REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102411161234
José Guilherme Barboza de Souza¹
Lucas Rabelo Fernandes Leão²
INTRODUÇÃO
A alta prevalência da insuficiência cardíaca globalmente é um dos mais massivos contribuintes para a carga de adoecimento crônico na população mundial, sobretudo nas apresentações avançadas dessa doença. Também é sabido que a carga de sintomas e declínio funcional trazidos por essa condição clínica configura por vezes um montante vultoso de problemas vivenciados pelo paciente e por sua rede de apoio, haja vista a queda acentuada na qualidade de vida, fenômeno rotineiramente verificado por profissionais de saúde em suas avaliações. Outrossim, é estabelecido que a paliação é uma modalidade de cuidado sobremodo útil em se tratando da otimização do controle de sintomas e da ampliação do bem-estar dos pacientes envolvidos, conforme possível. Diante disso, o propósito desta revisão é sanar a lacuna de conhecimento pertinente à validade da aplicação dos cuidados paliativos no manejo terapêutico de pacientes portadores de insuficiência cardíaca avançada.
OBJETIVOS
Esta revisão integrativa de literatura analisa os efeitos da implementação da abordagem paliativa no tratamento de pacientes portadores de insuficiência cardíaca avançada, com vistas a compreender se a paliação tem efeitos positivos nos desfechos desta população de pacientes.
MÉTODOS
Busca de literatura
A base de dados PubMed foi utilizada para obter os textos selecionados, utilizando os termos de busca “heart failure” e “palliative care”, limitando-se a busca às publicações dos últimos cinco anos, em português, inglês e espanhol, disponíveis gratuitamente para leitura, para responder à seguinte pergunta: “Qual a contribuição dos cuidados paliativos para pacientes portadores de insuficiência cardíaca avançada?”.
Critérios de inclusão e exclusão
Dentre os estudos pré-selecionados, foram incluídos aqueles que: (i) mantinham foco no paciente portador de IC avançada e (ii) abordavam os cuidados paliativos e sua implementação nesse perfil de pacientes.
Foram excluídos os estudos que: (i) não abordavam a insuficiência cardíaca avançada (ii) abordavam os cuidados paliativos em contextos que não aquele da IC avançada.
DISCUSSÃO
IC
Definição
A insuficiência cardíaca define-se como a inefetividade da bomba cardíaca em manter a perfusão requerida pelos tecidos (ou pela sua capacidade de fazê-lo apenas sob pressões de enchimento muito elevadas), acarretando declínio da qualidade de vida, fenômeno manifesto sobretudo por maior retenção hidrossalina, intolerância aos esforços físicos e incremento da taxa de mortalidade, constituindo o desfecho final de diversas patologias cardiocirculatórias.
Epidemiologia
No território brasileiro registra-se uma prevalência de aproximadamente dois milhões de casos confirmados de insuficiência cardíaca, com uma incidência de duzentos e quarenta mil novos casos por ano, de acordo com a publicação Arquivos Brasileiros de Cardiologia (2022).
Ademais, é sabido que a prevalência dessa patologia aumenta conforme a idade, sendo a faixa etária dos 65 anos e adiante a mais afetada. Outrossim, a IC afeta um percentual maior de homens em relação a mulheres na população geral; contudo, a expectativa de vida maior do sexo feminino acaba por tornar os números equiparáveis.
Etiopatogenia
A insuficiência cardíaca é a via final de diversas cardiopatias, e se manifesta como uma consequência de alguma lesão miocárdica que impeça a contração adequada da bomba cardíaca.
O organismo responde à falência de bomba em diversos compartimentos funcionais, incluindo o sistema renina-angiotensina-aldosterona, a ativação do sistema adrenérgico e recrutamento de mecanismos inotrópicos para garantir o aumento da contratilidade miocárdica.
A resposta compensatória do organismo, na maioria dos pacientes, é o bastante para garantir quadros oligossintomáticos ou até mesmo completamente assintomáticos. Apesar disso, muitos indivíduos afetados por essa patologia vivenciam sintomas de difícil controle, com declínio considerável da qualidade de vida.
