REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10241111718
CARVALHO, Manoel Messias Rebouças de1
MOTA, Heloisa de Cassia Sousa da2
ALVES, Bruna Daine Lira3
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar os métodos não farmacológicos utilizados no manejo da dor durante o processo de parto por fisioterapeutas, dentro do contexto do pré-parto, parto e puerpério (PPP). Diante da crescente preocupação com a humanização do parto no Brasil, torna-se fundamental explorar estratégias que promovam o bem-estar da parturiente, com foco no parto normal e na redução das cesáreas desnecessárias. A fisioterapia obstétrica emerge como uma prática essencial nesse cenário, oferecendo técnicas que aliviam a dor e contribuem para um parto mais seguro e humanizado. Serão discutidos os principais métodos utilizados, como técnicas de respiração, massagens, mobilizações, deambulação, uso de bola suíça, entre outros. A análise é sustentada por evidências científicas que ressaltam os benefícios dessas intervenções para a saúde materna e neonatal, promovendo uma experiência de parto mais positiva e menos medicalizada. Conclui-se que a fisioterapia desempenha um papel relevante na humanização do parto e no cuidado integral à mulher, destacando-se como uma ferramenta indispensável no contexto obstétrico atual.
Palavras-chave: Fisioterapia obstétrica. Parto humanizado. Métodos não farmacológicos. Manejo da dor. Pré-parto, Parturiente.
ABSTRACT
This article aims to analyze the non-pharmacological methods used in pain management during the childbirth process by physiotherapists, within the context of pre-labor, labor, and postpartum (PPP). Given the growing concern with the humanization of childbirth in Brazil, it becomes essential to explore strategies that promote the well-being of the parturient, focusing on normal delivery and the reduction of unnecessary cesarean sections. Obstetric physiotherapy emerges as a crucial practice in this scenario, offering techniques that alleviate pain and contribute to a safer and more humanized birth. The main methods used, such as breathing techniques, massages, mobilizations, ambulation, the use of a Swiss ball, among others, will be discussed. The analysis is supported by scientific evidence highlighting the benefits of these interventions for maternal and neonatal health, promoting a more positive and less medicalized childbirth experience. It is concluded that physiotherapy plays a relevant role in the humanization of childbirth and in the integral care of women, standing out as an indispensable tool in the current obstetric context.
Keywords: Obstetric physiotherapy. Humanized childbirth. Non-pharmacological methods. Pain management. Pre-labor, Parturient.
1 INTRODUÇÃO
A temática da humanização do parto tem se tornado central nas discussões sobre assistência obstétrica no Brasil. O presente estudo aborda um aspecto específico e crucial desse movimento: a utilização de métodos não farmacológicos, sob a atuação de fisioterapeutas, no manejo da dor durante o processo de pré-parto, parto e puerpério (PPP). Com a crescente taxa de cesáreas no Brasil, frequentemente realizadas sem necessidade médica, e o consequente aumento da medicalização do parto, a fisioterapia obstétrica surge como uma prática fundamental. Nesse contexto, torna-se necessário explorar como essas intervenções podem contribuir para a promoção de um parto mais natural, seguro e humanizado.
O problema de pesquisa que se coloca é: Quais são os métodos não farmacológicos mais eficazes utilizados pela fisioterapia no manejo da dor durante o parto e como esses métodos contribuem para a humanização do processo do parto? Essa questão se insere em um cenário de crescente preocupação com a alta prevalência de cesarianas no Brasil, com taxas que superam as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). O estudo busca examinar como a fisioterapia pode intervir nesse processo e, ao mesmo tempo, discutir paradigmas e preconceitos em torno da dor no parto e da promoção de práticas mais naturais.
O objetivo geral deste estudo é analisar os principais métodos não farmacológicos utilizados no manejo da dor em parturientes e sua relação com o processo de humanização do parto. Especificamente, busca-se: Investigar as taxas de partos normais e cesáreas no Brasil e no Pará, destacando as disparidades regionais; Explorar as técnicas fisioterapêuticas utilizadas no manejo da dor durante o trabalho de parto, como a respiração, deambulação, massagens e o uso de bola suíça; Avaliar a eficácia desses métodos, com base em estudos de casos e evidências científicas. A relevância da pesquisa está fundamentada na necessidade de fortalecer práticas que promovam um parto mais seguro e menos intervencionista, alinhado aos princípios de humanização, como o protagonismo da mulher e o respeito às suas escolhas.
