UNCONSENTED OBSTETRIC INTERVENTIONS AND CRIMINAL LIABILITY IN THE ASSESSMENT OF DAMAGE
INTERVENCIONES OBSTÉTRICAS NO CONSENTIDAS Y RESPONSABILIDAD PENAL EN LA EVALUACIÓN DEL DAÑO
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202507282011
Vanessa Andrade da Silva1
Gabriela Granja Porto Petraki2
Evelyne Pessoa Soriano3
Adelson José da Silva4
Antônio Azoubel Antunes5
RESUMO
Introdução: A Violência obstétrica- VO, é toda ação ou omissão direcionada à mulher durante o pré-natal, parto ou puerpério, que cause dor, dano ou sofrimento desnecessário à mulher, praticada sem o seu consentimento explícito ou em desrespeito à sua autonomia. Objetivo: apresentar os principais indicadores de VO durante o parto e quais as leis brasileiras que podem contribuir para a proteção e prevenção mediante essa conduta criminal. Metodologia: Pesquisa reflexiva/qualitativa realizada através de uma revisão da literatura, sendo a busca realizada como base de dados, a Biblioteca Virtual em Saúde-BVS e sites jurídicos brasileiros. Resultados A análise dos 15 artigos revela que a violência obstétrica é um fenômeno complexo e que envolve questões sociais, culturais, jurídicas e de saúde pública. A maioria dos estudos aponta que essa violência se manifesta por meio da apropriação do corpo da mulher por profissionais de saúde, caracterizada por práticas desumanizadoras, abuso de medicalização, falta de consentimento informado e violação da autonomia feminina. Conclusão: O presente estudo evidenciou que a violência obstétrica é um grave problema de saúde pública e de direitos humanos que demanda uma resposta integrada entre os sistemas de saúde, justiça e políticas públicas. A ausência de uma legislação penal federal específica no Brasil, dificulta a responsabilização dos profissionais de saúde e a proteção das mulheres.
Descritores: Violência Obstétrica. Aplicação da Lei. Violência contra as Mulheres. Humanização de Assistência ao Parto.
ABSTRACT
Introduction: Obstetric violence (OV) is any action or omission directed at women during prenatal care, childbirth or the postpartum period, which causes pain, harm or unnecessary suffering to the woman, practiced without her explicit consent or in disrespect of her autonomy. Objective: to present the main indicators of OV during childbirth and which Brazilian laws can contribute to the protection and prevention of this criminal conduct. Methodology: Reflexive/qualitative research carried out through a literature review, with the search carried out as a database, the Virtual Health Library (BVS) and Brazilian legal websites. Results: The analysis of the 15 articles reveals that obstetric violence is a complex phenomenon that involves social, cultural, legal and public health issues. Most studies indicate that this violence manifests itself through the appropriation of the woman’s body by health professionals, characterized by dehumanizing practices, abuse of medicalization, lack of informed consent and violation of female autonomy. Conclusion: This study showed that obstetric violence is a serious public health and human rights problem that demands an integrated response between the health, justice and public policy systems. The absence of specific federal criminal legislation in Brazil makes it difficult to hold health professionals accountable and protect women.
Keywords: Obstetric Violence. Law Enforcement. Violence against Women. Humanization of Childbirth Care.
RESUMEN
Introducción: La violencia obstétrica – VO, es toda acción u omisión dirigida a la mujer durante la atención prenatal, el parto o el puerperio, que le cause dolor, daño o sufrimiento innecesario, practicada sin su consentimiento explícito o con irrespeto a su autonomía. Objetivo: presentar los principales indicadores de VO durante el parto y qué leyes brasileñas pueden contribuir a la protección y prevención contra esa conducta delictiva. Metodología: Investigación reflexiva/cualitativa realizada a través de revisión de literatura, siendo la búsqueda realizada como base de datos, Biblioteca Virtual en Salud-BVS y sitios web jurídicos brasileños. Resultados: El análisis de los 15 artículos revela que la violencia obstétrica es un fenómeno complejo que involucra cuestiones sociales, culturales, legales y de salud pública. La mayoría de los estudios indican que esta violencia se manifiesta a través de la apropiación del cuerpo de las mujeres por parte de los profesionales de la salud, caracterizada por prácticas deshumanizantes, abuso de medicalización, falta de consentimiento informado y vulneración de la autonomía femenina. Conclusión: Este estudio mostró que la violencia obstétrica es un grave problema de salud pública y de derechos humanos que demanda una respuesta integrada entre los sistemas de salud, justicia y políticas públicas. La ausencia de una legislación penal federal específica en Brasil dificulta la rendición de cuentas de los profesionales de la salud y la protección de las mujeres.