Fisiopatologia
O desbalanço entre a demanda circulatória e a capacidade da bomba cardíaca de supri-la acaba por diminuir o débito cardíaco, fenômeno o qual ativa barorreceptores localizados no seio carotídeo, arco aórtico e ventrículo esquerdo.
Em resposta a essa ativação dos barorreceptores, o componente simpático do sistema nervoso autônomo é recrutado, com a liberação de vasopressina ou hormônio antidiurético, gerando vasoconstrição e aumento da reabsorção hídrica no túbulo contorcido proximal.
Conforme essa resposta homeostática neuro-hormonal se estende ao longo do tempo, inicia-se um processo de remodelamento insustentável, com modificações patológicas no coração e na dinâmica circulatória como um todo.
Inicialmente, a resposta compensatória é capaz de balancear a queda do débito cardíaco, mantendo a doença aquém do horizonte clínico, sem prejuízo funcional para o paciente; contudo, a evolução natural da patologia introduz uma série de sinais e sintomas os quais, sobretudo nos estádios mais avançados, têm efeito deletério importante e significativo na sobrevida e qualidade de vida dos afetados.
Manifestações clínicas
O quadro da insuficiência cardíaca é pautado por manifestações de baixo débito e/ou congestão pulmonar ou sistêmica. No paciente crônico existe a possibilidade de que certos sintomas de congestão não estejam presentes ao exame clínico devido à adaptação do organismo e do sistema linfático em lidar com quadros congestivos, de modo que a sensibilidade de certos estigmas da doença fica reduzida.
Estão elencados abaixo sintomas e sinais da IC, em tabelas adaptadas da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda (2018).
Sintomas da Insuficiência Cardíaca | |||
Dispneia | Tosse noturna | Respiração de Cheyne-Stokes | |
Ortopneia | Ganho de peso | Edema agudo de pulmão | |
Dispneia paroxística noturna | Dor abdominal | Sintomas gastrointestinais | |
Fadiga | Inapetência e perda ponderal | ||
Intolerância ao exercício | Noctúria e oligúria | ||
Sinais da insuficiência cardíaca | |||
Pressão venosa jugular elevada | Crepitações pulmonares | ||
Refluxo hepatojugular (ou refluxo abdominojugular) | Taquicardia | ||
Turgência jugular patológica (a 45° de inclinação) | Hepatomegalia congestiva e ascite | ||
Terceira bulha | Extremidades frias | ||
Impulso apical desviado para a esquerda ou abaixo do quinto espaço intercostal | Edema periférico |
As manifestações clínicas de mais alta especificidade para a insuficiência cardíaca são a presença da terceira bulha à ausculta cardíaca (ruído de baixa frequência que ocorre no início do enchimento diastólico, chamado também de “galope ventricular”) e ortopneia (dispneia sentida ao deitar, aliviada quando o paciente se senta ou fica de pé).
Diagnóstico
Uma vez que o paciente se apresente com clínica sugestiva de IC, o diagnóstico definitivo se dá por intermédio do ecocardiograma transtorácico, sendo este também o método de escolha para o seguimento de pacientes com a doença.
O ecocardiograma transtorácico permite avaliar a função ventricular sistólica esquerda e direita, a função diastólica, as espessuras parietais, o tamanho das cavidades, a função valvar, a estimativa hemodinâmica não invasiva e as doenças do pericárdio, de forma não invasiva.
Estadiamento
Uma vez que o diagnóstico esteja devidamente confirmado, segue-se a etapa de estadiar a insuficiência cardíaca, com vistas a avaliar o prognóstico e, a partir disso, decidir por uma linha terapêutica. Para tal, habitua-se utilizar três escalas de gravidade: o estadiamento NYHA (New York Heart Association) e o estadiamento AHA (American Heart Association.
O estadiamento NYHA é alicerçado na avaliação de capacidade funcional, estimada a partir dos sintomas de dispneia vivenciados pelo paciente. Em termos práticos, é um descritor que informa acerca da gravidade dos sintomas em diferentes graus, compreendendo uma escala que vai da sua inexistência (classe I) até o aparecimento de sintomas em repouso (classe IV).
Classe | Definição | Descrição |
I | Ausência de sintomas | Assintomático |
II | Atividades físicas habituais causam sintomas. Limitação leve. | Sintomas leves |
III | Atividades físicas menos intensas que as habituais causam sintomas. Limitação importante, porém confortável no repouso | Sintomas moderados |
IV | Incapacidade para realizar qualquer atividade sem apresentar desconforto. Sintomas no repouso | Sintomas graves |
Fonte: Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda (acesso em julho/2023)
O estadiamento AHA, por sua vez, fundamenta-se na averiguação de possíveis anormalidades cardíacas estruturais, bem como na apreciação de sintomas pregressos, quando existirem. Uma particularidade do estadiamento proposto pela AHA é o estádio A, que descreve o paciente com risco de adquirir disfunção ventricular, delineando a necessidade de se prevenir a insuficiência cardíaca.
Estágio | Descrição | Abordagens possíveis |
A | Risco de desenvolver IC. Sem doença estrutural ou sintomas de IC | Controle de fatores de risco para IC: tabagismo, dislipidemia, hipertensão, etilismo, diabetes e obesidade. Monitorar cardiotoxicidade |
B | Doença estrutural cardíaca presente. Sem sintomas de IC | Considerar IECA, betabloqueador e antagonistas mineralocorticoides |
C | Doença estrutural cardíaca presente. Sintomas prévios ou atuais de IC | Tratamento clínico otimizado* Medidas adicionais* Considerar TRC, CDI e tratamento cirúrgico Considerar manejo por equipe multidisciplinar |
D | IC refratária ao tratamento clínico. Requer intervenção especializada | Todas medidas acima Considerar transplante cardíaco e dispositivos de assistência ventricular |
Fonte: Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda (acesso em julho/2023)
Qualquer que seja a modalidade escolhida pelo médico atendente, o prognóstico dos pacientes está diretamente relacionado à sua classificação. Quanto mais avançada a classe funcional do paciente, pior será o prognóstico, sobretudo se o tratamento clínico já estiver otimizado.
Pacientes com quadros avançados de insuficiência cardíaca apresentam sinais e sintomas angustiantes (notadamente a dispneia), além de frequentes hospitalizações e visitas ao pronto atendimento. O estadiamento avançado da IC denota um prognóstico de sobrevida limitada o qual, coexistindo com as manifestações clínicas severas e debilitantes da doença, aponta para a possibilidade de implementação dos cuidados paliativos como uma modalidade terapêutica viável e desejável.
Tratamento
A abordagem da insuficiência cardíaca engloba medidas não farmacológicas, medicamentos e, em alguns casos, intervenções cirúrgicas, incluindo o transplante cardíaco.
As medidas não farmacológicas incluem a educação em saúde e a restrição hidrossalina; quando aplicável, a perda ponderal e a reabilitação cardiovascular também entram no programa de tratamento. Cessar o tabagismo e moderar/cessar a ingesta etílica também são medidas fundamentais.
O tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca se divide quanto à fração de ejeção, com recomendações diferentes para pacientes com FE reduzida em relação àqueles com FE preservada.
Em pacientes com FE reduzida, existem esquemas de tratamento medicamentoso incluindo diferentes classes farmacológicas, a notar: inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores de receptores da angiotensina (BRA), antagonistas de aldosterona, betabloqueadores, inibidores da neprilisina e do receptor da angiotensina, agentes antianginosos, digitálicos e diuréticos (tanto de alça quanto tiazídicos).
IECA, BRA, antagonistas de aldosterona, betabloqueadores, inibidores da neprilisina e do receptor de angiotensina e agentes antianginosos promovem efeitos modificadores de sobrevida; já os digitálicos e
diuréticos, por sua vez, contribuem para o controle de sintomas, mas não alteram a sobrevida do paciente.
O transplante cardíaco é uma alternativa que pode ser considerada para pacientes com insuficiência cardíaca avançada e resistente ao tratamento otimizado, conforme as diretrizes nacionais e internacionais, especialmente em casos com previsão de prognóstico ruim.
