INTERAÇÕES ENTRE OBESIDADE E CARCINOGÊNESE: RELAÇÃO ENTRE EXCESSO DE PESO E RISCO ONCOLÓGICO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501231345


Daniela Silva Souza1
Ludmila de Melo Lima1
Rafaella Raíssa Gonçalves Caetano1
Juliana Lilis da Silva 2


RESUMO

Introdução: A obesidade é identificada como um fator de risco para diversos cânceres, incluindo os de mama (pós-menopausa), colorretal, endométrio, rim e esôfago, sendo os mecanismos fisiopatológicos centrais a inflamação crônica, resistência à insulina, desregulação hormonal e alterações na microbiota intestinal. Objetivo: Identificar a relação entre obesidade e câncer. Além disso, revisar dados do DATASUS, elucidar mecanismos envolvidos na relação obesidade-câncer e propor diretrizes para a prevenção e o tratamento dessas condições. Metodologia: Houve uma busca eletrônica nas bases de dados Google Scholar, BVS, SciELO, PubMed e DATASUS. Incluíram artigos e dados publicados entre 2020 e 2024, nos idiomas português e inglês, que abordam a relação entre obesidade e diferentes tipos de câncer. Excluíram artigos que não estão diretamente relacionados ao tema ou que não apresentam metodologia e resultados bem delineados. A seleção dos estudos foi realizada de acordo com o modelo PRISMA. Resultados e Discussão: No Brasil, a prevalência da obesidade tem aumentado de forma alarmante e varia de acordo com fatores sociodemográficos, como faixa etária, sexo, etnia e localização geográfica, fato que reflete as desigualdades socioeconômicas e o acesso limitado a recursos de saúde em algumas regiões. Dados indicam que a obesidade é mais prevalente nas regiões Centro-Oeste e Sul, com Mato Grosso do Sul e Goiás apresentando os maiores índices, seguidos por Minas Gerais. A análise também revela uma maior incidência de obesidade em mulheres, especialmente em faixas etárias avançadas, o que pode ser atribuído a fatores hormonais e sociais, como o estilo de vida e o papel da mulher nas atividades de cuidado familiar.Estudos recentes discutem: como o tecido adiposo cria um ambiente favorável para o crescimento e a progressão tumoral; a associação entre a disbiose, a obesidade e o câncer de colerretal; e o aumento do risco de adenocarcinoma de esôfago decorrente do refluxo gastroesofágico causado pelo acúmulo de gordura abdominal. Conclusão: Este estudo busca integrar prevenção, diagnóstico precoce e tratamento para mitigar os efeitos da obesidade na saúde oncológica da população brasileira. A prevenção e o controle da obesidade devem ser prioridades de saúde pública. São recomendadas intervenções que contemplem a educação em saúde, acesso facilitado a alimentos saudáveis e maior disponibilidade de espaços públicos para prática de atividades físicas. Campanhas educativas e programas de rastreamento para populações obesas podem facilitar a detecção precoce de câncer e contribuir para a redução da mortalidade associada.

Palavras-chaves: Epidemiologia, Prevenção, Saúde Pública.

