INTERNAÇÕES POR CONDIÇÕES CUTÂNEAS SENSÍVEIS À ATENÇÃO PRIMÁRIA E SUA RELAÇÃO COM A COBERTURA DA ATENÇÃO PRIMÁRIA, NO PARÁ E NO BRASIL, DE 2012 A 2022

ADMISSIONS FOR SENSITIVE SKIN CONDITIONS IN PRIMARY CARE AND THEIR RELATIONSHIP WITH PRIMARY CARE COVERAGE IN PARÁ AND BRAZIL FROM 2012 TO 2022

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10850964


Ewerthon de Souza Costa,
Murilo Moreira Souza,
Cybelle Cristina Pereira Rodrigues


RESUMO

Introdução: As Condições Sensíveis à Atenção Primária (CSAP) consistem em um conjunto de 19 grupos de doenças, definidos pela Portaria n°221 de 17 de abril de 2008, cuja incidência e internações são, em teoria, reduzidas por intervenções da Atenção Primária à Saúde (APS). Dentre estes grupos, encontra-se o de doenças cutâneas, que abrange erisipela (CID A46), impetigo (CID L01), abscesso subcutâneo furúnculo e carbúnculo (CID L02), celulite (CID L03), linfadenite aguda (L04) e outras doenças cutâneas não especificadas (CID L08). Objetivo: Esse estudo tem como objetivo analisar o comportamento da cobertura populacional da Atenção Básica, e seu impacto nas internações por Condições Cutâneas Sensíveis à Atenção Primária, observando estes aspectos tanto no estado do Pará, quanto em escala nacional. Metodologia: Trata-se de um estudo ecológico, descritivo e longitudinal, utilizando dados disponíveis na plataforma e-Gestor Atenção Básica e Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, dispensando a necessidade de avaliação por Comitê de Ética em Pesquisa. O processamento dos dados foi realizado nos softwares Microsoft Office 365 Excel e R-Studio, no qual os testes de Kolmogorov-Smirnov e Pearson foram realizados, com nível de significância para p < 0,05. Resultados: Evidenciou-se comportamento predominantemente crescente das internações por CCSAP e da abrangência populacional da APS, para o Brasil e estado do Pará, com prevalência de internações para sexo masculino, e indivíduos com idade entre 20-29 anos e 1-4 anos para o Pará e Brasil, respectivamente. Conclusão: Conclui-se, portanto, que para o período analisado, nos cenários estadual e nacional abordados, houve predomínio na expansão da cobertura da APS, porém com pouco impacto nas internações por doenças da pele sensíveis à APS, indicando déficit em seu desempenho.  

Palavras-chave: Atenção Primária. Cobertura. Doenças Cutâneas. Internações.

INTRODUÇÃO

A portaria 4.279 de 30 de dezembro de 2010 estabeleceu a organização dos serviços e tratamentos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em níveis de atenção, a saber: Primária, secundária e terciária. A partir disso, tornou-se possível unificar os serviços prestados pelo sistema, sendo a Atenção Primária (APS) a porta de entrada do usuário para os serviços de saúde prestados pelo SUS. Nesse cenário, resolver a maior parte dos problemas de saúde da população; organizar o fluxo e contrafluxo dos usuários pelos diversos níveis de atenção; e responsabilizar-se pela saúde do público contemplado, independentemente do nível de atenção em que estejam, são consideradas as três funções essenciais que a Atenção Primária deve cumprir, cabendo aos demais níveis complementar os serviços prestados pelo primeiro, isso em virtude de sua maior densidade tecnológica. (Brasil, 2010). 

Ademais, além das funções supracitadas, a APS também se estrutura de acordo com sete requisitos para ser considerada de qualidade: Primeiro contato, longitudinalidade, integralidade, coordenação, centralidade na família, abordagem familiar e orientação comunitária. Respectivamente, ser o primeiro contato dos indivíduos com o sistema; acompanhá-los no decorrer dos anos; reconhecer as necessidades de saúde da população e os recursos para abordá-las; disponibilidade de informações sobre os problemas de saúde e os serviços prestados; conhecer a família e seus problemas de saúde; abordar o paciente buscando estreitar a relação entre equipe de saúde e sua família; usar os conhecimentos científicos para ajustar projetos de acordo com a necessidade da população. (Brasil, 2010). 

