REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10440374
Yago Carvalho Baldin
José Otavio Quimello Marcucci
Marco Aurelio Tuena De Oliveira
RESUMO
O lítio em doses farmacológicas é bem conhecido por suas propriedades na prevenção do suicídio. Estudos da década de 70 iniciaram pesquisas investigando se dosagens desse íon inferiores à terapêutica, disponíveis na ingesta em água, poderiam exercer esse mesmo efeito. O presente trabalho buscou realizar uma revisão sobre o impacto que a ingesta de lítio em água para beber exerce na redução de mortes por suicídio. Os artigos foram obtidos na base de dados do PUBMED, SCIELO e LILACS. Os descritores utilizados foram “Drinking Water”, ” Lithium” e “Suicide”(em inglês e português), no período compreendido entre 2011 e 2021. A partir dos critérios de inclusão e exclusão, 10 publicações foram selecionadas para este estudo. Na maior parte dos estudos houve uma associação positiva e significativa entre a ingesta de água com íon lítio na prevenção de suicídio. Tal achado pode embasar cientificamente políticas públicas para a suplementação de lítio em água para beber, com o objetivo de reduzir mortes por suicídio.
Palavras-chave: Lítio. Suicídio. Água para beber.
ABSTRACT
Lithium in pharmacological doses is well known for its suicide prevention properties. Studies from the 70s began to investigate whether doses of this ion lower than the therapeutic ones available in water intake could exert this same effect. This study aimed to carry out a review of the impact of lithium intake in drinking water on the reduction of suicide deaths. The articles were obtained from the database of PUBMED, SCIELO and LILACS. The descriptors used were “Drinking Water”, “Lithium” and “Suicide” (in English and Portuguese), in the period between 2011 and 2021. Based on the inclusion and exclusion criteria, 10 (ten) publications were selected for this study. Most researches indicated that there is a positive and significant association between water intake with lithium ion in suicide prevention. This finding may scientifically support public policies for supplementing lithium in drinking water, with the aim of reducing suicide deaths.
Keywords: Lithium. Suicide. Drinking Water.
1. INTRODUÇÃO
O lítio, elemento químico com número 3 da tabela periódica é o mais leve dos elementos sólidos à temperatura ambiente. Seu nome deriva do grego lithos que significa pedra. Esse elemento foi descoberto em 1817 em Estocolmo, Suécia, pelo químico sueco Johann Arfvedson e foi isolado pelos químicos alemães Robert Wilhelm Bunsen e Mattiessen em 1855 (1).
O marco histórico inicial do uso do lítio na Psiquiatria, porém, ocorreu apenas em 1954 com a publicação do estudo duplo-cego do pesquisador Mogens Schou e colegas que estudaram seu uso na mania clássica no transtorno bipolar (2). Durante muitos anos, foi a única substância a ser estabilizador de humor; contudo, após quase 70 anos, continua sendo um tratamento de primeira linha para a maioria dos pacientes bipolares, na apresentação carbonato de lítio (2).
O suicídio é um importante problema em saúde pública, ocorrendo em mais de oitocentas mil pessoas por ano (3). A farmacoterapia de longo prazo com o lítio tem-se demonstrada útil na redução de ideação suicida, mesmo em concentrações séricas abaixo das convencionais para tratamento de distúrbios do humor (3). Seu mecanismo de ação está relacionado com suas propriedades agonistas serotoninérgicas, que pode alterar a ideação suicida. O lítio também aumenta o sistema glutamatérgico, que também diminui essa intenção. Além disso, estimula os receptores GABAb no hipocampo, podendo essa ação inibitória, junto à adenilil ciclase, modular a ideação suicida (3).
Na nutrição, o lítio é encontrado em diversos alimentos. Suas fontes primárias são grãos e vegetais. Em algumas áreas, a água para beber pode proporcionar quantidades significativas desse elemento (4). A deficiência de lítio em humanos não foi ainda caracterizada, mas a baixa ingesta de lítio em fontes de água foi associada com aumento de tentativas de suicídio, homicídios e prisões. Uma sugestão provisória para ingesta diária de lítio em um adulto de 70 kg é de 1000 μg por dia (4).
