INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA EM PÉ PLANO VALGO INFANTIL: EVOLUÇÃO MOTORA E POSTURAL EM CASO CLÍNICO

PHYSICAL THERAPY INTERVENTION IN PEDIATRIC FLATFOOT: MOTOR AND POSTURAL PROGRESSION IN A CLINICAL CASE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202507141851


Maria Luíza Campos Odilon¹; Yasmim Wetter Pereira Lima²; Marília Salete Tavares³; Madson da Silva Matos⁴; José Gabriel Werneck⁵; José Carlos Telles Carriel da Silva⁶; Elaine Aparecida Pedrozo Azevedo⁷.


Resumo

Introdução: O pé plano valgo (PPV) é uma condição musculoesquelética comum na faixa etária pediátrica, caracterizada pelo colapso do arco medial, abdução do antepé e valgismo do retropé.   A deformidade, quando sintomática e persistente após os seis anos de idade, pode comprometer a postura, marcha e funcionalidade motora. Objetivo: Relatar os efeitos da intervenção fisioterapêutica em uma paciente pediátrica com diagnóstico de PPV. Métodos: Estudo de caso clínico realizado entre setembro de 2024 e julho de 2025, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa sob o número CAAE: 51045021.2.0000.8044. A paciente foi submetida a avaliação fisioterapêutica completa incluindo mensuração perimétrica, teste de força muscular, análise postural, goniometria, sinais vitais, escala de equilíbrio de Berg e padrão de marcha. O plano terapêutico englobou alongamentos ativos e passivos, fortalecimento muscular intrínseco com theraband, exercícios proprioceptivos, treino de marcha e reeducação postural em 24 sessões. Resultados: Ao final da intervenção, foram observadas melhorias na amplitude articular, equilíbrio estático e dinâmico, força muscular dos membros inferiores, alinhamento postural e padrão de marcha. A paciente apresentou melhora da independência funcional, conforme pontuação na escala de Berg (de 41 para 53 pontos), reforçando a eficácia da abordagem fisioterapêutica contínua, mesmo sem o uso de órteses ou procedimentos cirúrgicos. Conclusão: A fisioterapia demonstrou ser um recurso eficaz e não invasivo para a reabilitação funcional em casos pediátricos de PPV, contribuindo para correção postural, recuperação da marcha fisiológica e melhoria da qualidade de vida da paciente.

 Palavras- chave: Fisioterapia. Pé Plano Valgo. Reabilitação Infantil. Cinesioterapia. Caso Clínico                                   

INTRODUÇÃO

O pé plano valgo (PPV) é uma condição musculoesquelética frequentemente observada na prática clínica, caracterizada pela redução ou colapso do arco longitudinal medial, valgismo do retropé, abdução do antepé e pronação excessiva do calcâneo. Embora seja considerada uma variante fisiológica em crianças pequenas, a persistência da deformidade após os seis anos de idade pode levar ao surgimento de sintomas dolorosos, fadiga muscular, alterações posturais e prejuízos funcionais durante a marcha e atividades de suporte de peso. Estudos indicam que aproximadamente 20% a 30% das crianças apresentam algum grau de pé plano flexível, sendo que cerca de 3% a 5% evoluem para formas sintomáticas na adolescência ou na vida adulta (Evans, 2008). Em adultos, a prevalência do pé plano varia entre 15% e 23%, com maior incidência em mulheres e em indivíduos com sobrepeso ou obesidade (Evans AM. 2008; Pfeiffer et al., 2006; Mosca, 2010).

Do ponto de vista biomecânico, o PPV compromete tanto a estabilidade quanto a eficiência da marcha, ocasionando o deslocamento medial da cabeça do tálus, alongamento ligamentar e supinação compensatória do antepé. Essas alterações resultam em uma distribuição inadequada das cargas, o que predispõe a disfunções articulares e miofasciais progressivas (Böhm et al., 2024).

No que diz respeito ao tratamento, a abordagem conservadora através da fisioterapia é considerada de primeira linha, sendo fundamental o planejamento de uma reabilitação funcional para esses pacientes.  Nesse contexto, a avaliação fisioterapêutica abrange análise postural estática e dinâmica, testes de força e flexibilidade muscular, além da avaliação da marcha, podendo ser complementada por exames de imagem, quando necessário. As intervenções fisioterapêuticas incluem técnicas de realinhamento postural, fortalecimento da musculatura intrínseca e extrínseca do pé e tornozelo, mobilizações articulares, reeducação proprioceptiva e correção da marcha (Herchenröder et al., 2021; Böhm et al., 2024). 

