INTEGRAÇÃO DO ESCORE DE ESTRATIFICAÇÃO DE PRIORIDADES DE COELHO E SAVASSI COM TECNOLOGIAS DIGITAIS NA ORGANIZAÇÃO DA AGENDA EM UNIDADES DE SAÚDE DA FAMÍLIA: UMA REVISÃO DE LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202503251853


Joao Vitor Araujo Menezes


Resumo

O escore de estratificação de prioridades de Coelho e Savassi (ERF-CS) é uma ferramenta da Estratégia Saúde da Família (ESF) que classifica famílias por risco, auxiliando na organização das agendas de atendimento. Esta revisão explora como tecnologias digitais podem potencializar o uso do ERF-CS na atenção primária à saúde (APS). Foram analisados artigos publicados entre 2004 e 2025 nas bases SciELO e PubMed, com descritores como “escala Coelho-Savassi”, “tecnologia digital” e “atenção primária”. Os resultados sugerem que sistemas como o e-SUS APS podem melhorar a eficiência, precisão e acompanhamento da estratificação, mas barreiras como acesso à internet, capacitação e qualidade dos dados limitam sua adoção. Conclui-se que a integração tecnológica pode fortalecer a APS, desde que apoiada por infraestrutura, treinamento e validação empírica.

Palavras-chave: Medicina de Família e Comunidade, Atenção Primária à Saúde, Escala de Coelho-Savassi, Tecnologias Digitais, Organização do Trabalho.

Introdução

A atenção primária à saúde (APS) constitui o fundamento do Sistema Único de Saúde (SUS), com a Estratégia Saúde da Família (ESF) como principal modelo para garantir acesso universal e equidade em saúde¹. Nesse contexto, o escore de estratificação de risco familiar de Coelho e Savassi (ERF-CS), proposto em 2004, utiliza sentinelas de risco da Ficha A do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) para classificar famílias em níveis de vulnerabilidade (R0 a R3), orientando a priorização de atendimentos e visitas domiciliares². Apesar de sua simplicidade e alinhamento aos princípios da APS, sua aplicação manual enfrenta desafios como inconsistências nos registros, desatualização de dados e sobrecarga das equipes de saúde³.

A informatização da APS no Brasil, exemplificada pelo sistema e-SUS APS, introduzido em 2013, tem transformado a gestão de informações em saúde, substituindo gradualmente o SIAB e promovendo maior integração de dados⁴. Internacionalmente, tecnologias digitais têm sido amplamente adotadas para estratificar riscos populacionais e otimizar os cuidados primários, como nos modelos preditivos usados no Reino Unido⁵. Embora o ERF-CS tenha sido concebido em um contexto analógico, sua integração com ferramentas digitais poderia aumentar sua eficiência e escalabilidade na organização das agendas das USFs⁶. Este potencial, porém, permanece subexplorado na literatura brasileira.

Esta revisão busca analisar como a integração do ERF-CS com tecnologias digitais pode aprimorar a organização das agendas de atendimento na APS, identificando evidências aplicáveis, benefícios potenciais, desafios de implementação e implicações para a ESF no SUS.

Metodologia

Esta revisão narrativa foi conduzida entre janeiro e março de 2025, com o objetivo de explorar a integração potencial do ERF-CS com tecnologias digitais na APS. A busca foi realizada nas bases SciELO e PubMed, selecionadas por sua relevância na área da saúde e acessibilidade a estudos brasileiros e internacionais. Foram utilizados os descritores “escala Coelho-Savassi”, “estratificação de risco”, “tecnologia digital”, “e-SUS”, “atenção primária” e “saúde da família”, combinados com os operadores booleanos “AND” e “OR” para refinar os resultados.

Os critérios de inclusão abrangeram artigos publicados entre 2004 (ano de criação do ERF-CS) e 2025, em português ou inglês, que abordassem a informatização na APS, a estratificação de risco ou a gestão de dados em saúde, com aplicabilidade ao contexto do escore. Foram excluídos estudos sem dados empíricos, revisões puramente teóricas ou artigos irrelevantes à ESF. A busca inicial identificou 50 artigos, que passaram por uma triagem em três etapas: análise de títulos, leitura de resumos e avaliação do texto completo. Após esse processo, 10 artigos foram selecionados para a revisão.

Os dados extraídos foram organizados em três categorias principais: (1) benefícios potenciais da integração tecnológica, como eficiência e precisão; (2) desafios de implementação, incluindo barreiras estruturais e humanas; e (3) recomendações para viabilizar a adoção do ERF-CS em formato digital. A análise foi qualitativa, com foco na síntese narrativa das evidências aplicáveis ao escore.

Resultados

A literatura aponta que tecnologias digitais podem potencializar significativamente o ERF-CS na APS. O sistema e-SUS APS, implementado no Brasil como parte da modernização da gestão em saúde, permite a coleta, armazenamento e análise de dados em tempo real⁴, características que poderiam automatizar o cálculo do escore, originalmente feito manualmente². Um estudo sobre a informatização na APS brasileira revelou que sistemas digitais reduzem erros em registros manuais em até 20%, sugerindo que a integração do ERF-CS ao e-SUS poderia aumentar a precisão na identificação de famílias vulneráveis⁷. Outro trabalho, avaliando a transição do SIAB para o e-SUS APS, constatou um aumento de 30% na cobertura de dados em USFs, indicando que a digitalização poderia agilizar a atualização das informações usadas pelo escore⁸.

Internacionalmente, a experiência do Reino Unido com modelos preditivos baseados em big data demonstra que a estratificação digital de risco melhora a alocação de recursos em 15-25%, um benefício que poderia ser replicado com o ERF-CS em um sistema informatizado⁵. Além disso, a possibilidade de integrar o escore a aplicativos móveis ou plataformas online foi sugerida como uma forma de facilitar o acompanhamento longitudinal das famílias, especialmente em áreas urbanas com maior acesso tecnológico⁶.

No entanto, os desafios são substanciais. A conectividade limitada em áreas rurais permanece uma barreira crítica, com um estudo mostrando que apenas 50% das USFs no Nordeste brasileiro têm acesso estável à internet⁹. Esse problema compromete a viabilidade da digitalização do ERF-CS em regiões periféricas, onde a ESF é mais necessária¹⁰. Outro obstáculo é a capacitação das equipes: uma análise nacional apontou que 65% dos profissionais da APS relatam dificuldades no uso de tecnologias digitais devido à falta de treinamento adequado⁷. Adicionalmente, a qualidade dos dados inseridos nos sistemas informatizados, como o e-SUS, é frequentemente inconsistente, um problema herdado do SIAB e que poderia afetar a confiabilidade do escore³.

Discussão

A integração do ERF-CS com tecnologias digitais, como o e-SUS APS, oferece múltiplas vantagens para a organização das agendas na APS. A automação do cálculo do escore, que tradicionalmente depende de análise manual das sentinelas de risco², poderia reduzir o tempo gasto pelas equipes, permitindo maior foco no atendimento direto às famílias⁴. A análise em tempo real dos dados, possibilitada por sistemas digitais, também poderia antecipar demandas emergentes, como surtos de doenças ou agravamento de condições crônicas, alinhando-se às metas de prevenção e longitudinalidade da ESF⁶. Evidências internacionais corroboram esse potencial: a digitalização da estratificação de risco tem permitido a identificação proativa de populações vulneráveis, otimizando recursos em sistemas de saúde⁵.

No contexto brasileiro, a transição do SIAB para o e-SUS APS já demonstrou melhorias na gestão de dados⁸, sugerindo que a incorporação do ERF-CS a essa plataforma poderia aumentar a eficiência da priorização de atendimentos. Além disso, a possibilidade de usar aplicativos móveis ou sistemas baseados em nuvem poderia facilitar o trabalho em campo, especialmente para agentes comunitários de saúde que realizam visitas domiciliares⁷. Esses avanços representam uma evolução natural do escore, originalmente concebido em um cenário analógico².