No entanto, existem certas contraindicações, a notar: idade maior do que 70 anos, comorbidades preditoras de baixa expectativa de vida, infecção sistêmica ativa, IMC acima de 35, patologia cerebrovascular grave e sintomática, incompatibilidade ABO, hipertensão pulmonar fixa, tabagismo ativo, dentre outras.
Estudo | Ano | Metodologia | Objetivos | Delineamento | Resultados | ||||
The Effect of Advance Care Planning on Heart Failure: a Systematic Review and Meta-analysis | 2020 | PRISMA-P para selecionar literatura disponível em Cochrane, MEDLINE e PsycInfo | Determinar os efeitos da implementação de cuidados paliativos na qualidade de vida, satisfação com os cuidados de fim de vida e qualidade da comunicação em fim de vida de pacientes com insuficiência cardíaca | Revisão sistemática | Verificou-se que a implementação de cuidados paliativos interferiu positivamente na qualidade de vida, satisfação com os cuidados de fim de vida e qualidade da comunicação em fim de vida em pacientes com insuficiência cardíaca | ||||
Quality Palliative Guidelines Patients Heart Failure: Systematic Review Quality Appraisal AGREE Instrument | of Care in with A of using II | 2022 | PRISMA-P para selecionar literatura disponível em Excerpta Medica Database, MEDLINE/Pub Med, CINAHL National Institute for Clinical Excellence, National Guideline Clearinghouse, Scottish Intercollegiate Guidelines Network, Guidelines International Network and National Health e Medical Research Council for CPGs, utilizando AGREE-II para avaliar os estudos selecionados | Avaliar qualidade guidelines prática no contexto cuidados paliativos oferecidos pacientes portadores insuficiência cardíaca | a de de clínica de a de | Revisão sistemática | Os achados indicam que os guidelines de prática clínica formulados para intervir em portadores de insuficiência cardíaca que recebem cuidados paliativos apresentam qualidade de moderada a elevada consoante o AGREE-II | ||
Palliative care referral criteria and outcomes | 2021 | PRISMA-P para buscar literatura | Identificar critérios utilizados | os para | Revisão sistemática | Os achados sugerem que a integração dos |
in cancer heart failure: systematic review literature | and a of | pertinente bases de Ovid Ovid Cochrane Library e of Science | nas dados Medline, Embase, Web | encaminhar e integrar cuidados paliativos no plano de cuidado de pacientes com câncer e pacientes com insuficiência cardíaca, além de reconhecer avaliações de resultados em pacientes com overlap diagnóstico de câncer e insuficiência cardíaca | cuidados paliativos ao plano de cuidado de pacientes oncológicos bem como de pacientes portadores de insuficiência cardíaca traz benefícios significativos | |||||||
Cuidados Paliativos em Doentes com Insuficiência Cardíaca Grave: Uma Revisão Sistemática | 2022 | Busca de literatura pertinente nas bases de dados MEDLINE, Cochrane, EMBASE e CINAHL | Analisar sistematicamen te a eficácia dos cuidados paliativos para pacientes com insuficiência cardíaca avançada, considerando a qualidade de vida, o controle dos sintomas, as internações hospitalares e a mortalidade | Revisão sistemática | O estudo conclui que a implementação de cuidados paliativos para pacientes com insuficiência cardíaca avançada surte efeitos positivos significativos | |||||||
Approach to advanced heart failure at the end of life | 2020 | Busca de literatura pertinente nas bases de dados PUBMED e outras plataformas relevantes | Delinear o manejo de sintomas bem como propor um protocolo de cuidados ajustado domiciliar voltado a pacientes portadores de insuficiência cardíaca avançada | Revisão sistemática | O estudo propõe uma abordagem colaborativa para pacientes com insuficiência cardíaca avançada, baseada em um plano de cuidados domiciliares que visa a otimizar o manejo de sintomas bem como diminuir hospitalizações | |||||||
Referral Criteria to Palliative | 2021 | Busca de literatura pertinente nas | Conduzir uma revisão sistemática da | Revisão sistemática | O estudo conclui que inexiste um |
