INTERVENÇÃO CIRÚRGICA NO CARCINOMA DE CÉLULAS RENAIS COM METÁSTASE ÓSSEA: REVISÃO DE LITERATURA E RELATO DE CASO

SURGICAL INTERVENTION IN RENAL CELL CARCINOMA WITH BONE METASTASIS: LITERATURE REVIEW AND CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10248291143


Andressa Carvalho Pereira1
Antonino Neto Coelho Moita2
Pedro Henrique dos Santos Silva1
Kamilla da Silva de Galiza3
Madelyne Alice Ramos Brito3
Vinicius Souza Freires1
Franciele Basso Fernandes Silva2


Resumo

O carcinoma de células renais (CCR) é o tipo histológico mais comum das neoplasias renais, correspondendo a 80-90% dos casos. A maioria desses tumores é diagnosticada incidentalmente durante a investigação de outra doença de abdômen, sendo frequente o diagnóstico em estágios mais avançados ou com presença de metástases à distância. As metástases ósseas representam o segundo sítio mais comum de metástase no CCR e podem estar associadas a complicações como dor refratária, hipercalcemia, fraturas patológicas e compressão de raízes nervosas, causando redução significativa da qualidade de vida dos pacientes. Dado o comportamento agressivo do CCR e sua resistência à quimioterapia e radioterapia convencionais, o manejo das metástases ósseas exige uma abordagem multidisciplinar. A abordagem cirúrgica é classicamente indicada para estabilização de fraturas patológicas iminentes ou instaladas e visa principalmente a estabilização estrutural e o alívio da dor. A análise dos estudos demonstra que, apesar dos avanços, o tratamento das metástases ósseas do CCR permanece complexo, exigindo uma avaliação individualizada a fim de atingir melhores resultados. Este artigo revisa a literatura sobre as intervenções cirúrgicas no tratamento do CCR com metástase óssea e apresenta o caso de um tumor renal em um paciente de 48 anos que evoluiu com lesão óssea expansiva sólida na região do úmero, necessitando de abordagem cirúrgica vascular e ortopédica. 

Palavras-chave: Carcinoma de Células Renais. Metástase Neoplásica. Neoplasias Ósseas. Oncologia Cirúrgica.

1  INTRODUÇÃO

Dentre as neoplasias, os cânceres renais ocupam o 14° lugar no ranking mundial de incidência, sendo responsável por 5% e 3% de todos os cânceres entre homens e mulheres, respectivamente (BARATA; RINI, 2017). O carcinoma de células renais (CCR) é a neoplasia renal mais comum e a terceira malignidade urogenital mais diagnosticada, representando cerca de 80% de todos os cânceres renais. Ocorre geralmente na sexta década de vida e tem uma maior prevalência em homens(UMER et al., 2018). 

O diagnóstico comumente ocorre após a realização de exames de imagem, como a tomografia computadorizada e a ultrassonografia que investigam outras patologias na região do abdômen, especialmente quando estão associadas a dor inespecífica. Devido à sintomatologia inespecífica e ao diagnóstico tardio, muitos pacientes são diagnosticados com doença avançada ou com metástases à distância (UMER et al., 2018).   

Entre os principais fatores de risco incluem-se idade avançada, tabagismo, obesidade, hipertensão arterial e histórico familiar da doença. A exposição prolongada a certas substâncias tóxicas, como asbestos e alguns derivados do petróleo, também pode contribuir para o desenvolvimento dessa neoplasia (ESCUDIER et al., 2016).

Em concordância com a literatura, lesões pulmonares secundárias à CCR são a manifestação mais comum de metástase, seguidas das metástases ósseas que ocorrem em cerca de 30% dos pacientes (GRÜNWALD et al., 2018; WEI et al., 2021). A abordagem cirúrgica é classicamente indicada no CCR com metástases ósseas para estabilização de fraturas patológicas iminentes ou instaladas, visando principalmente a estabilização estrutural e o alívio da dor (GRÜNWALD et al., 2018). 

