INTUSSUSCEPÇÃO INTESTINAL COMO CAUSA DE ABDOME AGUDO OBSTRUTIVO EM PACIENTE ADULTO JOVEM – RELATO DE CASO.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7293604


Rafael Domiciano Boschiero
Décio Luiz da Silva Mazzini
Ciro Carneiro Medeiros
Fernando Baratela de Assis
Matheus Cesarino Vilas Boas
Isabela Carpaneti


RESUMO

APRESENTAÇÃO DO CASO:
F.T.B.P.C, 47 anos, feminino, deu entrada no serviço com queixa de dor em mesogastro e hipogastro há 15 dias, de forte intensidade, intermitente. Era acompanhada de diarreia e um episódio de hematoquezia há 01 semana, que se repetiu há 01 dia. Refere quadro crônico da mesma dor abdominal há anos, com melhora espontânea. Apresentava com abdome doloroso a palpação e descompressão brusca dolorosa negativa, toque retal sem lesões perceptíveis ou sinais de sangramento. Exames laboratoriais sem alterações significativas ao caso.
Tomografia computadorizada evidenciou sinais de intussuscepção do terço distal do cólon ascendente para o interior do terço proximal do cólon transverso, com centro adiposo em continuidade com o mesentério. Submetida a abordagem cirúrgica que evidenciou intussuscepção de flexura hepática do cólon com cólon transverso, sem sofrimento de alça, com presença de lesão parcialmente móvel na luz do cólon transverso. Optado por colectomia direta e posterior íleo-transverso anastomose primária manual. A análise anatomopatológica da peça cirúrgica evidenciou lipoma submucoso medindo 8,0 cm. Paciente apresentou boa evolução pós-operatória.

DISCUSSÃO:
Intussuscepção é a invaginação de uma parte do intestino em um segmento mais distal. Os fatores que desencadeiam a intussuscepção podem ser benignos ou malignos. Lesões benignas são responsáveis pela maioria dos casos no intestino delgado, enquanto 60-65% dos casos que ocorrem no intestino grosso são de etiologia maligna. Intussuscepção e obstrução intestinal causada por lipoma são infrequentes e se relacionam com sua dimensão. São mais frequentes no intestino grosso e em mulheres entre 5° e 6° década de vida.
Os sintomas são inespecíficos e podem ser agudos, intermitentes ou crônicos, podendo causar dor abdominal recorrente, oclusão intestinal e/ou isquemia e necrose. A apresentação clínica em adultos costuma ser crônica, e devido a baixa incidência e sintomatologia inespecífica, são de difícil diagnóstico. O exame de escolha no diagnóstico desses pacientes é a tomografia computadorizada. O manejo ideal da intussuscepção em adultos consiste da ressecção do segmento acometido com anastomose primária, devido a alta prevalência de lesão orgânica associada.

COMENTÁRIOS FINAIS:
A intussuscepção em adultos é raro, sendo um diagnóstico desafiador. As causas podem ser benignas ou malignas, sendo que sempre deve ser lembrado da possibilidade de causas de malignidade, principalmente em alças colônicas. A ressecção do segmento ainda é a melhor escolha pela nesses casos.

INTRODUÇÃO:
A intussuscepção intestinal se refere à invaginação (telescopagem) de uma parte do intestino para dentro de si mesmo. É a emergência abdominal mais comum na primeira infância, principalmente em crianças menores de dois anos de idade, sendo na maioria dos casos idiopática. Nos adultos é uma condição rara, de fisiopatologia pouco definida, sendo encontrada em 0,08% de todas as cirurgias abdominais.1 Por ser incomum em adultos, o
diagnóstico costuma ser esquecido. Na maioria dos casos em adultos uma causa patológica é identificada como ponto de partida, podendo esta ser de origem benigna (na maioria dos casos) ou maligna e, portanto, requerendo maior atenção. Geralmente o tratamento requer ressecção do segmento intestinal envolvido e as causas devem ser investigadas, sobretudo se o segmento colônico estiver envolvido, dada a maior correlação com a malignidade.