Care for Patients with Heart Failure: A Systematic Review | basos de dados Ovid, MEDLINE, Ovid Embase e PubMed | literatura com o fito de examinar os critérios utilizados para referenciar pacientes portadores de insuficiência cardíaca aos cuidados paliativos | consenso no tocante a como referenciar pacientes com insuficiência cardíaca para receberem cuidados paliativos, sendo necessário realizarem-se mais esforços de pesquisa com vistas a identificar as diretrizes adequadas | ||
A Systematic Review of the Development and Implementation of Needs-Based Palliative Care Tools in Heart Failure and Chronic Respiratory Disease | 2022 | Busca de literatura pertinente nas bases de dados MEDLINE, CINAHL, Embase, Cochrane e PsycINFO, com avaliação de propriedades psicométricas das medidas identificadas com base em critérios padronizados e previamente determinados | Revisar sistematicamen te a literatura a fim de determinar a qualidade psicométrica, aceitabilidade, factibilidade e utilidade clínica das ferramentas de cuidados paliativos quando implementadas clinicamente no curso terapêutico de pacientes com insuficiência cardíaca avançada ou doenças respiratórias crônicas | Revisão sistemática | A revisão identificou diversas ferramentas a serem utilizadas no âmbito dos cuidados paliativos, porém concluiu que são necessários mais estudos validados em populações portadoras de insuficiência cardíaca e doença respiratória crônica, com o objetivo de avaliar o impacto da implementação sistematizada de uma abordagem baseada em necessidades sobre os desfechos físicos e psicossociais nos pacientes, bem como os custos econômicos e benefícios ao sistema de saúde |
Tools to help healthcare professionals recognize palliative care needs in patients with advanced heart failure: A systematic review | 2020 | Busca de literatura pertinente nas bases de dados MEDLINE, CINAHL e EMBASE | Identificar ferramentas que ajudem profissionais da saúde a reconhecer a necessidade de cuidados paliativos em pacientes portadores de insuficiência cardíaca avançada | Revisão sistemática | A partir dos estudos analisados, concluiu-se que as ferramentas identificadas apresentam validade limitada no contexto da insuficiência cardíaca avançadas e cuidados paliativos | ||
Advance care planning adults with heart failure | for | 2020 | Busca de literatura pertinente nas bases de dados CENTRAL, MEDLINE, Embase, CINAHL, Social Works Abstracts e dois trials clínicos | Avaliar efeitos diretrizes cuidado avançado pacientes portadores insuficiência cardíaca contraste as estraté usuais cuidado não contemplam paliação | os das de em de em com gias de que a | Revisão sistemática | O estudo conclui que as diretrizes de cuidado avançado podem fomentar o registro formalizado das discussões entre provedores de cuidado e pacientes acerca de seus desejos, além de melhorar a depressão em pacientes, contudo a evidência encontrada foi de baixo nível; ademais, o nível de evidência encontrado foi baixo nos demais desfechos, de forma que mais estudos são necessários |
The impact of palliative care on clinical and patient-centred outcomes in patients with advanced heart failure: a systematic | 2020 | Busca de literatura pertinente nas bases de dados CENTRAL, CINAHL, EMBASE e MEDLINE, além de trials randomizados | Examinar o impacto dos cuidados paliativos em hospitalizações agudas, sobrevida, sintomas e qualidade de vida em pacientes | Revisão sistemática | A revisão constatou que, em comparação com linhas tradicionais de cuidado, as intervenções paliativas reduzem substancialmen | ||
review of randomized controlled trials | portadores de insuficiência cardíaca avançada | te as internações, sem efeito adverso claro na sobrevida; os efeitos na qualidade de vida e no fardo de sintomas parecem modestos, e indicam que esforços futuros para melhorar esses desfechos são necessários |
A paliação é fundamentada na integralidade do cuidado, atuando não com perspectiva curativa mas no escopo da prevenção e do manejo de sintomas naqueles que enfrentam condições ameaçadoras à vida, oferecendo apoio também àqueles que compõem a rede de apoio da pessoa adoecida, incluindo familiares e cuidadores, cujo sofrimento também deve ser atendido e levado em conta.
