INSUFICIÊNCIA ADRENAL: UMA REVISÃO NARRATIVA DE LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202501251621


Mariana Rodrigues Costa1
Laís Moreira Borges Araujo2


Resumo

As glândulas adrenais são responsáveis pela síntese de glicocorticoides, mineralocorticoides e andrógenos no seu córtex, substâncias essenciais para a homeostase do organismo. A IA (insuficiência adrenal) é um distúrbio raro definido pela produção inadequada dessas substâncias. Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo abordar os principais aspectos acerca da IA através de uma revisão narrativa da literatura dos principais estudos realizados nos cinco últimos anos. Os artigos foram pesquisados nas seguintes bases de dados: Biblioteca Virtual de Saúde (BVS); National Library of Medicine (PubMed MEDLINE), Google Scholar e UpToDate, sendo selecionados 18 artigos. A IA pode ser classificada como primária, secundária ou terciária dependendo do órgão acometido do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. A principal causa de IA entre adultos é o uso abusivo de glicocorticoides, medicamentos amplamente utilizados atualmente; já em crianças a Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC) é a principal etiologia.  É uma condição caracterizada por apresentação de sinais e sintomas muito inespecíficos, o que condiciona a necessidade de exames laboratoriais para a confirmação do diagnóstico. Seu tratamento inclui a reposição de glicocorticoides e de mineralocorticoides. Em situações de estresse, pode evoluir para crise adrenal, uma emergência médica que pode ser evitada com o diagnóstico precoce de IA e com a educação do paciente sobre sua doença e manejo. Sendo assim, ter conhecimento acerca dos conceitos da IA é essencial para ser levantada como uma hipótese e iniciar a investigação de forma mais rápida e não haver atraso no diagnóstico. Além disso, a indicação e o uso racional de glicocorticoides são umas das principais maneiras de prevenir o desenvolvimento da principal causa de IA nos dias de hoje.

Palavras-chave: Insuficiência adrenal. Glicocorticoides. Mineralocorticoides. Crise adrenal

INTRODUÇÃO

A IA é definida pela secreção de quantidade insuficiente de glicocorticoides e/ou mineralocorticoides e andrógenos, seja pela ausência de estimulação ou pela perda da integridade da glândula adrenal (KUMAR; WASSIF, 2022).

As glândulas adrenais ou suprarrenais são compostas por duas camadas: a medula adrenal, parte mais interna, responsável pela produção de catecolaminas e o córtex adrenal, parte mais externa, que é dividido em zona glomerulosa (secreta aldosterona), zona fasciculada (secreta cortisol) e zona reticular (secreta androgênios) (DAVIES, 2023). A síntese de cortisol é controlada pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, no qual os núcleos paraventriculares do hipotálamo secretam o CRH, responsável pela estimulação da hipófise para liberação do ACTH, impulsionando a secreção de cortisol pelas adrenais (KILBERG; VOGIATZI, 2024).

Nesse contexto, a IA é classificada em primária, secundária e terciária: a forma primária é evidenciada quando há acometimento da própria glândula suprarrenal, a forma secundária é decorrente da redução dos níveis de hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) secretado pela hipófise, já a terciária se instala quando o hipotálamo não secreta níveis adequados de hormônio liberador de corticotropina (CRH) (HUECKER; BHUTTA; DOMINIQUE, 2023).

A prevalência das formas centrais de IA (secundária e terciária) são estimadas em cerca de 150-280 por milhão de pessoas, sendo as formas mais frequentes de insuficiência adrenal no mundo (ALEXANDRAKI; SANPAWITHAYAKUL; GROSSMAN, 2022). Já a forma primária, tem uma prevalência estimada por volta de 93-140 por milhão, sendo que a Doença de Addison (também conhecida como adrenalite autoimune) é principal causa de IA primária entre os adultos no mundo ocidental (LEWIS et al., 2023).

Tendo em vista o papel fundamental dos glicocorticoides e mineralocorticoides na homeostase do organismo, as manifestações da insuficiência adrenal podem variar de leves e inespecíficas a quadros graves, como as crises adrenais, que podem ser fatais (HUECKER; BHUTTA; DOMINIQUE, 2023). Essa amplitude da gravidade dos sintomas varia de acordo com a velocidade de instalação da doença, do fator desencadeador e da condição de saúde de base do paciente (KUMAR; WASSIF, 2022). Principalmente nas apresentações subagudas e crônicas, os sinais e sintomas tendem a ser mais inespecíficos, o que leva a um atraso insatisfatório do diagnóstico, fazendo com que um alto nível de suspeita clínica seja necessário para a identificação da doença (CHAROENSRI; AUCHUS, 2024).

