INOVAÇÃO TECNOLÓGICA EM SAÚDE: UMA VISÃO INTERDISCIPLINAR

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102501150939


Sônia Denize Clivati Justus¹
Paola Aparecida Raeski¹
MylenaFrança Martins¹


Resumo:A tecnologia se fez presente em todo o nosso cotidiano, tornou-se praticamente um elemento da nossa sobrevivência, pois ela está presente na geração de recursos como distribuição de água, energia elétrica, nos sistemas de comunicação, locomoção, eletrodomésticos e afins. Ao pensarmos em inovação tecnológica, pensamos naquilo de novo que o setor da tecnologia pode nos oferecer, por esse caminho o setor da saúde vem investindo em diversos tipos de inovações a fim de garantir o tratamento e a melhoria da saúde dos pacientes, como é o caso da produção de vacinas, antibióticos, métodos diagnósticos, evolução de cirurgias, próteses, dentre outros produtos. Quando é criado um novo produto não levado em conta apenas o saber fracionado, mas necessita de um conhecimento interdisciplinar, pois além de querer inovar, ou resolver um problema, é necessário pensar em todo o contexto em que aquele produto será inserido. Pensando nisso o presente trabalho tem como objetivo realizar um levantamento bibliográfico sobre como a inovação tecnológica atua na área da saúde e pontuar a importância da interdisciplinaridade na inovação tecnológica em saúde. Ainda são poucos os estudos que relacionam a inovação tecnológica no setor de saúde e mais escassos ainda são os estudos que relacionam a interdisciplinaridade com esse setor de pesquisa, porém, mesmo com poucos estudos, podemos ver a importância desta no setor da inovação e a importância do desenvolvimento da inovação tecnológica no setor da saúde.

Palavrachave:Inovação Tecnológica; Saúde; Interdisciplinaridade.

INTRODUÇÃO

Atualmente a tecnologia tomou conta do nosso dia a dia estando presente em recursos como energia elétrica, internet, nos meios de transportes como automóveis e aviões, nos meios de comunicação, telefone fixo, telefone móvel, nos aparelhos eletrodomésticos, dentre outros instrumentos e recursos. Temas que envolvem inovação tecnológica estão em pauta dentro de empresas, agências de fomento a pesquisa, agências do governo e demais organizações sociais, as quais, muitas delas, exercem uma forte influência no setor da saúde (LORENZETTI et al., 2012).

Quando relacionamos o tema inovação tecnológica com a área da saúde, temos uma visão da ciência voltada para o tratamento de doenças, sendo ela na produção de medicamentos,      próteses, marcapassos, respiradores, mas também está presente nas tecnologias de diagnósticos, como exames radiológicos, em cirurgias e transplantes, dentre outras, tendo como finalidade de garantir a saúde do paciente.

Ano a ano novos conhecimentos  e  produtos tecnológicos são desenvolvidos gerando  uma  grande  dimensão  de novas técnicas, instrumentose recursos. Vemos isso no fato de técnicas utilizadas atualmenteserem desconhecidas há trinta anos (CAETANO; VIANNA, 2006).

Esse avanço tecnológico na área da saúde vem desde a segunda guerra mundial onde ocorreu maior desenvolvimento de serviços e produtos para os sistemas de saúde (VIANAet al., 2011).

Porém, outro ponto importante no que se diz respeito à inovação tecnológica é a relação da interdisciplinaridade com esta, especialmente no setor da saúde ao qual estamos retratando. Quando pensamos em desenvolver um equipamento, como por exemplo, de diagnóstico de imagem precisamos agregarconhecimentos de áreas como a física, engenharia mecânica, engenharia computacional, assim como agregar conhecimentos biológicos e químicos, pois além de construir um equipamento, precisamos saber se ele atenderá as necessidades propostas, assim como, se ele terá algum dano à saúde do paciente. O desenvolvimento de um medicamento, também envolve o caráter interdisciplinar, pois precisa de conhecimentos químicos, biológicos, farmacológicos, físicos, algumas vezes da engenharia de materiais, dentre outros.

Costa, 2016, considera que o desenvolvimento da inovação tecnológica em saúde deve avançar na realização de estudos que tenham uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar, pois envolve indivíduos, grupos de trabalho, instituições e organizações.

Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo realizar um levantamento bibliográfico sobre como a inovação tecnológica atua na área da saúde e levantar pontos onde a interdisciplinaridade tem influência nessa área.

Para tanto foi realizada uma revisão bibliográfica narrativa, com o intuito de selecionar textos que abrangessem a temática proposta, ou seja, textos que relacionassem a inovação tecnológica no setor da saúde; a inovação tecnológica e a interdisciplinaridade; e textos que pudessem pontuar sobre a inovação tecnológica em saúde relacionando a interdisciplinaridade. A pesquisa foi realizada nas bases de dados como Google Acadêmico, Lilacs, PubMed, RICYT, ScienceDirect e Scielo, com os descritores “Inovação tecnológica”, “Saúde” e “Interdisciplinaridade”, sendo estes colocados tanto em português, como também em inglês, e para relacioná-los, utilizou-se o operador booleano AND. Nessa metodologia os textos e autores são selecionados intencionalmente, pois ficam apenas os considerados pertinentes, os quais foram analisados de forma crítica e reflexiva, a fim de contribuir para um debate futuro sobre a temática no setor da saúde.

O papel das universidades e instituições de pesquisa atrelados à assistência médica repercutem sobre o sistema de inovação no setor de saúde, pois envolvem hospitais, clínicas e postos médicos, os quais implementam através da assistência médica e da saúde pública as inovações, atuando diretamente sobre o bem-estar da população (ALBUQUERQUE; CASSIOLATO, 2002).

O termo inovação tecnológica envolve muito mais do que mudanças no setor da tecnologia, ele envolve conexões, interações e influências de empresas, centro de pesquisa e até mesmo do governo. No que se diz respeito ao setor da saúde a tecnologia está presente na disponibilidade de equipamentos, como também nas novas técnicas assistenciais,  sobre  os  diferentescampos           e          especialidades            no        setor (LORENZETTIet al., 2012).

RESULTADOS

Quando realiza-se uma pesquisa geral sobre “inovação tecnológica em saúde” obtém-se uma vasta quantidade de resultados da pesquisa, nas diversas bases de dados, variando de 29 a 18.000(tabela 1),porém quando começamos a ler os títulos e resumo verificamos que não há tanta relação entre as temáticas e o número de artigos relevantes cai. Encontram-se artigos que tratam de inovação com atividades de ensino e pesquisa, mas não relacionam na área da saúde em si, trazem cuidados com o câncer, porém não abordam sobre inovação tecnológica no contexto, retratam sobre a reorganização do SUS, trazem interface entre bioética e saúde, capacitação profissional e muitos relacionam a inovação tecnológica com a economia.

Quando inserimos o termo “interdisciplinaridade” na pesquisa a quantidade de resultados diminui nas bases Scieloe ScienceDirect para 1, já nas bases Lilacs, Pubmed e RICYT não são encontrados resultados, enquanto na pesquisa do Google Acadêmicoos resultados sobem para 34.500 (tabela 2). Esse número elevado na pesquisa do GoogleAcadêmico se dá pelo fato dele buscar todos os tipos de artigos que citem um dos descritos de maneira geral, não apenas os que relacionam esses descritores. Quando lê-se um pouco sobre os textos, como seus títulos e resumos verifica-se que muitos deles não relacionam a inovação tecnológica em saúde e a interdisciplinaridade.

Tabela 2 – Resultados da busca “Interdisciplinaridade e Inovação Tecnológica em Saúde”

Tabela 3 – Resultados da busca “Interdisciplinaridade e Inovação Tecnológica”

Outra forma de busca utilizada foi inserindo os termos “interdisciplinaridade e inovação tecnológica”, para verificar se havia mais artigos nas bases de dados que pudessem ser relevantes para a temática abordada. Nas bases Lilacs, PubMed e RICYT não foram encontrados textos que envolvessem ambos os descritores. Isso se dá pelo fato de serem, as duas primeiras, bases voltadas para publicações relacionadas apenas ao setor de saúde, enquanto a RICYT é uma biblioteca voltada para a ciência e tecnologia e não aborda outras temáticas, como é o caso da interdisciplinaridade. Na Scielo foram encontrados 3 resultados, na ScienceDirect 4 resultados e na pesquisa realizada no Google Acadêmico os resultados encontrados foram de aproximadamente 49.000 (tabela 3), o que ocorre pelo mesmo motivo citado anteriormente.

Dos textos analisados foram então selecionados os mais pertinentes, construindo uma ideia sobre a inovação tecnológica no setor de saúde e o papel da interdisciplinaridade nessa inovação.

DISCUSSÃO

O processo de inovação tecnológica pode ser visto de duas formas, uma chamada de inovação incremental, a qual destina-se a algum tipo de melhoria em um produto, um processo ou na organização de uma empresa, sem modificar de forma expressiva a forma como o produto é. A alteração do design de um produto, a diminuição na utilização de materiais, a melhoria na qualidade de um produto, ou até mesmo o aumento da produtividade de uma empresa, todos estes são exemplos de inovações do tipo incrementais. Por outro lado, existem as inovações do tipo radical, as quais referem-se à inserção de um novo produto no mercado, criando novos mercados e novas possibilidades (LEIFER et al., 2002; TIRONI; CRUZ,2008;LORENZETTI et al. 2012).

No Brasil a lei 10.973 de 02 de dezembro de 2004estabelece medidas que incentivem à inovação, pesquisa científica e tecnológica, definindo no artigo 2º, no item IV que a “inovação refere-se à introdução de uma novidade, ou o aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social, que resulte em novos produtos, serviços ou processos, ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produtos, serviços ou processos já existentes, que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho” (BRASIL, 2004).

O setor da saúde é representado como elemento central da terceira revolução tecnológica, a qual tem por base o desenvolvimento da biotecnologia, assim como novas tecnologias de comunicação e informação. Os investimentos nessa área crescem acarretando em avanços e novas descobertas tecnocientíficas, sendo elas a descobertas de vacinas, próteses, robôs cirúrgicos, prontuários eletrônicos integrados, implantes, produções artificiais, transplantes, etc. (LORENZETTI, 2012; VIANA; ELIAS, 2007).

Mesmo com esses avanços, o Brasil ainda depende de outros países que são mais avançados na área de tecnologias em saúde. Essa dependência traz a discussão o fato de que a inovação deve ser aperfeiçoada e incentivada, a fim de reduzir a dependência tecnológica e tornar necessária a conexão entre os níveis pessoais, processuais e parceiros (CAPANEMA et al, 2010; LORENZETTI et al., 2012).

Como o processo de inovação tecnológica é muito complexo, pois não depende apenas de um saber, mas sim da integração de saberes, a interdisciplinaridade  torna-se imprescindível          para  esse desenvolvimento. Maciel, 2001, faz uma relação da inovação no campo da sociologia com a interdisciplinaridade, e destaca que o desenvolvimento socioeconômico depende de análises e estratégias, exigindo uma capacidade de análise efetivamente interdisciplinar a fim de integrar teorias e metodologias. Isso demonstra que o processo de inovação, independente da área, depende de diversos saberes para então chegar a um devido resultado.

A inovação tecnológica vem como um elemento gerador de mudanças, e para introduzir um produto ou um serviço novo é necessário ser criativo, paradigmático, sistêmico, insatisfeito, ousado e interdisciplinar. Onde as inovações não são relacionadas apenas com questões de ordem técnocientíficas, mas possuem dimensões políticas, econômicas e socioculturais. A interdisciplinaridade, nesse campo, atua construindo uma equipe com metas comuns,    encaradas cooperativamente, a qual tomará decisões a fim de resolver um problema (CASSAGRANDE JÚNIOR, 2003; AMEM; NUNES, 2006).

Algumas estratégias presentes no setor da saúde podem ser consideradas como inovação tecnológica, como é o caso da Estratégia de Saúde da Família, considerada uma inovação tecnológica não material, podendo ser vista como melhoria de um sistema organizacional, a fim de cuidar melhor da saúde e qualidade de vida dos pacientes (SORATTO et al., 2015)

A tecnologia deve ser vista como um conjunto de estratégias e ações de trabalho as quais resultem em uma ação transformadora da natureza. O sentido atual de tecnologia envolve recursos materiais e imateriais, ou seja, vai muito além do desenvolvimento de equipamentos, envolve            também    o conhecimento(SCHRAIBER et al., 2008). O setor de inovação tecnológica na saúde vem crescendo, tanto nas pesquisas, como na inclusão de novas tecnologias já em prática, e o reflexo disso observamos na vida do paciente, em doenças que há anos atrás não tinham cura, em inovações cirúrgicas que acabam proporcionando mais tempo de vida ao paciente, dentre outras inovações. Isso leva muito tempo de estudo e grande quantidade de conhecimento, um conhecimento que apenas multidisciplinar não dá conta de resolver todos os desafios que uma pesquisa enfrenta.

CONSIDERAÕES FINAIS

Ainda é escasso o número de trabalhos que realmente relacionem e demonstrem a importância da inovação tecnológica no setor de saúde, visto que este setor tem investido fortemente em pesquisas e no desenvolvimento de diversos tipos de inovações, seja na produção de medicamentos,    tecnologias diagnósticas, próteses, tecnologias integrativas dos sistemas, ações de melhorias, até mesmo o desenvolvimento de técnicas para o controle de qualidade de produtos destinados ao paciente. Quando se pensa em desenvolvimento tecnológico o conhecimento interdisciplinar deveria estar atrelado a esse, pois a visão do conhecimento segregado não é suficiente para produzir um novo produto, ou até mesmo melhorar um produto já existente, é necessário aprofundar outros conhecimentos para que possa se chegar ao resultado desejado. Talvez pesquisas futuras demonstrem sobre a importância do conhecimento interdisciplinar, visto que a interdisciplinaridade tem sido bastante discutida como forma de melhorar e solucionar problemas que muitas vezes a escassez que tomou o conhecimento segregado não consegue solucionar sozinho.

REFERÊNCIAS

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¹Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná.