10.1136/vr.k1403.
Liu, N. C., Troconis, E. L., Kalmar, L., Price, D. J., Wright, H. E., Adams, V. J., Ladlow, J. F., et al. (2017). Conformational risk factors of brachycephalic obstructive airway syndrome (BOAS) in pugs, French bulldogs, and bulldogs. PloS one, 12(8), e0181928.
Lindsay, B., Cook, D., Wetzel, J. M., Siess, S., & Moses, P. (2020). Brachycephalic airway syndrome: management of post-operative respiratory complications in 248 dogs. Aust Vet J., 98(5), 173–180. https://doi.org/10.1111/avj.12926
Lodato, D., & Mauterer, J. (2014). Techniques for performing corrective surgery: dogs with brachycephalic airway syndrome. Today’s veterinary practice, 34(8), 78-83.
M. Risco-López, Anaesthesia in brachycephalics dogs, Barcelona, 2015, 35 (4): 217-224.
Mathews, K. (2012a). Correction of overlong soft palate. In F. Verstraete, M. Lommer & A. Bezuidenhout (Eds.), Oral and maxillofacial surgery in dogs and cats (1st Ed., pp. 539 – 542). Elsevier Saunders.
MacPhail, C. M. (2020). Laryngeal disease in dogs and cats: an update. Veterinary Clinics: Small Animal Practice, 50(2), 295-310.
MacPhail CM. Surgery of the Upper Respiratory System. In: Fossum TW, ed. Small Animal Surgery. 4th ed. Elsevier Mosby; 2013:923-930.
Meola, S. D. (2013). Brachycephalic Airway Syndrome. Topics in Companion Animal Medicine, 28(3), 91–96.
Oechtering, G., Pohl, S., Schlueter, C., Lippert, J., Alef, M., Kiefer, I.,… Schuenemann, R. (2016a). A Novel Approach to Brachycephalic Syndrome. 1. Evaluation of Anatomical Intranasal Airway Obstruction. Veterinary Surgery, 45(2), 165-172.
O’Neill, D. G., Jackson, C., Guy, J. H., Church, D. B., McGreevy, P. D., Thomson, P.C., & Brodbelt, D. C. (2015). Epidemiological associations between brachycephaly and upper respiratory tract disorders in dogs attending veterinary practices in England. Canine Genetics and Epidemiology, 2(1), 1-10.
Oechtering, G. U., Pohl, S., Schlueter, C., Lippert, J. P., Alef, M., Kiefer, I. & Schuenemann, R. (2016). A novel approach to brachycephalic syndrome. 1. Evaluation of anatomical intranasal airway obstruction. Veterinary Surgery, 45(2), 165-172.
Packer RM, Tivers M. Strategies for the management and prevention of conformation-related respiratory disorders in brachycephalic dogs. Vet Med Res Rep. Published online June 2015:219. doi:10.2147/VMRR.S60475
Packer, R. M., & Tivers, M. S. (2015). Strategies for the management and prevention of conformation-related respiratory disorders in brachycephalic dogs. Veterinary Medicine: Research and Reports, 6, 219.
Packer, R. M. A., Hendricks, A., & Burn, C. C. (2012). Do dog owners perceive the clinical signs related to conformational inherited disorders as’ normal’for the breed? A potential constraint to improving canine welfare. Animal Welfare-The UFAW Journal, 21(1), 81.
Peavy, G., & Wilder-Smith, P. (2012). Laser surgery. In F. Verstraete, M. Lommer & A. Bezuidenhout (Eds.), Oral and maxillofacial surgery in dogs and cats (1st Ed., pp. 84 – 85). Elsevier Saunders.
Pichetto, M., Arrighi, S., Roccabianca, P. & Romussi, S. (2011). The anatomy of the dog soft palate. II. Histological evaluation of the caudal soft palate in brachycephalic breeds with grade I brachycephalic airway obstructive syndrome. Anatomical Record, 294(7), 1267–1272.
Scales, C., & Clancy, N. J. (2019). Brachycephalic anaesthesia, part 1: the pre-anaesthetic period. Veterinary Nursing Journal, 34(6), 146-150.
Shell, L. (2012b). Elongated Soft Palate. VINcyclopedia of Diseases (11 p.).
Torrez, C. V. & Hunt, G. B. (2006). Results of surgical correction of abnormalities associated with brachycephalic airway obstruction syndrome in dogs in Australia. Journal of Small Animal Practice, 47(3), 150–154.
Touguio, Ana Rita Jordão. Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais – Síndrome Braquicefálico. Évora,p(63-85),2024.
Trappler, M., & Moore, K. W. (2011). Canine Brachycephalic Airway Syndrome: Surgical Management. Compend Contin Educ Vet., 17(3), E1–E8.