O objetivo deste estudo é, portanto, descrever os principais tópicos acerca da insuficiência adrenal através da literatura científica mais atualizada, abordando o assunto de forma clara e coerente, a fim de contribuir para a abordagem dessa condição rara, mas extremamente pertinente na prática médica.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

O presente estudo consiste em uma revisão narrativa de literatura sobre a insuficiência adrenal. A partir do estabelecimento das palavras-chave da pesquisa, foi realizado o cruzamento dos descritores “adrenal insufficiency”; “primary”; “secondary” e “tertiary”; nas seguintes bases de dados: Biblioteca Virtual de Saúde (BVS); National Library of Medicine (PubMed MEDLINE), Google Scholar e UpToDate. A busca foi realizada no mês de outubro de 2024. Foram considerados estudos publicados no período compreendido entre 2019 e 2024.

A estratégia de seleção dos artigos seguiu as seguintes etapas: busca nas bases de dados selecionadas; leitura dos títulos de todos os artigos encontrados e exclusão daqueles que não abordavam o assunto; leitura crítica dos resumos dos artigos e leitura na íntegra dos artigos selecionados nas etapas anteriores. Foram encontrados 20 artigos, dos quais foram lidos os títulos e resumos publicados. Como critérios de inclusão, foram considerados artigos originais, que abordassem o tema pesquisado e permitissem acesso integral ao conteúdo do estudo, sendo excluídos aqueles estudos que não obedeceram aos critérios de inclusão supracitados. Após leitura criteriosa das publicações, 2 artigos não foram utilizados devido aos critérios de exclusão. Dessa forma, 18 artigos foram selecionados para a análise final e construção da revisão bibliográfica acerca do tema.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após análise dos artigos, foi possível listar os principais tópicos relacionados à etiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento da IA (Tabela 1).

Tabela 1 – Principais tópicos relacionados à IA encontrados nas publicações de 2021 a 2024.