Os primeiros dados do lítio em água para beber datam de 1978 – 1987, no Texas, e mostraram que a incidência da taxa de suicídio, homicídio e estupro eram significantemente maiores em países cuja água para beber continham pouco ou nenhum lítio do que em países com nível de lítio em água variando de 70 – 170 μg/L (5).
Portanto, nesta revisão, há uma discussão sobre o lítio na água para beber na prevenção de suicídio, de relevância epidemiológica, proporcionando um novo olhar no uso dessa substância como suplementação na ingesta de água, prevenindo casos de morte por suicídio.
2 OBJETIVO
2.1 Objetivo geral:
Analisar a literatura atual sobre o lítio em água para beber na prevenção de suicídio.
2.2 Objetivos especificos:
– Fomentar o debate sobre o uso do lítio como suplemento na água potável para a prevenção de suicídio;
– Discutir a metodologia e os resultados dos estudos da revisão de artigos;
– Identificar as limitações dos trabalhos avaliados.
3 MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Tipo de estudo
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, com análise qualitativa dos dados. Segundo Mendes, Silveira e Galvão, este tipo de delineamento possibilita a busca, a avaliação crítica e a síntese das evidências disponíveis. Seu resultado final permite chegar próximo ao conhecimento atual produzido pelo tema investigado (6).
Enraizada na Prática Baseada em Evidências (PBE), esse tipo de abordagem permite reduzir o distanciamento entre o saber científico e a prática médica, facilitando a tomada de decisões por parte dos profissionais da área, bem como a identificação de lacunas que apontam o desenvolvimento de pesquisas futuras (6).
3.2 Critérios para realização de uma revisão integrativa
Foram percorridas rigorosamente as etapas abaixo descritas, a saber (Figura 1):
Figura 1: Sequenciamento de produção de revisão integrativa.
3.3 Questão norteadora
Este trabalho aborda estudos que avaliam o impacto do lítio na água para beber na prevenção de suicídio. Para guiar esta revisão, portanto, formulou-se a seguinte questão norteadora: Existe associação de quantidades do íon lítio na ingesta de água para prevenção de suicídio?
3.4 Critérios de inclusão e exclusão
Foram incluídos os estudos que atendessem aos seguintes critérios: artigos originais, disponíveis eletronicamente na íntegra, publicados no período de janeiro de 2011 a setembro de 2021, nos idiomas português e inglês que contemplassem a temática proposta.
Foram excluídos os artigos que fugiam à temática, que não respondessem adequadamente à questão norteadora, artigos de revisões e artigos dos quais não foi possível acessar o conteúdo.
3.5 Busca na literatura
Os artigos foram pesquisados através de publicações indexadas diretamente nas bases de dados US National libery of medicine (PUBMED), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúdes (LILACS), e Scientific Eletronic Library On-Line (SCIELO), publicados no período de janeiro de 2011 a setembro de 2021. Os descritores controlados para o título dos artigos utilizados foram: “Drinking Water”, ” Lithium” e “Suicide” (em inglês e português).
3.6 Identificaçao dos estudos pré-selecionados e selecionados
Aplicados os critérios de inclusão e exclusão, 16 artigos foram identificados: 16 publicações na PUBMED, 0 na LILACS e 0 na SCIELO.
3.7 Categorização dos estudos
Essa amostra serviu de objeto de análise, de modo que após leitura dos títulos e resumos, apenas 10 artigos foram selecionados para serem lidos na íntegra por 1 revisor de forma independente. Ao final, foram excluídos 6 artigos por não conseguir acessar seu conteúdo por inteiro.
Apenas 1 artigo selecionado é do tipo coorte, isto é, individual, observacional e longitudinal. 9 artigos selecionados são do tipo série temporal, ou seja, populacional, observacional e longitudinal. A etapa completa pode ser visualizada pela Figura 2:
Figura 2: organograma da busca, identificação e seleção dos artigos para a revisão.
Os estudos promoveram coleta de amostra de água em diferentes regiões, com leitura precisa da dosagem de lítio; bem como o uso de variados modelos estatísticos e de escalas padronizadas para a comparação de mortes por suicídio.
Com o intuito de extrair informações dos artigos selecionados, utilizou-se tabela baseada na matriz de síntese validada por Souza, MT et al. (7), instrumento que possibilita a análise independente e síntese dos artigos, respeitando as suas diferenças.
4 RESULTADOS
A tabela 1 a seguir mostra os artigos selecionados conforme títulos, autores e ano de publicação, desenho do estudo, local e duração do seguimento, nível do lítio na água e resultados.
Tabela 1: Especificidade sobre os artigos analisados conforme títulos, autores e ano de publicação, desenho do estudo, local e duração do estudo, nível do lítio na água para beber e resultados.
Título | Autores e Ano da Publicação | Desenho do Estudo | Local e Duração do Seguimento | Quantidade de Lítio na Água para Beber | Resultados |
Lithium levels in drinking water and risk of suicide (8) | Ohgami H., Tereao T. et al 2018 | Análise do lítio na água de 18 municípios, comparação da morte por suicídio geral no Japão com a população estudada | Japão 2002-2006 | 0,7 – 59 μg/L | Resultado significativo positivo para redução de suicídio na população analisada, principalmente masculina |
Lithium in drinking water and suicide prevention: The largest nationwide epidemiological study from Japan (9) | Kugimiya T., Ishii N. et al 2021 | Análise do lítio na água de 808 cidades e as mortes por suicídio de suas populações | Japão 2010 – 2016 | Grupos: 0 – menos de 10 μg/L 10 – menos de 20 μg/L 20 – menos de 30 μg/L 30 μg/L ou mais | Resultado ajustado significativo positivo para a redução de suicídio na população masculina analisada |
Lithium in Public Drinking Water and Suicide Mortality in Portugal: Initial Approach (10) | Zagalo J., Oliveira P. et al 2019 | Análise do lítio na água de 54 cidades e as mortes por suicídio de suas populações | Portugal 2011 – 2016 | Média 10.88 μg/L | Não foi encontrada associação significativa |
Lithium in drinking water and suicide mortality: interplay with lithium prescriptions (11) | Leitner M., Helbich M., Kapusta N. 2015 | Análise do lítio na água de 99 distritos e as mortes por suicídio de suas populações | Áustria 2005 – 2009 | Média 11.3 μg/L | Resultado significativo positivo para a redução de suicídio na população geral e na masculina, sem resultado significante na população feminina |
Lithium in drinking water and suicide mortality (12) | Kapusta N., Mossaheb N. et al 2011 | Análise do lítio na água de 99 distritos e as mortes por suicídio de suas populações | Áustria 2005 – 2009 | Média 11.3 μg/L | Resultado significativo positivo para a redução da taxa de suicídio em locais quanto com disponibilidade de lítio em água |
Lithium levels in the public drinking water supply and risk of suicide: A pilot study (13) | Liaugaudaite V., Mickuviene N. et al 2017 | Análise do lítio na água de 9 cidades e as mortes por suicídio de suas populações | Lituânia 2009 – 2013 | Média 10.149 ± 0.24 μg/L | Resultado ajustado significativo positivo para a redução de suicídio na população masculina analisada |
Lithium in Drinking Water and Incidence of Suicide: A Nationwide Individual-Level Cohort Study with 22 Years of Follow-Up (14) | Schullehner J., Knudsen N. et al 2017 | Análise de mortes por suicídio em 3,740,113 pessoas e coleta de água em 151 amostras | Dinamarca 1991 – 2012 | Média 11.6 μg/L | Não foi encontrada associação significativa de suicídio com doses de lítio abaixo de 31 µg/L |
Geospatial examination of lithium in drinking water and suicide mortality (15) | Helbich M., Leitner M., Kapusta N. 2012 | Análise do lítio na água de 99 distritos e as mortes por suicídio de suas populações | Áustria 2005 – 2009 | Média 11.3 μg/L | Resultado significativo positivo para a redução da taxa de suicídio em locais quanto com disponibilidade de lítio em água |
Lithium in drinking water and suicide rates across the East of England (16) | Kabacs N., Memon A. et al 2011 | Análise do suicídio em 47 subdivisões do leste Britânico, com coleta da amostra de água dessas regiões | Reino Unido 2006 – 2008 | < 1 – 21 μg/L | Não foi encontrada associação significativa entre lítio em água e suicídio populacional |
Lithium in drinking water, altitude, and suicide rates in rural areas of Argentinean Andes (17) | Steinmetz L., Steinmetz R. et al 2021 | Análise de suicídio em 18 localidades com coleta de amostra de água | Argentina 2003 – 2013 | 0.8 – 29.8 μg/L | Taxas de suicídio menores em regiões com maior lítio em água. Altitude pode confundir resultados |
Fonte: produzida peloautor
A série temporal de número (8) utilizou a técnica da cromatografia de íons ou a espectografia em massa para mensurar o lítio nas regiões estudadas. Tais técnicas podem detectar quantidades pequenas de lítio, sendo a quantia mínima que pode ser mensurada 0.1 μg/L. O nível de lítio na água de Oita variou entre 0.7 – 59 μg/L. Para comparar a taxa de mortalidade padronizada (em inglês, SMR) por suicídio nas 18 cidades de Oita com a SMR de suicídio do Japão, foram utilizados dados do governo japonês. A população analisada foi de 1206174 indivíduos. A SMR de suicídio em Oita foi significantemente menor do que a da população geral (β = –0.65, P < 0.004), sendo mais expressiva em homens (β = –0.61, P < 0.008) do que mulheres (β=–0.46, 0.05 < P < 0.06). O período de acompanhamento foi 2002 – 2006.
A série temporal de número (9) utilizou a técnica da espectografia em massa na mensuração do lítio nas 988 amostras de água. A média de lítio encontrada nas amostras foi de 2.39 μg/L (SD = 4.0; range, 0-43.0). Foram categorizados 4 grupos de amostras de lítio: 0 corresponde a valores inferiores a 10 μg / L; 10 valores inferiores a 20 μg/L; 20 valores inferiores a 30 μg / L; 30 μg/L ou valores superiores. Foram feitos ajustes populacionais quanto ao gênero, idade, trabalho (industrial ou não industrial), desemprego, casamento, média anual de temperatura na região, exposição ao sol e forma de consumo de água. Nas cidades de água engarrafada não houve associação da quantidade de lítio com as SMRs de suicídio comparadas ao Japão. Houve diferença significativa nas SMRs de suicídio na população total analisada (F = 3.9, P = 0.009; suicídio SMR = 103 em níveis de lítio de 0 a menos de 10 μg/L, 115 em lítio níveis de 10 a menos de 20 μg/L, 118 em níveis de lítio de 20 a menos do que 30 μg / L, 87 em níveis de lítio de 30 μg / L ou mais) e também na população masculina (F = 4.4, P = 0.004; suicídio SMR = 105 em níveis de lítio de 0 a menos de 10 μg / L, 120 em níveis de lítio de 10 a menos de 20 μg/L, 123 em níveis de lítio de 20 a menos de 30μg/L, 86 em níveis de lítio de 30 μg/L ou mais). Não houve diferença estatística na população feminina (F = 0.5, P = 0.67; suicídio SMR = 100 em níveis de lítio de 0 a menos de 10μg / L, 106 em níveis de lítio de 10 a menos de 20 μg/L, 106 em níveis de lítio de 20 a menos de 30 μg/L, 90 em níveis de lítio de 30 μg/L ou mais). O período de acompanhamento foi 2010 – 2016.
A série temporal de número (10) utilizou a técnica de espectometria em massa na mensuração de lítio em 54 municípios selecionados randomicamente. A média da quantidade de lítio na água consumida foi de 10.88 μg/L (SD = 27.18). A amostra populacional das cidades foi ajustada pela densidade populacional, média de renda per capta, taxas de desemprego e proporção de Católicos Romanos. Não houve associação significativa entre os níveis de lítio e as SMRs das cidades para suicídio na população geral analisada ou nas populações femininas e masculinas. O período de acompanhamento foi 2011 – 2016.
As séries temporais de números (11), (12) e (15) utilizaram a técnica de espectometria de emissão óptica de plasma indutivamente acoplado para coletar amostras de água com lítio em 99 distritos da Áustria; tal técnica pode detectar quantidas mínimas de 0.3 μg/L de lítio. A média de lítio encontrada na água austríaca foi de 11.3 μg/L (SD = 27). A população foi comparada quanto ao gênero no estudo (11); densidade, renda per capta, proporção de Católicos Romanos, taxa de desemprego, densidade de psiquiatras, de psicoterapeutas e de médicos generalistas nos estudos (12) e (15). No estudo (11), houve diminuição significativa das SMRs de suicídio em águas onde o lítio é encontrado para a população geral estudada e para a masculina, sem associação para a feminina. No estudo (12), a mortalidade por suicídio foi significativamente correlacionada com os níveis médios de lítio por distrito, densidade populacional, renda per capita, proporção de Católicos Romanos, bem como com a densidade de psiquiatras, psicoterapeutas e médicos generalistas. Não houve relação com as SMRs de suicídio relativas a empregados e desempregados. No estudo (15), as correlações encontradas de SMRs foram similares ao estudo (12), exceto que não houve significância quanto à concentração de médicos generalistas. O período de acompanhamento foi de 2005 – 2009.
A série temporal de número (13) utilizou a espectometria de emissão óptica de plasma indutivamente acoplado para coletar amostras de água de 9 cidades Lituânias. A quantidade média de lítio encontrado nas águas foi de 10.9 μg/L (SD = 9.1 μg/L). Ajustes populacionais foram feitos quanto à densidade e ao gênero. As SMRs de suicídio ajustadas das 9 cidades (população 1,190,261) comparadas apontaram redução da taxa de suicídio na população geral (β = −0.28, P = 0.034, para ambos os gêneros) e na população masculina (β = –0.96, P < 0.001) quanto maior a quantidade de lítio disponível na água, sem correlação significante quando só a população feminina (β = –0.70, P = 0.013) foi estudada. O período de acompanhamento foi de 2009 – 2013.
A coorte de número (14) utilizou a espectometria de emissão óptica de plasma indutivamente acoplado para coletar 151 amostras de água na Dinamarca. A quantidade média de lítio encontrado nas águas foi de 11.6 μg/L (SD = 6.8 μg/L). Uma população randomizada de 3,740,113 indivíduos foi selecionada para o acompanhamento. Fatores confundidores foram levados em conta tais como gênero, idade, desemprego, status civil, etinia e tempo de exposição ao lítio. Um total de 0.38% dos indivíduos cometeu suicídio. A taxa de suicídio diminuiu de 29.7 por 100,000 pessoas por ano em 1991 para 18.4 por 100,000 pessoas por ano em 2012. Apesar disso, a análise de regressão espacial não mostrou significância entre o consumo de lítio e a mortalidade individual por suicídio, considerando uma amostragem temporal de 5 em 5 anos (o período total de acompanhamento foi 1991 – 2012).
A série temporal de número (16) utilizou a espectometria de emissão óptica de plasma indutivamente acoplado para coletar amostras de 47 subdivisões do Reino Unido. A quantidade de lítio nas amostras variou entre <1 – 21 μg/L. Não foi encontrada associação significativa de lítio em água para beber com SMRs de suicídio na população (r = –0.054, P = 0.715 homens; r = 0.042, P = 0.777 mulheres; r = – 0.03, P = 0.838 ambos os gêneros). O período de acompanhamento foi de 2006 – 2008.
A série temporal de número (17) utilizou a espectometria de emissão atômica de plasma de micro-ondas, que detecta um mínimo de 0.2 μg/L em água, para coletar amostras de rios, cachoeiras, poços e água encanada para beber de 18 localidades da Argentina. O nível de lítio na água das amostras variou entre 0.8 – 29.8 μg/L. A população foi ajustada levando em consideração gênero, idade e altitude em que vive. Desconsiderando a altitude, houve associação significativamente positiva entre as SMRs de suicídio comparadas das localidades (rho = 0.76, P <0 .001) com maior disponibilidade de lítio. Porém diferentes altitudes têm uma significante interação com o íon lítio nas SMRs de suicídio (P < 0.001). O período de acompanhamento foi de 2003 – 2013.
5 DISCUSSÃO
5.1 Limitações do trabalho
Este trabalho de revisão analisou 10artigos que avaliaram a influência da ingesta de íons lítio na água e sobre a taxa de suicídio de indivíduos e populações. Uma possível limitação de comparação corresponde a 9 estudos serem do tipo série temporal e 1 estudo coorte. Porém, no estudo coorte de Schullehner J., Knudsen N. et al 2017 foi afirmado que mesmo com a mudança do estudo para tipo populacional, não se obteve associação positiva entre esses fatores (14).
Todos os métodos de quantificação dos íons lítio em água são confiáveis, porém uma limitação foi a diferença de tempo de coleta de amostras em cada estudo e as diferentes quantias de lítio encontradas em cada um deles. Uma outra limitação importante foi a diferença nos métodos estatísticos para ajustes populacionais de acordo com diversas variáveis confundidoras (9, 10, 12, 14, 15, 17). Enquanto em outros artigos, gênero ou idade foram os principais fatores levados em conta para o ajuste (8, 11, 13, 16).
No estudo (10), tal falta de associação pode ser explicada pela baixa taxa de suicídio na população geral no país estudado, fazendo com que os efeitos na prevenção de suicídio do lítio sejam percebidos somente em indivíduos com transtornos psiquiátricos (18). Além de Portugal ser um país com alta taxa de desempregados com uma das mais baixas rendas per capta de outros países estudados (19).
O estudo (14) diz que a monitorização do lítio em água para beber não foi feita rotineiramente, apesar de as amostras coletadas não terem sido alteradas significativamente ao longo do tempo. Além do mais, é preciso considerar que o lítio não é encontrado somente em água para beber, mas também na alimentação (4).
O trabalho (16) levou em consideração apenas diferenças entre gênero e a população geral para o cálculo das SMRs de suicídio. Não foram consideradas outras variáveis confundidoras, além de o período de seguimento ter sido o menor entre todos os estudos (3 anos).
Outro fator confundidor importante foi encontrado no estudo (17). A quantia disponível do íon lítio na água para beber não tem relevância significativa em altas altitudes (>3000m) na prevenção de suicídio nas populações analisadas. Na verdade, mesmo com grandes concentrações de lítio em elevadas altitudes, as SMRs para suicídio nessa população são mais altas. Dados sociodemográficos dessa população não foram encontrados disponíveis em bancos oficiais, mas podem influenciar nesse resultado. A disponibilidade de serviços de saúde para a população em altitudes elevadas é mais escassa, o que pode ser uma das explicações para esse fenômeno (20). Outra possível explicação é a variação sazonal da concentração do íon lítio nos rios utilizados para consumo de água na população rural em nessas altitudes (21). Além disso, estudos mostraram que a altitude influencia a farmacocinética do lítio em humanos saudáveis e que tais mudanças são clinicamente significantes (22).
Uma limitação importante é que nenhum dos 10 estudos avaliou a interação do lítio em baixas doses em gestantes e na população infantil, pois o carbonato de lítio não é bem indicado nessas populações. Também não foram analisados seus efeitos colaterais dessa dosagem pequena por períodos prolongados. Ademais, nenhum estudo levou em consideração a ingesta de lítio via alimentação.