É importante ressaltar que nesta organização em níveis de atenção do SUS, o primeiro nível deve ser o que está presente em todo o território nacional. (Faria, 2020). Nesse sentido, sua taxa de cobertura municipal é fundamental para a redução de mazelas ligadas à saúde, bem como a garantia de acesso da população do território coberto ao espectro de serviços de saúde prestado pelo sistema. (Souza et al., 2023). 

Neste cenário, surgem as Condições Sensíveis à Atenção Primária (CSAP), definidas como doenças que possuem suas taxas de incidência e internação reduzidas a partir de intervenções da Atenção Primária, seja pela expansão do território coberto, ou pela eficácia na qualidade dos serviços oferecidos. (Alfradique et al., 2009). As hospitalizações por essas condições, referidas como Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP), são internacionalmente utilizadas como ferramentas de avaliação e monitoramento da APS. (Nendel et al., 2010). 

No Brasil, as CSAP foram definidas pela Portaria n° 221 de 17 de abril de 2008, baseada na décima edição da lista de Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10), incluindo 19 grupos de doenças. Dentre estes, inclui-se o grupo de infecções da pele e tecido subcutâneo, no qual inserem-se afecções como erisipela (CID A46), impetigo (CID L01), abscesso subcutâneo furúnculo e carbúnculo (CID L02), celulite (CID L03), linfadenite aguda (L04), outras infecções não especificadas localizadas na pele e tecido subcutâneo (CID L08). (Brasil, 2008). 

A erisipela acomete a camada dérmica da pele, podendo também afetar os vasos linfáticos cutâneos superficiais; caracteriza-se por uma área eritematosa bem delimitada e elevada que atinge principalmente membros inferiores (MMII) e face- segunda área do corpo mais acometida. O tratamento a ser realizado inclui repouso e elevação dos membros, se houver acometimento de MMII, bem como antibioticoterapia, sendo a monoterapia com penicilina por 5 a 10 dias o tratamento de escolha. (Michael e Shaukat, 2023). 

De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia (2021), o impetigo é uma infecção bacteriana superficial da pele, comum, de natureza muito contagiosa, que costuma se estabelecer principalmente na face ou extremidades. Clinicamente, pode ser classificado como bolhoso (30% dos casos) e não bolhoso (70% dos casos). O tratamento de ambas as formas pode ser feito com antimicrobianos tópicos e orais, dependendo da extensão da lesão e condições associadas. A terapia tópica é recomendada para pacientes com um número limitado de lesões, enquanto a oral é indicada para pacientes com múltiplas lesões, ou em situações em que há a necessidade de reduzir a contaminação, geralmente onde muitas pessoas estão infectadas. (Johnson, 2020).

Os furúnculos consistem na infecção local de um folículo piloso, a glândula sebácea e o tecido ao redor, segundo o Ministério da Saúde (2019). Podem se apresentar como uma lesão única, acometendo apenas um folículo; de forma repetida (furunculose); ou disseminada a folículos pilosos circundantes, indicando infecção folicular múltipla conhecida como carbúnculo ou antraz. Embora seus principais agentes causadores sejam bacterianos, com destaque aos estafilococos, a antibioticoterapia só é indicada diante de complicações. A terapia inicial consiste na higiene adequada do local com antissépticos e aplicação de compressas. (García et al., 2014). 

Causadas em sua maioria pelo estreptococo beta-hemolítico, as celulites são quadros infecciosos que se disseminam pela pele envolvendo a derme profunda e o tecido subcutâneo. São classificadas como purulenta e não purulenta, sendo a primeira caracterizada pela presença de pústula, abscesso e drenagem purulenta. Tipicamente, apresenta-se com início agudo de eritema, inchaço, sensibilidade e rubor, acometendo principalmente os membros inferiores. De modo geral, o tratamento inicial consiste em terapia antimicrobiana empírica, porém buscando cobrir o estreptococo beta-hemolítico; para as formas purulentas, também se considera a realização de incisão e drenagem da secreção. (Bystritsky, 2021). 

A linfadenite é definida como a infecção de linfonodos, resultante de uma infecção bacteriana pregressa, onde os gânglios linfáticos acometidos tendem a ficar distendidos, dolorosos e rígidos, podendo cursar com febre, edema e aumento de sensibilidade. Diante da possibilidade do quadro se espalhar em poucas horas, o tratamento deve ser iniciado o quanto antes, e conta com antibioticoterapia, analgesia, anti-inflamatórios e compressas para a redução da atividade inflamatória. (Pasternack, 2020). 

Diante do exposto, este trabalho analisa o comportamento das internações por doenças cutâneas e da cobertura populacional da Atenção Básica a nível estadual, voltado ao estado do Pará, e nacional, buscando observar, ao longo do período analisado, se o comportamento da abrangência da AP teve alguma repercussão significativa nesse tipo de hospitalização, e como esteve sua efetividade na referida unidade federativa em relação ao cenário do país. 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo ecológico, descritivo e longitudinal. Os dados analisados foram coletados das plataformas e-Gestor Atenção Básica, do domínio da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), e do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), pertencente ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). O tabulamento foi realizado a partir de planilhas na plataforma Microsoft Office 365 Excel. Para os testes estatísticos, o software R-Studio foi utilizado, sendo os testes de Kolmogorov-Smirnov e o de correlação de Pearson os selecionados para analisar, respectivamente, se havia distribuição normal e correlação entre as variáveis analisadas. Para ambos, o nível de significância para os resultados foi determinado por p < 0,05. Quanto aos aspectos éticos, este estudo utilizou dados secundários, disponíveis publicamente, não havendo necessidade de avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, de acordo com a resolução n° 466 de 12 de dezembro de 2012, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

Entre 2012 e 2022, houve aumento na cobertura da atenção primária, tanto em escala nacional, quanto na estadual. No Brasil, a APS cobriu, em média, 67,74% da população no ano de 2012, e 72,30% no ano de 2022, representando um aumento de 4,56 pontos percentuais (pp) em sua cobertura. No estado do Pará, a média de cobertura no ano de 2012 foi de 54,34% para 58,92% em 2022, apresentando crescimento de 4,58pp. De modo geral, os anos com picos de cobertura para o Brasil e Pará foram, respectivamente, 2020 – com 75,58% – e 2018, com 66,46%. O gráfico 1 ilustra os comportamentos da cobertura populacional da AB em relação ao ano, no Pará e Brasil, de 2012 a 2022.

Figura1: Gráfico evolutivo da cobertura da Atenção primária no Brasil e Estado do Pará, de 2012 a 2022. CEAP: Cobertura Estadual da Atenção Primária. CNAP: Cobertura Nacional da Atenção Primária.

Em contrapartida, para o mesmo período, foram registradas 922.716 internações por CCSAP no cenário nacional, e 61.466 internações pelas mesmas causas no estado do Pará. O ano de 2019 conteve um total de 102.823 internações para o Brasil, enquanto 2017 conteve o pico de internações por CCSAP no Pará, com 7.028 hospitalizações. A figura 2 ilustra o comportamento do total de internações por ano, no Brasil e Estado do Pará, de 2012 a 2022.

Figura 2: Representação gráfica do total de internações anuais, de 2012 a 2022, por Condições Cutâneas Sensíveis à Atenção Primária no Brasil e Estado do Pará. IECCSAP: Internações Estaduais por Condições Cutâneas Sensíveis à Atenção Primária. INCCSAP: Internações Nacionais por Condições Cutâneas Sensíveis à Atenção Primária.

A partir da Correlação de Pearson, foram identificados os coeficientes de correlação entre cobertura da Atenção Primária e ICCSAP. Considerando os valores nacionais, obteve-se r = 0.6261705, e p = 0.03929. Do mesmo modo, para o estado do Pará, r = 0.6815645, e p = 0.02091. Sendo assim, constatou-se um padrão de crescimento no número absoluto de internações por condições cutâneas sensíveis à AP no Pará e no Brasil, assim como a cobertura da AP. O primeiro, possuiu 4.229 casos em 2012, e 4802 casos em 2022. Quanto ao segundo, o total de internações em 2012 foi de 64.273, e 84.674 em 2022. Apesar da tendência supracitada, o crescimento das internações, bem como da média anual de cobertura populacional da Atenção Primária, não foi constante, visto que houveram reduções em determinados anos no Pará e no Brasil, como já evidenciado nos gráficos 1 e 2.

No período analisado, a maioria dos pacientes internados eram do sexo masculino, seja para o Pará (59,03%), ou para o Brasil (58,42%). A faixa etária de 20 a 29 anos foi a que conteve o maior número de internações para o estado do Pará, enquanto indivíduos entre 1-4 anos foram os mais hospitalizados no contexto nacional, conforme ilustrado na tabela 1.

Tabela 1: Internações no Estado do Pará e Brasil por condições cutâneas sensíveis à Atenção Primária, de 2012 a 2022, distribuídas por faixa-etária.  

DISCUSSÃO

A Atenção Primária à Saúde (APS) é uma das bases para promoção e proteção da saúde preconizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a qual possui diversas estratégias para sua manutenção e alcance no território do país, servindo como uma porta de entrada ao Sistema (BRASIL, 2017). Além de dar início ao processo de desenvolvimento da saúde da população, as características de capilarização e multiprofissionalidade da APS possibilitam que ela possa atender de 80 a 90% das necessidades em saúde da comunidade e alavanca a possibilidade de redirecionar atendimentos para setores mais complexos quanto ao nível de atenção à saúde. Dentre as múltiplas estratégias, há o Programa Mais Médicos que gradualmente foi implantado pelo território e, por exemplo, cursou com redução das internações em 8,3% logo no segundo ano e 13,6% no terceiro ano de atividade do Programa para os municípios que receberam 15% ou mais de médicos, comparado com o contingente anterior ao Programa. Logo, a equipe multiprofissional capacitada e maior cobertura populacional das estratégias implica em melhores e mais precisas indicações de internação, com uma economia em 2013 estimada de cerca de 6,1 bilhões de dólares (Organização Pan-Americana de Saúde, 2018).

Para melhor análise da cobertura populacional estimada, é preciso compreender que seu indicador é uma estimativa para proposição de melhorias e intervenções. Esse indicador se baseia na quantidade de equipes vinculadas ao programa Estratégia de Saúde da Família (ESF), as quais são fatoriais ao número de equipes da Atenção Básica e à carga horária efetivamente médica e de enfermagem equivalentes na equipe. Portanto, quanto mais equipes estiverem em atividade, com maior foco na Atenção Básica e maior tempo de atividade, melhores e mais eficazes serão os impactos populacionais; além de que populações maiores exigem que a intervenção em saúde seja proporcional para maior estimativa de cobertura (Brasil, 2021).

A cobertura populacional no país e no estado do Pará teve um aumento de 4,6 pontos percentuais (pp) no intervalo de 2012 a 2022; o maior pico de abrangência no estado do Pará se deu no ano de 2018 (66,46%) e do país ocorreu no ano de 2020 (75,58%). Ambos passaram por uma recessão da abrangência da cobertura no ano de 2021. De acordo com Giovanella et al (2021), no período de 2013 a 2019 os maiores aumentos de cobertura populacional se deram nas regiões Norte e Sul, com 9,1 e 8,8 pp, respectivamente, elevação ainda mais expressiva se destaca pelo estado do Pará, na faixa de 16 pp. Ainda que o estado possua uma aumento relativo expressivo na cobertura da atenção, os valores absolutos denotam que ainda se mantém emergente a necessidade de intervir e aprimorar as estratégias de saúde para melhor controle e melhoria da base da saúde da população e, por conseguinte, atingir outros níveis como as internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP). Como dito anteriormente, a quantidade e qualidade adequadas do serviço implicam em melhores indicações para internações de enfermidades passíveis de serem diagnosticadas já na esfera inicial de atendimento, sejam por condições cardiovasculares, neurológicas, cutâneas e outras diversas categorias.

