REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202410082041
Hanan Ali Ghazaoui
Thaísa Nicole Maiczuk De Morais
Orientador: Ms. Osvaldo Tatsuo Yamaguto
Resumo
Este estudo investigou os efeitos dos hábitos deletérios, como sucção digital e uso prolongado de chupeta, no desenvolvimento de maloclusões, com ênfase na mordida aberta anterior em crianças. O objetivo foi analisar a influência desses hábitos na dentição decídua e permanente e discutir intervenções precoces para prevenir complicações no crescimento crânio-facial. A pesquisa consistiu em uma revisão de literatura de artigos publicados entre 1971 e 2022, destacando que a sucção digital e o uso de chupeta estão fortemente associados à prevalência de maloclusões, enquanto a amamentação natural desempenha um papel preventivo. Concluiu-se que a eliminação desses hábitos é crucial, e estudos futuros devem aprofundar a relação entre aleitamento materno e maloclusões, além de explorar abordagens multidisciplinares no tratamento.
Palavras-chave: Sucção. Hábitos Deletérios. Crescimento Crânio-Facial.
Abstract
This study investigated the effects of deleterious habits, such as finger-sucking and prolonged pacifier use, on the development of malocclusions, with an emphasis on anterior open bite in children. The aim was to analyze the influence of these habits on deciduous and permanent dentition and discuss early interventions to prevent complications in craniofacial growth. The research involved a literature review of articles published between 1971 and 2022, highlighting that finger-sucking and pacifier use are strongly associated with the prevalence of malocclusions, while natural breastfeeding plays a preventive role. It was concluded that early elimination of these habits is crucial, and future studies should further explore the relationship between breastfeeding and malocclusions, as well as investigate multidisciplinary approaches to treatment.
Keywords: Suction. Deleterious Habits. Craniofacial Growth.
1. Introdução
As maloclusões resultam de pequenos desvios da normalidade e são inicialmente classificadas como suaves. No entanto, com a persistência, passam a ser consideradas anormais e denominadas de hábitos deletérios, causando problemas clínicos que devem ser solucionados para um correto crescimento e desenvolvimento crânio-facial. Esses desvios são frequentemente causados por hábitos musculares orofaciais nocivos, como sucção não nutritiva prolongada, hábitos alimentares inadequados, dieta pastosa, enfermidades na nasofaringe, distúrbios da função mastigatória, interposição lingual e cárie dentária. Esses problemas podem ser corrigidos na fase inicial, evitando o desenvolvimento de más oclusões futuras (ROCHELLE, 2010a).
Segundo Zuanon e Bausells (1997 apud MENDES; VALENÇA; LIMA, 2008a), inicialmente o indivíduo realiza o hábito de maneira consciente. Contudo, com a repetição, este comportamento se automatiza e passa a ocorrer de forma inconsciente. Como consequência, os hábitos bucais deletérios têm o potencial de provocar desequilíbrios na musculatura facial, resultando em maloclusões dentárias. Entretanto, a magnitude das malformações oclusais é influenciada por diversos fatores, incluindo a frequência, intensidade e duração com que o hábito é mantido.
Natalini e Assencio-Ferreira (2002a) concluíram que os hábitos de sucção representam um estímulo aprendido que proporciona prazer ou satisfação. Esses comportamentos deletérios são motivos de preocupação para os profissionais da saúde, visto que a sucção dos dedos, chupetas e mamadeiras a longo prazo pode induzir distúrbios no equilíbrio do sistema estomatognático.
Relatam ainda que a amamentação natural é um dos hábitos de grande importância, não somente pelos nutrientes obtidos através do leite, mas pelos benefícios do próprio ato de sucção. Ao ser amamentada diretamente no peito, a criança não apenas desfruta do prazer oral e satisfaz sua necessidade alimentar, mas também fortalece a região oral (intra e perioral) ao se esforçar para extrair o leite. O ato de amamentação é fundamental para o desenvolvimento das estruturas orais do bebê e para satisfazer suas exigências naturais de sucção (NATALINI; ASSENCIO-FERREIRA, 2002b).
Fontana (2016), em sua pesquisa sobre hábitos de sucção e suas implicações na dentição decídua, concluiu que o hábito mais comum é o uso da chupeta e que as maloclusões mais frequentes são a mordida aberta anterior e a mordida cruzada posterior. Além disso, identificou-se que hábitos como a respiração bucal e a deglutição atípica estão associados a diferentes tipos de maloclusões. Portanto, é importante que os cirurgiões dentistas considerem os hábitos em questão ao analisar a morfologia facial e buscar associações com hábitos deletérios.
A resolução do quadro pode ser alcançada por meio de diversas terapias, que vão desde a simples eliminação dos hábitos deletérios até a resolução através de aparelhos ortodônticos. Isso permite o desenvolvimento e crescimento dentoalveolar e crânio-facial sem interferências. Essas condutas são mais indicadas nos estágios da dentição decídua e mista (MIOTTO et al., 2016).
Este estudo explora o impacto dos hábitos deletérios no desenvolvimento da mordida aberta anterior durante o crescimento crânio-facial em crianças. Compreender esses impactos é essencial para identificar as intervenções mais eficazes e mitigar consequências a longo prazo na saúde oral e no desenvolvimento facial.
O objetivo geral é investigar a influência dos hábitos deletérios na mordida aberta anterior, bem como suas implicações nas maloclusões das dentições decídua e mista, e suas consequências durante o crescimento e desenvolvimento crânio-facial. Especificamente, descrever, revisar e avaliar os hábitos deletérios e suas consequências, discutindo os possíveis tratamentos.
Para isso, essa revisão de literatura narrativa consistiu na busca de artigos publicados entre 1971 e 2022, nas línguas portuguesa e inglesa, nas bases de dados PubMed e Portal Regional da BVS. Sendo as palavras-chave utilizadas para a busca como, “sucção”, “hábitos deletérios” e “crescimento crânio-facial”.
2. Revisão da Literatura
2.1 Oclusopatias e Sua Classificação
As maloclusões podem ser descritas como a disposição inadequada dos dentes no arco dentário e a relação desarmônica com as bases ósseas e estruturas adjacentes, ocorrendo tanto na dentição decídua quanto na permanente (LOPEZ et al., 2001). Habitualmente, são provocadas por uma combinação de fatores genéticos, congênitos, adquiridos, sejam de natureza geral ou local, além da presença de hábitos bucais prejudiciais (BEZERRA et al., 2005).
As maloclusões podem impactar quatro sistemas simultaneamente: dentes, ossos, músculos e ligamentos. A oclusão pode diferir entre os seres humanos, devido ao tamanho e formato dos dentes, posição dental, sequência e tempo de erupção, assim como a forma e o tamanho do arco dentário e o padrão de crescimento craniofacial (PAULO, 2019).
Para Rochelle (2010b), os desvios no desenvolvimento do sistema estomatognático podem surgir desde a infância. Muitas oclusopatias resultam da combinação de pequenas variações da normalidade que, embora leves demais para serem classificadas como anormais, contribuem para a formação de um problema clínico que necessita de intervenção.
Constantemente, esses desvios originam-se de hábitos musculares orofaciais prejudiciais, associados a funções alteradas, como sucção não nutritiva prolongada, hábitos alimentares inadequados, dieta pastosa, doenças na nasofaringe, distúrbios respiratórios, postura anormal da língua e cárie dentária. Nessa condição, a maioria das maloclusões podem ser prevenidas. Não se pode desconsiderar que o desenvolvimento osteogênico, a hereditariedade e o estado geral de saúde da criança também são fatores que contribuem para o surgimento e/ou agravamento das maloclusões (ROCHELLE, 2010b).
De acordo com Bezerra et al. (2005), ainda no ventre da mãe, o ser humano já começa a praticar a sucção dos dedos, da língua e dos lábios, em um comportamento instintivo comum aos mamíferos. Ao nascer, o bebê possui plenamente desenvolvida a capacidade de sucção, que lhe permitirá obter os nutrientes essenciais para sua sobrevivência. Esse reflexo inato não só assegura a sobrevivência do recém-nascido, mas também estabelece um vínculo afetivo com a mãe durante a amamentação.
A dentição decídua desempenha um papel essencial no adequado desenvolvimento da dentição permanente. Compreender as características normais da dentição e das estruturas faciais durante a primeira dentição é crucial, pois a intervenção precoce pode prevenir o surgimento de diversas anormalidades no desenvolvimento dos dentes e na oclusão (BEZERRA et al., 2005).
De acordo com Thomaz e Valença (2005), a elevada incidência de más oclusões na população fez com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) as classificassem como o terceiro maior problema odontológico de saúde pública globalmente. No caso das maloclusões, embora alguns fatores sejam identificados como causadores destes problemas, a forma exata como eles se interagem ainda não está totalmente compreendida. Com isto, sugere-se a necessidade de novas pesquisas para esclarecer mais profundamente o aumento da prevalência dessas condições (SOUSA et al., 2007).
2.2 Hábitos Deletérios Musculares Orofaciais
Hábitos bucais deletérios referem-se a ações repetitivas realizadas com um objetivo específico que afetam a musculatura e o desenvolvimento esquelético e dentário das crianças. Quando a sucção é realizada de forma não nutritiva e repetitiva, pode levar ao estabelecimento de um hábito indesejável, como os hábitos de sucção não nutritivos (MENDES; VALENÇA; LIMA, 2008b).
Esses hábitos deletérios podem ser considerados fatores etiológicos das maloclusões de natureza muscular, esquelética ou dentária. Eles podem estar associados a um crescimento ósseo anormal, desalinhamento dentário, distúrbios respiratórios e dificuldades na fala (BEZERRA et al., 2005). Entretanto, o grau de deformidade na oclusão depende de fatores como a duração, intensidade e frequência do hábito (MENDES; VALENÇA; LIMA, 2008b).
Segundo Bezerra et al. (2005), os principais hábitos deletérios que provocam deformidades na oclusão são: sucção digital, chupeta e mamadeira, além de outros hábitos mais atípicos, como onicofagia, bruxismo, respiração bucal, interposição lingual, morder objetos e lábios. Os três primeiros hábitos são facilmente adquiridos e tendem a persistir, especialmente em crianças que não foram amamentadas de forma satisfatória.
Bezerra et al. (2005) observaram que o uso frequente e prolongado da chupeta pode levar ao estabelecimento de um hábito que interfere na amamentação, provoca mau posicionamento dos dentes, causa desvios no crescimento dos maxilares e altera a deglutição e a fala. Entretanto, quando utilizada de forma adequada, a chupeta pode estimular a atividade muscular, contribuindo positivamente para a saúde oral do bebê.
A chupeta, como um objeto estranho, ao ser colocada na boca, ativa os reflexos de sucção, salivação e deglutição, sobrecarregando o sistema funcional da alimentação com informações sensoriais. Quando o bebê chora por fome ou sede, a chupeta atua como uma ilusão, criando uma falsa sensação de saciedade sem fornecer a nutrição necessária, competindo assim com a amamentação natural no seio materno. Além disso, ela pode interferir negativamente no crescimento e desenvolvimento crânio-facial, afetando as posturas e dinâmicas dos componentes craniofaciais, inibindo processos morfogênicos. A ausência dos pais na dinâmica familiar é um fator significativo para o desenvolvimento de hábitos orais (EMMERICH et al., 2004).
De acordo com Maciel e Leite (2005a), a sucção digital pode impactar todas as estruturas orais. Durante a sucção, ocorre a pressão sobre o palato, fazendo com que a arcada dentária superior se projete para frente e a inferior, para trás. Além disso, a língua tende a se posicionar mais baixa na arcada inferior, enquanto os lábios permanecem excessivamente abertos e invertidos.
Hábitos de sucção não nutritiva são comuns entre crianças e, quando prolongados, podem levar ao desenvolvimento de maloclusões. Embora a literatura indique que esses hábitos durante a fase de dentição decídua têm pouco ou nenhum efeito duradouro nos dentes, sua persistência na dentição mista pode resultar em uma mordida aberta (MACIEL; LEITE, 2005b).
2.2.1 Impacto dos Hábitos Deletérios no Desenvolvimento Crânio-facial
Hábitos deletérios como a sucção de dedo, chupeta e mamadeira podem provocar alterações no equilíbrio do aparelho estomatognático. A conformação dos arcos dentários está diretamente relacionada a um equilíbrio harmonioso entre os tecidos moles ao redor, e qualquer desequilíbrio muscular, especialmente quando resultante de um mau hábito bucal, pode contribuir, junto a outros fatores, para o desenvolvimento de uma maloclusão (NATALINI; ASSENCIO-FERREIRA, 2002c)
Tosato, Biasotto-Gonzalez e Gonzalez (2005) enfatizam que os hábitos deletérios prejudiciais, como o uso prolongado de chupeta, podem causar disfunções na articulação temporomandibular (DTM) e deformidades como mordida aberta, protrusão do maxilar e mordida cruzada, impactando diretamente o desenvolvimento crânio-facial.
Além disso, Borrie et al. (2015), enfatiza que, se um hábito de sucção não nutritivo continuar durante o período de estabelecimento da dentição permanente, isso pode levar ao desenvolvimento de uma maloclusão que necessitará de aparelhos ortodônticos fixos. Esse tipo de tratamento, por ser complexo, prolongado e dispendioso, geralmente precisa ser conduzido por um ortodontista especializado.
Entretanto, como relatado por Lino (1988), para ocorrer uma deformação é preciso haver uma predisposição, que o indivíduo esteja em fases de crescimento acelerado, e que, em alguns casos, as condições nutricionais sejam inadequadas, levando a uma possível deficiência de saúde. No entanto, para que uma malformação se estabeleça, é essencial que o hábito indesejável persista por um longo período.
2.3 Sucção e Seus Efeitos no Desenvolvimento Oral
A amamentação natural ativa um conjunto de músculos que promovem o crescimento e o desenvolvimento ósseo, influenciando a forma da face e a harmonia dentária (SOUSA et al., 2004). Além disso, oferece benefícios como nutrição, afeto, fortalecimento do vínculo mãe-filho, proteção imunológica, respiração adequada e exercícios funcionais da língua, lábios e bochechas (SOUSA et al., 2004). O leite materno atende às necessidades alimentares do bebê, fornecendo energia, nutrientes e proteção contra infecções, enquanto contribui para o correto desenvolvimento do sistema estomatognático.
Somente a sucção no peito materno promove a atividade muscular adequada, enquanto o uso de mamadeira estimula apenas alguns músculos, deixando de trabalhar outros essenciais para o desenvolvimento correto da face (NEIVA et al., 2003 apud CARVALHO, 1995). Crianças amamentadas por mais tempo tendem a ser menos suscetíveis ao uso de chupeta e possuem menos chances de desenvolver hábitos bucais prejudiciais (SOUSA et al., 2004). Ainda de acordo com Sousa et al. (2004), a mamadeira, ao fornecer um fluxo maior de leite, reduz o esforço necessário para a sucção, o que pode levar a criança a buscar chupetas ou outros objetos para satisfazer suas necessidades emocionais associadas ao ato de sugar.
Verificou-se que crianças que usaram mamadeira por mais de um ano apresentam mais hábitos de sucção, além de maior frequência de mordidas abertas ou cruzadas, em comparação com aquelas que nunca a usaram (SOUSA et al., 2004). O aleitamento artificial interfere nas funções de mastigação, sucção e deglutição, levando a alterações na musculatura orofacial, na postura dos lábios e da língua, na formação da arcada dentária e no palato (NEIVA et al., 2003).
O desmame precoce e a falta de sucção ao seio prejudicam o desenvolvimento motor-oral, impactando as funções de mastigação, deglutição, respiração e articulação da fala, além de possibilitar a instalação de maloclusão e respiração oral (MENDES; VALENÇA; LIMA, 2008a).
Crianças não amamentadas apresentam maior risco de desenvolver hábitos bucais deletérios. O uso prolongado de chupeta também está associado a maloclusões, especialmente mordida aberta, com um risco significativamente maior em crianças que a utilizam por mais de três anos (SOUSA et al., 2004).
Embora a chupeta seja frequentemente apontada como vilã, quando utilizada de maneira racional, não é extremamente prejudicial (SOUZA; VALLE; PACHECO, 2006). Por fim, o hábito de sucção digital pode se desenvolver nos primeiros meses de vida, sendo exacerbado por situações de fome ou sem causa aparente. A persistência desse hábito pode causar alterações dentárias, musculares e ósseas significativas (BEZERRA et al., 2005).
2.4 Tipos de Maloclusões Relacionadas a Hábitos Deletérios
2.4.1 Mordida Aberta Anterior
A mordida aberta é uma anomalia dental complexa, com características únicas que tornam seu tratamento desafiador. Trata-se da ausência de contato vertical entre os dentes das arcadas superior e inferior, com a abertura podendo variar em tamanho conforme o paciente. Essa condição é considerada um desvio na relação vertical entre os arcos maxilar e mandibular. A mordida aberta ocorre com maior frequência na região anterior, frequentemente causada por hábitos prejudiciais, como a sucção do polegar ou outros dedos (MACIEL; LEITE, 2005c).
Worms, Meskin e Isaacson (1971) relatam em seu artigo que a mordida aberta é resultante de uma combinação de fatores etiológicos, incluindo inadequações no crescimento vertical, desequilíbrios no desenvolvimento e na função muscular, além de hábitos deletérios, como a sucção digital.
Durante a fase de crescimento e desenvolvimento infantil, as estruturas ósseas são especialmente maleáveis, e os hábitos fisiológicos desempenham um papel crucial como estímulos para o crescimento adequado da mandíbula, como na fala, deglutição e mastigação. Contudo, hábitos deletérios como a sucção do polegar, morder os lábios, roer unhas, bruxismo, respiração bucal e projeção da língua podem impactar negativamente a estrutura dentária e contribuir para a formação de maloclusões, como a mordida aberta. Esses comportamentos podem resultar em um desequilíbrio na força muscular e alterar a estética funcional normal de todo o aparelho estomatognático (RODRÍGUEZ-OLIVOS et al., 2022).
2.4.2 Mordida Cruzada Posterior
A mordida cruzada posterior é identificada quando dois ou mais dentes posteriores e caninos apresentam um problema oclusal, onde as cúspides vestibulares dos dentes superiores ocluem de forma lingual/palatina em relação às cúspides vestibulares dos dentes inferiores. Pode-se diferenciar em mordida cruzada unilateral ou bilateral (EMMERICH et al., 2004).
Para Bezerra et al. (2005), ela foi classificada em anterior, quando há o envolvimento de um ou mais dentes da região anterior; e posterior, quando afeta um ou mais dentes da região posterior; unilateral, quando envolve apenas um dos hemi arcos, podendo ser o lado direito ou esquerdo; e bilateral, quando afeta ambos os hemiarcos (direito e esquerdo).
A chance de uma criança que apresenta essa anomalia desenvolver alterações funcionais do sistema estomatognático aumenta significativamente, visto que uma criança sem essa condição não apresenta o mesmo risco (EMMERICH et al., 2004).
3. Discussão
Os estudos revisados convergem em vários aspectos sobre o impacto dos hábitos deletérios — principalmente a sucção digital e o uso prolongado de chupeta — no desenvolvimento de mordida aberta anterior e outras maloclusões em crianças em fase de crescimento e desenvolvimento crânio-facial.
Worms, Meskin e Isaacson (1971) apontam que a mordida aberta é resultado de uma combinação de fatores, incluindo crescimento vertical inadequado e hábitos deletérios. Os resultados de Sousa et al. (2007) revelam uma prevalência de 20,6% de mordida aberta anterior em pré-escolares da cidade de Natal, associada a fatores socioeconômicos e hábitos deletérios, como o uso prolongado de chupeta e a sucção digital. Esses achados são consistentes com o estudo de Bezerra et al. (2005), que também encontrou uma forte correlação entre hábitos deletérios e a mordida aberta, apontando que 45,3% das crianças examinadas apresentavam esse tipo de maloclusão. Assim como no estudo de López et al. (2001), onde a mordida aberta anterior foi a maloclusão mais prevalente, encontrada em 38,80% da amostra, destacando-se como um problema comum na dentição decídua.
Em complemento, o estudo de De Sousa et al. (2004) constatou que a sucção de chupeta foi o hábito mais comum e fortemente associado à mordida aberta anterior e outras maloclusões. Estudos como o de Emmerich et al. (2004) e Rochelle (2020) também reforçam essas evidências, apontando que a sucção de chupeta por longos períodos está associada a disfunções na oclusão, como a mordida aberta anterior e sobremordida acentuada. Emmerich encontrou que a sobressaliência alterada estava associada ao uso prolongado da chupeta, e que crianças com hábitos deletérios apresentavam maior prevalência de maloclusões. Já o estudo de Tosato et al. (2005) foca especificamente no uso prolongado de chupeta, que pode levar a disfunções na articulação temporomandibular (DTM). Assim como os outros hábitos deletérios, a DTM pode afetar o desenvolvimento crânio-facial. Esses estudos concordam que o controle de hábitos deletérios desde cedo é crucial para a prevenção das maloclusões.
Os resultados de vários estudos sugerem que hábitos deletérios influenciam diretamente o crescimento crânio-facial, afetando a morfologia dentária e a saúde bucal das crianças. Lino (1988) e Maciel e Leite (2005) concordam que esses hábitos impactam o equilíbrio muscular orofacial e levam a alterações no padrão de crescimento, principalmente no caso da mordida aberta anterior, onde a posição da língua durante a deglutição pode impedir o contato adequado entre os dentes.
Os estudos de Neiva et al. (2003) e Sousa, Valle e Pacheco (2006) evidenciam a relação entre a duração do aleitamento materno e a redução de hábitos deletérios. Crianças amamentadas por mais de seis meses apresentaram menor prevalência de hábitos deletérios, como o uso de chupeta e sucção digital, o que, por sua vez, resultou em menor incidência de maloclusões. Defendendo o trabalho de De Sousa et al. (2004), que cita em seu estudo que 47,62% das crianças foram desmamadas antes dos seis meses, o que foi significativamente associado à presença de hábitos deletérios. Esses dados corroboram os achados de Rochelle (2010), que mostram que a falta de orientação adequada sobre o aleitamento contribuiu para o desenvolvimento desses hábitos deletérios e a subsequente instalação de maloclusões.
Já os estudos de Bezerra et al. (2005) e Sousa et al. (2007) apontam que, embora o aleitamento materno tenha um papel protetor, não foi encontrada uma correlação direta entre o tipo de aleitamento e a presença de maloclusões. Isso contrasta com os achados de Neiva et al. (2003), que indicam que o desmame precoce está relacionado a uma maior prevalência de maloclusões, reforçando a necessidade de mais estudos longitudinais que explorem essa correlação em profundidade. Porém, essas disparidades podem ser atribuídas a diferenças nas amostras e nos métodos de coleta de dados, bem como às condições socioeconômicas das populações estudadas.
Souza et al. (2006) relatam que o grau de informação das mães sobre a importância do aleitamento natural e os efeitos dos hábitos deletérios está diretamente relacionado a uma menor incidência de maloclusões nas crianças.
Além disso, a intervenção multidisciplinar proposta por Maciel e Leite (2005), com o envolvimento de ortodontistas e fonoaudiólogos, é fundamental para tratar não apenas os aspectos mecânicos da oclusão, mas também corrigir os padrões de deglutição atípica e interposição lingual que mantêm as maloclusões. Recomendam ainda a terapia miofuncional oral como uma estratégia eficaz para reabilitar a função orofacial e promover a correção da mordida aberta anterior.
Com relação aos aspectos psicológicos dos hábitos deletérios, o estudo de Paulo (2019) argumenta que muitos desses comportamentos estão ligados a questões emocionais e que abordagens terapêuticas que envolvam psicólogos podem ser necessárias para o tratamento completo. Esse fator comportamental é frequentemente subestimado, mas estudos como o de Borrie et al. (2015) demonstram a eficácia de intervenções psicológicas no combate à sucção digital e ao uso de chupeta, especialmente quando associadas a dispositivos ortodônticos. Por isso, destacam que, além dos dispositivos ortodônticos, a intervenção psicológica também pode ser necessária para garantir a cessação eficaz dos hábitos deletérios.
Lin et al. (2022) e Rodríguez-Olivos et al. (2022) reforçam a necessidade de intervenções precoces, especialmente em casos de respiração bucal, um hábito que pode causar alterações significativas no crescimento facial. A comparação desses resultados com os do presente estudo sugere que a abordagem multidisciplinar, incluindo a intervenção ortodôntica e a orientação comportamental, é essencial para o sucesso no tratamento e na prevenção de maloclusões.
A partir das evidências revisadas, é de conhecimento que o desenvolvimento de maloclusões relacionadas a hábitos deletérios é um problema complexo, que requer mais estudos longitudinais para avaliar os efeitos a longo prazo das intervenções. Thomaz e Valença et al. (2005), por exemplo, sugerem que a prevalência de maloclusões aumenta com a idade, reforçando a necessidade de estudos que acompanhem o desenvolvimento das crianças ao longo do tempo.
4. Conclusão
Este trabalho explorou o impacto dos hábitos deletérios, como sucção digital e de chupeta, no desenvolvimento de maloclusões na dentição decídua e permanente, com ênfase na mordida aberta anterior. A revisão de literatura evidenciou que os hábitos deletérios afetam o crescimento crânio-facial e estão intimamente associados a problemas dentários.
Os resultados demonstraram uma forte conexão entre o uso prolongado de chupeta e sucção digital, com a elevada prevalência de maloclusões. Observou-se que a amamentação natural desempenha um papel importante na prevenção dos hábitos deletérios, diminuindo a ocorrência de disfunções orofaciais. A intervenção precoce para eliminação dos hábitos mostrou-se eficaz para prevenir complicações mais graves, por meio de tratamentos ortodônticos.
Futuras pesquisas são necessárias para explorar e aprofundar a relação entre o aleitamento materno e a prevenção de maloclusões, além de investigar abordagens multidisciplinares que combinem a ortodontia com fonoaudiologia e psicologia. Estudos longitudinais são fundamentais para compreender os impactos das intervenções a longo prazo e a influência das condições socioeconômicas no desenvolvimento dessas condições.
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