INCIDENCE OF HEPATITIS B/C AND FACTORS RELATED TO NON-IMMUNIZATION AMONG ADOLESCENTS IN BRAZIL (2016-2020)
REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11063014
Carlos Antônio Nascimento Santos Júnior
Amanda Araújo Vieira
Bruna da Silva Gusmão
Thaina Santos Lopes
Orientadora: Prof.ª Msc. Martha Cerqueira Reis
Coorientadora: Prof.ª Dra. Camila Silveira Silva Teixeira
RESUMO
Objetivo: Caracterizar o número de casos notificados das hepatites B/C, bem como investigar os fatores associados à não imunização contra a hepatite B entre adolescentes no Brasil (2016-2020). Métodos: Estudo transversal-analítico, utilizando as notificações do SINAN para hepatites B/C entre adolescentes de 10-19 anos. A não imunização contra a hepatite B foi o desfecho e as características sociodemográficas, geográficas, epidemiológicas e clínicas as variáveis explicativas. Foram estimadas a incidência cumulativa (casos/100.000 adolescentes) e associações entre o desfecho e covariáveis, utilizando regressão de Poisson com variância robusta, reportadas como Razões de Prevalência (RP) e Intervalos de Confiança de 95% (IC95%). Resultados: Foram avaliados 2.375 casos de hepatite B/C, com incidência de 8,47/100.000, sendo 5,80/100.000 meninos e 11,24/100.000 meninas. A maioria dos casos foram adolescentes do sexo feminino, de 18-19 anos, de raça/cor branca e parda. A não imunização foi associada ao sexo masculino (RP=1,43; IC95%=1,24-1,65), à raça/cor amarela (RP=2,13; IC95%=1,51-3,01), residência na região Norte (RP=1,52; IC95%=1,09-2,13), bem como ao diagnóstico de outras ISTs (RP=1,52; IC95%=1,18-1,95) e relações sexuais com três ou mais parceiros (RP=1,45; IC95%=1,11-1,89). Conclusão: Os achados destacam a vulnerabilidade dessa população, chamando a atenção para o manejo de fatores de risco relacionados não só às hepatites, como as demais ISTs. Também, demonstram a importância do conhecimento do contexto da não imunização e reitera a necessidade de estratégias de educação em saúde.
Palavras-chave: Infecção por Vírus de Hepatite. Adolescência. Epidemiologia. Saúde Pública.
ABSTRACT
Objective: To characterize the number of reported cases of hepatitis B/C, as well as to investigate the factors associated with non-immunization against hepatitis B among adolescents in Brazil (2016-2020). Methods: This is a cross-sectionalanalytical study, using SINAN notifications for hepatitis B/C among adolescents aged 10-19 years. We define the non-immunization against hepatitis B as the outcome and analysed the sociodemographic, geographic, epidemiological and clinical characteristics as the explanatory variables. We calculate the cumulative incidence (cases/100,000 adolescents) and the associations between the outcome and covariates, using Poisson regression with robust variance, reported as Prevalence Ratios (PR) and 95% Confidence Intervals (95%CI). Results: Our study evaluated 2,375 cases of hepatitis B/C, with an incidence of 8.47/100,000; 5.80/100,000 boys and 11.24/100,000 girls. The majority of cases were female adolescents, aged 18-19, of white and mixed race/color. Non-immunization was associated with male sex (RP=1.43; 95%CI=1.24-1.65), yellow race/color (PR=2.13; 95% CI=1.51-3.01) , living in the North region (RP=1.52; 95%CI=1.09-2.13), as well as the diagnosis of other STIs (RP=1.52; 95%CI=1.18-1.95) and sexual relations with three or more partners (RP=1.45; 95% CI=1.11-1.89). Conclusion: The findings highlight the vulnerability of this population, drawing attention to the management of risk factors related not only to hepatitis, but also to other STIs. They also demonstrate the importance of knowing the context of non-immunization and reiterate the need for health education strategies.
Keywords: Hepatitis Virus Infection. Adolescence. Epidemiology. Public health.
INTRODUÇÃO
A infecção pelos vírus da hepatite B (VHB) e C (VHC) são importantes problemas de saúde pública em todo o mundo, com cerca de 350 milhões e 170 milhões de pessoas consideradas portadores crônicos destas infecções, respectivamente. Devido aos seus modos de transmissão partilhados, a coinfecção com VHB e VHC tem ocorrência bastante frequente e apesar dos avanços consideráveis no tratamento das hepatites virais, estas infecções ainda são uma das principais causas de mortalidade e incapacidade (ALBERTS et al., 2022; RAVAZI, 2020).
Diversos estudos descrevem alguns fatores de risco para as infecções com VHB e VHC, como a transmissão vertical de mãe para filho, horizontal na primeira infância, e através de contato sexual desprotegido, partilha de materiais cortantes e abuso de drogas injetáveis. A literatura ressalta que o VHC é transmitido principalmente através do contato direto com o sangue de uma pessoa infectada por meio de transfusão de sangue e uso de drogas intravenosas (ALVES et al., 2022; PEREIRA et al., 2019; KARNSAKUL; SCHWARZ, 2017).
Ao considerar esse contexto, adolescentes podem ser classificados como grupo populacional de risco elevado devido ao início precoce e, geralmente, sem proteção, da atividade sexual, ao uso irregular de preservativos nas diversas relações, à percepção de invulnerabilidade e ao desconhecimento das formas de transmissão do vírus (VANELI; GOTZ; DE BORTOLI, 2023; BRANCO et al., 2017).
Nas últimas décadas, foram observados diversos avanços em relação aos tratamentos e à prevenção destas hepatites, e a imunização contra a hepatite B representa uma das estratégias mais exitosas para prevenção desta infecção (DUARTE et al., 2021). A vacina fornece proteção contra a infecção em mais de 90% das pessoas saudáveis é recomendada como em todo o mundo desde 1991 pela Organização Mundial da Saúde, independentemente dos níveis de prevalência dos países. A OMS determina que a vacina contra a hepatite B seja incluída no esquema de imunizações de rotina das crianças logo após o nascimento (OMS, 2022). Contudo, no Brasil, mesmo com as estratégias do Programa Nacional de Imunização e alcance de boa cobertura na população geral, estudos têm mostrado uma baixa cobertura vacinal contra hepatite B na população de adolescentes (VIEGAS et al., 2019; BRANCO et al., 2017; FRANCISCO et al., 2015).
Nesta perspectiva, esse estudo teve como objetivo caracterizar o número de casos notificados das hepatites B e C, bem como investigar os fatores associados à falta de imunização contra a hepatite B entre adolescentes no Brasil, no período entre 2016 e 2020.
MÉTODOS
Este estudo foi uma pesquisa quantitativa, de abordagem transversal e analítica, a partir dos dados secundários sobre as notificações de casos suspeitos de hepatites B e C entre adolescentes no Brasil, referentes ao período de 01 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2020. Os dados foram obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), a partir das informações epidemiológicas e de saúde. As bases de dados foram extraídas via Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), em 03 de fevereiro de 2024. Para as estimativas populacionais, foram utilizados os dados do censo de 2022, disponíveis on-line pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para composição da população de estudo, foram selecionados os dados de indivíduos com idade entre 10 e 19 anos, de ambos os sexos. Foram excluídos os casos suspeitos em que não constava na base de dados a informação sobre a classificação estiológico do vírus ou quando esta classificação final estava relacionada ao vírus A, outras combinações de vírus ou outros tipos de hepatites.