Em termos de justificativa, o estudo se faz necessário diante das evidências de que o Brasil, embora tenha avançado em políticas públicas como a Rede Cegonha, ainda apresenta uma taxa elevada de cesarianas, muitas vezes realizadas sem indicações clínicas adequadas. Nesse sentido, explorar alternativas não farmacológicas de manejo da dor, particularmente aquelas oferecidas pela fisioterapia obstétrica, é essencial para ampliar as opções de assistência no parto, sobretudo em contextos de vulnerabilidade e em regiões menos favorecidas.
A metodologia utilizada no estudo é de natureza qualitativa, com base em revisão bibliográfica de literatura especializada. Foram consultados artigos científicos, dissertações, e normativas institucionais, além de dados estatísticos recentes sobre o parto no Brasil e no estado do Pará, com o objetivo de proporcionar uma análise crítica sobre a inserção da fisioterapia no contexto obstétrico e a efetividade das técnicas não farmacológicas para o alívio da dor.
A estrutura do presente trabalho está organizada em três capítulos, o primeiro capítulo oferece uma análise detalhada das taxas de partos normais e cesáreas, tanto no Brasil quanto no estado do Pará, estabelecendo uma comparação regional e nacional. Nesta análise, são explorados fatores culturais, econômicos e sociais que influenciam diretamente a escolha da via de parto, com ênfase na crescente medicalização do parto, especialmente por meio do aumento das cesáreas. O capítulo também aborda as políticas públicas vigentes, como a Rede Cegonha, que buscam promover o parto normal e reduzir as cesáreas desnecessárias.
No segundo capítulo, são apresentados os principais métodos fisioterapêuticos não farmacológicos empregados no alívio da dor durante o trabalho de parto, incluindo técnicas de respiração, deambulação, massagens e o uso da bola suíça. Esse capítulo ainda discute a fundamentação teórica que embasa a atuação do fisioterapeuta no contexto do parto humanizado, destacando como essas técnicas se alinham às práticas obstétricas que visam minimizar intervenções invasivas e promover uma experiência de parto mais natural e segura.
Por fim, o terceiro capítulo traz uma análise crítica da eficácia dos métodos fisioterapêuticos, com base em estudos de casos e evidências científicas recentes. Serão avaliados os impactos dessas intervenções no parto normal, tanto para a parturiente quanto para o bebê, destacando como elas podem reduzir a necessidade de cesáreas e outras intervenções médicas, contribuindo para a humanização do parto e o bem-estar materno-neonatal. Assim, este estudo busca contribuir para o fortalecimento das práticas de fisioterapia obstétrica e para a construção de um modelo de assistência ao parto que seja centrado nas necessidades das mulheres e alinhado com os princípios da humanização.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Análise de dados disponíveis sobre partos “normais” e cesáreas no Pará e no Brasil
A análise das taxas de cesarianas no Brasil e no mundo revela uma tendência preocupante de crescimento, refletindo uma profunda medicalização do processo de parto. Conforme o estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2021, há uma tendência global de aumento das cesarianas, com projeções indicando que, até 2030, quase 29% de todos os partos serão realizados por meio desse procedimento cirúrgico. Atualmente, as cesarianas respondem por mais de 21% dos nascimentos globais, o que demonstra o aumento constante e preocupante desse tipo de parto em diversos países e regiões, como a América Latina e o Caribe, onde a taxa chega a 43% (ONU, 2021).
No Brasil, as estatísticas são ainda mais alarmantes: cerca de 55% de todos os partos são realizados por cesariana, colocando o país entre os cinco com as maiores taxas desse procedimento no mundo. No Sistema Único de Saúde (SUS), 57% dos partos são realizados por cesariana, enquanto no setor privado a taxa chega a impressionantes 80% (FERNANDES; ALMEIDA; NASCIMENTO, 2021).
Essas estatísticas revelam um panorama de medicalização exacerbada, que vai além das necessidades clínicas e sugere uma cultura de preferência pelo parto cirúrgico, muitas vezes incentivada tanto pelos profissionais de saúde quanto pelas próprias gestantes. Esse fenômeno é especialmente prevalente nas regiões mais desenvolvidas do Brasil, como o Centro-Oeste, Sul e Sudeste, onde as taxas de cesariana superam 60% (ONU, 2021).
As causas desse aumento são multifatoriais. De acordo com ARIK et al. (2019), o crescimento das cesarianas está relacionado à falta de informações claras e adequadas fornecidas às gestantes. “A possibilidade de sentir dor, o desconhecimento e a ideia de que o parto normal possa provocar lesões anatômicas e fisiológicas influenciam a incidência de cesárias” (BASAGLIA, 2020, p. 8). Muitas mulheres optam pelo procedimento cirúrgico por temerem a dor do parto normal, ou por acreditarem que a cesariana oferece mais controle sobre o momento do nascimento e menos riscos de complicações. Entretanto, essa percepção nem sempre corresponde à realidade médica. A cesariana, embora seja uma intervenção essencial em situações de risco, quando realizada sem necessidade, pode trazer uma série de complicações para a mãe e o bebê. As complicações mais comuns incluem infecções, hemorragias, tromboses, complicações respiratórias para o recém-nascido e um tempo prolongado de recuperação para a mãe (ONU, 2021).
A análise crítica desses dados evidencia que o aumento indiscriminado das cesáreas reflete não apenas questões culturais e estruturais, mas também a falta de incentivos à promoção do parto normal. No Brasil, apesar das políticas públicas voltadas para a humanização do parto, como a Rede Cegonha, as cesarianas ainda são vistas como uma solução rápida e “sem dor”.
Esse fenômeno é agravado pela medicalização do processo de nascimento, que transforma o parto em um evento cirúrgico, com intervenções muitas vezes desnecessárias, em vez de um processo fisiológico natural, conforme descrito por Ortiz et al. (2019). De acordo com Ortiz, o parto normal promove uma série de benefícios tanto para a mãe quanto para o bebê, como a liberação de hormônios que ajudam no bem-estar da mãe e no fortalecimento do sistema imunológico do bebê, através do contato com as bactérias presentes no canal vaginal.
Há que salientar ainda um grande viés nesses estudos sobre via de parto, que é a não distinção entre as cesarianas realizadas durante o trabalho de parto das cesarianas eletivas. É notável e recomendável, quando se comparam os riscos do parto vaginal e das cesarianas, tanto para a mãe quanto para o feto, que se devem separar as cesarianas “de urgência” das cesarianas eletivas (CÂMARA, et al. 2016, p. 302).
A discussão sobre a melhor via de parto, como explorada por Câmara et al. (2016), revela que a avaliação dessa questão é desafiadora, principalmente devido a limitações dos estudos, como o desenho das pesquisas, o número de participantes, e a falta de ensaios clínicos adequados sobre partos em fetos cefálicos a termo. Além disso, há um forte viés ideológico por parte dos pesquisadores, o que pode influenciar os resultados e conclusões. Um ponto importante é a distinção entre cesarianas eletivas e aquelas realizadas durante o trabalho de parto.
Estudos populacionais, como o realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), citados por Câmara et al. (2016, p. 302), indicam que a cesariana eletiva, realizada antes do início do trabalho de parto e sem indicação médica, pode ser protetora em relação à morbidade materna e neonatal, sugerindo que pode prevenir histerectomias, mortes neonatais e outras complicações perinatais graves.
Entretanto, o mesmo estudo destaca que cesarianas eletivas deveriam ser realizadas apenas em casos de benefícios claros, devido ao risco aumentado de complicações graves para a mãe. A controvérsia se agrava pelo fato de que estudos comparativos entre diferentes países enfrentam dificuldades em garantir a homogeneidade e a confiabilidade dos dados médicos, o que compromete as conclusões gerais sobre a melhor via de parto (CÂMARA et al., 2016).
O estudo da OMS destaca que, embora o parto por cesariana seja fundamental em situações específicas, como trabalho de parto prolongado, sofrimento fetal ou posição anômala do bebê, seu uso indiscriminado pode trazer consequências negativas de longo prazo. A cesariana está associada a um risco aumentado de complicações em gestações futuras, além de atrasar o contato pele a pele e o estabelecimento da amamentação (ONU, 2021). No Brasil, isso é particularmente relevante, já que as altas taxas de cesáreas refletem uma tendência de medicalização excessiva e desnecessária.
As disparidades regionais também são um ponto de atenção. Enquanto as taxas de cesarianas nas regiões mais desenvolvidas do Brasil superam os 60%, em regiões menos favorecidas, como a África Subsaariana, apenas 5% das mulheres têm acesso a esse procedimento (ONU, 2021). Essa desigualdade no acesso reflete, de um lado, a falta de recursos e infraestrutura médica adequada, e de outro, a preferência por uma prática cirúrgica que nem sempre é a melhor opção para a saúde materna e neonatal. No entanto, o crescimento das cesarianas no Brasil, em muitos casos, é impulsionado por questões culturais e econômicas, como a possibilidade de programar o parto de acordo com a conveniência das famílias ou a realização simultânea de outros procedimentos, como a laqueadura (ARIK et al., 2019).
Portanto, o aumento das cesáreas no Brasil e no mundo aponta para a necessidade urgente de se promover uma mudança no paradigma da assistência obstétrica. O incentivo ao parto normal deve ser prioridade nas políticas de saúde pública, de modo a reverter a tendência de medicalização excessiva e melhorar a experiência de parto das mulheres. Isso requer não apenas a implementação de programas educativos para gestantes, como os propostos pela OMS, mas também uma revisão crítica das práticas médicas que favorecem a cesariana como uma escolha rotineira, e não como uma intervenção de emergência (ONU, 2021).
A promoção do parto normal, além de garantir um processo de nascimento mais fisiológico e natural, contribui para reduzir os riscos associados à cesariana e para promover uma experiência de parto mais positiva e menos medicalizada. A adoção de práticas baseadas em evidências, o respeito à autonomia da mulher e a garantia de um cuidado humanizado são fundamentais para reverter esse quadro. As políticas públicas voltadas à humanização do parto no Brasil, como a Rede Cegonha, são passos importantes nessa direção, mas ainda há um longo caminho a percorrer para que o parto normal seja a primeira opção, sempre que seguro e viável, tanto para a mãe quanto para o bebê (ONU, 2021).
Deste modo, pensando nas questões de regionalidades, procurou-se ainda fazer um levantamento de dados do Estados do pesquisador, a análise das taxas de partos no estado do Pará, em consonância com os dados globais e nacionais, revela um cenário igualmente preocupante quanto ao crescimento das cesáreas. Em 2021, no Pará, aproximadamente 15,53% dos partos foram realizados via cesariana, segundo os últimos dados disponíveis. Embora essa taxa seja inferior à média nacional, ela ainda representa um aumento significativo nos últimos anos, alinhado à tendência global observada pela OMS. Essa elevação também reflete a disparidade de acesso entre as regiões do Brasil (PIRES et al., 2023).
Dessa forma, a análise das taxas de cesarianas no estado do Pará e no Brasil como um todo reflete não apenas um cenário de disparidade regional, mas também a necessidade urgente de implementação de políticas públicas voltadas para a promoção do parto normal e humanizado. Em estados como o Pará, onde as taxas de cesáreas, embora inferiores à média nacional, vêm crescendo de maneira significativa, torna-se essencial não apenas reforçar o acesso ao parto normal, mas também garantir que o cuidado oferecido às gestantes seja de qualidade, respeitando suas escolhas e necessidades individuais.
Essa abordagem deve envolver tanto uma mudança cultural na percepção do parto normal quanto o fortalecimento das redes de assistência, principalmente nas regiões menos favorecidas. O desenvolvimento de campanhas educativas, a capacitação de profissionais de saúde e a disseminação de práticas baseadas em evidências são passos fundamentais para garantir um cuidado humanizado e centrado na mulher. A promoção de uma assistência obstétrica que priorize o parto normal não apenas contribui para a redução das taxas de cesarianas desnecessárias, como também promove a saúde e o bem-estar tanto da mãe quanto do bebê, criando um ambiente mais seguro e acolhedor para o processo de nascimento.
2.2 O Papel da fisioterapia no parto humanizado
O parto é um momento de transição fundamental na vida de uma mulher, que envolve aspectos tanto físicos quanto sociais e culturais. Além de ser uma experiência fisiológica, o parto carrega significados profundos atribuídos pela sociedade em torno do corpo da mulher e de sua capacidade de gerar vida.
Conforme explica Nonato (2010, p. 28), “O parto, portanto, envolve a dimensão fisiológica do humano materializada no corpo. Um corpo totalmente imerso na vida social, constituído dos significados simbólicos da existência, estabelecidos por culturas centradas em tempos e espaços específicos.” O autor, reflete como o processo de “dar à luz” não é apenas um evento biológico, mas também uma construção social permeada por práticas e valores que variam de acordo com o contexto cultural.
O corpo da mulher, nesse sentido, é um campo de significação, no qual se entrelaçam expectativas sociais, políticas de saúde e visões sobre maternidade, resultando em diferentes abordagens para o parto, seja ele normal ou cesariano. Essa dimensão simbólica do parto, aliada à materialidade biológica do corpo, reforça a necessidade de discutir o parto de maneira holística, considerando não apenas os aspectos técnicos, mas também as implicações sociais e culturais que o permeiam.
Paralelamente a isto, é necessário refletir sobre o papel do fisioterapeuta na saúde pública, especialmente no contexto da saúde da mulher durante a gestação, é de fundamental importância devido à sua contribuição para a promoção de ações preventivas e ao planejamento de cuidados. Conforme destacado por Boeira, Silva e Furlanetto (2021), os fisioterapeutas estão inseridos em programas de saúde como os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), que têm como objetivo apoiar as Equipes de Saúde da Família (ESF) com uma abordagem multidisciplinar, garantindo um cuidado integral. Essa inserção permite que o fisioterapeuta atue diretamente na orientação das gestantes, auxiliando no preparo físico para o parto e na prevenção de complicações relacionadas ao assoalho pélvico (BOEIRA; SILVA; FURLANETTO, 2021).
No entanto, as políticas de saúde voltadas para a saúde da mulher no Brasil ainda carecem de uma abordagem específica para o preparo do assoalho pélvico durante o pré-natal e o puerpério, o que evidencia uma lacuna importante que precisa ser suprida para garantir um cuidado mais completo.
O fisioterapeuta pélvico desempenha um papel essencial na adaptação da gestante às mudanças corporais, promovendo exercícios específicos que fortalecem o assoalho pélvico, ajudando a prevenir complicações como a incontinência urinária e lesões perineais, que afetam uma parcela significativa das mulheres durante e após a gestação. A atuação desse profissional, ao preparar fisicamente a gestante, não apenas favorece um parto mais seguro e menos traumático, mas também contribui para a recuperação pós-parto. Embora a literatura ainda apresente uma escassez de informações detalhadas sobre a fisioterapia pélvica na atenção primária, é indiscutível que o fortalecimento das políticas públicas voltadas para esse campo é crucial para promover uma assistência mais humanizada e preventiva, facilitando o acesso das gestantes a cuidados essenciais desde o início da gestação (BOEIRA; SILVA; FURLANETTO, 2021).
Dada a importância do parto para a vida da mulher, é fundamental refletir sobre o papel central que o fisioterapeuta desempenha na humanização desse processo. Ao oferecer intervenções que promovem o bem-estar físico e emocional da parturiente, o fisioterapeuta ajuda a garantir um nascimento mais natural e menos medicalizado. Durante a gestação, o corpo feminino passa por diversas transformações hormonais e musculoesqueléticas, que o preparam para o parto, mas que podem também gerar desconfortos e complicações, como hipertensão e diabetes gestacional (MANN; KLEINPAUL, 2010; ABRANTE, 2015). Essas alterações reforçam a importância de um acompanhamento fisioterapêutico adequado, capaz de auxiliar na prevenção de problemas e na adaptação do corpo a essas mudanças.
O parto humanizado, por sua vez, é definido como um processo que valoriza a autonomia e o protagonismo da mulher durante o nascimento, proporcionando um ambiente de respeito às suas escolhas e necessidades. Rocha et al. (2015) destacam que o cuidado humanizado envolve a assistência centrada na mulher, oferecendo apoio psicológico e respeitando seu tempo e ritmo. Técnicas como relaxamento, alívio da dor, massagens, banhos e orientações posturais são fundamentais nesse contexto. Freitas et al. (2017) complementam que o fisioterapeuta desempenha um papel crucial ao fornecer recursos que facilitam um parto menos medicalizado, promovendo uma experiência mais segura e positiva para a gestante.