Descriptores: Violencia obstétrica. Aplicación de la ley. Violencia contra la mujer. Humanización de la Atención al Parto.
INTRODUÇÃO
A Violência obstétrica- VO, é toda ação ou omissão direcionada à mulher durante o pré-natal, parto ou puerpério, que cause dor, dano ou sofrimento desnecessário à mulher, praticada sem o seu consentimento explícito ou em desrespeito à sua autonomia. Ela consiste na apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde (médicos e não médicos), através de tratamento desumanizado, maus-tratos, abuso da medicalização sem o consentimento explícito da mulher e a patologização dos processos naturais, causando perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, tendo impacto negativo em sua qualidade de vida (Katz et al., 2020).
O termo maternidade, pode ser representado como um fardo significativo para a saúde de mulheres e meninas, abrangendo dimensões biológicas e sociais que podem levar a danos graves, incluindo a morte. Hoje, universalmente aceito que esses desfechos são quase inteiramente evitáveis, pois a discriminação generalizada e a inação política tornam a maternidade insegura para mulheres e meninas, especialmente aquelas de comunidades rurais, em desenvolvimento ou marginalizadas. Atualmente, houve um progresso considerável no enfrentamento de preocupações específicas à saúde reprodutiva das mulheres, com foco particular na garantia dos direitos humanos das mulheres à maternidade segura (Pickles, 2025).
No Código Penal Brasileiro, ainda não há tipo específico que preveja a responsabilização do agente que pratica violência obstétrica contra a mulher. Contudo, é possível, punir os atos praticados, por meio de outros tipos penais já existentes, como a lesão corporal, a injúria, os maus tratos, a ameaça e o constrangimento ilegal. A lesão corporal, é definida pelo art. 129 do Código Penal, sendo crime “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem” (Dionisio e Barbosa, 2021, p.9).
A Violência Obstétrica foi reconhecida em 2014 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um problema de saúde pública que afeta diretamente as mulheres e seus bebês. No mesmo ano, ela emitiu uma declaração sobre o combate a essa falha conduta, sugerindo algumas medidas a serem tomadas pelos governos federais para isso, a exemplo: maior apoio dos governos e de parceiros do desenvolvimento social para a pesquisa e ação contra o desrespeito e os maus-tratos; começar, apoiar e manter programas desenhados para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde materna, com forte enfoque no cuidado respeitoso como componente essencial da qualidade da assistência e enfatizar os direitos das mulheres a uma assistência digna respeitosa durante toda a gravidez e o parto (Matsushita e Sobral, 2024, p.11).
O objetivo deste artigo, é apresentar os principais indicadores de VO durante o parto e quais as leis brasileiras que podem contribuir para a proteção e prevenção mediante essa conduta criminal.
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METODOLOGIA
Pesquisa reflexiva/qualitativa realizada através de uma revisão da literatura, sendo a busca realizada como base de dados, a Biblioteca Virtual em Saúde-BVS e sites jurídicos brasileiros. Como pergunta que norteou a pesquisa: Quais são os principais tipos de violência obstétrica vivenciadas pelas mulheres em trabalho de parto e quais as intervenções mais eficazes perante as leis brasileiras para prevenir esse tipo de crime?
A seleção de busca dos artigos, foi realizada na Biblioteca Virtual em Saúde, a escolha da base de dados para pesquisa, obtivemos dados da Scielo, Medline (Medical Literature Analysis and Retrievel System Online), National Libraly of Medicine; externamente, colhemos pesquisas em sites jurídicos brasileiros.
Como descritores, foram selecionadas as palavras-chaves “Violência Obstétrica, Aplicação da Lei, Violência contra as Mulheres, Humanização de Assistência ao Parto”, selecionados através dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS); o operador booleano utilizado foi o OR.
Dentre os critérios de inclusão foram selecionados artigos em qualquer idioma, publicados nos últimos cinco anos (de 2000 a 2025), com pesquisas voltadas a mulheres gestantes em trabalho de parto ou estudos nos quais tratavam deste assunto. Utilizamos artigos de pesquisas jurídicas, para apresentar os tipos de lei de proteção a violência obstétrica. Nos critérios exclusão, excluímos artigos com mulheres com outros tipos de violência (não obstétrica), sites sem livre acesso público e artigos com datas abaixo de 2019. A análise e seleção dos artigos para compor a amostra final foi realizada através do pesquisador e do orientador.
Pelo fato desta pesquisa se tratar de revisão de literatura, este estudo não teve a necessidade de ser submetido ao comitê de ética em pesquisa, de acordo com a resolução 510/16 CNS/MS.
A tabela I abaixo, descreve a busca de seleção dos artigos, contendo identificação, elegibilidade e inclusão:
Identificação | Referências identificadas sobre violência obstétrica, nas bases de dados BVS (n = 405) | Referências identificadas sobre violência obstétrica e o código penal brasileiro, na busca de artigos através de sites jurídicos (n = 3000) | Referências removidas duplicadas/Inelegíveis por razões diversas (n = 3390) |
Elegibilidade | Referências avaliadas por título e resumo (n = 550 ) | Referências avaliadas por texto completo(n= 440) | Referências excluídas (n = 730) |
Inclusão | Textos avaliados para finalização da pesquisa (n= 80) | Estudos incluídos na revisão(n = 15) |
Elaboração própria (2025). Extraído em https://decs.bvsalud.org/ e diversas fontes jurídicas.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Foram encontrados 3405 artigos que tratavam do luto como um todo através do cruzamento dos descritores e de sites jurídicos. Após a realização das etapas, foram elegíveis 15 artigos que compuseram a amostra final do presente estudo, como podemos observar na tabela abaixo:
Tabela II, base de estudo para a construção da pesquisa, contendo autor e ano, título do estudo, objetivo e metodologia:
Autores e ano | Título do estudo | Objetivo | Metodologia |
Barroso e Andrade, 2024 | Violência Obstétrica: Há Responsabilização Judicial Pela “Dor Necessária” Do Parto? | Identificar o que seria violência obstétrica e quais suas formas de manifestação e como isso afetaria na responsabilidade civil dos profissionais da saúde, como médicos obstetras, enfermeiros ou até os próprios funcionários dos estabelecimentos, que poderiam ser tanto públicos como privados | Pesquisa jurídica |
Brito; Oliveira; Costa, 2020 | Violência obstétrica e os direitos da parturiente: o olhar do Poder Judiciário brasileiro | Investigar a violência obstétrica por meio de alguns julgados, observando a perspectiva do Judiciário brasileiro sobre o tema | Revisão de literatura |
Costa, 2023 | Violência Obstétrica: Caminho Para a Criminalização | Garantir que todas as mulheres tenham uma experiência de parto positiva, segura e respeitada | Pesquisa jurídica |
Dionísio e Barbosa, 2021 | A Violência Obstétrica No Âmbito Jurídico | demonstrar como a Violência Obstétrica ainda é tratada com negligência em âmbito nacional e como a prática de condutas caracterizadas como violentas interferem na vida das gestantes e parturientes. | Pesquisa jurídica |
Faria e Biazotto, 2024 | Violência obstétrica no âmbito do Direito Penal | Analisar a violência obstétrica, suas formas, como é tratada no sistema jurídico brasileiro, quais as condutas que tipificam o objeto e elucidar sobre as leis vigentes que podem ser adotadas para esses casos ou se há necessidade de novas legislações. | Pesquisa jurídica |
Ferreira, 2024 | Violência Obstétrica: Uma Análise À Luz Do Direito Penal Brasileiro Ante A Ausência De Lei | Verificar quais são os possíveis tipos penais incriminadores que a Violência Obstétrica (VO) se encaixa, diante da ausência de lei federal que criminalize a conduta, tendo em vista os recorrentes casos | Pesquisa jurídica |
Katz et al., 2020 | Quem tem medo da violência obstétrica? | Como violência baseada em gênero garantirá intervenções apropriadas para evitar essa violação dos direitos das mulheres. | Descritiva |
Leite et al., 2024 | Epidemiologia da violência obstétrica: uma revisão narrativa do contexto brasileiro | Apresentar o estado da arte da violência obstétrica no Brasil. | Revisão narrativa |
Matsushita e Sobral, 2024 | Violência Obstétrica e a Importância De Sua Tipificação Penal No Ordenamento Jurídico Brasileiro | Fazer a explanação sobre a violência obstétrica, bem como mostrar como essa se tornou um problema de saúde pública | Dedutiva |
Nascimento et al., 2025 | Análise estrutural das representações sociais de mulheres sobre a violência obstétrica | Descrever a estrutura representacional de mulheres sobre a violência obstétrica e reconhecer seu núcleo central | Estudo de abordagem qualitativa, do tipo exploratório e descritivo |
Paiz et al., 2024 | Violência obstétrica: entre a percepção das mulheres e as práticas de assistência ao parto | Identificar a prevalência de práticas recomendadas e não recomendadas na assistência ao parto, segundo a Organização Mundial da Saúde, bem como a percepção das mulheres em terem vivenciado desrespeito, maus-tratos ou humilhação no parto. | Estudo transversal |
Pereira e Paiva, 2023 | Violência Obstétrica e a Responsabilidade Criminal No Brasil | Discussão da problemática da violência obstétrica sob o aspecto criminal, na conjuntura de âmbito nacional | Pesquisa bibliográfica |
Pickles, 2025 | Emerging human rights standards on obstetric violence and abuse during childbirth | Abordar a alta incidência de mortalidade e morbidade materna evitáveis, com foco particular nos países em desenvolvimento | Pesquisa jurídica |
Santos e Jacob, 2023 | Violência Obstétrica e a Ausência de Legislação Penal brasileira | Entender como a violência obstétrica é punida ante a ausência de legislação penal brasileira sobre o tema e, de forma específica, identificar as modalidades de violência obstétrica existentes | Pesquisa jurídica |
Souza e Jaime, 2023 | Responsabilidade Civil e Penal Nos Casos de Violência Obstétrica | Análise de como se dá a violência obstétrica, no Brasil | Pesquisa exploratória |
Elaboração própria (2025). Extraído em https://decs.bvsalud.org/ e diversas fontes jurídicas.
A análise dos 15 artigos revela que a violência obstétrica é um fenômeno complexo e que envolve questões sociais, culturais, jurídicas e de saúde pública. A maioria dos estudos aponta que essa violência se manifesta por meio da apropriação do corpo da mulher por profissionais de saúde, caracterizada por práticas desumanizadoras, abuso de medicalização, falta de consentimento informado e violação da autonomia feminina.
Juridicamente, observou-se uma lacuna significativa na tipificação penal da violência obstétrica no Brasil, onde não há uma legislação federal específica para criminalizar esses atos, embora alguns estados tenham leis próprias, ainda com efeitos limitados. Essa ausência dificulta a responsabilização efetiva dos profissionais envolvidos e contribui para a naturalização e camuflagem do problema, que frequentemente é enquadrado apenas como erro médico.
Em relação às práticas assistenciais, observa-se a prevalência de intervenções obstétricas não recomendadas de rotina, como o uso excessivo de ocitocina, episiotomia e a manobra de Kristeller, que configuram violações da integridade física e psicológica da mulher, além de evidenciar desigualdades entre as maternidades públicas e privadas.
Segundo Pereira e Paiva (2023, p.11), é dever do Estado promover e garantir meios para uma vida digna a cada cidadão, em todos os aspectos, mencionando-se, em especial, a promoção dos direitos fundamentais para a existência digna, para se viver plenamente. A situação vulnerável e delicada da gestante depende de uma proteção maior e mais específica do Estado, visando preservar sua dignidade.
Pesquisadores de todo o mundo têm publicado estudos que demonstram que a violência obstétrica é um problema de saúde pública e tem impacto negativo na saúde das mulheres e de seus recém-nascidos, abordando aspectos epidemiológicos como definição, mensuração, prevalência, fatores de risco/proteção, consequências e intervenções. Não há consenso quanto ao termo e à definição mais adequada para expressar os atos relacionados à violência obstétrica, embora esses termos sejam frequentemente usados como sinônimos, no meio científico eles têm definições distintas, compartilhando certos domínios (Leite et al., 2024).
De acordo com Damásio de Jesus (2015, p. 163):
O Código Penal protege nessa incriminação a integridade física e fisiopsíquica da pessoa humana, ele estabelece as hipóteses de lesão corporal grave, gravíssima, lesão corporal com resultado morte e culposa. Na hora do parto, muitas são as hipóteses de lesão corporal que pode a parturiente vir a sofrer, a exemplo de um puxão de cabelo e da episiotomia, que se trata de uma incisão efetuada próximo ao períneo para ampliar o canal do parto, a qual, se for realizada sem o devido cuidado, pode configurar o crime de lesão corporal. O crime de injúria é previsto no art. 140 do Código Penal, consistindo na ofensa à dignidade ou ao decoro de alguém. No referido tipo penal, busca-se tutelar a honra subjetiva da vítima, de forma que, caracteriza o crime de injúria, a prática de xingamentos, insultos e o ataque às condições pessoais de alguém. A injúria no âmbito da violência obstétrica, pode ser caracterizada através da prática, pelos profissionais de saúde, de xingamentos, insultos e humilhações à parturiente, ofendendo a honra subjetiva desta. Os maus tratos, por sua vez, estão previstos no art. 136 do mesmo código Penal (Dionisio e Barbosa, 2021, p.9 apud Jesus 2015).
A violência obstétrica, se enquadra como crime mediante o Código Penal, pois envolve atos de incriminação a integridade física e fisiopsíquica da pessoa humana como:
abusos verbais exercidos com gritos, procedimentos sem consentimento ou informação; negar acesso à analgesia; impedimento à presença de acompanhante de escolha da parturiente (que é garantido por lei); negar direito à privacidade durante o trabalho de parto, violência psicológica (tratamento agressivo, discriminatório, autoritário ou grosseiro); realização de cesariana ou episiotomia sem consentimento; uso de ocitocina sem indicação médica com finalidade de acelerar o trabalho de parto; manobra de Kristeller; proibição de acesso à alimentação ou hidratação e restrição da liberdade de movimentação, obrigando a mulher a ficar recolhida ao leito. Essa violação de direitos na prática obstétrica ocorre tanto no setor público como no privado durante a atenção relacionada aos cuidados na gravidez, situando-se dentro de um contexto multifatorial de violência institucional e de gênero (Katz et al., 2020 p.2).
Dentre os diversos tipos de Violência Obstétrica, estão incluídas:
• Violência física: Causa dor ou dano físico que pode variar do grau leve ao intenso como a privação de alimentos, a tricotomia (raspagem de pelos), a manobra de Kristeller, a cesariana eletiva, o uso rotineiro de ocitocina, a utilização de analgesia, quando não é tecnicamente indicada.
• Violência psicológica: Ações verbais ou comportamentais que provocam na mulher sentimentos de abandono, de instabilidade emocional e perda da própria dignidade. Consistem em ameaças, mentiras,chacotas, humilhações, informações omissas ou carentes de clareza, grosserias, chantagens, além de piadas pejorativas.
• Violência sexual: Interferências impostas à mulher capazes de violar a sua intimidade ou pudor, afetando a sua integridade sexual tal qual reprodutiva; com a possibilidade de não envolver órgãos sexuais e partes íntimas do corpo. A episiotomia (corte realizado no períneo da mulher), os exames de toques invasivos, constantes ou mesmo agressivos, o assédio, a imposição da posição supina para dar à luz, além da cesariana sem consentimento.
• Violência institucional: Atuações ou formas de organização que dificultam, retardam, assim como podem impedir o acesso da gestante aos seus direitos, tanto no sistema público quanto no privado. Inclui as restrições à amamentação, falta de fiscalização por parte das agências reguladoras e outros órgãos competentes, além da implementação de protocolos institucionais que contradizem ou se opõem às normas vigentes.
• Violência material: Condutas passivas ou ativas que visam obter recursos financeiros de mulheres em processos reprodutivos, violando os direitos garantidos por lei em benefício de terceiros. Cobranças indevidas provenientes de planos de saúde e de profissionais da área, além da indução à contratação de um convênio sob a alegação de ser a única alternativa para viabilizar o acompanhante.
• Violência midiática: Ações praticadas pelos profissionais, através dos meios de comunicação, direcionadas a afetar psicologicamente mulheres grávidas, com divulgações que tornam públicas, mensagens, imagens ou até mesmo outros símbolos promovem práticas cientificamente desaconselhadas. Incluem a promoção da cirurgia cesariana, a ridicularização do parto normal e as publicidades excessivas que destacam as fórmulas de substituição em detrimento do aleitamento materno (Ferreira, 2024, p.4 apud Parirás com dor 2012, p. 60-61).
O índice da violência obstétrica na maioria das veses, resulta em lesões físicas, como o corte da vagina da mulher pelo cirurgião no caso da episiotomia mencionada, muitas vezes é realizada sem anestesia. Isso está previsto no artigo 129 do Código Penal, que prevê os seguintes crimes de lesão corporal:“Em caso de violação da integridade física ou da saúde de outra pessoa: pena –privação de liberdade de 3 meses a 1 ano”. Uma lesão física torna-se grave se resultar na incapacidade de realizar tarefas normais por mais de 30 dias, risco de vida, deterioração permanente dos membros, sentido ou função, aceleração de parto,podendo incorrer na pena de reclusão, de um a cinco anos, conforme estabelece o parágrafo primeiro do artigo 129 do Código Penal. Se o dano físico resultar em incapacidade permanente para o trabalho, doença terminal, perda ou incapacidade de uso de um membro, sensação ou função, incapacidade permanente, aborto etc., a pena aumenta com o mínimo de dois anos para um máximo de oito anos (Faria e Biazotto, 2024 p.7 apud Ross, 2021).
De acordo com Souza e Jaime (2023), a violência de caráter institucional viola os direitos humanos, devendo ser combatida e denunciada por todos que sofrem ou sofreram desse mal. Além disso, a Organização Mundial da Saúde – OMS (2014) publicou a declaração “Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde”, que destaca a importância de garantir que todas as mulheres tenham acesso a serviços de saúde respeitosos e de qualidade durante a gravidez, parto e pós-parto.
CONCLUSÃO
O presente estudo evidenciou que a violência obstétrica é um grave problema de saúde pública e de direitos humanos que demanda uma resposta integrada entre os sistemas de saúde, justiça e políticas públicas. A ausência de uma legislação penal federal específica no Brasil, dificulta a responsabilização dos profissionais de saúde e a proteção das mulheres.
É fundamental que o ordenamento jurídico brasileiro evolua para contemplar uma tipificação clara e efetiva da violência obstétrica, alinhada aos preceitos internacionais de direitos humanos, garantindo o consentimento livre e informado e a dignidade das mulheres durante todo o processo reprodutivo.
A capacitação dos profissionais de saúde e a implementação de práticas humanizadas e respeitosas são medidas essenciais para prevenir a violência e promover a autonomia e a integridade das parturientes. Perante a sociedade, o empoderamento das mulheres e o fortalecimento de mecanismos legais de denúncia também são fundamentais para o combate efetivo mediante a violência obstétrica.
A perícia médico-legal se configura como instrumento essencial para a quantificação do dano e para a responsabilização penal, conferindo segurança jurídica e possibilitando a reparação das vítimas, assim como as políticas públicas e reformas legislativas que possam viabilizar esses aspectos, será decisiva para enfrentar e superar a violência obstétrica no Brasil.
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1Mestranda em Perícias Forenses pela Universidade de Pernambuco (UPE). Advogada e professora. Membro da Comissão da OAB de Perícias Forenses do Estado de Pernambuco. E-mail: profavanessaandrade@gmail.com ORCID: 0009-0001-9963-3208;
2Mestre e Doutora em Odontologia (Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo Facial) pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco – UPE. Cirurgiã Dentista, Livre-docente e Professora Associada do Programa de Mestrado em Perícias Forenses da Universidade de Pernambuco. E-mail: gabriela.porto@upe.br, ORCID: 0000-0002-4687-3697;
3Mestre e Doutora em Odontologia pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco – UPE. Graduada em Direito pela Faculdade Marista/PE. Cirurgiã Dentista, Livre-docente e Professora Associada do Programa de Mestrado em Perícias Forenses da Universidade de Pernambuco. E-mail: evelyne.soriano@upe.br, ORCID: 0000-0001-8337-0194;
4Mestre e Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL, Advogado e Professor na FAP, UNIVERSO, UNINASSAU, UNIFACIG e FICR. E-mail: professoradelsonsilva@hotmail.com, ORCID:0009.0006.1036-8409;
5Mestre e Doutor em Odontologia (Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo Facial) pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco – UPE. Cirurgião Dentista, Livre-docente e Professor Associado do Programa de Mestrado em Perícias Forenses da Universidade de Pernambuco. E-mail: antonio.antunes@upe.br, ORCID: 0000-0002-3500-3354