FOREST FIRES IN THE CERRADO BIOME: PREVENTION AND COMBAT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch102024242127
Wanderlei Batista Nunes
RESUMO
O cerrado é um bioma de grande relevância para a biodiversidade brasileira, mas que vem sofrendo grande degradação, principalmente a partir da década de 1950, sendo os altos números nos focos de incêndio uma das grandes preocupações. Dessa forma, este texto busca discutir a prevenção e combate a incêndio no bioma Cerrado, a partir de uma discussão teórica pautada em autores como Kirchhhoff, (1992) Batista (1995), Coutinho (2000), Oliveira et al., (2023), entre outros. A variedade de incêndios e suas consequências demandam uma abordagem holística e uma resposta unificada. Enquanto os incêndios naturais podem fazer parte do ciclo ecológico, os incêndios causados acidentalmente ou intencionalmente frequentemente resultam em sérios danos ambientais. É fundamental combinar educação, tecnologia avançada, políticas públicas eficientes e colaboração comunitária para manejar de forma sustentável os incêndios e proteger os ecossistemas essenciais não apenas do Brasil, mas também globalmente. Portanto, preservar o Cerrado é indispensável para garantir a manutenção não apenas de sua biodiversidade natural, mas também de sistemas econômicos importantes, sendo as legislações e a ação do homem essenciais no combate e prevenção de incêndios.
Palavras-chaves: Incêndios; Prevenção e Combate; Ação do Homem; Tecnologia.
ABSTRAT
The Cerrado is a biome of gre a importance for Brazil’s bio diversity, but it has been suffering a great deal of degradation, especially since the 1950s, with the high number of fires being a major concern. This text the reforest aims to discuss fire prevention and fire fighting in the Cerrado biome, based on a the oretical discussion base do nauthorssuch as Kirchhoff (1992), Batista (1995), Coutinho (2000), Oliveira et al. (2023), am on go theirs. The variety of fire sand their consequences emend a holistic approach and a unified response. While natural fires can be part of the ecological cycle, fires cause da accidental your intentionally often result in serious us environment a damage. It is sentialto combine education, technology, Effie client public policies and community collaboration to sustainably manage fire and protect essential ecosystem end smoothly in Brazil, but also globally. Therefore, preserving the Cerrado is indispensable to guarantee the mains en an cantonal you its natural biodiversity, but also of an important economic system, and legislation an human action are essential in combating and preventing fires.
Keywords: Fires; Prevention and Combat; Human Action; Technology.
1. INTRODUÇÃO
O Cerrado brasileiro representa cerca de 24% do território nacional, nos Estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, sul do Mato Grosso, oeste de Minas Gerais, Distrito Federal, oeste da Bahia, sul do Maranhão, oeste do Piauí e porções do Estado de São Paulo. Ainda há porções de cerrado em outros estados da federação (PR) ou em áreas disjuntas dentro de outros biomas (Floresta Amazônica). É a segunda maior formação vegetal do país, após a Floresta Amazônica, concentrando-se principalmente no Planalto Central Brasileiro (Coutinho, 2000). Este bioma apresenta uma diversidade de fitofisionomias que abriga cerca de 5% da biodiversidade mundial.
O bioma Cerrado, devido à sua grande extensão e posição geográfica, compreende uma ampla diversidade de litologias, formas de relevo, cotas altimétricas e solos. Por isto, está sob um clima que é tipicamente sazonal, quanto à pluviosidade, e que apresenta significativas diferenciações nas suas médias anuais de temperatura e precipitação (Adámoliet al., 1986, Nimer; Brandão 1989).
Sano et al., (2020) descrevem 19 distintas regiões de Cerrado, sendo as maiores em extensão: Paraná-Guimarães (17,9%), Araguaia- Tocantins (14,9%), e Planalto Central (8,6%).Ribeiro e Walter (2008) descrevem 11 tipos principais de vegetação para o bioma, enquadrados em formações florestais (Mata Ciliar, Mata de Galeria, Mata Seca e Cerradão), savânicas (Cerrado sentido restrito, Parque de Cerrado, Palmeiral e Vereda) e campestres (Campo Sujo, Campo Limpo e Campo Rupestre). Em relação à parte hídrica, a região possui diversas nascentes de rios e, consequentemente, importantes áreas de recarga hídrica, que contribuem para grande parte das bacias hidrográficas brasileiras (Martelli; Alvarenga; Samudio, 2023).
Brandão (2018) ainda comenta que esse bioma proporciona ampla oferta de serviços ecossistêmicos indispensáveis para a economia, como a manutenção de mananciais abastecedores de grande parte dos rios sul-americanos, além de abrigar 30% da biodiversidade nacional.
Desde os anos 1950, com o surgimento de Brasília e de uma política de expansão agrícola por parte do Governo Federal, que se iniciou uma acelerada e desordenada ocupação da região do Cerrado em um modelo de exploração de forma fundamentalmente extrativista e, em muitos casos, predatória (Fernandes; Pessoa, 2011). Nesse contexto, o Cerrado tem sofrido um aumento significativo no impacto causado por atividades humanas, principalmente devido à mecanização da agricultura e à construção de rodovias no Brasil Central (Cavalcanti, 2000).
Rangel et al., (2007) identificam a criação de gado bovino, a agricultura mecanizada e a urbanização como os principais fatores de impacto ambiental na região. Entretanto, as medidas para a preservação das paisagens naturais do Cerrado têm sido escassas, e se as taxas de desmatamento continuar elevadas prevê-se que o bioma poderá desaparecer a partir de 2030 (Machado,et al., 2004).
Até o momento, o Cerrado já perdeu cerca de 46% de sua vegetação nativa, principalmente devido às atividades agrícolas e pecuárias (Brasil, 2013), e apenas 19,8% das paisagens naturais permanecem intactas (Strassburget al., 2017). É importante destacar que a rápida transformação antropogênica do Cerrado pode agravar a desigualdade social e acarretar custos ambientais significativos, como a fragmentação das paisagens, perda de biodiversidade, invasão de espécies exóticas, poluição hídrica, degradação do solo e uso excessivo de agrotóxicos (Klink; Moreira, 2002).
Assim, observa-se que destruição do bioma Cerrado é impulsionada por diversos fatores, entre os quais se destacam a expansão da agricultura mecanizada e da pecuária, sendo essas atividades são responsáveis pelo desmatamento de vastas áreas para o cultivo de soja, milho e algodão, bem como para a criação de gado bovino. Além disso, a urbanização crescente contribui para a degradação ambiental ao substituir áreas naturais por infraestrutura urbana.
A falta de políticas efetivas de preservação e conservação agrava a situação, resultando em fragmentação de habitats, perda de biodiversidade, invasão de espécies exóticas, poluição da água e degradação do solo, somados ao uso excessivo de agrotóxicos. Esse conjunto de fatores tem levado à perda significativa da cobertura vegetal nativa e à ameaça de desaparecimento do Cerrado se as taxas de desmatamento não forem reduzidas.
Os incêndios representam outra causa significativa de destruição do bioma Cerrado. Essas queimadas, muitas vezes provocadas intencionalmente para a renovação de pastagens e a preparação de áreas para cultivo, resultam em danos extensivos à vegetação nativa e aos habitats da fauna local. Além de promoverem a perda direta de biodiversidade, os incêndios contribuem para a fragmentação das paisagens, dificultando a sobrevivência e a migração de espécies.
Os incêndios recorrentes também comprometem a regeneração natural do Cerrado, alterando sua composição florística e favorecendo a invasão de espécies exóticas, que podem se tornar dominantes. Combinados aos impactos das atividades agrícolas e pecuárias, os incêndios exacerbam a degradação do solo e a poluição dos corpos hídricos, amplificando os desafios ambientais e sociais na região.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)indicam a ocorrência de 4.575 focos de incêndio no Cerrado, cerca de 26% do total nacional para o período (INPE, 2024). Observa-se que a cada ano aumenta o número de focos de incêndios no Cerrado e suas consequências a este bioma. Dessa forma, este texto busca discutir a prevenção e combate aos incêndios no bioma Cerrado, a partir de uma discussão teórica pautada em autores como Kirchhhoff, (1992) Batista (1995), Coutinho (2000), Oliveira et al., (2023), entre outros.
A discussão da temática ao longo do texto é apresenta tópicos, sendo o primeiro a Introdução onde se realiza uma contextualização da temática, em sequência se apresenta o tópico “Incêndios No bioma Cerrado” que apresenta uma discussão conceitual sobre incêndios e queimadas, além de aspectos da legislação. O terceiro tópico recebeu o título “Cerrado em chamas: alguns dados dos últimos anos” e aborda o aumento nos focos de incêndios nos últimos anos. O quarto tópico discute aspectos do combate e da prevenção de incêndios sendo intitulado “Prevenção e combate de incêndio no Cerrado”. Por fim, apresentam-se as considerações finais onde são tecidas reflexões sobre a temática.
2. INCÊNDIOS NO BIOMA CERRADO
Os incêndios florestais representam uma grande preocupação, pois se de um lado o fogo desempenha um importante papel na manutenção de alguns ecossistemas naturais e artificiais a sua ocorrência de forma descontrolada pode representar uma fonte de perturbação permanente, acarretando perdas e danos materiais (Parizotto, 2006).
Já as queimadas, de acordo com Silva (1998), representam a aplicação controlada de fogo na vegetação natural ou plantada sob determinadas condições ambientais que permitam ao fogo manter-se confinado em uma determinada área e ao mesmo tempo produzir uma intensidade de calor e velocidade de espalhamento desejáveis aos objetivos de manejo. Quando essa queimada torna-se incontrolável já é caracterizada como incêndio.
Observa-se que utilizar o fogo na preparação do solo e renovação de pastagens, muitas vezes incendiando áreas de grande extensão sempre foi uma prática do homem, mas que causa prejuízos a vegetação e ao solo, como discute Victorino (2000, p.93) “a queima de vegetação é uma prática que ocorre desde os tempos da Idade Média e é considerada a causadora de perdas e prejuízos difíceis de serem calculados. Solo queimado é o começo do deserto”.
No Brasil os órgãos licenciadores permitem a prática das queimadas desde que ela seja realizada de forma adequada e segura em espaço que não comprometa áreas de interesse ambiental. Segundo o decreto 2.661, de 8 de julho de 1998:
Art. 2º – É permitido o emprego do fogo em práticas agropastoris e florestais, mediante Queima Controlada. Parágrafo único. Considera-se Queima Controlada o emprego do fogo como fator de produção e manejo em atividades agropastoris ou florestais, e para fins de pesquisa científica e tecnológica, em áreas com limites físicos previamente definidos.
Art. 3º – O emprego do fogo mediante Queima Controlada depende de prévia autorização, a ser obtida pelo interessado junto ao órgão do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, com atuação na área onde se realizará a operação […]
Art. 4º – Previamente à operação de emprego do fogo, o interessado na obtenção de autorização para Queima Controlada deverá:
I – definir as técnicas, os equipamentos e a mão-de-obra a serem utilizados;
II – fazer o reconhecimento da área e avaliar o material a ser queimado;
III – promover o enleiramento dos resíduos de vegetação, de forma a limitar a ação do fogo;
IV – preparar aceiros de no mínimo três metros de largura, ampliando esta faixa quando as condições ambientais, topográficas, climáticas e o material combustível a determinarem;
V – providenciar pessoal treinado para atuar no local da operação, com equipamentos apropriados ao redor da área, e evitar propagação do fogo fora dos limites estabelecidos;
VI – comunicar formalmente aos confrontantes a intenção de realizar a Queima Controlada, com o esclarecimento de que, oportunamente, e com a antecedência necessária, a operação será confirmada com a indicação da data, hora do início e do local onde será realizada a queima;
VII – prever a realização da queima em dia e horário apropriados, evitando-se os períodos de temperatura mais elevadas e respeitando-se as condições dos ventos predominantes no momento da operação:
VIII – providenciar o oportuno acompanhamento de toda a operação de queima, até sua extinção, com vistas à adoção de medidas adequadas de contenção do fogo na área definida para o emprego do fogo.
§ 1º – O aceiro de que trata o inciso IV deste artigo deverá ter sua largura duplicada quando se destinar à proteção de áreas de florestas e de vegetação natural, de preservação permanente, de reserva legal, aquelas especialmente protegidas em ato do poder público e de imóveis confrontantes pertencentes a terceiros.
§ 2º – Os procedimentos de que tratam os incisos deste artigo devem ser adequados às peculiaridades de cada queima a se realizar, sendo imprescindíveis aqueles necessários à segurança da operação, sem prejuízo da adoção de outras medidas de caráter preventivo.
Art. 5º – Cumpridos os requisitos e as exigências previstas no artigo anterior, o interessado no emprego de fogo deverá requerer, por meio da comunicação de Queima Controlada, junto ao órgão competente do SISNAMA, a emissão de Autorização de Queima Controlada (Brasil, 1988, p. 1-3).
E ainda
Art. l6 – O emprego de fogo, como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar em áreas passíveis de mecanização da colheita, será eliminado de forma gradativa, não podendo a redução ser inferior a um quarto da área mecanizável de cada unidade agroindustrial, a cada período de cinco anos, contados da data de publicação deste Decreto. Art. 17 – A cada cinco anos, contados da data de publicação deste Decreto, será realizada pelos órgãos competentes, avaliação das consequências sócio-econômicas decorrentes da proibição do emprego do fogo para promover os ajustes necessários nas medidas impostas (Brasil, 1988, p. 1-3).
A legislação que permite o emprego do fogo em práticas agropastoris e florestais mediante Queima Controlada reflete uma tentativa de balancear a necessidade de certas atividades econômicas com a proteção ambiental. No entanto, uma análise cuidadosa dos artigos 2º a 5º revela tanto pontos positivos quanto desafios práticos na sua implementação.
A regulamentação da Queima Controlada, com requisitos detalhados para autorização e execução, demonstra um esforço para mitigar os riscos associados ao uso do fogo. A necessidade de uma autorização prévia do órgão competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) é um mecanismo importante para assegurar que a prática seja realizada de forma responsável. As especificações sobre técnicas, equipamentos, reconhecimento da área, enleiramento dos resíduos, preparação de aceiros, treinamento de pessoal e comunicação aos vizinhos refletem uma abordagem compreensiva para prevenir a propagação descontrolada do fogo.
Alguns desafios e reflexões com relação a legislação apontam para a complexidade e burocracia, sendo o processo de obtenção de autorização envolve múltiplos passos detalhados, o que pode ser visto como uma barreira burocrática para pequenos agricultores e produtores rurais. A complexidade e o custo potencial desses requisitos podem desestimular a adesão completa ou incentivar a realização de queimadas ilegais, sem a devida autorização e controle.
A eficácia desta legislação depende fortemente da capacidade de fiscalização dos órgãos ambientais. No Brasil, a fiscalização ambiental enfrenta frequentemente desafios como falta de recursos, pessoal e infraestrutura. Sem uma fiscalização adequada, mesmo com uma legislação bem estruturada, a prática ilegal e descontrolada de queimadas pode continuar a ocorrer.
A legislação pressupõe que os interessados na Queima Controlada estão cientes das técnicas apropriadas e possuem os recursos necessários para cumprir os requisitos.
É crucial que haja programas de educação e capacitação para garantir que todos os envolvidos compreendam e possam efetivamente aplicar as práticas recomendadas. As diretrizes sobre condições climáticas, ventos predominantes e horários apropriados para a queima indicam uma preocupação com a segurança e a eficácia do controle do fogo. No entanto, as condições ambientais são dinâmicas e podem mudar rapidamente, o que exige um monitoramento contínuo e a capacidade de adiar ou ajustar as operações de queima conforme necessário.
Embora a Queima Controlada seja uma prática tradicional e, em alguns casos, necessária, seu impacto ambiental não pode ser subestimado. Mesmo que realizada de forma controlada, as queimadas contribuem para a emissão de gases de efeito estufa e podem afetar a biodiversidade local. É importante que a legislação esteja alinhada com políticas mais amplas de sustentabilidade e conservação ambiental.
Nesse contexto, é preciso conhecer os tipos e as causas dos incêndios e queimadas em busca de ações preventivas. De acordo com Kirchhhoff, (1992, p.35) “os principais tipos de queimadas no Brasil são: pequenas queimadas da beira de estradas; queimadas de palha de cana de açúcar; queimadas no cerrado e queimadas em desmatamentos florestais”.
Existe uma diversidade de incêndios, sendo os florestais classificados em três tipos principais: incêndios de superfície, incêndios de copa e incêndios subterrâneos. Os incêndios de superfície são os mais comuns e envolvem a queima de matéria orgânica que está na superfície do solo, como folhas secas, galhos e grama. Esses incêndios tendem a se espalhar rapidamente e podem ser relativamente fáceis de controlar, desde que sejam detectados a tempo (Coutinho, 2000).
No entanto, quando se encontram em áreas com alta densidade de material combustível, podem se tornar intensos e causar danos significativos ao ecossistema. Os incêndios de copa, por outro lado, são mais severos e envolvem a queima das copas das árvores, saltando de uma árvore para outra. Este tipo de incêndio é particularmente devastador, pois pode se espalhar rapidamente em florestas densas, causando a destruição de grandes áreas de vegetação e afetando gravemente a fauna local (Coutinho, 2000).
De acordo com Coutinho (1990) os incêndios subterrâneos, também conhecidos como incêndios de turfa, queimam a matéria orgânica acumulada no solo e podem ser extremamente difíceis de detectar e extinguir. Eles podem durar semanas, meses ou até anos, dependendo das condições climáticas e da quantidade de material combustível disponível no solo. Esses incêndios são particularmente perigosos porque podem reemergir como incêndios de superfície e de copa, complicando os esforços de combate ao fogo.
Além disso, liberam grandes quantidades de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa, contribuindo para as mudanças climáticas. Cada tipo de incêndio requer estratégias específicas de manejo e combate, e a eficácia na resposta a esses eventos depende de uma compreensão profunda das condições ambientais e das características do material combustível presente na área afetada (Coutinho, 2000).
Observa-se pelas discussões realizadas que são diversos os tipos de incêndios, suas causas e consequências, sendo necessárias considerá-las no momento de seu combate. O bioma Cerra é um dos que mais sofre com os incêndios, sendo que no próximo tópico vamos discutir alguns dados dos últimos anos desse bioma.
3. CERRADO EM CHAMAS: ALGUNS DADOS DOS ÚLTIMOS ANOS
Conforme discute Kirchhhoff (1992, p. 29) “as queimadas no cerrado tornaram se sistemáticas e cada vez de maiores porções à medida que a região foi sendo ocupada pelo agricultor”. Na verdade, no cerrado, a estruturação fundiária baseada em grandes propriedades abriu espaço ao desmatamento, sendo que a prática das queimadas, por não representar custos, tem sido a mais usada. Sem fiscalização eficiente, o fogo descontrolado atinge outros complexos vegetacionais, propagando-se por vários hectares.
Nos dias atuais, a maioria das queimadas no Cerrado é causada pelo homem. Entre 1985 e 2023, cerca de 199,1 milhões de hectares foram queimados pelo menos uma vez no Brasil, de acordo com a mais recente Coleção do Mapa Biomas Fogo, representando quase um quarto (23%) do território nacional. Desse total, mais de dois terços (68,4%) consistiam em vegetação nativa, enquanto aproximadamente um terço (31,6%) ocorria em áreas antropizadas, como pastagens e terras agrícolas. Quase metade (46%) da área queimada se concentra em três estados: Mato Grosso, Pará e Maranhão, e 60% das queimadas ocorreram em propriedades privadas. Anualmente, uma média de 18,3 milhões de hectares, ou 2,2% do país, é afetada pelo fogo (MAPBIOMAS, 2024).
A estação seca, de julho a outubro, concentra 79% das queimadas no Brasil, com setembro representando um terço do total (33%). Os dados do MapBiomas Fogo revelam que cerca de 65% da área afetada pelo fogo foi queimada mais de uma vez em 39 anos, com o Cerrado sendo o bioma mais afetado por queimadas recorrentes. Esses padrões históricos permitem ao poder público identificar tendências, áreas de maior risco e implementar ações mais eficientes de combate às queimadas (MapBiomas, 2024).