Além disso, a fisioterapia não só auxilia na prevenção de disfunções musculoesqueléticas e uroginecológicas, como também no preparo do corpo da gestante para o parto, com orientações sobre posturas adequadas e redução de dores (SANTOS; ANDRELLO; PERESSIM, 2017). A atuação do fisioterapeuta, conforme apontado por Moreira (2017), vai além do atendimento clínico, englobando o desenvolvimento de estratégias preventivas e baseadas em evidências para melhorar a experiência do parto. Esse cuidado integral envolve o uso de técnicas como respiração, massagens e deambulação, que facilitam o trabalho de parto e melhoram a experiência da mulher.
A Lei Federal nº 11.108 de 2005 (BRASIL, 2025), também conhecida como a Lei do Acompanhante, garante o direito da gestante a um acompanhante de sua escolha durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, proporcionando à mulher maior conforto emocional e suporte psicológico em um momento crucial (SANTOS; MELO; CRUZ, 2015). Esse direito, ao valorizar o apoio humano e familiar, complementa as práticas assistenciais realizadas pelos profissionais de saúde. Historicamente, o parto passou de um evento familiar para um evento hospitalar altamente medicalizado, muitas vezes envolvendo intervenções desnecessárias, como a cesariana e a episiotomia (POSSATI et al., 2017; VIANA; FERREIRA; MESQUITA, 2014). Assim, a fisioterapia surge como uma solução para promover métodos não farmacológicos que aliviem a dor, garantam a segurança da parturiente e reduzam a necessidade de intervenções invasivas (VERSIANI et al., 2015).
Por sua vez, a Resolução COFFITO nº 402/2011 regulamenta a atuação do fisioterapeuta em todas as fases do parto, desde o pré-natal até o puerpério. Essa normativa assegura que o fisioterapeuta pode atuar diretamente no cuidado à gestante, com foco na prevenção de disfunções musculoesqueléticas e no alívio da dor, promovendo um parto mais humanizado e menos medicalizado. Assim, enquanto a Lei do Acompanhante garante o apoio emocional, a regulamentação do COFFITO garante o suporte técnico especializado do fisioterapeuta, complementando o cuidado integral e multidisciplinar durante o parto.
O fisioterapeuta obstétrico, nesse sentido, desempenha um papel fundamental no cuidado integral à gestante, garantindo um parto mais seguro e humanizado. A sua atuação, respaldada pelas normativas do COFFITO, assegura um acompanhamento contínuo das transformações corporais que ocorrem durante a gestação e o parto, promovendo o bem-estar da mãe e do bebê (FREITAS et al., 2017; PADILHA; GASPARETTO; BRAZ, 2015). Assim, ao integrar o fisioterapeuta à equipe obstétrica, o parto se transforma em uma experiência mais natural, menos medicalizada, e respeitosa à autonomia e às necessidades da mulher.
2.3 Contribuição dos recursos fisioterapêuticos para gestantes, parturientes e puérperas: Paradigmas e preconceitos sobre a dor no parto
O processo de parto, historicamente, tem sido cercado por preconceitos relacionados à dor, que, em grande parte, moldaram a percepção das gestantes e influenciaram decisões clínicas. A dor é um componente fisiológico esperado no parto, resultante de contrações uterinas que se intensificam à medida que a gestação chega ao fim. No entanto, a maneira como essa dor é percebida e gerida varia muito entre culturas e classes sociais, o que influencia o tipo de assistência obstétrica que as mulheres recebem.
Fisicamente, o útero começa a apresentar contrações desde o início da gravidez, muitas delas indolores e conhecidas como contrações de Braxton-Hicks. À medida que a gestação progride, as contrações tornam-se mais coordenadas e intensas, preparando o corpo para o trabalho de parto efetivo. Nesse contexto, é importante diferenciar o “falso trabalho de parto”, no qual a dor é leve e não há dilatação cervical, do “verdadeiro trabalho de parto”, que envolve contrações rítmicas, amadurecimento do colo uterino e dilatação, preparando o corpo para o nascimento (SOUZA; LEÃO; ALMEIDA, 2018).
Culturalmente, a dor do parto tem sido vista como um dos grandes desafios que a mulher deve enfrentar, o que levou à criação de diversos mitos e preconceitos em torno dela. No entanto, a literatura científica aponta que essa dor, apesar de intensa, pode ser aliviada por métodos não farmacológicos, o que nem sempre é amplamente discutido ou oferecido nos ambientes hospitalares (ROCHA et al., 2015). Esses preconceitos frequentemente conduzem à medicalização excessiva do parto, onde muitas mulheres acabam optando por cesarianas desnecessárias por medo da dor ou por falta de informação adequada sobre alternativas de alívio.