RELATO DO CASO:
F.T.B.P.C, 47 anos, sexo feminino, procedente de Bragança Paulista-SP. Deu entrada no serviço com queixa de dor em mesogastro há 15 dias, de forte intensidade, intermitente, com irradiação para hipogastro. Quadro acompanhado de diarreia e um episódio de hematoquezia há 01 semana, que se repetiu há 01 dia. Refere quadro crônico da mesma dor abdominal há anos, com melhora espontânea. Nega comorbidades. Nega alergias. Antecedente cirúrgico, cesárea há 7 anos. Na admissão, se apresentava com abdome doloroso a palpação e
descompressão brusca dolorosa negativa, toque retal sem lesões perceptíveis ao toque ou sinais de sangramento. Solicitado exames laboratoriais, sem alterações significativas ao caso. Devido a estabilidade clínica, submetida a tomografia computadorizada, que evidenciou invaginação do terço distal do cólon ascendente para o interior do terço proximal do cólon transverso, com centro adiposo em continuidade com o mesentério. Nota-se ainda invaginação da gordura mesentérica para o interior do cólon transverso, sem sinais evidentes
de sofrimento de alças (imagens 1 e 2). Foi realizada videolaparoscopia e, devido a dificuldade técnica para redução da intussuscepção por presença de aderências, optado por conversão para laparotomia exploradora. No intraoperatório foi evidenciado intussuscepção de flexura hepática do cólon com cólon transverso (imagens 3 e 4), sem sinais de sofrimento de alça, com presença de lesão de aproximadamente 7 cm de consistência fibroelástica e parcialmente móvel no interior da luz do cólon transverso, sugestivo de lesão lipomatosa. Foi realizado, então, colectomia direta não oncológica, com posterior íleo-transverso anastomose primária manual.
A análise anatomopatológica da peça cirúrgica evidenciou lipoma submucoso medindo 8,0 cm. Paciente apresentou boa evolução pós-operatória, tendo alta hospitalar, e seguimento ambulatorial sem intercorrências.

DISCUSSÃO:
A intussuscepção é a invaginação (telescopagem) de uma parte do intestino em um segmento mais distal. O segmento proximal é conhecido como intussusceptum e o segmento distal, no qual ele se encaixa, como intussuscipiens (3). O mecanismo exato de como isso ocorre é desconhecido, mas acredita-se que qualquer lesão na parede intestinal ou irritante dentro do lúmen que altere a atividade peristáltica normal seja capaz de iniciar a invaginação. As localizações mais comuns são em segmentos entéricos, em locais de junções entre os
segmentos que se movem livremente e segmentos fixos. No caso acima relatado, observamos a ocorrência de intussuscepção entre alças colônicas, o que é mais raro. (6) Os fatores que desencadeiam a intussuscepção podem ser benignos ou malignos. Em um estudo retrospectivo realizado pelo hospital de educação e pesquisa de Izmir (4), em que foram identificados 20 pacientes com intussuscepção, sendo entre eles 18 com causa
patológica bem definida, teve como resultado se tratar de uma patologia majoritariamente benigna responsável por 14 casos (77,8%) e malignidade em outros 4 (22,2%). Lesões benignas são responsáveis pela maioria dos casos quando ocorrem no intestino delgado, sendo apenas cerca de 25-30% malignas. Em contrapartida, 60-65% dos casos que ocorrem no intestino grosso são de etiologia maligna.(7) No relato demonstrado, a causa da
intussuscepção foi um lipoma, uma lesão benigna, sendo esta, portanto, uma causa incomum na intussuscepção colônica. Intussuscepção e obstrução intestinal causada por lipoma são infrequentes e sua ocorrência se relaciona a sua dimensão, principalmente quando maiores que 2cm. São mais frequentes em intestino grosso e encontrados, majoritariamente, em mulheres entre 5° e 6° década de vida(7), como no caso descrito.