A não imunização contra a hepatite B foi considerada como um desfecho, identificada a partir da variável que informa se o paciente tem vacinação contra hepatite B com esquema completo, incompleto ou não vacinado, conforme comprovado no cartão de vacinação apresentado no momento da notificação. Como covariáveis de exposição foram consideradas as características sociodemográficas e geográficas, como: sexo; idade; raça/cor de pele autodeclarada (branca, preta, parda, amarela e indígena); e região brasileira (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste). Foram também avaliadas as características epidemiológicas e clínicas relacionadas à doença, como: forma clínica (hepatite aguda, hepatite crônica/assintomática, hepatite fulminante; e caso inconclusivo); tipo de institucionalização (creche; escola; asilo; empresa; penitenciária; hospital/clínica; outras; não institucionalizado); provável fonte de infecção (sexual; transfusional; uso de drogas; vertical; acidente de trabalho; hemodiálise; domiciliar; tratamento cirúrgico; tratamento dentário; pessoa/pessoa; alimento/água contaminada; outros); diagnóstico de HIV (sim; não); diagnóstico de outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) (sim; não); exposição à transfusão de sangue/derivados (sim há menos de 6 meses; sim há 6 meses ou mais; não); exposição a medicamentos injetáveis (sim há menos de 6 meses; sim há 6 meses ou mais; não); exposição à tatuagem e/ou piercing (sim há menos de 6 meses; sim há 6 meses ou mais; não); exposição à drogas inaláveis ou crack (sim há menos de 6 meses; sim há 6 meses ou mais; não); exposição à drogas injetáveis (sim há menos de 6 meses; sim há 6 meses ou mais; não); exposição a três ou mais parceiros sexuais (sim há menos de 6 meses; sim há 6 meses ou mais; não).
A taxa de incidência cumulativa foi estimada pela razão entre o número de casos pelo total de adolescentes entre 10 e 19 anos residentes no Brasil, (14.310.261 meninos; 13.740.642 meninas; 28.050.903 total), por 100.000 habitantes (100.000 hab.). A análise descritiva foi realizada por meio de frequências absolutas e relativas. Os testes qui-quadrado de Pearson exato de Fisher foram utilizados para estimar diferenças significativas entre as categorias de exposição das covariáveis e o desfecho. Foi realizada uma análise bivariada, utilizando modelos de regressão de Poisson com variância robusta, para estimar as associações entre entre o desfecho e as covariáveis de interesse, que foram reportadas como Razões de Prevalência (RP) e seus intervalos de confiança de 95% (IC95%). Para todos os testes foi considerado o nível de significância inferior a 5% (p<0,05).
O programa Stata, versão 17.0 (Stata Corporation, College Station, USA), foi utilizado para a análise estatística dos dados.
Por se tratar de uma pesquisa com dados secundários, de domínio público, este estudo não foi submetido a um Comitê de Ética em Pesquisa. Ainda assim, foram respeitados todos os preceitos éticos previstos na Resolução 466/2012 e na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) (Lei nº 13.853, de 2019).
RESULTADOS
No período de 2016 a 2020, foram notificados 3.241 casos suspeitos de hepatites B/C entre indivíduos de 10 a 19 anos no Brasil. Destes, 50,7% (n=1.238) foram classificados etiologicamente como vírus B, 46,5% (n=1.137) como vírus C, 2,8% (n=69) como vírus A, outras combinações virais ou como outras hepatites; e 797 notificações não tinham preenchido a informação de classificação etiológica. Assim, para este estudo, foram avaliados apenas os casos confirmados com classificação etiológica para os vírus B/C, totalizando 2.375 casos.
A taxa de incidência cumulativa de hepatite B/C entre adolescentes no período de estudo (2016 a 2020) foi estimada em 8,47 casos para cada 100.000 adolescentes sob risco, sendo de 5,80/100.000 adolescentes do sexo masculino e 11,24/100.000 do sexo feminino. Esta incidência varia ano a ano, sendo no ano de 2016 estimada em 2,15/100.000; em 2017 de 2,18/100.000; em 2018 de 1,75/100.000; em 2019 de 1,68/100.000; e em 2020 de 0,71/100.000.
A maior parte dos casos foi do sexo feminino (65,0%), com idade entre 18 e 19 anos (51,7%), e de raça/cor de pele branca (45,5%) e parda (42,8%). O maior número de notificações ocorreu na região Sudeste do país (36,2%), seguida das regiões Sul (28,3%), Norte (15,7%), Nordeste (11,5%) e Centro-Oeste (8,3%) (Tabela 1).
Tabela 1. Características sociodemográficas e geográficas dos casos de hepatite B/C entre adolescentes no Brasil, 2016-2020. SINAN-DATASUS, 2024.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
Foi observada maior frequência de casos diagnosticados como hepatite crônica/assintomática (80,0%), entre adolescentes não institucionalizados (86,4%), que tinham como provável fonte de infecção a via sexual (38,7%), vertical (12,7%), domiciliar (8,6%), o uso de drogas (7,2%), transfusional (6,4%) e outras (10,4%) (Tabela 2). Em relação ao perfil clínico, foi observada uma frequência de 4,3% de diagnóstico de HIV e 6,0% de outras ISTs. A frequência de exposição a riscos para a hepatite B/C por 6 meses ou mais entre estes adolescentes foi relacionada à transfusão de sangue/derivados (5,2%), medicamentos injetáveis (18,5%), tatuagem e/ou piercing (22,3%), drogas inaláveis ou crack (6,5%), drogas injetáveis (4,0%) e às relações sexuais com três ou mais parceiros (16,2%) (Tabela 2).
Tabela 2. Características epidemiológicas e clínicas dos casos de hepatite B/C entre adolescentes no Brasil, 2016-2020. SINAN-DATASUS, 2024.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
A não imunização foi significativamente maior entre os adolescentes do sexo masculino (p<0,001), de raça/cor de pele amarela (p=0,031), residentes da região Norte (p=0,002), com diagnóstico de outras ISTs que não HIV (p=0,004) e expostos a três ou mais parceiros sexuais (p=0,026) (Tabela 3).
Em análise bivariada, foi observado que o sexo masculino foi associado ao aumento de 43,0% (IC95%=1,24-1,65) da falta de imunização. Esta prevalência foi também aumentada em 2,13 vezes (IC95%=1,51-3,01) quando o adolescente se autodeclarou de raça/cor de pele amarela em relação à branca, e em 1,52 vezes (IC95%=1,09-2,13) quando residente na região Norte comparada à região Centro-Oeste. Outros fatores que permaneceram associados ao aumento significativo da não imunização foram o diagnóstico de outras ISTs (RP=1,52; IC95%=1,18-1,95) e as relações sexuais com três ou mais parceiros há menos de 6 meses (RP=1,45; IC95%=1,11-1,89) (Tabela 3).
Tabela 3. Prevalência e fatores associados a não imunização contra a hepatite B entre adolescentes no Brasil, 2016-2020. SINAN-DATASUS, 2024.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
DISCUSSÃO
Este estudo evidenciou uma importante análise das notificação de hepatites B/C entre adolescentes brasileiros, entre 2016 e 2020. Embora tenha sido observada uma tendência de redução do número de notificações ao longo dos anos analisados, a taxa de incidência cumulativa estimada para o período foi mais de 20 vezes maior que a taxa estimada para a população geral do país em 2022 (0,40/100.000 hab) (BRASIL, 2023). Os casos foram mais prevalentes entre as adolescentes do sexo feminino, com idade entre 18 e 19 anos, e de raça/cor de pele branca e parda. A distribuição geográfica dos casos evidenciou maiores frequências de notificações nas regiões Sudeste, Sul e Norte do país. Paralelamente, a maior prevalência de não imunização foi associada ao sexo masculino, à raça/cor de pele amarela, residência na região Norte e a fatores de risco como o diagnóstico de ISTs e o maior número de parceiros sexuais.
A maior incidência de infecções por VHB e VHC entre adolescentes em comparação à população geral observada neste estudo corrobora com evidências de outros estudos sobre ISTs e doenças relacionadas às vulnerabilidades da idade (AMORAS; CAMPOS; BESERRA, 2015; DE SOUSA ALVES; AGUIAR, 2020; VANELI; GOTZ; DE BORTOLI, 2023). Na adolescência, a sexualidade apresenta-se como um tópico importante, tendo em vista as modificações intensas e marcantes desta fase da vida. Muitas vezes, a vivência da sexualidade pode se dar por meio de práticas sexuais desprotegidas, decorrentes do interesse e pela busca de novas experiências. Além disso, a ausência de comunicação e orientação torna essa população vulnerável a diversas situações de risco (ALMEIDA et al., 2017).
O maior número de notificações entre as adolescentes do sexo feminino pode estar relacionado ao desconhecimento da transmissão viral e/ou falta de informações mais diretas que se relacionem com o cotidiano do indivíduo. Procedimentos de manicures, contato com sangue de outras pessoas, compartilhamento de escova dental, tatuagem e piercing estão descritos como os fatores mais comuns para esta infecção entre as mulheres (SANTOS; SANTOS; OLIVEIRA, 2018; BRANCO et al., 2017). Além disso, o início precoce da atividade sexual, muitas vezes associado à idade precoce da menarca, eleva as chances de contaminação. Outros fatores de vulnerabilidade feminina às doenças transmitidas sexualmente estão a dificuldade na negociação de práticas sexuais seguras com os parceiros e a falta de reconhecimento da legitimidade de suas escolhas sexuais (PINTO et al., 2018; ARAÚJO et al., 2012; TAQUETTE et al., 2010).
No presente estudo foi evidenciado que os adolescentes mais velhos, estavam mais expostos à infecção pelos VHB e VHC. Este dado pode estar relacionado à autonomia que adolescentes desta faixa etária podem ter, que estão consequentemente relacionados aos fatores de risco para estas infecções, como o acesso a drogas, tatuagens e piercings. Além disso, tendo em vista a média de idade da primeira relação sexual (15 anos para mulheres e 14 para homens), a maioria dos adolescentes de 18 a 19 anos, provavelmente, já iniciou a vida sexual e podem ter tido relações com sexo desprotegido (ARAÚJO et al., 2012; SANTOS; SANTOS; OLIVEIRA, 2018; VANELI; GOTZ; DE BORTOLI, 2023).
Em relação à raça/cor de pele dos adolescentes, foi observado maior número de casos entre aqueles que se autodeclararam brancos e pardos. Para este achado, a raça/cor de pele deverá ser entendida como um constructo social, em que grupos étnicos podem estar mais ou menos expostos a determinados fatores de risco e vulnerabilidade (FISCELLA; SANDERS, 2016). Supõe-se que adolescentes brancos, considerados menos privados em nossa sociedade, possam estar mais vulneráveis a estas infecções devido à oportunidade de comportamentos de risco relacionados à autonomia na adolescência, como já citado. Por outro lado, os adolescentes pardos, considerados mais vulneráveis, podem lidar com dificuldades de acesso à informação e aos serviços de saúde, o que favorece a contaminação e reduz as possibilidades de sucesso na prevenção e imunização. A adolescência é um período de descobertas, medos, anseios e insegurança, acentuados pela ausência de auxílio dos poderes públicos e sociais. Assim, a desigualdade social, por exemplo, interfere na vulnerabilidade dos adolescentes, influenciando no acesso à educação, à saúde, ao lazer, à cultura e ao trabalho. Por isso, a carência de amparo dos poderes públicos e da sociedade agravam os fatores de risco da vulnerabilidade (SANTOS; JULIÃO, 2016).
A concentração dos casos nas regiões Sudeste e Sul demonstra que em grandes centros urbanos, com territórios densamente povoados, as vulnerabilidades relacionadas ao setor saúde podem estar mais acentuadas. Na maior parte dos municípios destes estados, existem diversas desigualdades em saúde, principalmente relacionadas às baixas coberturas da Atenção Primária à Saúde e enfrentamentos dos processos de trabalho (MALTA et al., 2016). Os adolescentes ainda enfrentam barreiras no acesso aos serviços de saúde, que dificultam a adesão dessa população às unidades de saúde. Destaca-se como principais barreiras as filas de espera, o longo tempo para marcar consultas, a ausência de planejamento para receber essa parcela da comunidade e as práticas de promoção à saúde, que normalmente são voltadas para outros grupos, como gestantes e diabéticos (MELO, 2019; SILVA; ENGSTROM, 2020). Por outro lado, na região Norte, estas dificuldades e barreiras já mencionadas podem ser resultado do efeito contrário à densidade populacional, onde territórios de dimensões maiores são afetados com a baixa ou nenhuma cobertura dos serviços de saúde.
