REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202506161608
Leandro Silva da Conceição, Luís Eduardo da Silva Malta, Antonio Carlos Ciufa, Edson da Silva Ribeiro Júnior, Ludymila Cristal Miranda Ferreira, Iangla Araújo de Melo Damasceno
RESUMO
A associação entre psicoestimulantes e anestésicos locais que contêm adrenalina pode intensificar reações cardiovasculares indesejadas, tais como elevações pressóricas, arritmias e taquicardia. Diante desse risco potencial, é indispensável que o cirurgião-dentista tenha pleno conhecimento das possíveis implicações dessa interação farmacológica, a fim de adotar condutas clínicas seguras e individualizadas. Este trabalho objetivou-se realizar uma revisão integrativa da literatura sobre as interações medicamentosas entre psicoestimulantes e anestésicos locais com vasoconstritores, enfatizando as repercussões clínicas, as orientações de conduta e as melhores práticas de manejo seguro em contexto odontológico. O estudo baseou-se em um levantamento bibliográfico a partir da análise da literatura de livros, artigos científicos, utilizando como base de dados: Biblioteca Virtual em Saúde, Medline, PubMed, Lilacs e Scielo, limitando-se aos últimos 10 anos. Como principal resultado, vimos que as interações farmacológicas entre os fármacos psicoestimulantes e os anestésicos locais, ocorrem principalmente pelo aumento sinérgico da disponibilidade de catecolaminas: os medicamentos modulam a noradrenalina e dopamina, enquanto a epinefrina presente nos anestésicos intensificam a estimulação adrenérgica. Favorecendo elevações perigosas da pressão arterial, arritmias e respostas hemodinâmicas imprevisíveis, especialmente em pacientes que utilizam estimulantes cronicamente ou em altas doses. No presente momento, podemos concluir que é imprescindível que o cirurgião-dentista realize uma investigação detalhada do histórico farmacológico do paciente, a fim de estabelecer condutas terapêuticas individualizadas que minimizem a ocorrência de efeitos adversos, particularmente os de natureza cardiovascular. A adoção de estratégias fundamentadas em evidências científicas, aliadas a anamnese, avaliação clínica criteriosa e uma abordagem multiprofissional, configura-se como elemento central para a efetivação da segurança na realização do plano de tratamento estabelecido.
Palavras-chaves: Efeitos colaterais, estimulantes do sistema nervoso central e vasoconstritores.
ABSTRACT
The association between psychostimulants and local anesthetics containing epinephrine may intensify undesirable cardiovascular reactions, such as increased blood pressure, arrhythmias, and tachycardia. Given this potential risk, it is essential that dental practitioners possess comprehensive knowledge of the possible implications of this pharmacological interaction in order to adopt safe and individualized clinical approaches. This study aimed to conduct an integrative literature review on the drug interactions between psychostimulants and local anesthetics with vasoconstrictors, emphasizing clinical repercussions, professional guidelines, and best practices for safe management in dental settings. The study was based on a bibliographic review of books and scientific articles, using databases such as the Virtual Health Library (BVS), Medline, PubMed, LILACS, and SciELO, limited to the last 10 years. The main findings revealed that pharmacological interactions between psychostimulants and local anesthetics occur primarily due to the synergistic increase in catecholamine availability: while the medications modulate norepinephrine and dopamine levels, the epinephrine in anesthetics further enhances adrenergic stimulation. This combination can lead to dangerous blood pressure spikes, arrhythmias, and unpredictable hemodynamic responses, particularly in patients who chronically use stimulants or consume them in high doses. We conclude that it is crucial for dental professionals to conduct a thorough investigation of the patient’s pharmacological history in order to establish individualized therapeutic strategies that minimize the risk of adverse events, especially cardiovascular ones. Implementing evidence-based strategies, combined with thorough anamnesis, careful clinical evaluation, and a multidisciplinary approach, is fundamental to ensuring safety in the execution of the proposed treatment plan.
Keywords: Side effects, central nervous system stimulants, vasoconstrictors.
INTRODUÇÃO
A incidência cada vez maior de transtornos neuropsiquiátricos, como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a depressão e a narcolepsia, tem favorecido o uso frequente de psicoestimulantes em diversas faixas etárias. Substâncias como o metilfenidato, as anfetaminas e a modafinila exercem sua ação principalmente sobre os sistemas dopaminérgico e noradrenérgico, promovendo a melhora da atenção, do estado de alerta e da performance cognitiva. Entretanto, a administração desses agentes pode constituir um desafio significativo na prática odontológica, especialmente quando há necessidade do uso de anestésicos locais com vasoconstritores¹.
A associação entre psicoestimulantes e anestésicos locais que contêm adrenalina pode intensificar reações cardiovasculares indesejadas, tais como elevações pressóricas, arritmias e taquicardia². Tal interação decorre da sobreposição de efeitos simpatomiméticos dessas substâncias, resultando na amplificação da resposta do sistema nervoso autônomo, em especial da via adrenérgica. Diante desse risco potencial, é indispensável que o cirurgião-dentista tenha pleno conhecimento das possíveis implicações dessa interação farmacológica, a fim de adotar condutas clínicas seguras e individualizadas³.
Nesse sentido, a realização de uma anamnese minuciosa, com destaque para o uso de medicamentos de ação central, é essencial para o correto planejamento do atendimento odontológico, sobretudo em pacientes que fazem uso contínuo de psicoestimulantes. A análise criteriosa do uso de anestésicos com vasoconstritores, bem como a escolha apropriada da técnica anestésica, representa uma estratégia preventiva fundamental para a redução de eventos adversos durante o procedimento clínico4.
Dessa forma, o presente estudo tem como finalidade realizar uma revisão integrativa da literatura sobre as interações medicamentosas entre psicoestimulantes e anestésicos locais com vasoconstritores, enfatizando as repercussões clínicas, as orientações de conduta e as melhores práticas de manejo seguro em contexto odontológico.
METODOLOGIA
A análise bibliográfica alicerçou-se, através de artigos em língua portuguesa e inglesa publicados nos últimos 10 anos. Consultados através das bases de dados: como, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e National Library of Medicine (PubMed), empregando o navegador de pesquisa Google scholar. As averiguações foram conduzidas pelos descritores catalogados no Descritor em Ciência e Saúde (DeCS) e operadores booleanos ´´and“ e ´´or“, sendo estes: efeitos colaterais, estimulantes do sistema nervoso central e vasoconstritores. Os critérios de inclusão deram-se por artigos com relevância científica e estudos completos disponíveis em inglês e português, o critério de exclusão deu-se por intermédio de artigos que não apresentaram relevância para a temática abordada e os descritores supracitados. Por meio do material obtido, delimitou-se as etapas sequenciais de análise dos mesmos: inicialmente, foi realizada a leitura dos artigos encontrados; em seguida, os resumos dos trabalhos pré-selecionados foram analisados com base nos critérios de inclusão e exclusão; sequencialmente, procedeu-se à análise detalhada do conteúdo e informações mais relevantes; por fim, os resultados foram catalogados e organizados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O TDAH é uma condição neuropsiquiátrica do desenvolvimento, cuja manifestação tem início na infância e frequentemente se estende à vida adulta.
Clinicamente, caracteriza-se por um padrão duradouro de desatenção, hiperatividade e impulsividade, comprometendo de maneira significativa o desempenho funcional em contextos acadêmicos, sociais e profissionais5. Sob a perspectiva neurobiológica, esse desequilíbrio está relacionado a disfunções nos sistemas de neurotransmissores dopaminérgico e noradrenérgico. Comprovações neurocientíficas ressaltam uma redução na biodisponibilidade sináptica de dopamina em regiões corticais e subcorticais envolvidas na regulação do comportamento, concentração e processos motivacionais. Promovendo déficits cognitivos e comportamentais empíricos ao transtorno6.
Drogas psicoestimulantes como metilfenidato, anfetaminas e modafinil atuam aumentando a disponibilidade sináptica de dopamina e noradrenalina. Elas são amplamente empregadas no manejo de condições neuropsiquiátricas, destacando-se o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a narcolepsia e a síndrome da fadiga crônica. Observa-se um crescimento expressivo no consumo dessas substâncias, tanto por indicação médica quanto por uso não terapêutico, especialmente entre adultos jovens7,8. Podemos elucidar a utilização dos psicoestimulantes sem orientação médica por parte dos acadêmicos, principalmente os da área da saúde. Os estudantes fazem uso dessas medicações, na tentativa de melhorarem seu desempenho acadêmico e suportar a rotina pesada da faculdade. O uso indiscriminado desses medicamentos gera preocupação, pois, envolvem o favorecimento de inúmeros efeitos indesejados, desde sintomas neuropsiquiátricos, como ansiedade e insônia, até repercussões cardíacas9.
A associação dessas medicações com anestésicos locais contendo vasoconstritores, como a epinefrina, representa um fator de risco relevante na prática odontológica, em virtude das possíveis interações farmacodinâmicas que podem comprometer a segurança cardiovascular do paciente10,11. As interações farmacológicas entre os fármacos psicoestimulantes e os anestésicos locais, ocorrem principalmente pelo aumento sinérgico da disponibilidade de catecolaminas: os medicamentos modulam a noradrenalina e dopamina, enquanto a epinefrina presente nos anestésicos intensificam a estimulação adrenérgica12. Favorecendo elevações perigosas da pressão arterial, arritmias e respostas hemodinâmicas imprevisíveis, especialmente em pacientes que utilizam estimulantes cronicamente ou em altas doses13.
No contexto odontológico, a identificação prévia do uso de psicoestimulantes pelo paciente é de fundamental importância, dada a possibilidade de intercorrências clínicas relevantes. Entre os efeitos adversos observados, destacam-se a hipertensão arterial, a taquicardia, o aumento do consumo de oxigênio pelos tecidos e do débito cardíaco. A ativação exacerbada do sistema nervoso autônomo simpático, desencadeada por esses fármacos, pode comprometer a perfusão coronariana, favorecendo o surgimento de isquemia miocárdica, arritmias ventriculares, angina pectoris e, em casos mais graves, infarto agudo do miocárdio14,15. Ao associar essas drogas com as aminas simpatomiméticas contidas nas soluções anestésicas, pode exacerbar essas complicações e favorecer também, ao aparecimento de tremores e sensação de ansiedade, falha anestésica ou necessidade de doses adicionais16.
Apesar do aumento progressivo no uso de substâncias psicoativas, observa-se uma escassez de literatura específica na área odontológica sobre a temática. Essa limitação informacional impacta diretamente a prática clínica, refletindo-se no preparo insuficiente de muitos cirurgiões-dentistas para lidar com pacientes em uso dessas substâncias que procuram atendimento odontológico. A lacuna de estudos direcionados à odontologia compromete a elaboração de protocolos clínicos adequados, dificultando o manejo seguro e humanizado de uma condição que configura um relevante problema de saúde pública, com repercussões significativas na qualidade de vida dos indivíduos afetados e de seus familiares17,18.
No intento de minimizar problemas durante a rotina de atendimento, o cirurgiãodentista deve embasar-se em uma anamnese, avaliação clínica e psicológica detalhada de seu paciente. Pois, essas etapas funcionam como principal ferramenta para identificação de condições gerais, hábitos e tratamentos que possam interferir nos cuidados odontológicos. Estudos recentes indicam que uma anamnese bem-estruturada não apenas melhora a precisão diagnóstica, como também reforça a segurança do paciente ao promover a detecção antecipada da necessidade de atendimento multiprofissional e ajustes no plano de tratamento19,20.
CONCLUSÃO
A investigação integrativa dos estudos analisados, elucidaram uma crescente utilização de recursos farmacológicos psicoestimulantes, principalmente a ritalina (metilfenidato) e o venvanse (lisdexanfetamina). A associação entre essas drogas e os anestésicos locais contendo vasoconstritores principalmente a epinefrina, representam um risco clínico relevante no âmbito da odontologia. É imprescindível que o cirurgiãodentista realize uma investigação detalhada do histórico farmacológico do paciente, a fim de estabelecer condutas terapêuticas individualizadas que minimizem a ocorrência de efeitos adversos, particularmente os de natureza cardiovascular. A adoção de estratégias fundamentadas em evidências científicas, aliadas a anamnese, avaliação clínica criteriosa e uma abordagem multiprofissional, configura-se como elemento central para a efetivação da segurança na realização do plano de tratamento estabelecido. Portanto, faz-se necessário mais estudos e publicações acerca da temática relacionada com atendimento odontológico. Visando medidas de prevenção, promoção a saúde e melhora da qualidade de vida desses pacientes.
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