REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202412121402
Giulianna Luzia Pereira1; Antônio Miguel Arias e Silva1; Ana Rosa Reis Vasconcelos2; Breno Clemente Garcia1; Lucas Massa De Francesco1; Lucas Kawamoto Dela Torre1; Mariana Dias Salemi3; Raissa Haddad Rodrigues1; Sabrina Gun1; Sofia Simoni Ilinsky1
RESUMO
A cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação metabólica grave do diabetes que representa um desafio significativo no manejo clínico devido à sua complexidade e às potenciais complicações associadas. Fatores como diagnóstico tardio, adesão inadequada ao tratamento e condições associadas, como infecções graves, agravam o quadro clínico. Este artigo aborda os principais desafios no manejo da CAD, com destaque para a necessidade de monitoramento rigoroso do equilíbrio ácido-base, reposição hídrica, controle glicêmico e correção de distúrbios eletrolíticos, como a hipocalemia. Estratégias emergentes incluem avanços no uso de protocolos baseados em inteligência artificial, educação em saúde para pacientes e o desenvolvimento de insulinas de ação ultrarrápida. No entanto, barreiras como acesso limitado a cuidados de alta qualidade, treinamento insuficiente de equipes de saúde e variações nos protocolos clínicos dificultam o manejo eficaz. Perspectivas futuras ressaltam a importância de abordagens integradas, programas educativos e novas tecnologias para melhorar o desfecho e reduzir a mortalidade associada à CAD.
Palavras chaves: Cetoacidose Diabética; Diabetes Mellitus; Complicações do Diabetes.
ABSTRACT
Diabetic ketoacidosis (DKA) is a severe metabolic complication of diabetes, posing significant challenges in clinical management due to its complexity and associated risks. Factors such as delayed diagnosis, poor treatment adherence, and comorbid conditions, including severe infections, exacerbate the clinical scenario. This article highlights the key challenges in managing DKA, emphasizing the importance of rigorous monitoring of acid-base balance, fluid replacement, glycemic control, and correction of electrolyte disturbances, such as hypokalemia. Emerging strategies include advances in protocols leveraging artificial intelligence, patient health education, and the development of ultra-rapid-acting insulins. However, barriers such as limited access to high-quality care, inadequate healthcare team training, and variations in clinical protocols hinder effective management. Future perspectives underscore the importance of integrated approaches, educational programs, and innovative technologies to improve outcomes and reduce mortality associated with DKA.
Keywords: Diabetic Ketoacidosis; Diabetes Mellitus; Diabetic Complications.
INTRODUÇÃO
A cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação metabólica aguda do diabetes mellitus (DM), especialmente do tipo 1, caracterizada por hiperglicemia, acidose metabólica e cetonemia. Ela resulta de uma deficiência absoluta ou relativa de insulina combinada com aumento de hormônios contrarreguladores, como glucagon, catecolaminas e cortisol (AHMAD et al., 2023). Embora avanços no manejo do DM tenham reduzido a mortalidade associada à CAD, a condição permanece uma emergência médica com risco significativo de morte, especialmente em casos associados a infecções, que representam aproximadamente 50% dos fatores precipitantes (AHMAD et al., 2023).
Nos últimos anos, a introdução de inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (SGLT2) ampliou as opções terapêuticas para o manejo do DM tipo 2 devido aos benefícios cardiovasculares e renais associados ao seu uso. Contudo, o uso desses medicamentos também trouxe à tona um aumento nos casos de cetoacidose diabética euglicêmica (CADE), uma variante atípica da CAD, caracterizada por glicemia normal ou levemente elevada (<250 mg/dL), o que pode atrasar o diagnóstico e o início do tratamento (MORACE et al., 2024). Essa condição, descrita pela primeira vez por Munro et al. em 1973, ganhou destaque nos últimos anos devido à sua associação com os SGLT2-i (DAGDEVIREN et al., 2024). Além disso, a CAD apresenta manifestações que podem mimetizar infecções, como febre e elevações de biomarcadores inflamatórios, dificultando o diagnóstico diferencial e aumentando o risco de tratamento inadequado, incluindo o uso desnecessário de antibióticos (AHMAD et al., 2023). Apesar disso, avanços recentes no monitoramento, como a utilização de marcadores específicos como procalcitonina e lactato, têm auxiliado na detecção precoce de infecções em pacientes com CAD e na tomada de decisões terapêuticas mais assertivas (AHMAD et al., 2023).
Com base nas evidências mais recentes, este artigo revisa as interfaces do manejo da cetoacidose diabética, explorando as particularidades da CADE e os desafios associados ao diagnóstico diferencial e à terapêutica em pacientes sob uso de SGLT2-i. Ao integrar dados de estudos clínicos e revisões, busca-se oferecer uma abordagem abrangente e atualizada sobre estratégias de manejo e prevenção dessa condição crítica.
METODOLOGIA
Este estudo foi conduzido a partir de uma revisão integrativa de literatura, com o objetivo de consolidar conhecimentos sobre as interfaces do manejo da cetoacidose diabética. A pesquisa foi realizada nas bases PubMed, BVS e LILACS, entre dezembro de 2019 e dezembro de 2024, utilizando os seguintes descritores: Cetoacidose Diabética; Diabetes Mellitus; Complicações do Diabetes. Os critérios de inclusão foram: estudos originais, revisões sistemáticas e meta-análises publicados em periódicos revisados por pares e trabalhos que abordassem as interfaces do manejo da cetoacidose diabética e artigos disponíveis em texto completo, nos idiomas inglês, português. Os critérios de exclusão foram dados insuficientes ou inadequados para análise, estudos que não abordassem o tema e estudos duplicados em diferentes bases. A seleção envolveu a leitura de títulos, resumos e textos completos, conforme os critérios acima, culminando em uma amostra final de 45 artigos relevantes. Os dados foram extraídos de forma sistemática, com enfoque em metodologias aplicadas, resultados alcançados e limitações apontadas. A análise qualitativa e comparativa foi realizada para identificar padrões, tendências e lacunas no campo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os estudos analisados evidenciam que a cetoacidose diabética (CAD) permanece uma complicação metabólica significativa do diabetes mellitus (DM), sendo associada a fatores precipitantes, como infecções e interrupções no uso de insulina (AHMAD et al.). A CAD tem importância clínica devido à sua elevada morbimortalidade, especialmente em casos onde o diagnóstico é tardio ou o manejo é inadequado. Além disso, a introdução dos inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (SGLT-2) trouxe novos desafios ao manejo do DM, devido ao aumento de casos de cetoacidose diabética euglicêmica (CADE), uma variante atípica caracterizada pela ausência de hiperglicemia significativa (<200 mg/dL), o que pode atrasar o reconhecimento clínico (CHOW et al.).
A CADE é frequentemente associada ao uso de inibidores de SGLT-2, como a canagliflozina, dapagliflozina e empagliflozina, medicamentos amplamente utilizados no manejo do DM tipo 2 (PATEL & NAIR). Esses fármacos, ao reduzirem a reabsorção renal de glicose, provocam um déficit de carboidratos, levando ao aumento do glucagon sérico e ao estado catabólico favorecedor da lipólise e cetogênese. Adicionalmente, fatores como dietas cetogênicas, cirurgias, doenças infecciosas e gravidez são citados como precipitantes críticos dessa condição metabólica (REDDY et al.) (PATEL & NAIR).
Do ponto de vista terapêutico, o manejo da CADE segue os mesmos princípios da CAD clássica, mas com adaptações específicas. A reposição agressiva de fluidos, a correção de eletrólitos e a administração intravenosa de insulina são os pilares do tratamento. A literatura enfatiza a importância do uso de soluções balanceadas, como Ringer lactato, para evitar acidose hiperclorêmica associada ao uso prolongado de soro fisiológico (ALDHAEEFI et al.). Além disso, a administração de dextrose é recomendada para evitar hipoglicemia durante a terapia com insulina, especialmente em cenários onde os níveis glicêmicos já são baixos na admissão (DHATARIYA & VELLANKI).
A detecção precoce da CADE é essencial para prevenir complicações graves. Testes diagnósticos, como a medição de β-hidroxibutirato no sangue, são mais sensíveis e específicos do que os testes de cetonas urinárias, que podem não refletir adequadamente o estado cetogênico no contexto da CADE (DHATARIYA & VELLANKI) (PATEL & NAIR). O uso de dispositivos portáteis para monitoramento de cetonas tem se mostrado uma ferramenta eficaz no manejo ambulatorial de pacientes em risco elevado, principalmente aqueles em uso de inibidores de SGLT-2 (DUTTA et al.).
Outro ponto relevante é a associação da CADE com infecções virais, como a COVID-19. Estudos apontam que o SARS-CoV-2 pode exacerbar distúrbios metabólicos, desencadeando episódios de CAD e CADE. A fisiopatologia envolve a interação entre a resposta inflamatória exacerbada e os efeitos diretos do vírus nas células beta pancreáticas, agravando a deficiência de insulina (REDDY et al.). Isso ressalta a necessidade de vigilância clínica rigorosa em pacientes diabéticos durante pandemias ou surtos infecciosos.
A prevenção de eventos de CADE requer estratégias educacionais robustas e protocolos clínicos bem estabelecidos. Pacientes em uso de inibidores de SGLT-2 devem ser orientados a interromper o medicamento antes de cirurgias eletivas ou em casos de doenças graves que possam limitar a ingestão de carboidratos (PATEL & NAIR). Programas de educação para saúde, com foco no reconhecimento precoce de sinais de alerta, podem reduzir significativamente as hospitalizações relacionadas à CADE (ELEDRISI & ELZOUKI).
Finalmente, é crucial o desenvolvimento de diretrizes terapêuticas específicas para o manejo da CADE, considerando a complexidade da condição e os múltiplos fatores precipitantes envolvidos. A literatura recente sugere que a integração de abordagens baseadas em evidências pode otimizar os resultados clínicos e garantir o uso seguro e eficaz dos inibidores de SGLT-2 (PATEL & NAIR) (ALDHAEEFI et al.).
CONCLUSÃO
A cetoacidose diabética (CAD) representa uma emergência médica de alta complexidade, exigindo atenção contínua e estratégias multifacetadas para otimizar seu manejo. Apesar dos avanços na compreensão de sua fisiopatologia e no desenvolvimento de intervenções terapêuticas, a CAD, especialmente em sua variante euglicêmica, continua a apresentar desafios significativos devido à dificuldade de diagnóstico precoce e ao risco de complicações graves.
Este estudo enfatiza que a identificação rápida e precisa de fatores precipitantes, como infecções, jejum prolongado, uso de inibidores de SGLT2 e condições específicas, como imunoterapia oncológica, é crucial para evitar atrasos no tratamento. Além disso, a adoção de abordagens terapêuticas baseadas em evidências, como o uso de soluções balanceadas para reposição volêmica e a administração de insulina intravenosa em casos graves, deve ser associada a um monitoramento rigoroso do equilíbrio ácido-base e dos parâmetros eletrolíticos. A integração de tecnologias emergentes, como inteligência artificial e dispositivos de monitoramento contínuo, oferece um potencial significativo para melhorar a precisão diagnóstica e a tomada de decisão clínica. No entanto, barreiras como desigualdades no acesso a cuidados de alta qualidade, variações nos protocolos clínicos e lacunas no treinamento das equipes de saúde ainda limitam os avanços no manejo da CAD.
Perspectivas futuras incluem o desenvolvimento de diretrizes clínicas mais robustas, o fortalecimento de programas educativos para profissionais de saúde e pacientes, e o incentivo à pesquisa translacional para explorar novas opções terapêuticas, como insulinas de ação ultrarrápida e biomarcadores específicos. Além disso, a incorporação de estratégias preventivas, como o monitoramento ambulatorial proativo e a orientação detalhada a pacientes em situações de risco, pode reduzir significativamente a incidência de episódios graves.
É imprescindível também que estudos continuem a investigar a relação entre infecções emergentes, como COVID-19, e a CAD, considerando a complexidade das interações metabólicas e imunológicas envolvidas. Por fim, a implementação de abordagens interdisciplinares, que combinem esforços médicos, tecnológicos e sociais, é essencial para superar os desafios remanescentes, assegurando que todos os pacientes, independentemente de sua localização ou condição socioeconômica, possam se beneficiar de cuidados de alta qualidade e baseados na equidade. Assim, o combate à CAD requer não apenas avanços científicos, mas também políticas públicas e iniciativas colaborativas que priorizem a excelência e a acessibilidade no cuidado em saúde.
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1Discente – Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul
2Médica – Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH
3Discente- Medicina da Faculdade Medicina ABC