ABSTRACT

Introduction: Obesity is identified as a risk factor for several cancers, including breast (postmenopausal), colorectal, endometrial, kidney and esophageal, with the central pathophysiological mechanisms being chronic inflammation, insulin resistance, hormonal dysregulation and changes in the intestinal microbiota. Objective: to identify the relationship between obesity and cancer. In addition, to verify the DATASUS data, elucidate the mechanisms involved in the obesity-cancer relationship and provide guidelines for the prevention and treatment of these conditions. Methodology: An electronic search was carried out in the Google Scholar, BVS, SciELO, PubMed and DATASUS databases. They included articles and data published between 2020 and 2024, in Portuguese and English, that address the relationship between obesity and different types of cancer. Articles that were not directly related to the topic or that did not present well-defined methodology and results were excluded. The selection of studies was carried out according to the PRISMA model. Results and Discussion: In Brazil, the prevalence of obesity has increased alarmingly and varies according to sociodemographic factors, such as age group, sex, ethnicity and geographic location, a fact that reflects socioeconomic inequalities and limited access to health resources in some regions. Data indicate that obesity is more prevalent in the Central-West and South regions, with Mato Grosso do Sul and Goiás presenting the highest rates, followed by Minas Gerais. The analysis also revealed a higher incidence of obesity in women, especially in older age groups, which can be attributed to hormonal and social factors, such as lifestyle and the role of women in family care activities. Recent studies discuss: how adipose tissue creates an environment favorable to tumor growth and progression; the association between dysbiosis, obesity and colorectal cancer; and the increased risk of esophageal adenocarcinoma resulting from gastroesophageal reflux caused by the accumulation of abdominal fat. Conclusion: This study aims to integrate prevention, early diagnosis and treatment to mitigate the effects of obesity on the oncological health of the Brazilian population. Prevention and control of obesity should be public health priorities. Interventions that include health education, easier access to healthy foods and greater availability of public spaces for physical activity are recommended. Educational campaigns and screening programs for the movement of obese people can facilitate early detection of cancer and contribute to reducing associated mortality.

Key words: Epidemiology, Prevention, Public Health.

1 INTRODUÇÃO

A obesidade é uma condição caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, sendo definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou superior a 30 kg m-² (WHO, 2020). Essa condição não é apenas um problema estético, mas um fator de risco significativo para diversas doenças crônicas, incluindo vários tipos de câncer. O aumento da adiposidade altera o ambiente metabólico do organismo, promovendo a inflamação crônica e a resistência à insulina, ambos associados à carcinogênese (Dobbins et al., 2022).

A classificação da obesidade pode ser feita de acordo com o IMC, o qual é dividido em categorias: abaixo do peso (abaixo de 18,5kg/m²), peso normal (entre 18,5 e 24,9kg/m²), sobrepeso (entre 25 e 29,9kg/m²), obesidade grau I (entre 30 e 34,9 kg/m²), obesidade grau II (entre 35 e 39,9 kg/m²) e obesidade grau III (acima de 40 kg/m²) (NHLBI, 2021). A obesidade também pode ser avaliada pela distribuição de gordura corporal, utilizando medidas como a circunferência da cintura, que indica o risco de morbidades (MASON et al., 2021). No entanto, seu diagnóstico é realizado principalmente através do cálculo do índice citado e da avaliação da composição corporal, sendo frequentemente complementado por exames laboratoriais e de imagem (Martins et al., 2023).

Estudos epidemiológicos mostram que a obesidade é um fator de risco significativo para vários tipos de câncer, incluindo mama, cólon, endométrio e pâncreas (WCRF, 2021; Zhang et al., 2022; López et al., 2022; Shin et al., 2023; Kim et al., 2023; Chen et al., 2023). A análise de dados globais revela uma correlação crescente entre taxas de obesidade e incidência de câncer, especialmente em países em desenvolvimento (Friedman et al., 2022). De acordo com a Vigitel (2022), no Brasil, a obesidade é um problema de saúde pública crescente, com a prevalência de sobrepeso e obesidade aumentando consideravelmente nas últimas décadas.

Segundo dados do Vigitel (2022), a prevalência de obesidade entre adultos é de aproximadamente 26,9%, um aumento significativo em relação a anos anteriores. Em Minas Gerais (MG), a situação é semelhante ao restante do país. Dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN, 2023) indicam que a prevalência de obesidade na população adulta do estado varia entre 25% e 30%, dependendo da região. Em Patos de Minas, cidade do interior de MG, a obesidade também é um problema crescente. Um estudo local realizado em 2022 indicou que cerca de 28% da população adulta está acima do peso ideal, com aumento associado ao sedentarismo e à alimentação inadequada (SES-MG, 2022).

