REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202408311018
Cabral, Caroline Sousa; Olinto, Edcleide Oliveira Dos Santos; Feitosa, Gina Araújo Martins; Araújo, Pollyana Paula Almeida De; Araújo, Renan Gondim; Cavalcanti, Débora Silva; Barbosa, Janine Maciel; Paiva, Geovanna Torres De; Souza, Paloma Egídio Andrade De; Cavalcanti, Isabel Carolina Da Silva Pinto
RESUMO
Introdução: O paciente crítico comumente apresenta intensas respostas metabólicas durante internação em unidade de terapia intensiva, que promovem o catabolismo proteico e, finalmente, o possível diagnóstico de desnutrição. Como desafio de evitar ou atenuar esse processo, a terapia nutricional está cada vez mais fundamentada na prática clínica, e avaliar sua eficácia se torna importante. Objetivo: o objetivo desse estudo é avaliar relação dos indicadores de terapia nutricional e o tempo de internação de pacientes internos em uma UTI de um hospital universitário de alta complexidade. Metodologia: trata-se de um estudo transversal que contemplou 116 pacientes internados entre março de 2018 a março de 2019. Os dados das fichas continham informações gerais, e as variáveis relacionadas ao monitoramento da terapia nutricional recomendada pela ILSI Brasil. A análise de associação foi realizada utilizando-se o teste qui-quadrado de Pearson, bem como teste exato de Fisher, para os casos em que os critérios de Pearson foram violados. Considerou-se p ≤ 0,05 para significância estatística. Resultados: a idade média encontrada foi de 41,81 anos, alteração gastrointestinal mais incidente foi a constipação 48 (43,6%), o tempo médio de internação foi de 10,91 dias. Houve associação significativa com a fase de internação para o indicador de TN Precoce (p=0,009), presença de diarreia (p<0,001) e constipação (p<0,001). Verificou-se que houve correlação significativa, fracamente positiva entre o início de dieta e o tempo de internação (rs=0,229, p=0,017). Conclusão: se pôde constatar e refletir quanto a importância de cada vez mais buscar ferramentas úteis e avaliar sobre o real impacto da terapia nutricional e suas variantes durante toda a internação do paciente. São necessários estudos longitudinais que demonstrem a causa e efeito entre esses indicadores e tempo de internação, já que esse estudo trata da relação desses.
Palavras-chave: Terapia Nutricional; Hospitalização; Unidade de Terapia Intensiva.
INTRODUÇÃO
A maior parte dos pacientes graves encontra-se em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), local de suporte avançado de vida, conhecido por ser equipado com tecnologias duras e equipe multiprofissional treinada para cuidar de pacientes que se beneficiam de monitorização detalhada e tratamentos invasivos (ARAÚJO, et. al., 2020).
Pacientes em estado crítico comumente apresentam intensas respostas metabólicas, com importante catabolismo proteico, mobilizando proteínas para reparo de tecidos lesados e fornecimento de energia. Como consequências tem-se perda de força muscular, intolerância à glicose entre outras alterações que interferem negativamente no prognóstico do paciente (VANHOREBEEK, et. al., 2020). Esses fatores influenciam no incremento da morbidade e mortalidade, prolonga o tempo de internação, eleva a incidência de internações, que por sua vez, estão associados a maiores custos hospitalares (VANHOREBEEK, et. al., 2020).
Tendo em vista o risco nutricional no paciente crítico, é imprescindível o fornecimento de nutrição adequada para o controle da desnutrição e suas possíveis consequências (VANHOREBEEK, et. al., 2020). Dados do Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (IBRANUTRI) sinalizaram que a prevalência de desnutrição ocorreu entre 48,1% dos pacientes avaliados (CORREIA; CAIFFA; WAITZBERG, 1998; CORREIA; PERMAN; WAITZBERG, 2017). Esses achados foram corroborados por uma revisão sistemática elaborada por Correia e colaboradores (2017), a qual demonstrou a manutenção dessa alta prevalência.
Pacientes em estado crítico geralmente não apresentam adequada ingestão oral, sendo o suporte nutricional fundamental em uma UTI. Considerando que a terapia nutricional precoce indicada adequadamente está cada vez mais fundamentada na prática clínica e atrelada a benefícios, avaliar a eficácia desse tratamento se torna fundamental (LEOPOLDINO; SILVA, 2020).