O presente trabalho tem como objetivo realizar revisão integrativa da literatura sobre a abordagem cirúrgica das metástases ósseas secundárias ao CCR. Além disso, traz um relato sobre a abordagem de um tumor renal em um paciente de 48 anos, sem fatores de risco conhecidos, que evoluiu secundariamente com lesão óssea expansiva sólida na região do úmero, necessitando de abordagem cirúrgica vascular e ortopédica

2  METODOLOGIA 

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, sob o número 5.999.809. 

O presente artigo combina uma revisão integrativa da literatura com um relato de caso clínico, proporcionando uma abordagem mais abrangente sobre o tema. A revisão de literatura tem como objetivo reunir e analisar as evidências científicas mais recentes sobre o papel da intervenção cirúrgica no carcinoma de células renais metastático, particularmente na presença de metástases ósseas. Complementando essa análise, o relato de caso oferece uma perspectiva prática, detalhando a experiência clínica dessa abordagem em um paciente específico atendido em um serviço de Oncologia no estado do Piauí. 

Para a produção da revisão de literatura foi realizada busca nas bases de dados PubMed e BVS utilizando os descritores em inglês: “Renal cell carcinoma” AND “Bone metastasis” AND “Surgical intervention”. Buscou-se por artigos originais publicados nos últimos 5 anos, nos idiomas inglês, português e espanhol e que possuíam texto completo disponível de forma gratuita. Com a aplicação dos filtros a busca resultou em um total de 45 artigos. Desses, foram excluídos os artigos que discutiam modalidades não cirúrgicas de tratamento, que não abordavam a associação entre carcinoma de células renais e metástases ósseas ou que tratavam de metástases em outros sítios. Assim, após a leitura de títulos e resumos e aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 17 artigos foram selecionados para compor o estudo. 

 A produção do relato de caso envolveu a coleta e análise detalhada de dados clínicos registrados em prontuário médico. Foram extraídas informações sobre diagnóstico, tratamento, evolução clínica e outros aspectos pertinentes do histórico do paciente. A análise dos prontuários seguiu as normas de confidencialidade e ética, garantindo que todas as informações fossem tratadas de maneira anônima e segura e resguardando a privacidade do paciente ao longo do processo.

3  REVISÃO DE LITERATURA

O carcinoma de células renais (CCR) é o tipo mais prevalente de câncer renal em adultos, correspondendo a 80–90% das neoplasias renais (BROZOVICH et al., 2021; FERRIERO et al., 2023). Apresenta incidência crescente nas últimas décadas, atribuída em parte ao aumento do uso de técnicas de imagem diagnósticas. Entre os fatores de risco destacam-se idade avançada, sexo masculino, tabagismo, obesidade, hipertensão arterial e exposição ocupacional a certos agentes químicos, como asbesto e derivados de petróleo (STEVENS et al., 2022).

O CCR é frequentemente diagnosticado de forma tardia devido à sua sintomatologia inespecífica, com a maioria dos casos sendo descoberta como achado incidental em exames de imagem realizados por outros motivos. Nesse contexto, muitos pacientes são diagnosticados com doença localmente avançada ou com presença de metástases à distância. Em comparação com outros tumores sólidos, pacientes com CCR tem mais que o dobro de probabilidade de ter metástases presentes ao diagnóstico, com aproximadamente 1/3 dos pacientes apresentando metástase óssea ao longo do curso da doença (CHEN et al., 2021; STEVENS et al., 2022). 

O osso representa o segundo sítio mais comum de metástase do CCR, atrás apenas do pulmão. O envolvimento esquelético é indicativo de uma doença mais agressiva e de pior prognóstico. As metástases ósseas são particularmente preocupantes por estarem associadas à piora significativa da qualidade de vida e se caracterizam como um fator de risco independente para diminuição da sobrevida e aumento de morbimortalidade (BROZOVICH et al., 2021).

Mais de 70% dos pacientes com metástase óssea apresentam envolvimento de múltiplos locais. As localizações mais comuns descritas pela literatura são coluna vertebral, sacro, pelve e fêmur proximal (BROZOVICH et al., 2021; SINGH et al., 2023). As lesões ósseas são frequentemente líticas e podem cursar com complicações como dor severa e refratária, fraturas patológicas, hipercalcemia e compressão de raízes nervosas. Essas complicações relacionadas ao esqueleto estão associadas à impacto significativo na qualidade de vida e diminuição da funcionalidade dos pacientes (KATO et al., 2021; ZHANG et al., 2023).

As metástases ósseas secundárias ao CCR representam um desafio clínico significativo, demandando abordagens terapêuticas multidisciplinares para manejar a dor, prevenir fraturas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. A ressecção cirúrgica completa de metástases no CCR está associada à melhora da sobrevida em comparação à ressecção incompleta ou nenhuma, sendo recomendada, de acordo com as diretrizes atuais, sempre que for tecnicamente viável, para controle local do tumor e melhora da sobrevida (ALNIMER et al., 2021; KATO et al., 2021). 

A erosão óssea causada pelo tumor frequentemente resulta em fraturas patológicas com pouco potencial para consolidação espontânea. Nesse contexto, a intervenção cirúrgica é necessária em um grande número de pacientes, sendo realizada classicamente para estabilização de fraturas patológicas iminentes ou instaladas. Também pode ser realizada para remoção de lesões dolorosas, em caso de dor intensa e refratária, e para descompressão de raízes nervosas. A cirurgia pode ser paliativa, visando alívio sintomático e melhora da funcionalidade, ou curativa em casos selecionados de metástase óssea solitária ou oligometástases (BROZOVICH et al., 2021; MEYER et al., 2020; RASCHKA et al., 2022). 

As estratégias cirúrgicas variam de acordo com a localização da metástase, a extensão do acometimento ósseo e as condições clínicas do paciente. A terapia ideal deve sempre ser individualizada e, principalmente para pacientes mais jovens com poucas comorbidades, uma abordagem cirúrgica deve sempre ser considerada (FERRIERO et al., 2023). 

A metástase espinhal é considerada um indicador negativo para a sobrevida global devido à complexidade envolvida na ressecção cirúrgica. Um estudo que avaliou os resultados de 65 pacientes submetidos à ressecção de metástases espinhais, mostrou taxas de sobrevida de 77%, 62% e 48% em 3, 5 e 10 anos, respectivamente, com uma mediana de sobrevida de 100 meses. Esses achados indicam que, apesar do caráter agressivo da doença, a cirurgia pode proporcionar controle local eficaz e melhora da sobrevida em pacientes selecionados. Fatores de risco associados à redução da sobrevida em curto prazo incluíram incapacidade pós-operatória, presença de metástases hepáticas, múltiplas metástases espinhais e ressecção incompleta das lesões. Em contrapartida, a ressecção completa, incluindo de metástases extraespinhais, foi associada a uma melhora significativa na sobrevida específica dos pacientes (KATO et al., 2021).

 As metástases em ossos longos, como o fêmur e o úmero, são frequentemente associadas com fraturas patológicas. A presença de uma fratura patológica em um osso longo de sustentação é uma indicação absoluta para cirurgia (RASCHKA et al., 2022). O tratamento cirúrgico dessas lesões é fundamental para proporcionar estabilidade e alívio da dor e restaurar a mobilidade. A abordagem inicial, quando há fratura ou risco iminente de fratura, geralmente envolve a fixação óssea interna. Esse procedimento pode incluir o uso de hastes intramedulares ou a utilização de placas e parafusos para reforçar a estrutura óssea comprometida. A fixação interna é eficaz em proporcionar alívio imediato da dor e permite a recuperação funcional precoce, sendo uma opção menos invasiva para pacientes com metástases avançadas (RASCHKA et al., 2022; STEVENS et al., 2022). 

Um estudo retrospectivo apontou boas taxas de sucesso com o uso de hastes intramedulares na estabilização de ossos longos. No entanto, em comparação à outros tumores sólidos, o CCR apresentou maiores taxas de progressão da lesão metastática após o procedimento, o que torna essencial o acompanhamento radiográfico rigoroso para monitorar possíveis complicações e falhas (ARPORNSUKSANT et al., 2022). 