O manejo da obesidade envolve abordagens multidisciplinares que incluem mudanças no estilo de vida, intervenções dietéticas, exercícios físicos e, em casos mais severos, tratamentos farmacológicos e cirúrgicos (Schauer et al., 2023). Apesar da literatura atual mostrar que intervenções eficazes podem prevenir a obesidade e, consequentemente, potencializar a redução do risco de desenvolver câncer (Jiang et al., 2022; Zhang et al., 2022; López et al., 2022; Shin et al., 2023; Kim et al., 2023; Chen et al., 2023), poucos são os estudos que relacionam essas duas doenças de maneira clara e enriquecedora. Diante disso, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão de literatura e pesquisa em bancos de dados públicos correlacionando a obesidade e o câncer.

2 METODOLOGIA

Foi realizado um levantamento bibliográfico com busca eletrônica nas bases de dados Google Scholar, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Scientific Electronic Library Online (SciELO), National Library of Medicine (PubMed), e DATASUS. O estudo foi conduzido com foco na relação entre obesidade e câncer, buscando entender os mecanismos biológicos envolvidos e examinar dados epidemiológicos recentes fornecidos pelo DATASUS.

Foram incluídos artigos e dados publicados entre 2020 e 2024, nos idiomas português e inglês, com acesso integral, que abordem a relação entre obesidade e diferentes tipos de câncer, incluindo mecanismos moleculares e fatores de risco. Foram excluídos artigos que não estejam relacionados diretamente ao tema ou que não apresentem metodologia e resultados bem delineados. Dados de fontes que não sejam validadas por entidades de saúde pública ou artigos sem revisão por pares foram igualmente desconsiderados.

Os artigos e dados selecionados foram analisados e organizados de acordo com os principais fatores de risco identificados e os mecanismos moleculares e metabólicos da obesidade que aumentam o risco de carcinogênese. Os dados epidemiológicos do DATASUS foram compilados em tabelas e gráficos para facilitar a visualização de tendências regionais e nacionais da incidência de câncer em indivíduos obesos.

De modo a garantir uma busca abrangente e precisa, as seguintes palavras-chave e suas combinações foram utilizadas: “Obesidade” (Obesity), “Câncer” (Cancer), “Carcinogênese” (Carcinogenesis), “Mecanismos Moleculares” (Molecular Mechanisms), “Excesso de Peso” (Overweight), “Risco Oncológico” (Oncological Risk), “Prevenção” (Prevention). As combinações realizadas foram: “Obesity AND Cancer AND Carcinogenesis”, “Overweight AND Oncological Risk AND Prevention”, “Obesity AND Molecular Mechanisms AND Cancer”.

A seleção dos estudos foi realizada de acordo com o modelo PRISMA, garantindo transparência e rigor no processo de revisão. As etapas incluíram:

  1. Identificação: Busca nas bases de dados e eliminação de duplicatas.
  2. Triagem: Análise de títulos e resumos para assegurar que estejam de acordo com os critérios de inclusão.
  3. Elegibilidade: Leitura completa dos artigos selecionados.
  4. Inclusão: Seleção final dos artigos e dados do DATASUS que atendam aos critérios estabelecidos para análise e discussão dos resultados.

Esse fluxo (PRISMA) documenta cada etapa, registrando o número de estudos identificados, triados e incluídos, promovendo uma revisão meticulosa e focada na interação entre obesidade e risco oncológico.

Figura 1: Fluxograma da busca e inclusão dos artigos.

Fonte: Adaptado do Preferred Reporting Items for Systematic review and Meta-Analyses (PRISMA) (Page et al., 2021).

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos dados do DATASUS revela um aumento significativo na prevalência de obesidade no Brasil nos últimos anos. Em 2023, a prevalência nacional de obesidade atingiu 25,9% da população adulta. Em Minas Gerais, esse índice foi ligeiramente superior, alcançando 27,3%. Especificamente em Patos de Minas, a prevalência de obesidade foi de 28,1%, conforme dados da Secretaria de Saúde do município. A Tabela 1 apresenta a distribuição da obesidade por faixa etária e sexo no Brasil em 2023.

Tabela 1: Prevalência de Obesidade por Faixa Etária e Sexo no Brasil

Fonte: DATASUS, 2023.

A Tabela 1 evidencia uma relação direta entre obesidade e faixa etária. Observa-se que a prevalência de obesidade aumenta com a idade até a faixa de 55-64 anos, diminuindo ligeiramente na população com 65 anos ou mais. As mulheres apresentam índices superiores em todas as faixas etárias. Esse padrão está amplamente documentado em estudos recentes, que associam o aumento da obesidade ao envelhecimento e às mudanças metabólicas que acompanham o avanço da idade. Segundo Martins et al. (2021), o declínio na taxa de obesidade após os 65 anos pode estar relacionado à redução do índice de massa corporal com o envelhecimento e ao aumento das limitações físicas que afetam o peso.

De acordo com Oliveira et al. (2022), fatores hormonais, como a queda de estrogênio após a menopausa, estão associados a um maior acúmulo de gordura abdominal nas mulheres, o que contribui para a elevação das taxas de obesidade nessa população. Além disso, Moura et al. (2023) sugerem que as mulheres podem ser mais suscetíveis a fatores psicológicos que contribuem para o ganho de peso, como estresse e ansiedade, que têm se mostrado prevalentes entre mulheres em idade produtiva.

A prevalência de obesidade na faixa de 35-44 anos, que também é expressiva, indica o impacto da vida moderna, incluindo o sedentarismo e a dieta rica em calorias e alimentos ultra processados. Souza e Almeida (2023) associam essa faixa etária ao aumento da carga de trabalho e ao estilo de vida sedentário, fatores que limitam o tempo dedicado a atividades físicas e a uma alimentação equilibrada.

Estudos como o de Carvalho et al. (2020) indicam que a prevenção da obesidade deve ser direcionada principalmente a faixas etárias jovens e de meia-idade, pois o ganho de peso acumulado ao longo dos anos é difícil de reverter nas idades mais avançadas. O estudo de Nascimento et al. (2024) também reforça a necessidade de intervenções preventivas e educacionais a partir de uma idade jovem, especialmente entre mulheres, para mitigar os fatores de risco associados ao ganho de peso e à obesidade ao longo da vida.

A Tabela 2 apresenta a prevalência de obesidade por etnia no Brasil, em 2023 (DATASUS, 2023). Destaca-se a disparidade na prevalência de obesidade entre diferentes grupos étnicos no Brasil, com as populações preta e parda apresentando os maiores índices, seguidas pelas populações indígena e branca. Esses resultados refletem padrões de desigualdade que afetam o acesso à saúde e condições socioeconômicas associadas aos diferentes grupos raciais no país. Estudos recentes apontam que essas diferenças estão ligadas a fatores estruturais, como menor acesso a alimentação saudável, desigualdade de renda e barreiras na assistência à saúde.

Tabela 2: Prevalência de Obesidade por Etnia no Brasil

Fonte: DATASUS, 2023.

Segundo Santos et al. (2021), a população negra enfrenta barreiras significativas para o acesso a cuidados preventivos e tratamento adequado, o que contribui para a alta prevalência de obesidade. Essas barreiras incluem não só limitações financeiras, mas também discriminação institucional, o que impacta negativamente na busca por tratamento. Em consonância com esses achados, Pereira e Oliveira (2022) destacam que a alimentação nas comunidades de baixa renda, onde há maior concentração das populações preta e parda, frequentemente depende de alimentos ultra processados e de menor valor nutricional, favorecendo o ganho de peso.

A população indígena também apresenta uma prevalência elevada de obesidade, o que, de acordo com Silva et al. (2023), está associado às mudanças recentes nos padrões de alimentação e estilo de vida, com uma transição para dietas ricas em açúcares e gorduras. Moura e Araújo (2023) discutem que o contato mais frequente com ambientes urbanos e a perda das práticas alimentares tradicionais resultaram em um aumento da obesidade nas populações indígenas, um problema exacerbado pela falta de políticas específicas de saúde para essa população.

Estudos como o de Lima et al. (2023) também evidenciam que as populações preta e parda enfrentam maiores índices de comorbidades associadas à obesidade, como diabetes e hipertensão. Isso sugere que a obesidade, nessas populações, intensifica o risco de desenvolvimento de condições de saúde graves. Martins e Cardoso (2020) defendem a necessidade de políticas públicas que promovam não só a conscientização sobre hábitos saudáveis, mas também o acesso a recursos que incentivem uma alimentação mais equilibrada e práticas de atividade física para esses grupos vulneráveis.

A Tabela 3 apresenta os cinco estados brasileiros com os maiores índices de obesidade em 2023. É revelada uma distribuição desigual da obesidade entre os estados brasileiros, com Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Espírito Santo liderando os índices de prevalência em 2023, respectivamente. Esses resultados refletem tanto diferenças culturais e socioeconômicas quanto fatores geográficos que influenciam o acesso a serviços de saúde, alimentação saudável e atividades físicas, aspectos que contribuem para a variabilidade na prevalência da obesidade.

Tabela 3. Estados com Maiores Índices de Obesidade no Brasil

Fonte: DATASUS, 2023.

Segundo Almeida et al. (2021), estados das regiões Centro-Oeste e Sul, como Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, enfrentam desafios particulares relacionados ao consumo excessivo de carnes e produtos processados, que fazem parte da cultura alimentar local. Essa dieta, rica em gorduras e açúcares, aumenta significativamente o risco de obesidade nessas regiões. Além disso, Pereira et al. (2023) observam que o estilo de vida rural, ainda comum em estados como Goiás e Mato Grosso do Sul, pode favorecer o sedentarismo, especialmente em comunidades mais isoladas com acesso limitado a espaços de prática de atividade física.

Em Minas Gerais, o aumento na prevalência de obesidade está relacionado ao crescimento urbano e ao maior acesso a alimentos ultra processados, conforme descrito por Santos e Oliveira (2023). As áreas metropolitanas de Minas Gerais, como Belo Horizonte, têm experimentado mudanças nos padrões alimentares, com um consumo crescente de fast food e refeições preparadas fora de casa, o que contribui para o aumento do índice de obesidade.

Os estados do Sul, como o Rio Grande do Sul, enfrentam também temperaturas mais baixas, que podem influenciar o comportamento alimentar e reduzir a prática de atividades físicas ao ar livre. De acordo com Martins e Souza (2022), o clima frio pode incentivar uma alimentação mais calórica e a redução das atividades ao ar livre, o que impacta diretamente o ganho de peso.

Além disso, as barreiras socioeconômicas presentes em alguns desses estados dificultam o acesso à educação alimentar e à saúde preventiva, especialmente em comunidades de baixa renda. Lima et al. (2022) destacam que, em Goiás e Espírito Santo, a falta de iniciativas de promoção de saúde pública para combater a obesidade é um dos fatores responsáveis pelo crescimento da prevalência. Estudos como o de Rocha e Almeida (2024) recomendam a criação de políticas de incentivo à prática de atividades físicas e ao acesso a alimentos saudáveis, especialmente em estados onde a obesidade é mais prevalente.

Estes resultados evidenciam a importância de uma abordagem regional para o enfrentamento da obesidade no Brasil, levando em conta fatores culturais, econômicos e ambientais que influenciam os hábitos alimentares e a saúde da população. Estratégias como campanhas de promoção de saúde adaptadas às necessidades regionais e melhorias na infraestrutura para atividade física podem contribuir para a redução da obesidade em estados com maior prevalência.

Diversos estudos têm demonstrado a correlação entre obesidade e aumento do risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer. A Tabela 4 apresenta a relação entre obesidade e tipos específicos de câncer, com base em estudos recentes. Esses achados estão amplamente respaldados pela literatura recente, que identifica a obesidade como um fator de risco significativo para a carcinogênese, especialmente em órgãos onde a inflamação crônica e a disfunção metabólica, decorrentes do excesso de tecido adiposo, desempenham papeis centrais.

Tabela 4. Relação entre Obesidade e Tipos de Câncer

Fonte: Adaptado de estudos publicados entre 2020 e 2024.

Estudos como o de Brown et al. (2020) discutem que o tecido adiposo produz citocinas inflamatórias e hormônios, como o estrógeno, que podem promover o crescimento tumoral, especialmente em cânceres hormônio-dependentes, como o de mama em mulheres pós-menopausa. Em linha com essa teoria, Williams et al. (2023) evidenciam que o excesso de tecido adiposo pode alterar a regulação hormonal, exacerbando o risco de câncer endometrial, onde a exposição aumentada ao estrogênio é um fator de risco conhecido. Smith et al. (2021) demonstram que mulheres obesas na pós-menopausa têm um risco 1,5 vezes maior de desenvolver câncer de mama em comparação com mulheres com peso normal.

A relação entre obesidade e câncer colorretal também é destacada na literatura. Johnson et al. (2022) observaram que a obesidade contribui para um ambiente intestinal propício à carcinogênese, devido à disbiose e ao aumento da produção de ácidos biliares secundários, que podem causar danos às células intestinais. Além disso, a resistência à insulina, comum em indivíduos obesos, foi identificada por Chen e Wu (2021) como um mecanismo que favorece o crescimento de células tumorais no trato gastrointestinal. Johnson et al. (2022) identificaram um aumento de 1,3 vezes no risco de câncer colorretal associado à obesidade.

O câncer renal e o adenocarcinoma de esôfago também têm sido relacionados ao excesso de peso. De acordo com Davis et al. (2021), a obesidade aumenta o risco de refluxo gastroesofágico crônico, uma condição que pode levar ao desenvolvimento de adenocarcinoma de esôfago. Esse fator de risco é exacerbado pelo acúmulo de gordura abdominal, que exerce pressão sobre o estômago e contribui para o refluxo. No caso do câncer renal, o estudo de Thomas et al. (2023) sugere que a inflamação sistêmica causada pela obesidade, combinada com a hipertensão, um fator comum entre obesos, aumenta o risco de tumores renais.

5 CONCLUSÃO

A presente revisão evidenciou uma relação significativa entre a obesidade e o aumento do risco de diversos tipos de câncer, destacando a complexidade dos mecanismos biológicos que associam o excesso de peso à carcinogênese. Fatores como a inflamação crônica, resistência à insulina, produção aumentada de hormônios e alterações na microbiota intestinal emergem como processos centrais na conexão entre obesidade e o desenvolvimento de tumores, particularmente nos cânceres de mama, colorretal, endométrio, rim e esôfago.

As análises revelam que a prevalência de obesidade no Brasil varia conforme a faixa etária, sexo, etnia e localização geográfica, refletindo desigualdades sociais e econômicas que influenciam diretamente o acesso a recursos de saúde, alimentação saudável e atividades físicas. Estados com maior prevalência de obesidade, como Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais, apresentam características culturais e econômicas que impactam o estilo de vida e favorecem o ganho de peso. A maior prevalência entre mulheres e em faixas etárias mais avançadas também sugere a influência de fatores hormonais e sociais na obesidade.

Esses resultados reforçam a importância de políticas públicas integradas, voltadas para a promoção de hábitos de vida saudáveis e a prevenção do excesso de peso, especialmente em grupos mais vulneráveis. É crucial desenvolver estratégias de saúde pública que levem em consideração as especificidades regionais e sociodemográficas, com ações que incluam campanhas educativas, maior acesso a alimentos saudáveis e incentivo à prática de atividade física.

Além disso, a inclusão de programas de rastreamento e acompanhamento de indivíduos obesos pode contribuir para a detecção precoce de câncer e para a redução das taxas de mortalidade associadas. O desenvolvimento de diretrizes para o manejo da obesidade, com foco na prevenção do câncer, torna-se essencial para mitigar o impacto dessa condição na saúde pública e melhorar a qualidade de vida da população.

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[1] Discente do curso de Medicina do Centro Universitário de Patos de Minas -UNIPAM.

[2] Docente do Centro Universitário de Patos de Minas -UNIPAM.