Em 1998, a OMS atualizou a definição oficial, de tal forma que, desde então, entendem-se os cuidados paliativos enquanto uma modalidade terapêutica cujo emprego visa a assegurar a qualidade de vida de pacientes portadores de condições ameaçadoras à vida (e também sua rede de apoio), por intermédio da prevenção e do alívio da dor e de problemas físicos, psicossociais e espirituais, através da avaliação rigorosa e identificação precoce de tais questões. Sepúlveda e colaboradores (2002) postulam que os cuidados paliativos devem, na prática, ampliarem-se além do período de assistência direta ao paciente, com o fito de contemplar as necessidades de apoio aos familiares, incluindo o suporte aos enlutados.
Diante disso, é possível elencar como alicerces da assistência em cuidados paliativos: a prevenção e o controle de sintomas; a intervenção psicossocial e espiritual; paciente e rede de apoio enquanto unidade recipiente de cuidados, proativa no planejamento de tais cuidados; autonomia e independência; comunicação e trabalho conjuntos em equipe multiprofissional.
Nesse contexto, é válido indagar se há uma correlação entre a abordagem dos cuidados paliativos e a insuficiência cardíaca avançada.
Apesar do avanço no manejo terapêutico da IC, diversos pacientes terminam por evoluir às classes funcionais de pior prognóstico da doença e se encontram sem a possibilidade de submissão ao transplante cardíaco ou a dispositivos de assistência circulatória.
A equipe multiprofissional responsável pelo paciente deve manter-se atenta e garantir a implantação precoce de medidas paliativas, conforme a doença progredir e suas manifestações afetarem o paciente em níveis mais importantes da sua vida diária. Assim, atenuar sintomas, prover o devido apoio emocional, detectar e tratar precocemente as descompensações são medidas prioritárias, cuja realização tem prioridade, em contraste com a implementação de medidas com o fito de obter desfechos futuros cujo impacto ignora a realidade presente do indivíduo afetado e daqueles ao seu redor (BAGHERI, 2023).
Ressalta-se que o paciente portador de IC avançada é, na grande maioria das vezes, comórbido, apresentando quadros como depressão, demência, insuficiência renal, anemia e diabetes mellitus, cuja própria evolução age em simbiose com a patologia cardíaca, de forma que um foco de adoecimento pode piorar outros e influenciar negativamente na evolução do paciente (FADOL, 2023).
As medidas paliativas devem ser introduzidas apenas depois de uma inspeção minuciosa das causas removíveis de descompensação e de ferramentas terapêuticas não otimizadas. Nesse paradigma, avalia-se suspender intervenções que visem a ampliar a sobrevida em médio e longo prazos e cuja implementação potencialmente traria efeitos adversos, como o uso de certos medicamentos (como estatinas e suplementos vitamínicos). Nota-se que cardiodesfibriladores previamente implantados podem precipitar efeitos adversos frequentes (tais como choques incorretos e infecção no sítio do implante) e sua inativação deve ser avaliada junto à equipe e familiares (FERNANDES PEDRO, 2022).
Oferecer apoio espiritual e psicológico potencialmente diminui os efeitos de sintomas depressivos e pode, efetivamente, melhorar a qualidade de vida. Dessa forma, investigar sistemas de crença e necessidades religiosas, valorizando as idiossincrasias espirituais de cada paciente, pode constituir uma medida valiosa no manejo do fim de vida (WALLER, 2022).
A não maleficiência recebe primazia em prejuízo da beneficência quando se trata de um paciente dito terminal, sendo que a garantia de autonomia ao paciente é de suma importância para conduzir seu tratamento adequadamente. É crucial estabelecer o limite do tratamento com atenção redobrada aos direitos investidos ao paciente, conforme a declaração de Veneza (1983), que reafirma a individualidade do processo de morte e morrer, bem como a responsabilidade da equipe de cuidado no acolhimento de cada caso.