5.2 Análise crítica e síntese do conhecimento a partir da revisão integrativa
A farmacoterapia com lítio de longo prazo mostrou a diminuição do número de tentativas de suicídio até em indivíduos que não respondem bem ao tratamento de sintomas de humor com lítio, mesmo em níveis baixos de concentração sérica (3) (23).
Os estudos (8, 9, 11 e 13) mostraram significativa redução nas SMRs para suicídio comparadas com ingesta de água com baixas doses de lítio na população geral e na população masculina. Esse benefício poderia ser explicado pelo acúmulo desse íon ao longo do tempo no organismo, levando a fatores neuroprotetores, como já comprovados em doses terapêuticas (3).
Tal efeito não foi significante na população feminina na maioria dos estudos. A razão pode estar associada com a importante redução da impulsividade e agressão na população masculina; nesse caso a suicidabilidade é reduzida pela diminuição de níveis de testosterona (24). Além disso, a taxa de suicídio na população masculina é maior que a feminina, o que pode estar relacionada com esse efeito (25). Essa informação é corroborada por outros estudos que associam a tentativa de suicídio como sendo mais frequente em mulheres; enquanto homens, por métodos mais agressivos, são mais propensos a concretizar o suicídio (24) (26).
Os trabalhos (12 e 15) demonstraram significativa redução nas SMRs para suicídio comparadas com ingesta de água com íon lítio na população geral, bem como em ambos os gêneros. Ambos são derivados de um mesmo estudo populacional Austríaco, realizado entre 2005 e 2009. Foram avaliadas também as variáveis densidade populacional, renda per capta, proporção de Católicos Romanos, taxa de desemprego, densidade de psiquiatras, de psicoterapeutas e de médicos generalistas. Todas as outras variáveis parecem impactar positivamente na prevenção de mortes por suicídio, exceto no estudo (12) no qual não houve significância da taxa de desemprego e no estudo (15) no qual não houve significância da taxa de desemprego e de médicos generalistas.
Uma importante variável controlada em diversos estudos (10, 11, 12, 13 e 15) foi a densidade populacional. Um estudo escocês comparou esse fator com taxas de suicídio. Seus achados foram mais mortes por suicídio em homens em locais de alta densidade populacional em todas as idades. Para mulheres, em idade avançada, há diminuição de mortes por suicídio em áreas de baixa densidade populacional (27). Outro estudo italiano que também avaliou o mesmo fator encontrou resultados confrontativos ao estudo escocês. Seus achados foram maiores taxas de suicídio para homens em localidades com baixa densidade populacional e nenhuma correlação encontrada para o gênero feminino (28). Por isso a relevância de ajustar e controlar essa variável quando se estuda mortalidade por suicídio e ingesta de lítio em água para beber.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O suicídio é uma importante causa de morte mundial. O lítio comprovadamente tem um efeito na redução da mortalidade por suicídio em uso farmacoterápico continuamente. Esta revisão tem como objetivo geral avaliar se, a longo prazo, pequenos níveis da ingesta do íon lítio em água para beber tem esse mesmo efeito protetor na mortalidade por suicídio.
Dos 10 artigos selecionados, 3 não encontraram associação significativa na ingesta de água com íon lítio com a mortalidade por suicídio. 7 trabalhos encontraram positiva e significativa associação na prevenção de suicídio com a ingesta de água ionizada por lítio. Suas metodologias foram bem descritas para que se possa chegar a algumas considerações.
Em 1 artigo, verificou-se que em altas altitudes, por fatores externos, a morte por suicídio é elevada, mesmo com a ingesta de água com íons de lítio.
Considerando o resultado desta revisão, na maior parte das populações estudadas, pequenas quantidades de lítio na água ingerida foi um achado de sucesso para a redução de tais mortes, o que pode sustentar políticas públicas de suplementação desse íon na água para beber para a prevenção de mortes por suicídio.
Estudos mais robustos precisam ser desenvolvidos para conclusões mais aprofundadas sobre esse assunto, principalmente no que diz respeito aos efeitos colaterais do lítio em baixas doses. Porém, esse parece ser um campo fértil para futuras pesquisas com potencial de grande relevância em saúde pública.
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