Existem diversos tratamentos disponíveis para o PPV. Entre eles, destaca-se o método de Ponseti, originalmente desenvolvido para o manejo do pé torto congênito. Essa técnica pode ser adaptada para casos de PPV que apresentam rigidez significativa, consistindo em manipulações seriadas seguidas de imobilização com gesso. O objetivo é reposicionar o tálus e corrigir o desalinhamento estrutural do pé, promovendo, assim, uma melhora progressiva no padrão da marcha e na distribuição das cargas plantares (Morcuende et al., 2004).

Em situações específicas, pode ser indicada a tenotomia, procedimento cirúrgico que envolve o corte parcial ou total do tendão de Aquiles com o intuito de aliviar a tensão e melhorar a mobilidade articular. Após o procedimento, é necessário o acompanhamento fisioterapêutico para potencializar os resultados, promovendo o restabelecimento da força muscular e da mobilidade (Aldanyowi, 2023). De forma complementar, o uso criterioso de órteses plantares pode ser incorporado ao processo de reabilitação com o objetivo de melhorar o suporte do arco plantar e a mecânica do pé. A sua aplicação tem importância na manutenção da posição adequada dos pés após o tratamento, evitando recidivas, sendo amplamente empregada em crianças com paralisia cerebral e em outras condições que provocam alterações estruturais nos pés (Furtado et al., 2020).

Entretanto, é importante destacar que nem todos os casos de PPV requerem o uso de órteses ou intervenções cirúrgicas. A atuação fisioterapêutica, por meio de estratégias específicas que envolvem o fortalecimento muscular, alongamento direcionado e treino proprioceptivo, pode proporcionar benefícios funcionais mesmo na ausência de dispositivos corretivos ou procedimentos invasivos. Diversos estudos apontam que programas fisioterapêuticos bem estruturados são eficazes na redução da dor, na melhora da função e na prevenção de complicações associadas à deformidade. Essa abordagem terapêutica valoriza a recuperação ativa e o engajamento do paciente no processo reabilitativo, promovendo maior autonomia e qualidade de vida (Banwell et al., 2018; Kim et al., 2016; Hara, Kitano e Kudo, 2023).

Embora existam diretrizes consolidadas para o tratamento de deformidades do pé, ainda são limitados os dados sobre abordagens terapêuticas aplicáveis ao PPV. Diante desse contexto, o presente estudo tem como objetivo analisar os efeitos de um protocolo de reabilitação postural e funcional no manejo do pé plano valgo na ausência de dispositivos corretivos ou procedimentos invasivos, enfatizando a importância das intervenções fisioterapêuticas personalizadas e baseadas em evidências que possam ser replicadas e adaptadas na prática clínica cotidiana.

METODOLOGIA 

Estudo de caso, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Iguaçu sob o número CAAE: 51045021.2.0000.8044, desenvolvido na Clínica de Ensino em Fisioterapia da Universidade Iguaçu (UNIG), localizada no município de Nova Iguaçu – RJ. O acompanhamento clínico teve início em 05 de setembro de 2024 e foi concluído em 07 de julho de 2025. Durante esse período, o tratamento sofreu uma interrupção temporária devido ao recesso acadêmico no mês de dezembro de 2024, sendo retomado em 10 de março de 2025.  O estudo teve como objetivo acompanhar e avaliar a evolução clínica de uma paciente pediátrica diagnosticada com pé plano valgo, por meio de intervenções fisioterapêuticas sistematizadas, visando promover ganhos funcionais e posturais ao longo do processo terapêutico. 

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

A paciente, sexo feminino, à época da avaliação, contava com sete anos de idade. A principal queixa relatada pela paciente foi desequilíbrio ao realizar atividades motoras como pular e correr. A gestação foi descrita pela genitora como planejada e desejada, iniciada aos 30 anos de idade, transcorrendo de forma tranquila, com acompanhamento pré-natal adequado e uso de suplementação vitamínica indicada para o período gestacional. Durante o seguimento gestacional, ultrassonografias de rotina revelaram posicionamento em “W” dos membros inferiores do feto e apresentação pélvica, o que motivou a indicação de cesariana eletiva. Não há histórico de doenças patológicas prévias relevantes.    

 Em relação ao desenvolvimento motor, a paciente iniciou marcha independente aos 12 meses. No entanto, apresentava episódios de desequilíbrio e necessidade frequente de apoio em mobiliário para locomoção, apresentando limitações posturais e desequilíbrio compatíveis com o diagnóstico de PPV, o que levou à busca por avaliação ortopédica. O médico orientou acompanhamento até os três anos, sem intervenção imediata. Diante da ausência de evolução clínica, a paciente iniciou atendimento fisioterapêutico em uma instituição privada, sendo posteriormente encaminhada à Clínica da UNIG, em 2022, para continuidade do tratamento especializado. No histórico familiar, observa-se a ocorrência da mesma condição clínica em uma tia paterna.

Durante o exame físico, na etapa de inspeção, a pele apresentou coloração e hidratação dentro dos padrões de normalidade, sem evidência de hematomas ou edemas. Contudo, observou-se elevação da escápula esquerda, presença de hiperlordose lombar, escoliose com convexidade à esquerda e geno valgo bilateral. O abdômen estava protruso, sem queixas ou sinais clínicos de dor no momento da avaliação. Na palpação, os tecidos mostraram-se com boa elasticidade e mobilidade, compatíveis com as características esperadas para a faixa etária e condição clínica do paciente. Não foram identificados sinais de rigidez, aderências ou quaisquer restrições à movimentação passiva ou ativa.      

As figuras radiográficas ilustram alterações estruturais compatíveis com o diagnóstico cinético-funcional estabelecido. A Figura 1 apresenta radiografias dos pés em projeções perfil e posteroanterior (PA), evidenciando redução do arco plantar, assim como alterações no posicionamento dos calcâneos, com desvio lateral à esquerda e medial à direita, características marcantes do PPV. Já a Figura 2, correspondente à radiografia da coluna vertebral, revela a presença de escoliose lombar com convexidade à esquerda e hipercifose torácica compensatória. 

Figura 1:  Radiografia dos pés em Perfil e PA. Fonte: Dados da pesquisa.
Figura 2 – Radiografia da coluna vertebral. Fonte: Dados da pesquisa.

O diagnóstico cinético-funcional evidenciou hipotrofia muscular na coxa e na perna direita, acompanhada de escoliose lombar e hipercifose torácica de caráter compensatório. Além disso, observou-se a presença de calcâneos com desvio lateral à esquerda e medial à direita, bem como geno varo bilateral e redução do arco plantar. Esses achados estão diretamente relacionados às características do PPV e confirmam as alterações previamente identificadas na avaliação clínica. A associação entre as alterações morfológicas e os padrões posturais demonstra o impacto biomecânico do PPV sobre a cadeia cinética funcional, comprometendo o alinhamento corporal, a distribuição das cargas e a eficiência da marcha, como também descrito por Mosca (2010) e Banwell et al. (2018). Com base nessa avaliação, foram definidos os objetivos terapêuticos em curto, médio e longo prazo.   

 No curto prazo, buscou-se alongar os membros inferiores, corrigir a postura ortostática dinâmica, corrigir desvios laterais dos joelhos e dos calcâneos, ganhar trofismo muscular, iniciar treino de equilíbrio estático e dinâmico e dar início ao treino da marcha fisiológica. No médio prazo, os objetivos incluíram manter o alongamento conquistado, intensificar a correção postural ortostática e dinâmica com foco na diminuição das posturas escoliótica e cifótica, reduzir os desvios dos joelhos e calcâneos, aumentar o trofismo muscular, intensificar o treino de equilíbrio e manter a progressão do treino de marcha. Já no longo prazo, pretende-se intensificar ainda mais o trabalho de alongamento, progredir na correção postural global, aumentar o trabalho muscular dos membros inferiores, manter os ganhos de trofismo, continuar a evolução do treino de equilíbrio e intensificar os exercícios voltados à marcha fisiológica.

Considerando os objetivos estabelecidos para a reabilitação funcional, foi implementado um conjunto de técnicas terapêuticas com enfoque na melhora da postura, fortalecimento muscular, propriocepção e marcha fisiológica.

Inicialmente, foi aplicado um protocolo de alongamento ativo assistido e passivo dos membros inferiores, com três séries de dez repetições. Complementarmente, realizou-se o alongamento da cadeia muscular anterior com auxílio da bola feijão, em cinco repetições, visando o equilíbrio entre grupos musculares agonistas e antagonistas.

No fortalecimento muscular, enfatizou-se os músculos intrínsecos dos pés por meio de movimentos de inversão, eversão, plantiflexão e dorsiflexão, utilizando theraband de resistência elevada (preta), em três séries de quinze repetições, com o objetivo de promover estabilidade articular e resistência funcional.

Para o estímulo da consciência corporal e postura, foram realizadas elevações posturais nas pontas dos dedos frente ao espelho, em três séries de dez segundos, promovendo feedback visual e ativação da musculatura estabilizadora (Marchini, et al., 2024).

Em seguida, foi aplicado um circuito proprioceptivo dinâmico, composto por exercícios com escada de agilidade, apoio unipodal, jogo de amarelinha e desvios de cones, associado à correção da marcha e postura dinâmica. Este circuito foi realizado em cinco repetições, favorecendo o controle neuromotor e a adaptação postural frente a diferentes estímulos.

Como complemento ao treino proprioceptivo, foram incluídos exercícios na tábua de equilíbrio, com três séries de vinte segundos, priorizando o fortalecimento da musculatura estabilizadora do tornozelo e a manutenção do equilíbrio estático.

No treinamento funcional, foi inserido o treino de marcha em rampas e escadas com apoio de barra paralela, associado à correção postural dinâmica, em cinco repetições, com foco na adequação do padrão de marcha e segurança durante a locomoção. Por fim, realizou-se o agachamento isométrico com uso da theraband vermelha, em três séries de dez repetições, visando o fortalecimento da musculatura dos membros inferiores e estabilização da região lombopélvica.

RESULTADOS E DISCUSSÕES 

Estudo de caso realizado na Clínica de Ensino e Pesquisa em Fisioterapia da Universidade Iguaçu (UNIG), tendo como foco a avaliação e o manejo fisioterapêutico de uma paciente pediátrica com diagnóstico médico do PPV. A avaliação inicial ocorreu em 05 de setembro de 2024. As alterações posturais observadas durante a avaliação, como escoliose lombar, hipercifose torácica e geno varo bilateral, são comumente encontradas em pacientes com PPV e refletem o impacto da deformidade sobre o alinhamento global da cadeia cinética

(Mosca, 2010; Banwell et al., 2018).                                                                         

 Para avaliação da composição corporal periférica, foram mensuradas as medidas de comprimento dos segmentos dos membros superiores (MMSS) e inferiores (MMII) nas datas de 05 de setembro de 2024 e 10 de março de 2025. As medidas foram obtidas com fita métrica flexível, em pontos anatômicos para identificar alterações morfológicas decorrentes do processo terapêutico aplicado. As diferenças observadas entre os lados e ao longo do tempo podem refletir adaptações posturais, musculares e estruturais, importantes para o monitoramento da evolução clínica e para o planejamento terapêutico individualizado. Não foi possível a reavaliação no mês de julho.

Tabela 1 – Avaliação e Reavaliação das Medidas de Comprimento dos MMSS e MMII

* MSE = membro superior esquerdo; MSD = membro superior direito; MIE = membro inferior esquerdo; MIE = membro inferior direito. Fonte: Dados da pesquisa. 

Os valores de amplitude articular dos tornozelos, incluindo movimentos de plantiflexão, dorsiflexão, eversão e inversão, estão descritos na tabela 2, com referência aos parâmetros normativos. A pouca evolução nas amplitudes, (exceção na dorsiflexão), indica perdas funcionais após a interrupção do acompanhamento fisioterapêutico durante o recesso acadêmico nos meses de janeiro e fevereiro, não foi possível a reavaliação desses parâmetros no mês de julho. 

Tabela 2 – Avaliação da Amplitude Articular 

Fonte: Dados da pesquisa. 

A força muscular foi avaliada por meio de teste manual, com classificação entre os graus 4 e 5, conforme a escala de Oxford. A tabela evidencia avanço na força dos grupos musculares do quadril após o protocolo de fortalecimento, demonstrando resposta positiva ao tratamento, embora a força nos joelhos tenha permanecido estável, sugerindo necessidade de foco adicional nestas estruturas.

Tabela 3 – Avaliação da Força Muscular dos MMII

Fonte: Dados da pesquisa. 

A tabela 4 abaixo, apresenta as pontuações obtidas nas três etapas de avaliação da Escala de Equilíbrio de Berg. A variação nos resultados reflete a influência da continuidade terapêutica sobre o controle postural e a autonomia funcional da paciente, visto que, houve o recesso acadêmico em janeiro e fevereiro com a interrupção do acompanhamento. A elevação final da pontuação na avaliação realizada no mês de julho reforça a eficácia da abordagem fisioterapêutica na recuperação da independência motora, contribuindo para a melhoria do padrão da marcha e da estabilidade postural.

Tabela 4 – Escala de Equilíbrio de Berg

Fonte: Dados da pesquisa. 

O presente estudo de caso apresentou a avaliação e evolução funcional de uma paciente pediátrica com diagnóstico de pé plano valgo, evidenciando alterações posturais, mensurações perimétricas, amplitude articular, força muscular e equilíbrio. Além disso, demonstrou a resposta da paciente a um protocolo fisioterapêutico estruturado e personalizado.

A mensuração perimétrica dos membros inferiores permitiu identificar adaptações musculoesqueléticas importantes, sendo observados aumento da circunferência da coxa esquerda e redução da perna direita. Embora discretas, essas variações sugerem resposta tecidual ao esforço e às posturas compensatórias adotadas pela paciente, ressaltando a relevância do acompanhamento contínuo para prevenir desequilíbrios funcionais (Patil et al., 2024; Engkananuwat; Kanlayanaphotporn, 2023).                                                    

Estudos demonstram que protocolos fisioterapêuticos baseados no fortalecimento da musculatura intrínseca dos pés resultam em melhorias expressivas nos parâmetros cinemáticos da marcha, como realinhamento do calcâneo e redução do tempo de repouso do osso navicular durante o ciclo locomotor (Kim; Kim, 2016; Hara; Kitano; Kudo, 2023). Além dos ganhos na marcha, foi observado aumento na força muscular local, na sensibilidade plantar e no controle postural da paciente. Esses efeitos foram superiores aos obtidos por programas tradicionais que focam apenas no fortalecimento extrínseco ou na mobilização passiva (Jaffri et al., 2023).    A evolução da amplitude articular, especialmente na dorsiflexão e eversão dos tornozelos, também foi evidente, o que demonstra a efetividade dos exercícios de alongamento e fortalecimento aplicados no protocolo. Essa evolução é fundamental, considerando que a limitação nesses movimentos está associada à menor estabilidade e maior risco de quedas (Domagała; Peña-Sánchez; Dubas-Jakóbczyk, 2018).

No que se refere à força muscular dos membros inferiores, observou-se melhora nos músculos do quadril, importantes para a estabilização do corpo durante o suporte de peso e o ciclo da marcha (Patil et al., 2024). Os exercícios proprioceptivos, como apoio unipodal em superfícies instáveis e uso de pranchas de equilíbrio, mostraram-se eficazes na reeducação postural e na estabilidade funcional do pé. Esses estímulos ativam receptores articulares e táteis, permitindo ajustes motores automáticos e refinados. Estudos recentes demonstram que, em crianças com sobrepeso e PPV, tais intervenções geram melhorias significativas nos índices de equilíbrio funcional, favorecendo a reorganização sensório-motora e a prevenção de recaídas (Markowicz et al., 2023; Molina-García et al., 2023).

Segundo Huang et al. (2022), o exercício de “pé curto” apresenta efeitos significativos na hipertrofia da musculatura intrínseca, promovendo maior sustentação do arco plantar e estabilidade dinâmica durante a marcha. É importante destacar que a melhora da funcionalidade do pé plano valgo está diretamente associada à integração entre estratégias terapêuticas que combinam mobilização, fortalecimento e treino proprioceptivo. 

Além disso, a adaptação da marcha observada ao longo das reavaliações, incluindo a melhora da propulsão e do alinhamento calcâneo, evidencia o efeito do protocolo sobre o ciclo locomotor. Estudos como o de Herchenröder, Wilfling e Steinhäuser (2021) indicam que o treino funcional com uso de órteses contribui para a redistribuição das pressões plantares e realinhamento dos segmentos inferiores, aspectos que foram também observados na evolução clínica da paciente, ainda que sem o uso de órteses. Isso sugere que, mesmo na ausência de dispositivos corretivos, a intervenção bem direcionada pode promover ajustes biomecânicos significativos.

A queda da pontuação na escala de Berg e posterior elevação após a retomada da terapia de 41 para 53 pontos reforça a tese de que a adesão ao plano terapêutico é um fator determinante na reabilitação pediátrica, especialmente em condições musculoesqueléticas que comprometem a postura e o equilíbrio. A força muscular dos membros inferiores também apresentou evolução positiva, com elevação da graduação nos principais movimentos articulares do quadril, refletindo ganhos no suporte corporal e na propulsão durante a marcha.   

Além disso, a melhora no alinhamento postural e na distribuição das cargas articulares reforça que o plano terapêutico adotado contribuiu para a reorganização da cadeia cinética funcional, reduzindo compensações e riscos de sobrecarga musculoesquelética. Esses avanços estão alinhados a estudos como os de Jaffri et al. (2023), que demonstram o impacto do fortalecimento específico da musculatura intrínseca dos pés, sobre a função biomecânica em pacientes pediátricos com alterações posturais.     

A escala de equilíbrio de Berg revelou queda de desempenho durante o período de interrupção do tratamento, o que é coerente com estudos que destacam os efeitos negativos da descontinuidade terapêutica, especialmente em crianças com elevada plasticidade neuromuscular destacando a necessidade de estratégias que garantam continuidade terapêutica, mesmo frente a desafios logísticos ou sazonais (Oerlemans et al., 2023).   

A paciente não fez uso de órteses durante o processo de reabilitação, tampouco foi submetida a intervenção cirúrgica. Ainda assim, os ganhos observados foram relevantes do ponto de vista funcional, clínico e qualitativo. Esse dado é especialmente importante, pois reafirma que, em muitos casos pediátricos de PPV, a intervenção fisioterapêutica contínua, personalizada e bem estruturada é capaz de promover resultados expressivos, contribuindo para correção postural, recuperação da marcha fisiológica e melhoria global da qualidade de vida, conforme também evidenciado por Hara, Kitano e Kudo (2023) e Kim e Kim (2016).     O presente estudo de caso reforça, portanto, o potencial da fisioterapia como ferramenta eficaz, não invasiva e segura para o manejo de deformidades estruturais na infância.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo de caso permitiu demonstrar os efeitos positivos da intervenção fisioterapêutica em uma paciente pediátrica com diagnóstico de pé plano valgo. Ao longo das sessões de tratamento, foram observados avanços significativos em múltiplos aspectos funcionais, como amplitude de movimento, força muscular, alinhamento postural, padrão da marcha e equilíbrio.           

Outro ponto de destaque foi à associação entre a interrupção temporária do tratamento e a piora no desempenho funcional na pontuação da Escala de Equilíbrio de Berg. Tal achado está em concordância com a literatura que reconhece a importância da continuidade terapêutica, particularmente em faixas etárias em que a plasticidade neuromuscular é elevada, mas ainda instável. Esse aspecto reforça o valor de estratégias de monitoramento remoto, orientação domiciliar e flexibilização de atendimentos, a fim de manter a progressão clínica mesmo diante de desafios logísticos.

Destaca-se que a melhora observada ocorreu sem a necessidade de intervenções cirúrgicas ou utilização de órteses, reforçando o papel da fisioterapia como alternativa eficaz e não invasiva para controle da condição.

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¹Discente do Curso Superior de Fisioterapia da Universidade Iguaçu, Campus Nova Iguaçu, e-mail: malumartinsodilon@gmail.com;
²Discente do Curso Superior de Fisioterapia da Universidade Iguaçu, Campus Nova Iguaçu, e-mail: yaswetter@gmail.com;
³Docente do Curso Superior de Fisioterapia da Universidade Iguaçu, Campus Nova Iguaçu, e-mail: mariliasalete@gmail.com;
⁴Docente do Curso Superior de Fisioterapia da Universidade Iguaçu, Campus Nova Iguaçu, e-mail: carriel.ts@gmail.com;
⁵Docente do Curso Superior de Fisioterapia da Universidade Iguaçu, Campus Nova Iguaçu, e-mail: madsonmatos@yahoo.com.br;
⁶Docente do Curso Superior de Fisioterapia da Universidade Iguaçu, Campus Nova Iguaçu, e-mail: werneckgabriel53@gmail.com;
⁷Docente do Curso Superior de Fisioterapia da Universidade Iguaçu, Campus Nova Iguaçu, e-mail: epedrozoazevedo@gmail.com.