Eleger a conduta mais apropriada para o paciente crítico não é um processo fácil, e cada paciente deve ser discutido pela equipe multiprofissional em um regime de tomada de decisões individualizadas para cada caso, devendo contar com a participação da comissão de ética do serviço (ALBUQUERQUE, 2018).
Algumas das condutas prescritas no contexto do paciente portador de IC paliativo são, dentre outras:
- Decisão de não reanimar
Decisão estabelecida previamente ao evento de uma parada cardiorrespiratória, devidamente discutida com toda a equipe multiprofissional, o paciente e sua rede de apoio.
- Não implantação de medidas de suporte de vida
Decisão de não implantar medidas de Suporte de Vida, que seriam medicamente apropriadas e potencialmente benéficas, pelo entendimento de que o paciente morrerá sem a terapêutica em questão. As medidas propostas são consideradas fúteis, por não alterarem o prognóstico do paciente.
- Adequação de medidas de suporte
Término ou retirada de medidas terapêuticas com a finalidade explícita de não substituir por um tratamento alternativo equivalente. Está claro que o paciente irá morrer no seguimento da alteração do processo terapêutico. Esta retirada está moralmente e tecnicamente justificada apenas quando as medidas forem consideradas fúteis.
Tratar pacientes com doenças não malignas, como insuficiência cardíaca (IC), apresenta uma série de desafios adicionais em relação ao tratamento de pacientes com doenças oncológicas. Os modelos de cuidados paliativos, que foram principalmente desenvolvidos para pacientes com câncer, precisam ser ajustados para levar em conta essas particularidades, visto que cada vez mais pacientes com doenças não malignas, como insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica e demência, estão sendo encaminhados para cuidados paliativos (STEINBERG, 2020).
CONCLUSÃO
Esta revisão narrativa conclui que a implementação de cuidados paliativos para pacientes portadores de insuficiência cardíaca avançada é uma medida benéfica no que tange à melhora da qualidade de vida do paciente, diminuindo desfechos adversos como depressão, internações e sintomas angustiantes. Contudo, é necessário que se realizem mais estudos afim de constatar níveis de evidência de melhor estabelecimento para essa questão, ponderando-se a confecção de diretrizes oficialmente direcionadas a esse segmento da saúde somente após a obtenção da evidência necessária.
Além disso, a incorporação de cuidados paliativos no tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca avançada não apenas promove uma abordagem mais humanizada, mas também se alinha aos princípios de medicina centrada no paciente. Ao focar na mitigação de sintomas e no bem-estar integral, esses cuidados podem contribuir para uma melhor relação entre paciente e equipe de saúde, além de proporcionar maior autonomia ao paciente no manejo de sua condição.
Entretanto, como destacado, a lacuna de evidências robustas torna necessária a continuidade de pesquisas rigorosas que avaliem de maneira mais aprofundada os impactos dos cuidados paliativos nesta população. Isso é essencial para que futuras diretrizes sejam embasadas em dados sólidos, garantindo sua efetividade e segurança.
Outro ponto relevante a ser considerado é a necessidade de capacitação dos profissionais de saúde para lidar com as demandas específicas de pacientes em cuidados paliativos, especialmente em áreas como comunicação de más notícias e controle de sintomas complexos. Da mesma forma, é crucial que políticas públicas voltadas à integração dos cuidados paliativos no contexto da insuficiência cardíaca avancem, oferecendo suporte tanto aos pacientes quanto às suas famílias.
Portanto, conclui-se que, embora os benefícios dos cuidados paliativos sejam promissores, ainda há um longo caminho a ser percorrido para sua implementação otimizada e consolidada. Somente com uma base científica mais robusta será possível avançar em diretrizes consistentes que favoreçam a melhoria da qualidade de vida desses pacientes de maneira abrangente e equitativa
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¹ Discente do curso de Medicina do UniCEUB – Brasília, DF.
² Docente do curso de Medicina do UniCEUB – Brasília, DF. Médico especialista em Clínica Médica e Medicina Paliativa. Servidor da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – SES-DF. Membro da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP).