INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO: NÚMEROS NACIONAIS DOS ÚLTIMOS 10 ANOS E A CONTRIBUIÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIAGNÓSTICO E MANEJO

ACUTE MYOCARDIAL INFARCTION: NATIONAL FIGURES FROM THE LAST 10 YEARS AND THE CONTRIBUTION OF ARTIFICIAL INTELLIGENCE IN THE DIAGNOSIS AND MANAGEMENT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202503231149


Rafael Sousa Barros1
Daniela Cristina Tiago2


RESUMO

O infarto agudo do miocárdio (IAM) permanece como uma das principais causas de morbimortalidade no Brasil, exigindo aprimoramento contínuo nas estratégias diagnósticas e terapêuticas. Este estudo observacional e retrospectivo analisou dados nacionais de casos de IAM entre 2014 e 2023, com o objetivo de avaliar a evolução da incidência, mortalidade e impacto da inteligência artificial (IA) no diagnóstico e manejo clínico. Foram coletadas informações de bases de dados oficiais, incluindo registros hospitalares e sistemas de vigilância epidemiológica. Os resultados apontaram uma variação na incidência de IAM ao longo da década, com tendência de aumento nos primeiros anos e relativa estabilização mais recentemente. A mortalidade hospitalar manteve-se elevada, especialmente em determinadas regiões e faixas etárias. A implementação de ferramentas baseadas em IA demonstrou potencial para otimizar a identificação precoce de casos, melhorando a estratificação de risco e auxiliando na tomada de decisão clínica, especialmente na interpretação de eletrocardiogramas e na predição de desfechos adversos. A análise sugere que o uso da IA pode contribuir para um atendimento mais ágil e preciso, reduzindo o tempo entre o início dos sintomas e a intervenção terapêutica. No entanto, desafios persistem, como a necessidade de maior integração tecnológica nos serviços de saúde e a capacitação dos profissionais para o uso dessas ferramentas. Conclui-se que a IA apresenta um papel promissor no aprimoramento do manejo do IAM, mas sua implementação eficaz demanda investimentos estruturais e validação contínua para garantir impactos positivos na assistência cardiovascular no Brasil. Embora os avanços tecnológicos tenham mostrado resultados promissores em algumas análises, estudos adicionais são necessários para garantir que essas ferramentas sejam eficazes e seguras em populações diversas, tanto no auxílio diagnóstico e manejo do IAM, quanto em outras condições cardíacas e de saúde em geral. 

Palavras-chave: Infarto Agudo do Miocárdio. Inteligência Artificial.

ABSTRACT

Acute myocardial infarction (AMI) remains one of the leading causes of morbidity and mortality in Brazil, requiring continuous improvement in diagnostic and therapeutic strategies. This observational and retrospective study analyzed national data on AMI cases from 2014 to 2023 to assess trends in incidence, mortality, and the impact of artificial intelligence (AI) on diagnosis and clinical management. Data were collected from official databases, including hospital records and epidemiological surveillance systems. The results showed variations in AMI incidence over the decade, with an increasing trend in the early years and relative stabilization more recently. Hospital mortality remained high, particularly in certain regions and age groups. The implementation of AI-based tools demonstrated potential for optimizing early case identification, improving risk stratification, and aiding clinical decision-making, especially in ECG interpretation and adverse outcome prediction. The analysis suggests that AI can contribute to more efficient and accurate care, reducing the time between symptom onset and therapeutic intervention. However, challenges persist, such as the need for greater technological integration into healthcare services and professional training for the use of these tools. The study concludes that AI plays a promising role in enhancing AMI management, but its effective implementation requires structural investments and continuous validation to ensure positive impacts on cardiovascular care in Brazil. While technological advances have shown promising results in some analyses, further studies are needed to ensure these tools are effective and safe for diverse populations, not only in AMI diagnosis and management but also in other cardiac and general health conditions.

Keywords: Acute Myocardial Infarction. Artificial intelligence.

1. INTRODUÇÃO

O infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma das principais causas de morbimortalidade no Brasil e no mundo, representando um desafio significativo para os sistemas de saúde devido ao seu impacto clínico, social e econômico (SALARI et al., 2023). Acontece quando, por várias causas possíveis, há redução do fluxo ou oclusão das artérias coronarianas – as quais irrigam o músculo cardíaco, principalmente por ruptura de placas ateroscleróticas e consequente formação local de trombos (OJHA; DHAMOON, 2023). Os sinais e sintomas do IAM podem variar em apresentação e intensidade, mas a manifestação clássica inclui dor torácica opressiva, irradiada para o membro superior esquerdo, mandíbula ou região epigástrica, frequentemente associada a sudorese, náuseas, dispneia e sensação de angústia. No entanto, apresentações atípicas, especialmente em idosos, diabéticos e mulheres, podem incluir sintomas inespecíficos, como fadiga extrema, tontura e desconforto abdominal, o que pode retardar o reconhecimento e o tratamento adequado (NASCIMENTO et al., 2018).

O IAM pode levar a danos cardíacos irreparáveis, com compromisso à função da bomba cardíaca e aumento da propensão a arritmias (BHAT et al., 2024).  Nos Estados Unidos da América (EUA), estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas morrem todos os anos em razão do IAM (BENJAMIN et al., 2018). O Brasil, como um país de dimensões continentais e com disparidades regionais marcantes, enfrenta desafios únicos no enfrentamento do IAM. A escassez de recursos em regiões remotas e a desigualdade no acesso a serviços especializados são barreiras significativas para a implementação de abordagens padronizadas e eficazes. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Brasil registra anualmente mais de 100.000 casos de IAM, muitos dos quais resultam em óbito ou sequelas incapacitantes. Este cenário reflete a importância de intervenções rápidas e eficazes no diagnóstico e manejo dessa condição (NASCIMENTO et al., 2018).

Nos últimos 10 anos, avanços tecnológicos têm transformado significativamente o campo da medicina, com destaque para a integração de ferramentas baseadas em inteligência artificial (IA) nos cuidados de saúde. A IA tem demonstrado um potencial notável em diversas áreas, incluindo a cardiologia, onde seu uso no diagnóstico, estratificação de risco e manejo do IAM tem sido explorado. A IA consiste no uso de bancos de dados e ciências da computação – mormente algoritmos, os quais permitem criação de sistemas capazes de predizer ou classificar informações, conforme padrões percebidos baseados nos dados fornecidos, principalmente através do desenvolvimento recente do Machine Learing (ML), Deep Learning (DL) e da XAI (explainable artificial intelligence) (BHAT et al., 2024).

Estudos recentes evidenciam que algoritmos de aprendizado de máquina e redes neurais artificiais podem melhorar a precisão diagnóstica, agilizar tomadas de decisão e personalizar abordagens terapêuticas. Tecnologias como sistemas de apoio à decisão clínica, algoritmos de predição de risco e dispositivos portáteis para monitoramento remoto têm o potencial de auxiliar no manejo do IAM (DOOLUB et al., 2024).

Este artigo de tem como objetivo explorar a evolução do cenário do IAM no Brasil ao longo da última década, destacando as estatísticas e epidemiologia nacionais. Além disso, busca analisar criticamente o papel da inteligência artificial no diagnóstico e manejo do IAM, abordando as oportunidades, desafios e perspectivas futuras dessa tecnologia no contexto brasileiro. A partir de uma análise abrangente da literatura atual, espera-se fornecer uma visão consolidada sobre como a IA pode contribuir para o avanço do cuidado cardiovascular, com ênfase em soluções inovadoras que possam ser aplicadas de forma efetiva na realidade nacional.

2. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo estudo observacional e retrospectivo. Os dados foram obtidos na plataforma oficial do governo federal, TABNET, do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), especificamente na aba de mortalidade por local de ocorrência, com filtragem para os últimos 10 anos, isto é, de janeiro de 2014 a dezembro de 2023 – uma vez que os dados do ano de 2024 ainda não estão consolidados no sistema, com seleção, na lista do CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) para “infarto agudo do miocárdio” (CID I21). Foram aplicados filtros específicos para coleta de dados sociodemográficos, tais como faixa etária, sexo e cor, bem como o número de internações, número de mortes e taxa de mortalidade. Os dados foram planilhados e foi realizada estatística simples para construção de gráficos e tabelas.

Em seguida, os dados obtidos foram comparados com os achados na literatura internacional sobre o assunto, usando-se as palavras-chave, com base nos DECS (descritores em ciências da saúde), “Infarto do Miocárdio”, “Epidemiologia”, “Diagnóstico” e “Inteligência Artificial” – e suas variantes em língua inglesa, nas plataformas de artigos científicos, como MEDLINE, PUBMED e SCIELO. Foram incluídos, preferencialmente, metanálises, ensaios clínicos e coortes, mas também artigos de revisão por sua compatibilidade ao tema proposto.

3. RESULTADOS

Os dados anuais sobre infarto agudo do miocárdio (IAM) no Brasil, no período entre 2014 e 2023, revelam importantes tendências relacionadas ao número de internações, óbitos e taxas de mortalidade. Em 2014, o total de internações foi de 102.881, com 12.030 óbitos, resultando em uma taxa de mortalidade de 11,69%. Nos anos seguintes, percebe-se um aumento gradual no número de internações, atingindo 158.634 em 2023, enquanto os óbitos também cresceram de forma proporcional, alcançando 13.021 no mesmo ano. No entanto, a taxa de mortalidade apresentou uma redução consistente ao longo do período, passando de 11,69% em 2014 para 8,21% em 2023 (tabela 1; gráfico 1).

Tabela 1. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por Infarto Agudo do Miocárdio, no Brasil, de 2014 a 2023.

FONTE: DATASUS, 2025

GRÁFICO 1. Número de internações por Infarto Agudo do Miocárdio, no Brasil, de 2014 a 2023.

FONTE: DATASUS, 2025

Os dados apresentados sobre a morbidade hospitalar do SUS relacionados ao infarto agudo do miocárdio (IAM) no Brasil, no período de 2014 a 2023, revelam informações relevantes sobre internações, óbitos e taxas de mortalidade. No total, foram registradas 1.261.475 internações por IAM, das quais 801.754 ocorreram em homens (63,57%) e 459.721 em mulheres (36,43%). O número total de óbitos foi de 126.446, sendo 70.783 (55,99%) em homens e 55.573 (44,01%) em mulheres. A taxa de mortalidade geral foi de 10,02%, porém com variações significativas entre os sexos: 8,84% em homens e 12,09% em mulheres (tabela 2). Apesar de as mulheres apresentarem menor número absoluto de internações e óbitos, a mortalidade proporcional foi mais elevada, sugerindo possíveis diferenças biológicas, comportamentais ou no acesso ao atendimento médico (gráfico 2).

Tabela 2. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por Infarto Agudo do Miocárdio, no Brasil, de 2014 a 2023, conforme o sexo.

FONTE: DATASUS, 2025

GRÁFICO 2. Número de internações por Infarto Agudo do Miocárdio, no Brasil, de 2014 a 2023, conforme o sexo.

FONTE: DATASUS, 2025

A análise por faixa etária mostra que as taxas de internação e mortalidade variam consideravelmente. Em crianças menores de 1 ano, a taxa de mortalidade foi de 6,91%, enquanto em idades entre 1 e 29 anos esses valores foram menores, oscilando entre 1,61% e 7,96%. Considerando a raridade do evento antes dos 30 anos, e a possibilidade de erros de registro, leva-se mais em conta os dados partir dos 30 anos, nos quais o número de internações começa a crescer de forma expressiva, com taxas de mortalidade variando entre 5,06% e 6,12% até os 59 anos. Entretanto, em faixas etárias mais avançadas, especialmente a partir dos 70 anos, as taxas de mortalidade aumentam significativamente, atingindo 23,29% entre indivíduos com 80 anos ou mais. Isso evidencia a maior vulnerabilidade das populações mais idosas ao IAM. Os dados podem ser melhor visualizados na tabela (tabela 3) e gráfico abaixo (gráfico 3)

Tabela 3. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por Infarto Agudo do Miocárdio, no Brasil, de 2014 a 2023, conforme a faixa etária.

FONTE: DATASUS, 2025

Gráfico 3. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por Infarto Agudo do Miocárdio, no Brasil, de 2014 a 2023, conforme a faixa etária, a partir dos 30 anos.

Essa redução na taxa de mortalidade pode ser interpretada como um reflexo de avanços na detecção precoce, tratamentos clínicos e acesso aos cuidados médicos. No entanto, a elevação constante no número de internações, com destaque para o salto significativo entre 2020 e 2022 (de 119.512 para 163.866), sugere um aumento na incidência de IAM ou possíveis melhorias no registro e diagnóstico dessa condição no sistema de saúde. Após o pico em 2022, observa-se uma ligeira redução no número de internações em 2023, mas ainda assim os valores permanecem elevados em comparação aos anos iniciais do período analisado.

Quanto à cor da pele/raça, os dados indicam que, nos últimos 10 anos, 513.240 pessoas identificadas como brancas foram internadas por IAM, com 49.901 óbitos, representando taxa de mortalidade de 9,72%. Pretos totalizam 46.683 intenações, com mortalidade de 9.95% e pardos, 431.695, com taxa de mortalidade de 9,37%. Notavelmente, em grande parte dos casos não há informação sobre cor de pele/raça, de modo que a fidedignidade das informações epidemiológicas, nesse sentido, fica comprometida (tabela 4).

Tabela 4. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por Infarto Agudo do Miocárdio, no Brasil, de 2014 a 2023, conforme a cor/raça.

FONTE: DATASUS, 2025

4. DISCUSSÃO

De forma geral e conforme os dados acima, o IAM representa uma carga substancial para o sistema de saúde brasileiro, tanto em termos de internações quanto de óbitos. A maior vulnerabilidade é masculina, em números absolutos, e a maior mortalidade proporcional femininal, destacam a importância de estratégias de prevenção e tratamento diferenciadas. Além disso, as disparidades entre as faixas etárias sugerem a necessidade de intervenções específicas para populações mais jovens e idosas, a fim de mitigar os impactos dessa condição nesses grupos.

O infarto agudo do miocárdio (IAM) representa uma das principais causas de mortalidade em todo o mundo e constitui um desafio significativo para os sistemas de saúde. No Brasil, os dados mais recentes indicam que, apesar de uma leve queda na taxa de mortalidade ajustada por idade devido ao IAM — de 69 para 64 por 100.000 habitantes entre 2010 e 2020 —, essa condição ainda responde por uma parcela expressiva das mortes evitáveis, especialmente em regiões de baixa cobertura assistencial (OLIVEIRA et al., 2023). Estudos internacionais corroboram esse cenário, demonstrando que o IAM continua sendo uma das principais causas de hospitalizações e óbitos em países desenvolvidos e em desenvolvimento (CHO et al., 2020; PATEL et al., 2024).

Além disso, o controle inadequado dos fatores de risco cardiovascular contribui para a alta prevalência dessa condição. No Brasil, dados epidemiológicos apontam que a hipertensão arterial acomete aproximadamente 32% da população adulta, enquanto o tabagismo e o diabetes mellitus apresentam prevalências de 12% e 9%, respectivamente. Esses fatores têm sido amplamente associados ao aumento da incidência e mortalidade por IAM, particularmente em populações socioeconomicamente vulneráveis (PATEL et al., 2024; OLIVEIRA et al., 2023). Apesar do declínio na mortalidade hospitalar devido à implementação de estratégias terapêuticas precoces, a prevalência de fatores de risco, como hipertensão arterial, diabetes mellitus e tabagismo, permanece alta (OLIVEIRA et al., 2023).

Nesse contexto, os avanços na área de inteligência artificial (IA) surgem como uma possibilidade de auxílio para lidar com os desafios diagnósticos e terapêuticos associados ao IAM. A IA tem mostrado potencial significativo para aprimorar a detecção precoce, a estratificação de risco e o prognóstico de pacientes com IAM, utilizando técnicas que variam desde aprendizado de máquina até redes neurais profundas. Estudos recentes destacam o impacto positivo da IA em diversos cenários clínicos. Por exemplo, dispositivos como smartwatches e patches de monitoramento contínuo, com IA integrada, podem detectar alterações eletrocardiográficas sugestivas de isquemia miocárdica, permitindo a identificação precoce de arritmias ou alterações sugestivas de IAM, permitir a detecção rápida dos níveis de troponina no sangue, dispositivos móveis que registram o ECG e enviam os dados em tempo real para cardiologistas ou centrais médicas, agilizando o diagnóstico e a decisão terapêutica, principalmente em ambulâncias e unidades de atendimento pré-hospitalar, e dispositivos de inteligência artificial para análise de ECG – algoritmos de IA embarcados em softwares de ECG auxiliam na interpretação automática de padrões sugestivos de IAM, reduzindo erros diagnósticos e otimizando a triagem de pacientes com dor torácica.

Liu et al. (2022) desenvolveram um modelo preditivo baseado em aprendizado de máquina que alcançou uma área sob a curva (AUC) de 0,87 para estratificação de risco em pacientes com IAM. Esse desempenho foi corroborado por Bhat et al. (2024), que relataram uma acurácia de 92% ao empregar marcadores hematológicos em modelos baseados em IA. No mesmo sentido, no estudo de Yilmaz et al (2023), o qual aplicou os princípios da inteligência artificial explicável (XAI) na análise de preditores hematológicos do IAM, combinada com algoritmos de aprendizado de máquina (Extreme Gradient Boosting – XGB, Adaptive Boosting – AB e Light Gradient Boosting Machine – LGBM), atingiu 83% de acurácia na predição de IAM e 74% na diferenciação de subgrupos.  Os resultados do SHAP indicaram que neutrófilos (NEU), leucócitos (WBC), amplitude de distribuição plaquetária (PDW) e basófilos (BA) foram os principais preditores de IAM. Já o volume corpuscular médio (MCV), BA, monócitos (MO) e linfócitos (LY) foram os mais importantes na distinção entre IAMCSST e IAMSSST. O modelo proposto auxilia médicos no diagnóstico, tratamento e acompanhamento do IAM, permitindo decisões clínicas mais precisas com base em parâmetros hematológicos acessíveis. Esses resultados são particularmente relevantes em ambientes hospitalares, onde a rapidez e a precisão no diagnóstico podem impactar diretamente o desfecho clínico dos pacientes.

Ainda no campo do diagnóstico precoce, a aplicação de IA em dispositivos portáteis tem se mostrado eficaz para detecção de IAM em cenários pré-hospitalares. Um estudo conduzido por Chen et al. (2022) demonstrou que um dispositivo miniaturizado de eletrocardiograma (ECG) equipado com IA alcançou uma sensibilidade de 94% e uma especificidade de 90% para a identificação de infarto com supradesnivelamento do segmento ST (STEMI). Essa tecnologia é especialmente útil em regiões rurais ou com acesso limitado a serviços especializados, pois reduz significativamente o tempo até a intervenção, um fator crucial para a sobrevida desses pacientes (KIM et al., 2024).

Outro aspecto relevante é a utilização de algoritmos de IA para interpretação de ECGs em diferentes contextos. Cho et al. (2020) desenvolveram um sistema de IA projetado para interpretar ECGs de seis derivações, alcançando uma acurácia de 91% na detecção de IAM. De forma similar, o estudo multicéntrico ROMIAE validou um modelo baseado em IA para interpretação de ECGs de 12 derivações, permitindo descartar IAM em emergências com uma redução de 15% na necessidade de exames complementares (SHIN et al., 2023).

Estudos multicéntricos, como o projeto ASSIST, buscam padronizar e escalonar o uso da IA para o manejo do IAM em larga escala. A pesquisa liderada por Domingo-Gardeta et al. (2024) enfatiza a importância da integração de dados provenientes de múltiplas fontes e da criação de soluções acessíveis, visando uma aplicabilidade global. Além disso, os modelos preditivos de prognóstico desenvolvidos por Kim et al. (2024) têm se mostrado altamente confiáveis e transparentes, alcançando índice C de 0,89 em suas avaliações.

Pesquisas recentes demonstram o potencial de algoritmos baseados em inteligência artificial (IA) para aprimorar a avaliação de risco em pacientes com infarto do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST (NSTEMI). Um estudo retrospectivo envolvendo 2.878 pacientes, dos quais 1.409 com NSTEMI e 1.469 com angina instável, utilizou seis modelos de machine learning para auxiliar no diagnóstico de NSTEMI. Entre os modelos testados, o Extreme Gradient Boosting (XGBoost) apresentou os melhores resultados, com uma acurácia de 95%, precisão de 94%, taxa de recall de 98% e F1-score de 96% (QIN et al., 2023). No estudo de LI et al (2023) foram testados três algoritmos — XGBoost, LightGBM e Random Forest — para a criação do modelo preditivo, selecionando-se aquele com melhor desempenho por meio de diversos índices de avaliação. O modelo baseado no algoritmo XGBoost apresentou os melhores resultados, com uma acurácia de 91,6% e um valor de AUC de 97,5%. A seguir, o modelo foi interpretado e analisado utilizando o valor de Shapley, identificando-se que as variáveis frequência cardíaca mínima, diferença aniônica máxima e frequência respiratória máxima tiveram um impacto significativo nos resultados preditivos. Esses achados reforçam a aplicabilidade geral e a facilidade de uso do modelo, contribuindo para a detecção precoce da evolução da doença, redução da mortalidade e melhora do prognóstico dos pacientes com IAM.

A predição de mortalidade hospitalar é outro campo no qual a IA tem demonstrado avanços promissores. Oliveira et al. (2023) empregaram aprendizado de máquina para analisar grandes bases de dados hospitalares, atingindo uma acurácia de 91% na predição de mortalidade em pacientes com IAM. Da mesma forma, Liu et al. (2021-A) relataram que seus algoritmos baseados em redes neurais profundas melhoraram a precisão diagnóstica em 20% quando comparados aos métodos tradicionais.

Apesar de não ser o objetivo do presente trabalho – o qual visa avaliar a aplicação da IA no IAM, em outros campos próximos da cardiologia há também estudos que indicam as possibilidades de seu uso. Um estudo relativamente recente investigou o uso de um eletrocardiograma habilitado por inteligência artificial (AI-ECG) para identificar estenose aórtica (EA) moderada a grave. O AI-ECG foi avaliado na detecção de estenose aórtica (EA) moderada a grave em 258.607 adultos, dos quais 3,7% tinham EA. No grupo de teste, obteve sensibilidade de 78%, especificidade de 74% e AUC de 0,85, melhorando para 0,87 com idade e sexo. Falsos positivos apresentaram risco 2,18 vezes maior de desenvolver EA em 15 anos. O AI-ECG mostra potencial para triagem precoce na comunidade (COHEN-SHELLY et al., 2021). Santala et al. (2021) avaliaram um sistema automatizado de monitoramento de fibrilação atrial (FA) com um dispositivo vestível de ECG, o “heart belt”. Em 159 pacientes, o dispositivo obteve 100% de acurácia na interpretação visual e 97,5% com IA (sensibilidade 100%, especificidade 95,4%). A correlação com o Holter foi superior a 0,99, e 77% dos pacientes preferiram o “heart belt”. O sistema mostrou-se viável, preciso e bem aceito para monitoramento de 24 horas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A IA, portanto, pode oferecer ferramentas para o diagnóstico precoce, manejo e prognóstico do IAM, contribuindo para a redução da mortalidade e a otimização dos recursos em saúde (THAN et al., 2019; HERMAN et al., 2024). O emprego de algoritmos avançados tem demonstrado capacidade de aumentar a acurácia na detecção de padrões eletrocardiográficos e biomarcadores, além de aprimorar a estratificação de risco e a personalização do tratamento. Além disso, a integração da IA com bancos de dados clínicos e sistemas de suporte à decisão pode auxiliar na redução de tempo para intervenção, fator essencial para o prognóstico do IAM. No entanto, é importante ressaltar que a aplicação de IA em cardiologia também enfrenta desafios significativos. Entre os principais estão a necessidade de validação multicêntrica dos algoritmos, a padronização das ferramentas utilizadas e a integração desses sistemas nos fluxos clínicos já estabelecidos (SOUZA FILHO et al., 2020). Questões relacionadas à privacidade e à segurança dos dados também são motivo de preocupação, especialmente diante do aumento do uso de tecnologias baseadas em nuvem (DOOLUB et al., 2024; SIDDIQUI et al., 2024).

No entanto, ainda há vários desafios para a aplicação da IA na área da saúde em geral e da Cardiologia, especificamente, dentre os quais destacam-se a necessidade de validação multicêntrica, padronização de algoritmos e integração nos fluxos clínicos existentes(LIU et al, 2021-B). A heterogeneidade dos dados utilizados no treinamento dos modelos pode levar a vieses e limitações na aplicabilidade clínica, tornando essencial a adaptação das soluções a diferentes realidades populacionais e infraestruturais. Além disso, questões éticas relacionadas à privacidade dos dados e à transparência dos modelos permanecem em destaque, exigindo regulamentações mais robustas para garantir o uso seguro e equitativo da tecnologia (DOOLUB et al., 2024; SIDDIQUI et al., 2024). É imprescindível que esses avanços sejam acompanhados de estudos adicionais que garantam sua segurança e eficácia em populações diversas. Nesse sentido, a IA emerge como uma ferramenta poderosa, mas que deve ser utilizada com responsabilidade e rigor científico (THAN et al., 2019; HERMAN et al., 2024).

Outro ponto crítico refere-se à capacitação dos profissionais de saúde para a correta interpretação dos resultados gerados pela IA, evitando a dependência excessiva da tecnologia e garantindo que as decisões clínicas permaneçam sob supervisão humana qualificada. A implementação bem-sucedida dessas ferramentas requer não apenas avanços técnicos, mas também mudanças estruturais nos serviços de saúde, incluindo investimento em infraestrutura digital e interoperabilidade entre sistemas eletrônicos de saúde (DOMINGO-GARDETA et al., 2024).

Conclui-se que, embora os avanços tecnológicos tenham mostrado resultados promissores em algumas análises, estudos adicionais são necessários para garantir que essas ferramentas sejam eficazes e seguras em populações diversas, tanto no auxílio diagnóstico e manejo do IAM, quanto em outras condições cardíacas e de saúde em geral. O potencial da IA na Cardiologia é significativo, mas sua consolidação na prática clínica dependerá da superação dos desafios técnicos, regulatórios e operacionais, garantindo que seu uso amplifique a qualidade da assistência sem comprometer a segurança e a equidade no cuidado cardiovascular.

6. REFERÊNCIAS

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1Médico Residente Em Clínica Médica

2Médica Cardiologista