Neste estudo, foi observada uma elevada frequência de não imunização contra a hepatite B entre os adolescentes. No Brasil, os adolescentes são considerados um grupo prioritário para a vacinação contra a hepatite devido à sua vulnerabilidade a certas doenças que podem ser prevenidas pela imunização, e também devido às baixas taxas de cobertura vacinal nessa faixa etária. Estudos demonstraram que o longo período entre a segunda e terceira dose tem sido apontado como um dos principais motivos para a não completude do esquema vacinal (FRANCISCO et al., 2015). Assim, algumas evidências da literatura reiteram que a escola tem sido apontada como um espaço em que as estratégias e ações em saúde podem ser mais efetivas. A oportunidade de ter todos os adolescentes em um mesmo local e período (ano escolar) facilita o recrutamento e conscientização, garantindo assim, a administração da vacina (OLIVEIRA et al., 2007; VIEGAS et al., 2019).
A falta de conhecimento sobre a doença e a percepção de baixa vulnerabilidade são obstáculos significativos para a aceitação da vacina contra a hepatite B (BRANCO et al., 2017). A imunização é uma medida preventiva que pode não ser vista como prioritária por grupos que têm menos disponibilidade de tempo para se dedicarem a essa precaução. Portanto, é crucial que os serviços de saúde identifiquem esses segmentos e implementem abordagens direcionadas para aumentar as taxas de vacinação entre os adolescentes e jovens adultos que estão ativos no mercado de trabalho (FRANCISCO et al., 2015).
Além disso, as associações significativas observadas entre a não vacinação contra hepatite B e comportamentos de risco, os mesmo relacionados à infecção pelos VHB e VHC, evidenciam um contexto de vulnerabilidade para os adolescentes e reforçam a necessidade do conhecimento acerca do perfil do adolescente infectado, para manejo adequado e para o desenvolvimento de ações e estratégias oportunas de educação em saúde e prevenção. Diante dessa questão, é essencial que os profissionais de saúde dediquem uma atenção ampliada ao desenvolvimento de iniciativas que incentivem os adolescentes a participarem ativamente das atividades de prevenção de riscos e promoção da saúde. Isso se deve ao fato de que, ao receberem orientações dinâmicas e proativas, os adolescentes podem adquirir conhecimento que os capacita a assumir responsabilidade por sua própria saúde. Portanto, é fundamental que os serviços de saúde considerem a inclusão de atendimento e acompanhamento direcionados aos adolescentes nos cuidados primários de saúde no seu dia a dia (GUSMÃO et al;. 2017; VIEGAS et al., 2019).
Embora este estudo tenha proporcionado uma oportunidade única para investigar a hepatite B/C entre adolescentes a partir de bancos de dados nacionais vinculados à saúde no Brasil, ele também apresenta limitações. Ao basear-se em registos recolhidos rotineiramente pelo SINAN, o conjunto de dados pode apresentar uma proporção considerável de omissões para determinadas variáveis e também fatores de confusão não medidos, como o comportamento de procura de cuidados de saúde e a exposição a fatores de risco. A notificação de hanseníase ao SINAN é passiva e, por isso, este estudo pode ter evidenciado uma incidência ainda subestimada destas hepatites.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados deste estudo evidenciaram que os principais grupos de riscos entre adolescentes infectados pelos VHB e VHC foram as mulheres, os adolescentes mais velhos, de raça/cor de pele branca e parda, bem como os adolescentes residentes em áreas em grandes centros urbanos. Esse achado sublinha a vulnerabilidade dessa população a estas infecções, chamando a atenção para o manejo de fatores de risco relacionados não só às hepatites, como às demais ISTs.
O também estudo demonstra a importância da coleta sistemática e precisa de dados pelos sistemas de informação em saúde, sobretudo com o adequado preenchimento das fichas de notificação e investigação dos casos. Esses dados servem como alicerce para uma compreensão mais profunda da epidemiologia das hepatites virais, permitindo a identificação de tendências e o desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes.
Além disso, o presente estudo revelou fatores de risco para a não imunização contra hepatite B nos adolescentes, o que evidencia a importância de programas de educação em saúde direcionados a esse segmento etário abordando a importância da imunização na prevenção da doença, estratégias para busca ativa aos que não completaram o esquema, bem como esclarecimentos sobre a doença e a orientação do profissional de saúde sobre os benefícios da vacinação aos adolescentes, pais e responsáveis podem ampliar as coberturas vacinais nessa população. Além disso, ações específicas sobre saúde sexual e reprodutiva, particularmente, àqueles mais vulneráveis à infecção.
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