EstudoTítuloAchados principais
ALEXANDRAKI; SANPAWITHAYAKUL; GROSSMAN, 2022Adrenal InsufficiencyAs formas centrais de IA são as mais prevalentes. Apenas a forma primária de IA afeta os mineralocorticoides. Para o diagnóstico de IA, os testes iniciais são as dosagens dos níveis de cortisol e ACTH. Na CA, a prioridade é a administração imediata de hidrocortisona.
BITENCOURT ET AL., 2022Central adrenal insufficiency: who, when, and how? From the evidence to the controversies  As principais causas de IA secundária são tumores de hipófise, traumas, uso abusivo de opioides, doenças infiltrativas. Níveis de SDHEA normais excluem o diagnóstico de IA. A reposição de corticoides deve se aproximar do ciclo circadiano do cortisol.
BORCHERS ET AL., 2023Epidemiology anda Causes of Primary Adrenal Insufficiency in Children: A Population-Based StudyA principal causa de IA em crianças é HAC, com diagnóstico geralmente realizado antes de 1 ano de idade.
CHAROENSRI; AUCHUS, 2024A Contemporary Approach to the Diagnosis and Management of Adrenal InsufficiencyOs sinais e sintomas da IA crônica são inespecíficos, o que atrasa muito o diagnóstico. A deficiência de andrógenos na IA é sintomática apenas nas mulheres. Para o diagnóstico de IA, os níveis de cortisol devem ser medidos pela manhã.
DAVIES, 2023Understanding tertiary adrenal insufficiencyO uso crônico de glicocorticoides é causa importante de IA terciária, sendo a principal etiologia de todos os tipos de IA.
ELSHIMY ET AL., 2023Adrenal CrisisÉ necessário estabilizar o paciente com CA para posteriormente iniciar investigação diagnóstica. A mortalidade de CA é de 0,5 por 100 pacientes/ano. O tratamento definitivo de CA é feito com glicocorticoides.
GRANDI ET AL., 2024Infections and gender: clues for diagnosis of adrenal insufficiency – a case report and a review of the literaturePacientes com IA são propensos a serem submetidos a internação por causas infecciosos.
HUECKER; BHUTTA; DOMINIQUE, 2023Adrenal InsufficiencyA insuficiência adrenal pode ser de etiologia primária, secundária ou terciária. A educação do paciente e sua família quando a IA são de extrema importância para prevenção e manejo de situações de emergência. Medidas de estabilização do paciente na CA.
KILBERG; VOGIATZI, 2024Adrenal Insufficiency in ChildrenA IAP é uma condição rara, que ocorre quando há disfunção de mais de 90% do córtex adrenal. A HAC é causada por um defeito da enzima 21-hidroxilase, condição pode passar despercebida em recém-nascidos do sexo masculino. A IA congênita pode se apresentar incialmente com convulsões ou sinais de CA.
KUMAR; WASSIF, 2022Adrenal insufficiencyNos estágios iniciais da IA, os níveis de ACTH podem estar prejudicados apenas no estresse, reduzindo em estágios mais avançados da doença. Os teste de estimulação do ACTH é feito com administração de ACTH recombinante. A prednisolona é uma alternativa no tratamento da IA.
LEWIS ET AL, 2023Diagnosis and management of adrenal insufficiency  A Doença de Addison é a principal causa de IAP em adultos. A hidrocortisona é a medicação de escolha no tratamento da IA.
LUNDHOLM; AMBALAVAN; RAO, 2024Primary adrenal insufficiency in adults: When to suspect, how to diagnose and manage  A IAP é mais frequente em mulheres, na faixa etária de 30 a 50 anos. Hipotensão ortostática, tontura, desejo por sal, hipercalemia, hiponatremia e acidose hiperclorêmica são encontrados na IAP, não sendo comuns na IA central, sendo esses sintomas utilizados para orientar as dosagens de corticoides no tratamento.
MUNIR; QUINTANILLA RODRÍGUEZ; WASEEM, 2024Addison disease  Etiologias autoimunes de IAP são comumente associadas a síndromes autoimunes poliglandulares.
NIEMAN; RAFF; DESANTIS, 2024Diagnosis of adrenal insufficiency in adults  Níveis de cortisol ≤ 3 mcg/dL praticamente confirma diagnóstico de IA, enquanto valores ≥ 18 mcg/dL excluem a hipótese de IA.
NOWOTNY ET AL, 2021Therapy options for adrenal insufficiency and recommendations for the management of adrenal crisisA dose de hidrocortisona para adultos é de 15-25mg e para crianças é de 8mg/m2 de superfície corporal por dia, sendo divididas em duas e três doses diárias.
RUSHWORTH; TORPY, 2023The Changing Epidemiology of Adrenal Insufficiency: Iatrogenic Factors Predominate  A CA é uma rápida queda do estado de saúde caracterizada por hipotensão e outros sintomas que deve se resolver dentro de 1-2 horas após administração de glicocorticoides.
WOLFF; KUCUKA; OFTEDAL, 2023Autoimmune primary adrenal insufficiency – current diagnostic approaches and future perspectivesA Doença de Addison é uma condição adquirida decorrente da destruição da enzima 21-hidroxilase. Os sintomas iniciais de IA são fraqueza, perda do apetite, náuseas, vômitos, perda de peso e letargia.
YOUNES; BOURDEAU; LACROIX, 2021Latent Adrenal Insufficiency: From Concept to DiagnosisHipotensão e hiponatremia podem ser encontradas na IAC, mesmo não sendo frequentes. A reposição de DHEA pode ser uma tentativa de tratamento para mulheres com sintomas decorrentes do hipoandrogenismo.

Fonte: Dados da pesquisa, 2024.

3.1 EPIDEMIOLOGIA

A insuficiência adrenal primária (IAP) é uma condição rara (KILBERG; VOGIATZI, 2024), sendo que sua principal causa, na população pediátrica, é a HAC, com diagnóstico geralmente realizado antes de 1 ano de idade. Em adultos, a IAP apresenta maior incidência em mulheres, sendo que a maior parte dos pacientes se encontram na faixa etária de 30 a 50 anos (BORCHERS et al., 2023; LUNDHOLM; AMBALAVANAN; RAO, 2024).

As formas centrais de insuficiência adrenal (IAC), tem como causa principal o uso crônico de glicocorticoides, em decorrência da utilização especialmente na modalidade de imunoterapia das doenças malignas, da maior detecção de adenomas hipofisários pelos métodos de imagem com consequente uso dos corticoides no tratamento dessa doença e aumento do uso dessas medicações de forma inalatória (RUSHWORTH; TORPY, 2023). Outras causas frequentes de IAC são o uso abusivo de opioides e traumatismo cranioencefálico (16 a 69%) (BITENCOURT et al, 2022).