Nos casos de lesões mais extensas ou em situações onde o osso esteja gravemente comprometido pela infiltração tumoral, a ressecção cirúrgica do segmento ósseo afetado pode ser necessária. Essa abordagem é seguida de uma reconstrução com a utilização de prótese ou enxerto ósseo. A seleção adequada do método de reconstrução deve levar em consideração a extensão da doença, a condição clínica e funcionalidade do paciente, bem como a durabilidade da intervenção. (RASCHKA et al., 2022; STEVENS et al., 2022). 

Um estudo que avaliou 138 pacientes submetidos à ressecção de metástases ósseas em extremidades e pelve identificou uma mediana de sobrevida de 12,3 meses após a cirurgia. Não foram encontradas diferenças significativas nos resultados de curto e longo prazo entre pacientes submetidos à fixação interna e aqueles que receberam reconstrução com próteses na cirurgia de extremidades, sugerindo que ambas as abordagens são comparáveis em termos de controle local e impacto na sobrevida (RASCHKA et al., 2022). 

Por outro lado, evidências recentes apontam que o uso de endopróteses pode apresentar vantagens em relação à fixação interna em determinadas situações. Entre os benefícios observados estão menores taxas de reintervenções cirúrgicas, sustentação de peso e mobilização precoce, além de retorno mais rápido às atividades. Esses fatores são particularmente importantes em pacientes com expectativa de vida limitada, em que a prioridade é garantir qualidade de vida e funcionalidade (KENDAL et al., 2023; ZHANG et al., 2023). Portanto, a reconstrução com endopróteses, quando bem indicada, oferece uma solução cirúrgica confiável e durável para pacientes com metástases ósseas, especialmente em casos onde se deseja uma abordagem definitiva com menor risco de complicações (JOHNSON et al., 2023; KENDAL et al., 2023).

Os implantes de metal trabecular representam outra alternativa eficaz para reconstrução óssea, apresentando benefícios em comparação aos revestimentos tradicionais, devido à sua arquitetura e porosidade que imitam a estrutura natural do osso. Onafowokan et al. (2022) descreveram o uso clínico desse material para reconstrução em um paciente com metástases dolorosas na diáfise do úmero. O estudo mostrou que o implante permitiu uma integração óssea satisfatória, levando a uma recuperação funcional próxima ao normal e à redução significativa da dor (ONAFOWOKAN et al., 2022).

As metástases ósseas de CCR são altamente vascularizadas, o que aumenta o risco de sangramento significativo durante a cirurgia. Uma grande perda de sangue pode levar a tempos operatórios aumentados, complicações intraoperatórias e atraso na cicatrização de feridas. O uso de embolização pré-operatória pode ser uma estratégia utilizada nesse contexto para redução da perda sanguínea, porém seu real benefício permanece controverso na literatura (KOOB et al., 2023). 

Um estudo retrospectivo avaliou procedimentos de estabilização de coluna e extremidades com utilização de embolização pré-operatória e concluiu que o procedimento não apresentou impacto significativo nas cirurgias de estabilização para metástases espinhais. Já para metástases em extremidades, a embolização pré-operatória mostrou um efeito negativo, aumentando a perda sanguínea intraoperatória e a necessidade de reposição de fluidos (KOOB et al., 2023). Por sua vez, outro artigo relatou um caso de metástase de CCR tardia em fêmur proximal no qual a embolização pré-operatória foi realizada de forma eficaz e resultou em notável redução do sangramento e bons resultados após fixação cirúrgica (STEVENS et al., 2022). 

Quando pensamos em terapias sistêmicas, o tratamento das metástases ósseas secundárias ao CCR ainda apresenta desafios significativos, principalmente devido à resistência relativa do CCR à quimioterapia e radioterapia convencionais. Ao longo dos anos, essa neoplasia tem demonstrado uma resposta limitada a essas modalidades terapêuticas, com taxas modestas de controle tumoral (ONAFOWOKAN et al., 2022; TSUKAMOTO et al., 2024). 

A quimioterapia tradicionalmente não tem um papel central no tratamento das metástases ósseas do CCR devido à baixa sensibilidade desse tipo de tumor. Em contrapartida, a radioterapia, embora também limitada em eficácia para controle do tumor primário, pode ser útil em situações paliativas, principalmente no alívio da dor e na estabilização de lesões ósseas com risco de fratura patológica (CHEN et al., 2021b; ONAFOWOKAN et al., 2022). 

Nos últimos anos, a utilização da radioterapia estereotática tem sido considerada uma abordagem promissora para maior controle local dos tumores ósseos (FERRIERO et al., 2023). Além disso, o avanço das terapias sistêmicas e a introdução de tratamentos mais direcionados, como os inibidores de tirosina-quinase e as terapias imunológicas, têm ampliado o leque de opções no manejo dessas metástases em conjunto às intervenções cirúrgicas (BROZOVICH et al., 2021).

Os resultados dessa revisão reforçam a importância da seleção criteriosa dos pacientes para indicação cirúrgica, levando em consideração o grau de acometimento ósseo e as condições clínicas do paciente para a escolha do tipo de procedimento a ser realizado. A cirurgia deve ser considerada como parte de uma abordagem multimodal com o objetivo de controle local do tumor e potencial aumento da sobrevida, desde que realizada em pacientes com características favoráveis e preferencialmente com possibilidade de ressecção completa (ALNIMER et al., 2021; KATO et al., 2021). Essa seleção adequada, aliada a uma estratégia multimodal com terapias sistêmicas e adjuvantes, pode proporcionar resultados mais positivos e melhora na qualidade de vida e funcionalidade dos pacientes com metástases ósseas secundárias ao CCR (FERRIERO et al., 2023).

4  RELATO DE CASO

Paciente de 48 anos, com histórico de diabetes, sem outras comorbidades ou fatores de risco conhecidos, foi submetido à investigação com exame de imagem devido a um quadro de dor abdominal persistente e inespecífica. Após realização de tomografia computadorizada (TC) com e sem contraste foi identificada lesão em rim direito sugestiva de neoplasia renal. 

A análise das imagens evidenciou rim direito com dimensões aumentadas, apresentando uma lesão expansiva heterogênea, com impregnação arterial intensa pelo meio de contraste, presença de áreas liquefeitas/necróticas e margens mal delimitadas. A lesão infiltrava os terços médio e inferior do rim, com extenso componente exofítico infiltrando os planos gordurosos perirrenais. Notou-se também infiltração do seio renal, comprometendo os cálices e a pelve renal, com envolvimento da junção ureteropiélica. A lesão observada media 10,6 centímetros no diâmetro craniocaudal e 9,0 x 8,0 centímetros nos diâmetros axiais (Figuras 1 e 2). 

Figura 1 – Tomografia computadorizada de abdome total evidenciando lesão neoplásica expansiva em rim direito sugestivo de carcinoma de células renais.

Figura 2 – Reconstrução tridimensional de vias urinárias evidenciando área de hipoatividade renal correspondente à localização da neoplasia.

A análise dos achados levantou como principal hipótese o diagnóstico de carcinoma de células renais, com a necessidade de descartar a possibilidade de lesão urotelial.

Após investigação clínico-radiológica, foi indicada nefrectomia total direita associada a linfadenectomia unilateral, realizada em abril de 2021. A análise histopatológica da peça removida confirmou invasão do seio renal, presença de hemorragia, necrose e comprometimento neoplásico da gordura perirrenal. Não foi observado acometimento linfonodal nas peças fornecidas. O estadiamento patológico foi definido como pT3a pNo pMx (AJCC/UICC TNM 8ª ed.). 

O seguimento radiológico foi realizado conforme protocolo e, em setembro de 2021, uma ressonância magnética (RM) de abdome total identificou uma lesão em osso ilíaco direito, adjacente à articulação sacroilíaca, com características sugestivas de acometimento neoplásico secundário, incluindo sinal intermediário em T1 e T2, realce pelo meio de contraste paramagnético e restrição à difusão. 