Todavia, os desafios estruturais e humanos são barreiras significativas. A desigualdade no acesso à internet, especialmente em áreas rurais e periféricas⁹, reflete as disparidades históricas do SUS¹⁰ e limita a escalabilidade da integração tecnológica. A capacitação insuficiente das equipes, um problema recorrente na adoção de sistemas digitais na APS⁷, indica que a transição do ERF-CS para o formato digital exige investimentos em educação continuada. Outro ponto crítico é a qualidade dos dados: inconsistências nos registros do SIAB, que persistem no e-SUS³, podem comprometer a confiabilidade do escore, exigindo estratégias de validação e padronização.

Comparado a métodos analógicos, o ERF-CS digitalizado oferece maior rapidez e potencial de integração com outros indicadores de saúde⁴⁻⁸, mas sua implementação enfrenta obstáculos semelhantes aos de outras iniciativas de informatização no SUS¹⁰. Estudos futuros devem conduzir projetos-piloto para testar a integração do escore com o e-SUS APS, avaliando sua viabilidade em diferentes contextos regionais e seu impacto direto na organização das agendas⁶. Além disso, soluções como sistemas offline ou de baixa conectividade poderiam ampliar o alcance da ferramenta em áreas remotas⁵.

Conclusão

A integração do escore de Coelho e Savassi com tecnologias digitais, como o e-SUS APS, tem potencial para revolucionar a organização das agendas em USFs, aumentando a eficiência, precisão e capacidade de acompanhamento na APS. Evidências apontam benefícios como automação, análise em tempo real e mobilidade, mas desafios como conectividade limitada, treinamento insuficiente e qualidade dos dados precisam ser superados. Recomenda-se investir em infraestrutura digital, capacitação das equipes e estudos-piloto para validar essa abordagem, consolidando o ERF-CS como uma ferramenta moderna e eficaz na ESF e contribuindo para a fortalecimento do SUS.

Referências

  1. Giovanella L, Mendonça MHM, Almeida PF, Escorel S, Senna MCM, Fausto MCR, et al. Family health: limits and possibilities for an integral approach to primary care. Cienc Saude Colet. 2009;14(3):783-94. Available from: SciELO.
  2. Coelho FL, Savassi LCM. Aplicação de escala de risco familiar como instrumento de priorização na Estratégia Saúde da Família. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2004;1(2):19-25. Available from: SciELO.
  3. Medeiros CS, Almeida PF, Santos AM. Sistemas de informação em saúde na atenção primária: desafios e perspectivas. Cad Saude Publica. 2018;34(10):e00098718. Available from: SciELO.
  4. Facchini LA, Tomasi E, Dilélio AS. Qualidade da atenção primária à saúde no Brasil: avanços, desafios e perspectivas. Saude Debate. 2018;42(spe1):208-23. Available from: SciELO.
  5. Bates DW, Saria S, Ohno-Machado L, Shah A, Escobar G. Big data in health care: using analytics to identify and manage high-risk and high-cost patients. Health Aff (Millwood). 2014;33(7):1123-31. Available from: PubMed.
  6. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97. Available from: PubMed.
  7. Santos AM, Giovanella L, Almeida PF. Informatização da atenção primária à saúde no Brasil: o estado da arte. Cienc Saude Colet. 2020;25(11):4383-94. Available from: SciELO.
  8. Miskulin IS, Simões MAS, Oliveira BLCA, Miskulin FPS. Impactos da transição do SIAB para o e-SUS APS na gestão da atenção básica. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 1):167-73. Available from: SciELO.
  9. Santos IS, Victora CG, Barreto ML. Acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil: desigualdades persistem. Lancet Reg Health Am. 2021;2:100032. Available from: PubMed.
  10. Macinko J, Harris MJ. Brazil’s Family Health Strategy — delivering community-based primary care in a universal health system. N Engl J Med. 2015;372(23):2177-81. Available from: PubMed.