3.2 ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal é responsável pela liberação de cortisol em um ciclo circadiano, através de um ritmo pulsátil (em uma frequência de 3 a 6 horas), preparando o organismo frente a situações estressantes (KUMAR; WASSIF, 2022). Em paralelo, o sistema renina-angiotensina-aldosterona juntamente com níveis plasmáticos de potássio participam da regulação da síntese de mineralocorticoides (LEWIS et al, 2023).

3.2.1 Insuficiência adrenal primária

A IAP é manifestada quando há destruição de mais de 90% do córtex adrenal ou disfunção dessa área, envolvendo tanto a zona fasciculada quanto a zona glomerulosa, acarretando, então, na deficiência de glicocorticoides e mineralocorticoides (KILBERG; VOGIATZI, 2024).

A Doença de Addison, etiologia mais frequente de IAP em adultos, é uma doença autoimune adquirida caracterizada pela destruição da enzima 21-hidroxilase por autoanticorpos (21OH-Abs), sendo esse um dos marcadores mais confiáveis para o diagnóstico dessa patologia (WOLFF; KUCUKA; OFTEDAL, 2023). Pacientes com IAP por etiologia autoimune tem maior predisposição a ter síndromes autoimunes poliglandulares: a síndrome poliglandular tipo 1 é definida pela tríade de Doença de Addison, hipoparatireoidismo e candidíase mucocutânea; já a síndrome poliglandular autoimue tipo 2 é evidenciada pela presença de várias condições autoimunes, como tireoidite autoimune, Diabetes mellitus tipo 1, vitiligo, dentre outras (MUNIR; QUINTANILLA RODRIGUEZ; WASEEM, 2024).

Nas crianças, a HAC se apresenta como a principal etiologia da IAP, sendo caracterizada por um defeito congênito da enzima 21-hidroxilase, apresentando sinais de hiperandrogenemismo em bebês 46,XX, como virilização e gônadas não palpáveis, já em indivíduos 46,XY essa condição pode passar despercebida por não haver ambiguidade, apresentando classicamente a síndrome perdedora de sal nas primeiras semanas (KILBERG; VOGIATZI, 2022).

Outras causas de IAP incluem as infecções (como tuberculose, HIV e sífilis), alguns medicamentos (por exemplo: cetoconazol, fluconazol, etomidato, metirapona, fenitoína, fenobarbital e rifampicina), câncer e hemorragia adrenal (causada pelo uso de anticoagulantes, por distúrbios de coagulação ou no pós-operatório) (YOUNES; BOURDEAU; LACROIX, 2021).

3.2.2 Insuficiência adrenal central

Na IA central, os níveis insuficientes de ACTH levam à depleção dos níveis de glicocorticoides e androgênios, ao passo que a síntese de mineralocorticoides permanece intacta, uma vez que a sua secreção não é dependente do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, mas sim do sistema renina-angiotensina-aldosterona (ALEXANDRAKI; SANPAWITHAYAKUL; GROSSMAN, 2022). Nos estágios iniciais da doença, apenas a produção do hormônio adrenocorticotrófico sob estresse é prejudicada, evoluindo para a redução dos níveis basais do ACTH em estágios mais avançados da IA e levando à atrofia das zonas fasciculada e reticular do córtex da glândula adrenal (KUMAR, WASSIF, 2022).

A IA secundária é decorrente de condições afetam a hipófise, prejudicando diretamente a síntese de ACTH, sendo que suas principais causas decorrem de tumores (como adenoma pituitário), traumas, hipofisite por doença infiltrativa (por exemplo, hemocromatose e amiloidose) ou hipofisite primária e causas genéticas por mutações em genes que codificam os fatores de transcrição relativos ao desenvolvimento da hipófise (BITENCOURT et al, 2022).

A IA terciária, definida pelo acometimento da função do hipotálamo, é a forma mais comum de todos os tipos de insuficiência adrenal, causada principalmente pelo uso crônico de glicocorticoides exógenos, que em altos níveis exercem feedback negativo no hipotálamo, inibindo a síntese de CRH e, consequentemente, inibe todo o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (DAVIES, 2023).

3.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Por apresentar caráter insidioso, a IA geralmente se manifesta incialmente com sinais e sintomas inespecíficos, como fraqueza, perda do apetite, perda de peso, letargia, náuseas, vômitos e dor abdominal, o que leva a um importante atraso no diagnóstico (WOLFF; KUCUKA; OFTEDAL, 2023).

Devido à deficiência de mineralocorticoides, os pacientes com IAP podem apresentar hipotensão ortostática, tontura, desejo por sal, hipercalemia, hiponatremia e acidose hiperclorêmica, em contrapartida, esses sintomas não são encontrados na IAC (LUNDHOLM; AMBALAVANAN; RAO, 2024). No entanto, a hipotensão também pode ser encontrada na IAC devido à redução da expressão de receptores de catecolaminas nos vasos sanguíneos secundária à falta de cortisol, assim como a hiponatremia também pode ser encontrada nesse tipo de IA, como consequência da elevação dos níveis de vasopressina estimulada pela deficiência do glicocorticoide (YOUNES; BORDEAU; LACROIX, 2021).

A pigmentação da pele é um sinal clínico encontrado na IAP decorrente dos altos níveis de ACTH, que estimula os receptores de melanocortina-1 (MC1R) com sua atividade hormonal intrínseca de estimulação de α -melanócitos, sendo, portanto, um sinal clínico considerável na diferenciação dos tipos de IA (ALEXANDRAKI; SANPAWITHAYAKUL; GROSSMAN, 2022). Pacientes com insuficiência adrenal primária apresentam maior risco de abrirem quadros infecciosos, com maior taxa de hospitalização decorrentes desses episódios, sendo os tratos respiratórios, gastrointestinal e urinário os principais focos (GRANDI et al., 2024).

No que diz respeito a deficiência de andrógenos, que pode ocorrer em ambas as formas de IA, ela é sintomática apenas nas mulheres, com redução dos pelos corporais e diminuição da libido, uma vez que a produção desses hormônios pela adrenal nas mulheres é amplamente significativa, diferente dos homens em que os testículos são a fonte principal de androgênios (CHAROENSRI; AUCHUS, 2024).

Na população pediátrica, em especial a IA congênita, as primeiras manifestações já podem ser convulsões por hipoglicemia ou sinais de crise adrenal, ressaltando que bebês com IA central podem não apresentar nenhum sinal ou sintoma até que um estresse físico cause uma crise adrenal (KILBERG; VOGIATZI, 2024).

Apesar de frequentemente insidiosa em adultos ou até mesmo em crianças, a IA pode evoluir para uma crise adrenal (CA) (BITENCOURT et al, 2022). A CA é uma rápida deterioração do estado de saúde associada a hipotensão e sinais e sintomas clínicos que devem se resolver dentro de 1 a 2 horas após terapia com glicocorticoide parenteral (RUSHWORTH; TORPY, 2023). A CA é uma emergência endócrina com risco taxa de mortalidade de 0,5 por 100 pacientes/ano que ocorre quando a secreção de cortisol é insuficiente frente a fatores estressores externos ou internos (ELSHIMY et al, 2023).

3.4 DIAGNÓSTICO

Em apresentações insidiosas, a história clínica e o exame físico levantam a suspeita diagnóstica, que deve ser confirmada com testes laboratoriais através da dosagem dos níveis cortisol e dos níveis de ACTH, a fim de avaliar se a falta de cortisol é secundária ou não à deficiência do hormônio adrenocorticotrófico (ALEXANDRAKI; SANPAWITHAYAKUL; GROSSMAN, 2022).

Os níveis de cortisol séricos devem ser medidos dentro de algumas horas após o indivíduo acordar pela manhã, mais comumente por volta de 8h, cujo horário corresponde ao pico da atividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (CHAROENSRI; AUCHUS, 2024). Níveis de cortisol ≤ 3 mcg/dL (≤80nmol/L) apontam para o diagnóstico de IA e se suspeita diagnóstica for alta, o teste de estimulação com ACTH pode ser dispensado; resultados ≥ 18 mcg/dL (≥500 nmol/L) praticamente excluem a suspeita de IA; já níveis de cortisol > 3 mcg/dL, mas < 18 mcg/dL necessitam da realização de um teste de estimulação com ACTH (NIEMAN; RAFF; DESANTIS, 2024).