Os sintomas são inespecíficos e podem ser agudos, intermitentes ou crônicos, dependendo do grau de intussuscepção, podendo causar dor abdominal recorrente, oclusão intestinal e/ou isquemia e necrose.3 A apresentação clínica em adultos costuma ser crônica e, devido a baixa incidência e sintomatologia inespecífica, se apresentam muitas vezes com quadro de obstrução intestinal.(2) Em adultos, o exame de escolha para auxiliar no diagnóstico é a tomografia computadorizada 2, visto que a TC costuma ser a primeira modalidade para
investigação de dor abdominal prolongada que esses pacientes sofrem.(4) Em um estudo publicado pelo departamento de imagem de Israel (6) comparou o exame de tomografia abdominal de 16 pacientes adultos com intussuscespção por um período de 5 anos. Os achados mais frequentes incluíram massa de tecido mole não homogêneo, em forma de alvo, sendo o lipoma demonstrado como componente gorduroso. Em apenas dois dos casos estudados tiveram o diagnóstico de lipoma apenas com o exame de imagem, o que reforça a
dificuldade de estabelecer diagnóstico preciso no pré-operatorio como no caso relatado. A intussuscepção tem chance de reduzir espontaneamente ou pode ser realizado redução simples intraoperatória, associado ou não a enteropexia.4 O manejo ideal da intussuscepção em adultos ainda permanece controverso, porém, na maioria das vezes, o tratamento consiste da ressecção do segmento acometido com anastomose primária, devido a alta prevalência de lesão orgânica associada.2,3,5. A maior parte do debate se concentra na questão da ressecção
primária em bloco versus redução primária seguida por uma ressecção mais limitada.(1) Os defensores da ressecção primária citam a alta incidência de malignidade subjacente, especialmente em lesões do cólon, o que exige a ressecção em bloco.(1) Além disso, a incapacidade de diferenciar a etiologia maligna da benigna no pré-operatório ou intraoperatório também determina que seja realizado uma ressecção primária em bloco.(1,5)
Recentemente, técnicas minimamente invasivas têm sido aplicadas ao tratamento de obstruções do intestino delgado ou grosso, especificamente para o diagnóstico e tratamento da intussuscepção em adultos. A Escolha de usar uma abordagem laparoscópica ou aberta depende da condição clínica do paciente, a localização e extensão da intussuscepção, a possibilidade de doença subjacente e a disponibilidade de cirurgiões com experiência laparoscópica suficiente.(1) No caso relatado, a cirurgia foi iniciada por laparoscopia, porém
com necessidade para conversão para cirurgia aberta por dificuldade técnica. Optado por realizar o tratamento definitivo, com ressecção do segmento acometido e anastomose primária, apresentando boa evolução.

CONCLUSÃO:
A intussuscepção em adultos é uma patologia rara com um diagnóstico realmente desafiador que requer um alto nível de suspeita e investigação. As causas podem ser benignas ou malignas, sendo que sempre deve ser lembrado da possibilidade de causas de malignidade principalmente em intussuscepção de alças colônicas. O caso acima mostra o relato de uma intussuscepção em adulto, tendo como base um lipoma submucoso em alças colônicas. A ressecção do segmento ainda é a melhor escolha pela impossibilidade de diferenciar com
exatidão lesões malignas e benignas.


REFERÊNCIAS:
1TARCHOULI, M; ALI, A. A. Adult Intussusception: An Uncommon Condition and Challenging Management. Visceral Medicine. v. 37, p. 120–127, 2021.

2ORLANDO,L. C. et al. Intussuscepção em adultos como causa de obstrução intestinal. Brazilian Journal of Development. v.7, n.5, p. 52391-52379, 2021.

3TEIXEIRA, S; MARTINS, A; SILVA, A. Jejunojejunal Intussusception After Roux-en-Y Gastric Bypass and Abdominoplasty: A Rare Association or a Mere Coincidence? Acta Med Port. v. 33, n.9, p. 601-603, 2020.

4IVANO, V. K. et al. Intussuscepção jejuno-jejunal e Hérnia de Petersen concomitantes pós Cirurgia Bariátrica. Rev. Méd. Paraná. v. 78, n. 1, p. 59-62, 2020.

5KIM, K. H. Intussusception in Adults: A Retrospective Review from a Single Institution. Open Access Emergency Medicine. v. 13, p. 233–237, 2021.


  1. Management of small bowel obstruction in adults,Liliana Bordeianou, MD, MPH,Daniel Dante Yeh, MD, MHPE- uptodate
  2. Etiologies, clinical manifestations, and diagnosis of mechanical small bowel obstruction in adults, Liliana Bordeianou, MD, MPH,Daniel Dante Yeh, MD, MHPEuptodate
  3. Intussusception in children,Nghia “Jack” Vo, MD,Thomas T Sato, MD, FACS, FAAP- uptodate
  4. Yakan S, Caliskan C, Makay O, Denecli AG, Korkut MA. Intussusception in adults: clinical characteristics, diagnosis and operative strategies. World J Gastroenterol. 2009;15(16):1985-1989. doi:10.3748/wjg.15.1985
  5. Erkan, N., Hacıyanlı, M., Yıldırım, M. et al. Intussuscepção em adultos: uma condição incomum e desafiadora para os cirurgiões. Int J Colorectal Dis 20, 452–456 (2005).
  6. G. Gayer, S. Apter, C. Hofmann, S. Nass, M. Amitai, R. Zissin, M. Hertz, Intussusception in adults: CT diagnosis,Clinical Radiology,Volume 53, Issue 1,1998, Pages 53-57,
  7. CORDEIRO,J et al., intestinal intussusception related to colonic pedunculated lipoma: A case report and review of the literature, International journal of Surgery
    Case reports, 2019