A utilização de Indicadores de Qualidade em Terapia Nutricional (IQTN), preconizadas pelo International Life Sciences Institute (ILSI) do Brasil, aborda seis indicadores, com suas respectivas fórmulas e metas, visto como uma tentativa de mensurar possíveis dificuldades e falhas relacionadas aos protocolos de cuidados nutricionais, a fim de corrigir desvios de qualidade e melhorar a assistência nutricional (WAITZBERG, 2018; FEITOSA, et. al., 2020).
Nesse sentido, o objetivo desse estudo é avaliar a relação dos indicadores de terapia nutricional e o tempo de internação de pacientes internos em uma UTI de um hospital universitário de alta complexidade em João Pessoa/PB.
METODOLOGIA
Este estudo tem natureza transversal, cujos dados foram obtidos a partir de prontuários de pacientes internos em UTI Geral de um Hospital Universitário de João Pessoa – PB.
A amostra foi composta por 116 pacientes adultos internados entre os meses de março de 2018 a março de 2019. Foram incluídos no estudo todos os usuários internados com faixa etária entre 19 e 60 anos. Excluíram-se pacientes com demais faixas etárias, bem como aqueles que tiveram algum desfecho clínico antes das 72 horas e que não receberam suporte nutricional nesse mesmo tempo.
Para análise do tempo de internação, os dados foram dispostos de forma contínua e categórica. Para a criação das categorias, utilizou-se a classificação de tempo de internação conforme as fases de internação. Considerou-se como fase A o tempo de internação até 7º dia; fase B entre o 8º e 21º dia e fase C após 21 dias de internação.
A coleta foi realizada a partir de fichas de acompanhamento nutricional, disponíveis nos prontuários clínicos dos pacientes, preenchidas por nutricionistas assistenciais da Unidade de Nutrição Clínica do referido hospital. Tais fichas contemplavam informações gerais do paciente, bem como as variáveis relacionadas ao monitoramento da terapia nutricional recomendada pela ILSI Brasil.
No presente estudo, essas variáveis de acompanhamento foram categorizadas conforme orientado pelo ILSI (2018). Dessa forma, foi considerado como diarreia a frequência de 3 ou mais fezes líquidas no mesmo dia, sem o uso de laxantes. Para constipação, definiu-se a ausência de fezes por 3 ou mais dias. Quanto ao tempo de início de dieta, considerou-se como Terapia Nutricional Precoce o início da dieta em até 48 horas, e como Terapia Nutricional Tardia quando esse início era realizado após as 48 horas. Para estimativa de gastos energéticos e proteicos e para o cálculo do IMC, eles foram categorizados como estimados ou não estimados durante a internação. Quanto à infusão da dieta prescrita, considerou-se como satisfatório quando os pacientes receberam maior que 70% do volume prescrito em 72 horas após o início da terapia nutricional e como não satisfatório quando essa condição não foi alcançada.
A análise descritiva dos dados foi realizada por meio de medidas de tendência central e dispersão apropriadas. A análise de associação foi realizada utilizando-se o teste qui-quadrado de Pearson, bem como teste exato de Fisher, para os casos em que os critérios de Pearson foram violados. Para análise de correlação, utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman, considerando-se que os dados contínuos não seguiram, a premissa de normalidade. Assumiu-se p ≤ 0,05 para significância estatística.
Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley, do Centro de Ciências da Saúde, da UFPB e obedeceu a todos os aspectos éticos e legais de um estudo envolvendo seres humanos.
Obedeceu-se aos protocolos de garantia da confidencialidade dos dados coletados em prontuários do paciente. Todas as informações foram armazenadas em meio digital, usando o utilitário Excel, do pacote Office for Windows. As análises foram desenvolvidas com o auxílio da plataforma estatística Statistical Package for Social Sciences (SPSS) for Windows, versão 20.
RESULTADOS
Foram analisadas as fichas de acompanhamento dos prontuários de 116 pacientes. A idade média dos usuários foi de 41,81 (±13,21) anos e, do total, 62 (53,4%) compuseram o sexo feminino. Quanto ao estado nutricional, de acordo com o IMC, 14 (15,2%) pacientes apresentaram desnutrição. A alteração gastrointestinal mais incidente foi a constipação, a qual acometeu 48 (43,6%) dos usuários internos. O tempo médio de internação desses pacientes foi de 10,91 dias. A estatística descritiva encontra-se exposta na Tabela 1.
A tabela 2 demonstra os resultados da associação entre os diferentes indicadores de qualidade terapia nutricional em UTI com relação à fase de internação.
Os achados de outro estudo que também investigou alterações gastrointestinais em UTI foram divergentes quanto à maioria do gênero da população estudada ser masculina, com idade média superior (63.55 ± 16.39 anos) (ZHONG, et. al., 2021).