No entanto, os resultados desse exame que mede os valores de cortisol podem ser falseados por fatores que afetam os níveis de globulina de ligação ao cortisol (CBG), uma vez que 80 a 90% do hormônio está ligado a essa proteína, como pílulas anticoncepcionais orais ou outros compostos de estrogênio e gravidez que aumentam os níveis de CBG elevando falsamente os níveis de cortisol (LUNDHOLM; AMBALAVANAN; RAO, 2024). Ademais, níveis baixos de CBG também resultam em níveis falsos de cortisol, neste caso reduzidos, podendo ser encontradas em condições como síndrome nefrótica, hepatopatias, situações de inflamação ou distúrbios genéticos raros (ALEXANDRAKI; SANPAWITHAYAKUL; GROSSMAN, 2022).

O teste de estimulação com ACTH é realizado com aplicação intravenosa ou intramuscular de 250mcg de ACTH recombinante (consintropina ou tetracosactrina), coletando amostras de cortisol em 0, 30 e 60 minutos após a aplicação, a fim de analisar a responsividade da glândula adrenal ao hormônio adrenocorticotrópico (KUMAR; WASSIF, 2022). A interpretação dos resultados desse teste varia de acordo com os valores de corte de cada tipo de método de ensaio, mas de modo geral valores de cortisol < 14 mcg/dL corroboram para o diagnóstico de IA, enquanto valores ≥ 18 mcg/dL praticamente excluem a hipótese diagnóstica e valores ≥ 14 e < 18 mcg podem ter a necessidade da dosagem de SDHEA (NIEMAN; RAFF; DESANTIS, 2024).

O sulfato de desidroepiandrosterona (SDHEA) é sintetizado na zona reticular sob estímulo do ACTH, variando seus níveis de acordo com sexo e idade, dessa forma, um SDHEA normal praticamente exclui o diagnóstico de IA, (BITENCOURT et al, 2022). Os valores de SDHEA acima de 65 mcg/dL em qualquer momento do dia demonstra a normalidade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, no entanto, esse hormônio sofre declínio das suas concentrações com o avançar da idade, não sendo possível usar esse valor como ponto de corte para o diagnóstico de IA (CHAROENSRI; AUCHUS, 2024).

No caso de crise adrenal, a investigação diagnóstica não deve atrasar o tratamento, a prioridade nessas situações é a administração imediata de hidrocortisona, porém pode ser obtida uma amostra de sangue nessa ocasião para avaliação posterior dos níveis de cortisol e ACTH (ALEXANDRAKI; SANPAWITHAYAKUL; GROSSMAN, 2022). Em casos de dúvida quanto ao diagnóstico e valores limítrofes de cortisol, é necessária a estabilização do paciente para posteriormente realizar o teste de estimulação com ACTH (ELSHIMY et al., 2023).

3.5 TRATAMENTO

3.5.1 Insuficiência adrenal crônica (insidiosa)

O tratamento da IA envolve a reposição de glicocorticoides, sendo a hidrocortisona, um glicocorticoide de ação curta, a medicação de escolha, uma vez que sua absorção ocorre de modo mais previsível além de possibilitar o acompanhamento bioquímico dos seus níveis (LEWIS et al., 2023). Em adultos, deve ser administrada um total de 15-25mg de hidrocortisona em duas a três doses por dia; já em crianças a dose recomendada é de 8 mg/m2 de superfície corporal/dia divididas em três a quatro doses diárias (NOWOTNY et al, 2021). A divisão dessa dosagem tenta se aproximar do ciclo circadiano do cortisol: a maior dose é tomada no início da manhã e as outras duas são administradas no almoço e ao final da tarde, sendo que a última deve ser tomada cerca de 16-18h, pois pode causar insônia e levar à resistência insulínica (BITENCOURT et al, 2022).

A prednisolona (3-5 mg/dia) pode ser uma alternativa quando a hidrocortisona não está disponível, com a vantagem de ser administrada em uma a duas vezes por dia, no entanto deve se atentar quanto ao desenvolvimento de dislipidemia e redução da densidade óssea causados por essa medicação, que são mais prevalentes quando comparada ao uso da hidrocortisona (KUMAR; WASSIF, 2022). Em contrapartida, a dexametasona não deve ser usada na terapia de IA, uma vez que é um glicocorticoide de alta potência, não possui tamanhos de comprimidos compatíveis com o ciclo fisiológico e apresenta meia-vida longa, causando superdosagem e efeitos colaterais cushingoides com frequência (CHAROENSRI; AUCHUS, 2024).