A fim de melhor analisar a relação entre o suporte básico e as internações por condições cutâneas sensíveis à atenção primária, foram obtidos dados referentes ao país, expressando um aumento aproximado de 23% de internações por tais condições, enquanto que no estado do Pará houve aumento de 9,1%. Para fins comparativos, os valores são discrepantes e implicam um impasse em espelhar a análise de ambos espaços amostrais. Isso se deve pela ainda baixa cobertura de saúde na atenção básica no estado do Pará, fato corroborado por Veloso e Caldeira (2022), pois os autores evidenciaram que em municípios com taxas de cobertura das ESFs menores que 70% não só a relação da cobertura com as indicações das ICSAP se torna fragilizada como também a própria qualidade do serviço decai, apresentando diminuição de acompanhamento em condições crônicas, falhas no aprimoramento de diagnóstico e, além disso, maiores dificuldades de acesso às medicações para estas e outras condições.

Tratando-se dessa cobertura média da atenção primária, é averiguado na Figura 1 uma baixa significativa da cobertura populacional no período de 2020 a 2021, tanto em análise de nação quanto de unidade federativa, apresentando uma baixa de cerca de 15 pp neste último. Isso mantém o reforço de que a análise das internações relacionadas à cobertura possui fragilidades e não obtiveram um patamar adequado para estatisticamente denotar uma relação causal.

Essa queda notoriamente ocorre pela mudança do cenário mundial com a pandemia da Covid-19, doença causada pelo vírus SARS-CoV-2, a qual gerou consequências de diversos âmbitos com trânsitos diversos pelo país e pelo mundo. Dentre esses efeitos, a APS manteve-se como uma porta de entrada para os atendimentos, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) geridas pelas equipes de Saúde da Família (eSF) passaram a dar início aos atendimentos de infecções pelo novo coronavírus para a grande maioria da população ainda que os gestores e profissionais, em sua maior expressão, não obtiveram preparo e/ou capacitações adequadas para sustentar os efeitos da nova doença em questão. Além disso, a distribuição de insumos, a manutenção da qualidade do serviço, sua capilarização e a relação entre o profissional de saúde e o solicitante passaram por recessões e consequentemente se tornaram deletérios quanto à sensibilidade e longitudinalidade do cuidado. Os atendimentos e avaliações que antes ocorriam passaram por maiores interrupções e a amplitude do acesso à saúde se tornou fragilizada em prol de um foco maior no novo coronavírus, o qual manteve-se sobrecarregado continuamente (Geraldo et al, 2021; Frota et al, 2022).

Não só a gestão passa a ter um redirecionamento e readequação do serviço com maior foco na pandemia como também as unidades de saúde passam a ter uma instabilidade na contratação dos profissionais da saúde pela carência de verbas ou até mesmo do próprio capital humano. Isso se deve, dentre outros fatores, pela piora das condições de trabalho em diversos setores e pela centralização do médico como profissional majoritariamente capacitado para controle das condições e enfermidades apresentadas pelos solicitantes do Sistema. Logo, o médico passa a ter maior carga horária e maior volume de pacientes para realizar uma análise sistemática e maior rotatividade de contratação entre as áreas e níveis do serviço, apresentando, por conseguinte, uma baixa da qualidade do trabalho e uma alteração na dinâmica das hospitalizações (Penha et al, 2023; Soares e Passos, 2022).

Essa alteração da relação entre os níveis de atendimento – em se tratando de internações – passam a ter maior foco em causas respiratórias e, comparando-se com outras causas infecciosas, atingem 41% de origem viral, competindo com as três maiores causas de internações no SUS vigentes até o momento, expressas por causas obstétricas, consequências externas (lesões, politraumas, dentre outros) e doenças do aparelho digestivo. Os efeitos em condições cutâneas possuem uma variação relativa menor pelo fato de sua frequência absoluta ser reduzida ao contraposta às demais causas supracitadas (Albuquerque, 2020).

Em se tratando de doenças de origem cutânea sensíveis à atenção primária, há uma considerável amplitude de enfermidades as quais podem ser avaliadas em estágios iniciais através da longitudinalidade dos atendimentos e, portanto, melhor indicadas para internação caso apresentem maior gravidade ou piora rápida e progressiva. A exemplo, temos a erisipela, furunculose, linfadenite e impetigo. Quanto a este último, Bowen et al (2015) avaliou a conjuntura global da doença e constatou que em países de baixa-média renda, a prevalência mediana se expressa entre 12,8 a 14,5% na população de 9 anos de idade ou menos; os dados relacionados ao pioderma – complicação relacionada ao impetigo – também são mais predominantes em países com menor renda e pode, potencialmente, alavancar maiores taxas de hospitalizações. Enquanto isso, os casos de escabiose, por mais que sejam comuns, não implicam em maiores probabilidades de internação.