 Em outubro do mesmo ano, o paciente evoluiu com dor intensa no ombro direito. A investigação por RM da região revelou presença de uma lesão óssea expansiva sólida na região metadiafisária proximal do úmero direito, com sinal intermediário nas imagens em T1, hipersinal em T2 e realce heterogêneo após injeção intravenosa de contraste. A lesão observada media 4,9 x 3,4 x 3,6 centímetros e determinava ruptura da cortical lateral do úmero, com extensão para partes moles medindo cerca de 3,1 x 0,8 x 3,0 centímetros (Figura 3). A impressão diagnóstica foi de provável lesão óssea metastática com ruptura cortical e extensão extra óssea, além de derrame articular.

Figura 3 – Ressonância Magnética de ombro evidenciando lesão de úmero sugestiva de acometimento neoplásico secundário.

Com o objetivo de controle dos sintomas e tratamento paliativo, foi realizada embolização seletiva com microcateter em novembro de 2021, utilizando partículas de PVA 500-710 microns e gelfoam. A Figura 4 apresenta o aspecto intraoperatório antes e após a embolização.

Figura 4: Arteriografia intraoperatória. (A) Feixe vascular que supre a lesão neoplásica secundária antes da embolização vascular. (B) Bloqueio do feixe vascular após embolização.

Após intervenção da cirurgia vascular, foi indicada a remoção cirúrgica da lesão e colocação de prótese de úmero, procedimento realizado em novembro de 2021 por equipe de cirurgia ortopédica. A Figura 5 mostra a peça cirúrgica retirada e a prótese de úmero implantada. 

Figura 5. Peça cirúrgica removida ao lado da prótese de úmero implantada. 

O paciente apresentou evolução satisfatória no pós-operatório e não foram observadas complicações pós-operatórias imediatas. Durante o seguimento, observou-se melhora significativa da dor no ombro e recuperação funcional progressiva do membro superior direito.

Com o suporte de fisioterapia, o paciente conseguiu retomar atividades cotidianas básicas, apresentando bom controle dos sintomas e preservação da mobilidade no segmento operado.

5  DISCUSSÃO

As taxas de mortalidade por CCR mostram sinais de estabilização nos últimos anos, em parte devido ao maior acesso a técnicas radiológicas não invasivas como a ultrassonografia (US) e a tomografia computadorizada (TC), que permitem a identificação de lesões em estágios mais iniciais e com maior potencial de cura (ESCUDIER et al., 2016).

A maioria dos casos de tumor renal é diagnosticada incidentalmente durante a investigação de outra doença do abdome ou de dor abdominal inespecífica, como foi o caso do paciente descrito. A tríade clássica de apresentação com hematúria maciça, dor abdominal e massa palpável é rara, sendo identificada em apenas 6-10% dos pacientes(UMER et al., 2018).  

A nefrectomia citorredutora é considerada uma modalidade de tratamento bem estabelecida para pacientes com CCR metastático (ALNIMER et al., 2021), porém o papel da linfadenectomia ainda é controverso. Estudos divergem sobre seu real benefício em termos de sobrevida, especialmente em casos de CCR avançado. Li et al., em um estudo de coorte retrospectivo, concluíram que o grupo que realizou a linfadenectomia não apresentou melhora na sobrevida global e livre de doença (LI et al., 2019). Entretanto, outros estudos retrospectivos mostraram que a realização da linfadenectomia melhorou a sobrevida em pacientes com CCRs(CRISPEN et al., 2011; WHITSON et al., 2011).

De acordo com a literatura, as lesões pulmonares são a manifestação mais frequente de metástase no CCR (WEI et al., 2021). Os ossos são o segundo local mais comum de acometimento metastático e a ocorrência desse tipo de metástase foi relatada em cerca de 30% dos pacientes (DOUGLAS et al., 2021). Esses pacientes estão sujeitos a eventos esqueléticos graves, como fraturas patológicas e dor intensa, com impacto negativo na qualidade de vida e na sobrevida (UMER et al., 2018).

No caso apresentado, a metástase óssea foi detectada apenas cinco meses após a nefrectomia, o que contrasta com o tempo médio de 25 meses descrito na literatura para pacientes inicialmente sem metástase óssea ao diagnóstico (SANTINI et al., 2013). A detecção precoce, ainda dentro do primeiro ano após o tratamento primário, reforça a necessidade de um seguimento rigoroso e frequente, especialmente nos primeiros meses, para identificar e intervir prontamente em lesões metastáticas.  (MANSINHO et al., 2021).

A embolização pré-operatória foi um passo crucial no manejo desse caso, especialmente devido à hipervascularização característica das metástases ósseas originadas de CCRs (KOOB et al., 2023). O objetivo principal dessa intervenção foi reduzir o risco de sangramento intraoperatório e contribuir para o controle da dor. A embolização foi eficaz ao facilitar o procedimento cirúrgico subsequente, promovendo maior segurança e melhorando o prognóstico pós-operatório.

A escolha da técnica cirúrgica com a implantação de prótese foi pensada considerando a idade do paciente e sua funcionalidade preservada, além da localização da lesão. A substituição protética, em vez de uma fixação interna simples, foi justificada pela extensão da lesão óssea e pela necessidade de garantir estabilidade e suporte estrutural a longo prazo. Essa abordagem permite mobilização precoce e retorno mais rápido às atividades, o que é especialmente importante em pacientes jovens (RASCHKA et al., 2022; STEVENS et al., 2022). A literatura atual descreve que a substituição protética pode ser realizada para a reconstrução de áreas não favoráveis à fixação interna, incluindo as superfícies articulares, o fêmur proximal, a tíbia proximal e o úmero proximal, o que corrobora com a abordagem escolhida no caso descrito(CHEN et al., 2021). 

Comparando com a literatura, o caso apresenta características típicas de metástases ósseas associadas ao CCR, como o acometimento da região metadiafisária e a natureza osteolítica da lesão (BROZOVICH et al., 2021). No entanto, a detecção precoce e a abordagem cirúrgica agressiva diferenciam esse caso, permitindo uma recuperação funcional satisfatória, algo nem sempre observado em pacientes com metástases ósseas múltiplas ou com quadro mais avançado. A literatura aponta que a sobrevida após a identificação de metástases ósseas em CCR varia entre 12 e 28 meses (GENITOURINARY ONCOLOGY COMMITTEE OF CHINESE ANTI-CANCER ASSOCIATION, 2021), mas a intervenção precoce, como neste caso, pode melhorar a sobrevida e a qualidade de vida dos pacientes. 

6  CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que o tratamento ideal para as metástases ósseas secundárias ao CCR deve ser personalizado com base nas características individuais do paciente, considerando suas comorbidades, funcionalidade e ponderando os objetivos terapêuticos. 

Este relato de caso reforça o papel do tratamento cirúrgico multimodal, destacando a eficácia da embolização pré-operatória seguida pela substituição protética para o controle da dor e preservação da funcionalidade. A abordagem integrada, combinando técnicas de cirurgia vascular e ortopédica, teve como foco a estabilização óssea e o controle sintomático em um contexto de progressão metastática rápida. A estratégia adotada foi fundamental para melhorar a qualidade de vida do paciente, permitindo um retorno mais rápido às atividades cotidianas. A escolha da substituição protética, especialmente em um paciente jovem com boa funcionalidade, mostrou-se uma estratégia eficaz para garantir estabilidade estrutural e menor risco de reintervenções.

Ademais, esse estudo destaca a relevância de um seguimento próximo e criterioso em pacientes com CCR para identificação precoce de metástases ósseas. Nesse contexto, a vigilância intensiva nos primeiros meses após o tratamento inicial é especialmente importante para detectar lesões metastáticas em estágio ainda tratável, como foi observado no caso descrito.

REFERÊNCIAS

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[1] Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar)

[2] Docente do Curso Superior de Medicina da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar)

[3] Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto de Educação Superior do Vale do Parnaíba (IESVAP)