Na IA primária é necessária também a reposição de mineralocorticoides, sendo a fludrocortisona a medicação de escolha, inicialmente na dose de 50 a 100 mcg diários e posteriormente titulados para uma faixa de 50 a 300 mcg por dia, de acordo com os sinais de hiperdosagem (como hipertensão, edema de extremidades, hipocalemia) e sinais de subdosagem (como desejo por sal, tontura, hipercalemia) (LUNDHOLM; AMBALAVANAM; RAO, 2024).

A reposição de dehidroepiandrosterona (DHEA) é indicada como uma tentativa experimental de tratamento apenas para mulheres que ainda não entraram no climatério com queixas de redução da libido e estados depressivos, mesmo com a reposição correta de glicocorticoides e mineralocorticoides (YOUNES; BOURDEAU; LACROIX, 2021).

Para pacientes com diagnóstico prévio de IA estabelecido é de suma importância a orientação para paciente e seus familiares acerca da doença, sobre os sinais e sintomas, controle do estresse e algumas medidas de precaução, como ter uma pulseira/colar de alerta médico, um cartão com informações médicas e conter seringas com 4 mg de dexametasona em 1mL de solução salina para serem usadas em situações de emergência (HUECKER; BHUTTA; DOMINIQUE, 2023).

3.5.2 Crise adrenal (CA)

O tratamento definitivo da crise adrenal consiste na administração de glicocorticoides, também com preferência pela hidrocortisona em dose de estresse: para adultos recomenda-se inicialmente uma dose de 100mg IM/EV em bolus e posteriormente 200 mg IM/EV nas próximas 24h (em infusão contínua ou administradas 50mg a cada 6 horas); em crianças é feita uma dose inicial de 50 a 100 mg/m2 de área de superfície corporal, seguida de manutenção de hidrocortisona IM/EV de 50 a 100 mg/m2 nas próximas 24h (em infusão contínua ou em doses iguais a cada 6 horas) (ELSHIMY et al., 2023).

Além disso, são necessárias outras medidas para estabilização do paciente: infusão de 2 a 3 litros de solução salina isotônica ou dextrose a 5% em solução salina isotônica em caráter de urgência, correção de distúrbios eletrolíticos, monitorização hemodinâmica e identificação e tratamento de possíveis focos infecciosos que desencadearam a crise adrenal (HUECKER; BHUTTA; DOMINIQUE, 2023).

4 CONCLUSÃO

A IA é uma condição médica rara com sintomas extremamente inespecíficos, mas com alto potencial de levar a desfechos trágicos. Por isso, ter conhecimento dos seus conceitos é importante para ter uma suspeita clínica e então iniciar a investigação laboratorial a fim de fechar o diagnóstico sem grandes atrasos, problema que muitos pacientes enfrentam atualmente.

Além disso, o uso racional de glicocorticoides é uma das medidas mais relevantes na prevenção da IA, uma vez que o uso dessa medicação em altas doses e de forma contínua é a principal causa de IA no mundo. Em recém-nascidos, os pediatras devem se atentar principalmente à forma clássica perdedora de sal que pode levar a graves distúrbios hidroeletrolíticos.

5 REFERÊNCIAS

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BORCHERS, J. et al. Epidemiology and Causes of Primary Adrenal Insufficiency in Children: A Population-Based Study. The Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism, v. 108, n. 11, p. 2879-2885, 2023.

CHAROENSRI, S.; AUCHUS, R. J. A Contemporary Approach to the Diagnosis and Management of Adrenal Insufficiency. Endocrinology and Metabolism, v. 39, n.1, p. 73-82, 2024.

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ELSHIMY, G.; et al. Adrenal Crisis. StatPearls [Internet]. 2023. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK499968/. Acesso em: 19 de outubro de 2024.

GRANDI, G. et al. Infections and gender: clues for diagnosis of adrenal insufficiency – a case report and a review of the literature. Internal and Emergency Medicine, v. 19, n. 7, p. 1821–1828, 2024.

HUECKER, M. R.; BHUTTA, B. S.; DOMINIQUE, E. Adrenal Insufficiency. Em: StatPearls [Internet], 2023. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK441832/. Acesso em: 19 de outubro de 2024.

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1 Discente do Curso de Medicina no Centro Universitário de Patos de Minas.
2 Docente do Curso de Medicina no Centro Universitário de Patos de Minas.