Além disso, o medo da dor é frequentemente exacerbado pela falta de informação adequada durante o pré-natal. Gestantes relatam que, muitas vezes, sentem-se despreparadas para lidar com o trabalho de parto por não terem sido devidamente informadas sobre as fases do processo e os recursos disponíveis para o alívio da dor (CLEMENTE et al., 2018). Assim, a comunicação entre profissionais de saúde e gestantes torna-se um ponto crucial para combater esses preconceitos e promover um parto mais natural e humanizado.
A fisioterapia obstétrica surge como uma ferramenta essencial no processo de humanização do parto, oferecendo uma série de técnicas que ajudam a reduzir a dor e facilitam o processo de nascimento de forma natural. Um dos métodos mais eficazes e utilizados pela fisioterapia é a respiração abdominal, que promove a oxigenação adequada e reduz a ansiedade da parturiente. Ao respirar de forma profunda e controlada, a gestante consegue manter um ritmo que auxilia no relaxamento muscular, permitindo que o corpo trabalhe de maneira mais eficiente durante as contrações (RAMOS et al., 2018).
O controle respiratório também atua como um mecanismo de modulação do tônus muscular, facilitando a dilatação cervical e a progressão do trabalho de parto. A respiração correta pode influenciar significativamente a percepção da dor, ajudando a parturiente a enfrentar as contrações de maneira mais serena e consciente. Associada à respiração, outra técnica valiosa é a deambulação, que utiliza o movimento para facilitar a descida do feto. Ao caminhar durante o trabalho de parto, a gravidade atua como uma aliada no processo, acelerando a dilatação cervical e promovendo uma maior sensação de controle sobre o próprio corpo (PEREIRA; MASCARENHAS; GRAMACHO, 2016).
As posturas verticais também têm grande impacto na experiência do parto, minimizando a dor materna e facilitando a contração uterina e a descida fetal. Posturas como ajoelhar-se, adotar a posição de cócoras ou apoiar-se em quatro apoios permitem uma maior mobilidade pélvica, ajudando a aliviar a pressão sobre a coluna e os músculos do assoalho pélvico (BOAVIAGEM et al., 2019). A mobilidade durante o trabalho de parto não só favorece o alívio da dor, mas também permite que a parturiente adote posições mais naturais e menos agressivas ao corpo, promovendo um parto mais fisiológico e menos medicalizado.
A massagem terapêutica é outro recurso amplamente utilizado pelos fisioterapeutas para aliviar a dor durante o trabalho de parto. Aplicada entre as contrações, a massagem atua na musculatura das costas, pernas e região lombossacra, promovendo o relaxamento e aumentando o fluxo sanguíneo. Essa técnica não só ajuda a reduzir a tensão muscular, mas também proporciona conforto emocional para a parturiente, criando um ambiente de acolhimento e segurança durante o processo de nascimento (VALENCIANO; RODRIGUES, 2015).
Além das técnicas manuais, o uso de ferramentas como a bola suíça tem mostrado resultados promissores no alívio da dor e no apoio à mobilidade pélvica. Ao utilizar a bola para realizar exercícios de movimentação pélvica, a gestante consegue relaxar e fortalecer os músculos envolvidos no parto, facilitando a dilatação e a expulsão do bebê (SILVA; LARA, 2018). Esses exercícios também promovem a adoção de posturas verticais, que, como já mencionado, são benéficas para o progresso do trabalho de parto e o alívio do desconforto pélvico.
O banho quente é outro método que promove o relaxamento da parturiente, utilizando o calor da água para induzir a vasodilatação periférica e reduzir a tensão muscular. A água quente atua diretamente no sistema nervoso central, proporcionando uma sensação de alívio e diminuindo a percepção da dor durante as contrações (SOUZA; LEÃO; ALMEIDA, 2018). O uso de duchas quentes na região lombossacra, por exemplo, tem se mostrado eficaz na redução do desconforto durante o trabalho de parto, especialmente quando combinado com outras técnicas fisioterapêuticas.
Por fim, a eletroestimulação nervosa transcutânea (TENS), um método não invasivo e de baixo custo, tem sido amplamente utilizado para o alívio da dor no parto. A TENS funciona ao bloquear os sinais de dor transmitidos ao cérebro, promovendo um alívio imediato sem a necessidade de intervenção farmacológica. A aplicação correta dos eletrodos na região lombossacra e abdominal proporciona um alívio significativo, permitindo que a parturiente enfrente as contrações de maneira mais confortável e tranquila (CAPPELI, 2018).
Ao incorporar essas técnicas, a fisioterapia obstétrica assume um papel essencial no estímulo a um parto humanizado, ao minimizar a necessidade de intervenções médicas desnecessárias. As mulheres que têm acesso a esses recursos relatam uma experiência de parto mais positiva, com uma redução significativa da dor e uma maior sensação de controle sobre o processo.
Em suma, a atuação do fisioterapeuta no manejo da dor e na facilitação de um parto mais natural reforça a centralidade da mulher nesse processo, respeitando suas escolhas e seu protagonismo. Técnicas como respiração adequada, deambulação, massagem terapêutica, uso da bola suíça, banhos quentes e a eletroestimulação transcutânea (TENS) não apenas aliviam o desconforto, mas também promovem uma evolução mais tranquila e eficiente do trabalho de parto. Essas práticas, amplamente reconhecidas por sua eficácia, são fundamentais para reduzir o uso de intervenções invasivas e contribuir para uma recuperação mais rápida da parturiente, beneficiando, assim, tanto a mãe quanto o bebê. Dessa forma, a fisioterapia consolida-se como um pilar essencial da assistência obstétrica, promovendo segurança e conforto em um momento tão marcante na vida das mulheres.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo evidenciou a necessidade urgente de mudanças no paradigma da assistência obstétrica no Brasil, com destaque para o crescente número de cesarianas, muitas vezes realizadas sem indicação médica. As altas taxas de cesariana, tanto no setor público quanto no privado, revelam um processo de medicalização excessiva do parto, que desconsidera a importância do parto normal e de suas vantagens para a saúde materna e neonatal. O aumento indiscriminado desse tipo de procedimento cirúrgico sugere uma abordagem que não está alinhada com as melhores práticas recomendadas por organizações de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), que preconiza a redução de intervenções desnecessárias e o incentivo a práticas humanizadas no parto.
A integração da fisioterapia no contexto do parto humanizado revela-se indispensável para a promoção de um processo de nascimento mais seguro, natural e centrado na mulher. Ao longo deste estudo, foi possível observar que a fisioterapia desempenha um papel fundamental ao oferecer técnicas não farmacológicas que reduzem a dor, promovem a mobilidade e auxiliam na progressão do trabalho de parto. Além disso, o fisioterapeuta contribui para a preparação física da gestante, prevenindo complicações como incontinência urinária e lesões perineais, proporcionando uma recuperação mais rápida no pós-parto.
A humanização do parto, respaldada por políticas públicas e diretrizes como a Rede Cegonha, busca não apenas minimizar intervenções desnecessárias, mas também garantir que a mulher tenha autonomia sobre seu corpo e suas escolhas durante o nascimento. No entanto, ainda há desafios a serem superados, especialmente no que diz respeito aos preconceitos culturais e estruturais sobre a dor no parto e à medicalização excessiva. A educação das gestantes e a capacitação contínua dos profissionais de saúde são essenciais para que se consolide um modelo de assistência obstétrica verdadeiramente humanizado e menos interventivo.
Para avançar na promoção de um parto mais humanizado, é necessário investir em pesquisas que explorem de maneira mais aprofundada o impacto das técnicas fisioterapêuticas no alívio da dor e na melhoria da experiência do parto. A ampliação do acesso a essas práticas, especialmente em regiões menos favorecidas, exige uma maior articulação entre as políticas públicas e a formação de profissionais especializados. A implementação de protocolos de fisioterapia obstétrica nas unidades de saúde, bem como o desenvolvimento de campanhas educativas, são passos cruciais para garantir que todas as gestantes possam se beneficiar de um cuidado mais humanizado e centrado em suas necessidades.
O futuro da assistência obstétrica no Brasil depende de uma mudança de paradigma, em que o parto normal e humanizado seja priorizado como uma experiência positiva e segura. A fisioterapia, como parte integrante da equipe de saúde, desempenha um papel central nessa transformação, oferecendo suporte técnico e emocional que contribui para um nascimento mais natural e menos medicalizado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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