No presente estudo, a taxa de internação nos primeiros 10 anos de vida no estado do Pará se deu próxima de 17,5% e no país foi cerca de 27,1%, ambas foram de maior valor expressivo, tratando-se do mesmo intervalo de tempo. Ainda que significativos, os bancos de dados sobre as internações por condições cutâneas no país não explicitam uma causalidade principal.

Quanto ao observado em casos de abscesso cutâneo, o número de admissões no departamento de emergência nos Estados Unidos da América dobrou de 1996 a 2005, afetando majoritariamente homens na faixa de 19 a 45 anos, equivalente à metade da amostra do estudo (Taira et al, 2009). Semelhante ao mesmo período observado, houve um aumento na incidência de furunculose por Staphylococcus aureus resistente à meticilina, tornando-se gradativamente um foco emergencial associado à comunidade na faixa de 18 a 44 anos (Demos et al, 2012), além de serem comuns independente da saúde do paciente, porém mais ativa em pessoas vivendo com HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) e pacientes com histórico de drogadição (Marques e Abbade, 2020). A integralização do acesso à saúde no Brasil e sua característica longitudinal potencialmente podem diminuir essa incidência na população economicamente ativa.

Já no caso de erisipela, Grossi et al (2022) identificou quanto sua epidemiologia que os casos são mais prevalentes na população da terceira idade, principalmente homens; além disso, infecções bacterianas de pele e tecidos moles apresentaram uma taxa de internação de 16,47%. Ademais, a população na faixa de 85 anos apresentou 5 vezes mais casos de celulite infecciosa que pacientes de 54 anos, um aumento considerável que se mostrou sem grandes relações com idade, porém maiores proximidades com fatores de risco como obesidade, trauma ou infecções concomitantes (Raff e Kroshinsky, 2016; McNamara et al, 2007). Ainda que as taxas de internação por condições cutâneas no estado do Pará e no Brasil sejam decrescentes na terceira idade, os estudos epidemiológicos anteriormente citados denotam um crescimento da incidência e relação com comorbidades acentuadamente crescente; virtualmente um alerta para possíveis mudanças no cenário analisado e reforço dos programas e atividades em saúde já em vigência na atenção primária.

CONCLUSÃO

Como elucidado, a cobertura da atenção primária no estado do Pará, ainda que em ascensão, apresenta-se abaixo das estimativas necessárias para melhor impacto. Além disso, para análises científicas ainda mais aprofundadas é necessário constatar que a meta de cobertura populacional para testes estatísticos mais concretos e fidedignos é de ao menos 70%, portanto, comparações com a esfera nacional se apresentam tênues no contexto atual; não obstante, ainda que a cobertura populacional da nação atinja, em média, valores mais elevados que o estado do Pará, para melhor avaliação epidemiológica diante da pluralidade do país, é necessário reerguer e incentivar estratégias já vigentes nessa esfera de atenção.

Ademais, uma considerável dificuldade da manutenção e elevação da cobertura se deu pelo período pandêmico ocasionado pela Covid-19; os pilares da abrangência e qualidade dos serviços de saúde de diversos âmbitos tornaram-se frágeis diante da grande superlotação e saturação pela enfermidade em questão. Por mais que no decorrer do contexto a APS apresentou considerável melhora da cobertura e elevação da qualidade do serviço, ainda é necessário intervir e manter as estratégias e políticas em saúde para atingir metas pelos próximos anos do SUS.

Aliado a isso, comparativamente com nações de perfil socioeconômico semelhantes ao Brasil, apresenta-se pertinente a possibilidade de traçar metas de controle e tratamento adequados através de maior elucidação ao corpo laboral das unidades de saúde, realizando melhor amparo com insumos e tecnologias adequadas, além de prosseguir com estratégias sociopolíticas quanto ao acesso populacional e abrangência do serviço.

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