Observou-se associação significativa com a fase de internação para o indicador de TN Precoce (p=0,009), presença de diarreia (p<0,001) e de constipação (p<0,001). A maioria dos pacientes que receberam TN precoce estiveram internados na fase aguda (44,9%) e anabólica (40,4%). Com relação aos pacientes que apresentaram diarreia, a maioria dos episódios ocorreram nas fases crônica (50%) e anabólica (50%). Avaliando-se a constipação, houve maior frequência durante a fase anabólica (64,6%) e crônica (27,1%) e menor frequência na fase aguda (8,3%). A correlação entre as variáveis contínuas com o tempo de internação encontra-se disponível na tabela 3.
A frequência de alterações gastrointestinais em UTI’s, especialmente diarreia e constipação, é elevada. A literatura mostra que essas alterações podem ser atribuídas ao uso de antibióticos em tratamento de bactérias multirresistentes, balanço hídrico negativo, uso de vasopressores, opioides, sedativos e limitação ao leito (ZHONG, et. al., 2021). Além disso, a ocorrência da diarreia também está associada a uso de fármacos como antibiótico (SANTOS; CUNHA; SEGADILHA, 2019), antineoplásicos e antiácidos.
No presente estudo observou-se que, na análise dos dados categóricos, existe uma associação significativa das diferentes fases da internação com a ocorrência de diarreia. Porém, não foi identificada uma correlação significativa entre a incidência de diarreia e o tempo de internação. Isso provavelmente se atribui especialmente ao fato de que nenhum dos pacientes apresentaram diarreia nos sete primeiros dias de internação. Portanto, esses resultados devem ser interpretados com cautela, levando-se em consideração, sobretudo, os dados disponíveis na literatura.
Estudos com amostras maiores, demonstraram elevada incidência dessa manifestação entre pacientes críticos, e que esse fator impacta diretamente nas condições clínicas, tempo de permanência, morbimortalidade, e elevação de custos hospitalares (TELLES, et. al. 2015; BARROS, et. al. 2018). Complementando esses achados, uma metanálise demonstrou que pacientes que apresentaram diarreia durante a internação em UTI’s constituiu-se um fator de risco para o aumento do tempo de internação, maior uso de recursos e custos hospitalares, como também foi significativamente relacionada a mortalidade dos pacientes de UTI (TAITO et. al. 2019). Da mesma forma, uma coorte demonstrou que os pacientes com diarreia tiveram maior tempo de permanência hospitalar. Nesse caso, os fatores como hipoalbuminemia e febre estavam associados à ocorrência dessa manifestação clínica, ao passo que, a composição da dieta não se associou significativamente à ocorrência da diarreia (BARROS, et. al. 2018).
Neste trabalho identificou-se que frequência de constipação foi maior na fase B (07 a 21 dias de internação) e tal fato é esperado pois nos momentos iniciais de internação na UTI, o paciente crítico normalmente apresenta instabilidade hemodinâmica, requerendo o uso de drogas vasoativas em doses ascendentes, impossibilitando o início da terapia nutricional. O uso de tais drogas aliadas a outras, como os opioides e sedativos, e outros cuidados despendidos para tratar esse tipo de paciente, proporcionam uma soma de fatores que corroboram para gerar episódios de constipação em dias subsequentes dessa internação (BATASSINI; BEGHETTO, 2019).
Nesse mesmo sentido, uma coorte prospectiva investigou momento da constipação em períodos diferentes da internação em UTI’s, identificando-se baixa frequência de constipação na primeira semana. Em contrapartida, 49,5% não apresentou nenhum episódio de evacuação até o 10º dia de internação (BATASSINI; BEGHETTO, 2019). A literatura demonstra que a incidência de constipação em UTI é alarmante, apontando uma variação de 40% a 83% da população estudada apresentou constipação em algum momento da internação (ARAÚJO, et. al., 2020; ZHONG, et. al., 2021; BATASSINI; BEGHETTO, 2019).
Um dos resultados identificados na presente análise foi a correlação fortemente positiva da constipação com o aumento do tempo de internação. Da mesma forma, a análise de associação dos dados categóricos demonstrou relação significante entre as fases de internação e a ocorrência da constipação. Um estudo prospectivo bicêntrico, revela que pacientes que não são constipados tiveram menor tempo de permanência em UTI, além disso, foi verificado que quanto maior o tempo de constipação, maior o tempo de permanência hospitalar (PRAT, et. al. 2018).
Como principais limitações acerca da quantificação da incidência da diarreia e constipação, destaca-se o reduzido número de estudos que contemplem uma definição precisa acerca desses dois conceitos (TAITO et. al. 2019; ZHONG, et. al., 2021). No presente estudo utilizou-se a definição de diarreia e constipação apresentada pela ILSI, porém destaca-se a importância de se padronizar essa definição, de maneira a se categorizar pontos de corte uniforme, permitindo-se uma melhor comparabilidade entre os dados dos diferentes estudos.
Verificou-se que houve correlação significativa, fracamente positiva entre o início de dieta e o tempo de internação (rs=0,229, p=0,017). Além disso, observou-se correlação significativa, fortemente positiva entre o tempo de constipação e o tempo de internação (rs=0,713, p<0,001). Não houve correlação entre o tempo de diarreia e o tempo de internação. Os gráficos das associações significativas encontram-se disponível nas figuras 1 e 2.
A determinação de como e quando iniciar a terapia nutricional em pacientes de UTI é um desafio constante, e deve ser iniciada preferencialmente nas primeiras 24-48 horas após estabilização hemodinâmica, antecedendo à resposta hipermetabólica e hipercatabólica que se inicia nas primeiras 72 horas após a lesão inicial, isso fundamenta-se em que a depleção nutricional está relacionada a piores desfechos e se estabelecida a oferta precocemente, menor a probabilidade de extremos no balanço energético (MCCLAVE; OMER, 2020).
A correlação entre o início da dieta e o tempo de internação encontrada nesse trabalho, está amplamente descrita na literatura, mostrando sua efetividade em reduzir o tempo de internação, incidência em complicações infecciosas e risco de mortalidade (CIRILO, et. al. 2018). Estudo recente aponta que a alimentação precoce, além de manter a integridade intestinal, reduz a permeabilidade, promove tolerâncias, respostas imunológicas apropriada e apoia o comensalismo da microbiota intestinal, enveredando assim, sobre a forte relação entre a terapia precoce e o papel do intestino em eventos agudos e resposta sistêmica (MCCLAVE; OMER, 2020).
A indicação de terapia nutricional é feita a partir da triagem nutricional, onde o instrumento utilizado depende da clínica e nível de assistência hospitalar do paciente. Uma das formas de avaliar a realização e frequência de triagem, bem como a adequação do suporte nutricional e suas possíveis complicações, é através da aplicação e monitoramento dos indicadores de qualidade (ALVES; BORGES, 2019).
Estudos demonstram que a aplicação dos IQTN é uma nova perspectiva de avaliação da assistência prestada, pois o seguimento de protocolo de conduta permite identificar e adotar estratégias frente aos processos que necessitam de melhorias (SOMMERLATTE, et. al. 2015). Uma revisão da literatura sobre indicadores de qualidade de terapia nutricional, evidencia que embora os pacientes sejam adequadamente avaliados, ainda existe espaço para otimização da terapia nutricional no que se refere a infusão da dieta na quantidade adequada e tempo de jejum. Quanto ao indicador, volume prescrito versus infundido, avaliado nesse trabalho, não foi encontrado associação significativa com as fases de internação.
Contudo, a literatura aponta que, as necessidades energéticas e proteicas de cada paciente devem ser adaptadas de acordo com sua tolerância e estado clínico, de modo que, se deva aumentar gradativamente nos primeiros dias até atingir a necessidade recomendada (BARROSO, et. al. 2018). Nesse ínterim, constata-se também que os motivos de interrupção de dieta são diversos, e corroboram para senso comum de que as condições clínicas e terapêutica adotada podem dificultar o alcance de metas estimadas (POSSO, et. al. 2020).
CONCLUSÃO
A terapia nutricional é parte da soma de esforços no cuidado multiprofissional do paciente crítico, e buscar meios de avaliação desse suporte potencializa a atenção no cuidado no tempo de internação. Diante dos resultados dessa pesquisa se pôde constatar e refletir quanto a importância de cada vez mais buscar ferramentas úteis e avaliar sobre o real impacto da terapia nutricional e suas variantes durante toda a internação do paciente. Ressalta-se, pois, a necessidade de maiores estudos quanto a compreensão de causa e efeitos por meio de estudos longitudinais, trabalhos de intervenção e criação de protocolos a partir da avaliação de metas sugeridas pelos IQTN´s e possíveis correções, bem como constantes treinamentos com toda equipe de assistência sobre o monitoramento desses indicadores.
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