Cerrado e Amazônia, juntos, representaram cerca de 86% da área queimada pelo menos uma vez no Brasil nesse período. No Cerrado, 88,5 milhões de hectares foram queimados, correspondendo a 44% do total nacional, enquanto na Amazônia, 82,7 milhões de hectares foram afetados, representando 42% do total. Apesar dos números absolutos semelhantes, os biomas têm tamanhos diferentes, o que significa que no Cerrado a área queimada equivale a 44% de seu território, enquanto na Amazônia esse percentual é de 19,6%(MapBiomas, 2024).
As queimadas no Cerrado têm consequências profundas e abrangentes que afetam tanto o ambiente natural quanto as comunidades humanas. Ambientalmente, esses incêndios levam à perda de biodiversidade única do bioma, que é rico em espécies endêmicas e adaptadas às condições específicas de savana(MapBiomas, 2024).
A destruição da vegetação nativa também compromete serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação do ciclo da água e do carbono, exacerbando os impactos das mudanças climáticas. Além disso, as queimadas contribuem significativamente para a emissão de gases de efeito estufa, intensificando ainda mais os problemas ambientais globais. Socialmente, as comunidades locais enfrentam riscos à saúde devido à poluição do ar decorrente da fumaça, além de perdas econômicas, especialmente para aqueles que dependem diretamente dos recursos naturais do Cerrado para subsistência.
Portanto, mitigar os efeitos das queimadas no Cerrado requer estratégias integradas que combinem conservação ambiental, manejo sustentável do uso da terra e políticas eficazes de prevenção e combate ao fogo. Nesse contexto, no próximo tópico discutem-se aspectos da prevenção e combate a incêndios no bioma Cerrado.
4. PREVENÇÃO E COMBATE DE INCÊNDIO NO CERRADO
De acordo com Batista (1995), o comportamento do fogo resulta da interação entre o clima, as condições do combustível, a topografia, a técnica de queima e a forma de ignição. Medir o comportamento do fogo é útil para comparar diferentes queimadas, planejar a supressão do fogo e estimar seus efeitos. Além disso, diversos autores têm utilizado termos relacionados ao comportamento do fogo para descrever as condições das queimadas controladas em florestas. Para entender a propagação dos incêndios, é fundamental observar o comportamento do fogo, definido pela maneira como o combustível é inflamado, como as chamas se desenvolvem e como os incêndios no Cerrado se propagam e manifestam outros fenômenos.
Segundo Soares (1985), um incêndio florestal de superfície geralmente começa com um pequeno foco, como um fósforo aceso, uma ponta de cigarro, uma fagulha ou uma pequena fogueira. Inicialmente, ele tende a se propagar em todas as direções, formando uma área aproximadamente circular. No entanto, no segundo estágio, a forma do incêndio é alterada pela ação do vento e pela topografia do terreno.
Nesse contexto, observa-se que a prevenção e o combate de incêndios no Cerrado são fundamentais dadas as suas características únicas e a intensidade das queimadas na região. Estratégias eficazes devem abranger tanto medidas preventivas quanto a capacidade de resposta rápida e coordenada. Em termos preventivos, é crucial investir em educação ambiental e conscientização das comunidades locais e dos usuários da terra sobre práticas seguras de manejo do fogo, promovendo o uso controlado e legal da queima. Além disso, o fortalecimento da fiscalização e o monitoramento por meio de tecnologias de detecção remota são essenciais para identificar e responder rapidamente aos focos de incêndio antes que se propaguem (Parizotto, 2006).
No combate aos incêndios, é necessário que haja uma estrutura robusta de resposta emergencial, com equipes treinadas e equipamentos adequados disponíveis para intervenção imediata. A coordenação entre diferentes órgãos governamentais, como bombeiros, defesa civil e órgãos ambientais, é crucial para garantir uma resposta eficiente e rápida. Além disso, parcerias com organizações não governamentais e a sociedade civil podem ampliar os recursos disponíveis e fortalecer as capacidades locais de enfrentamento às queimadas(Parizotto, 2006).
A prevenção e o combate de incêndios no Cerrado exigem uma abordagem integrada que combine regulamentação efetiva, monitoramento contínuo, capacitação e mobilização comunitária. Somente com esforços coordenados e recursos adequados será possível reduzir os impactos devastadores das queimadas, proteger a biodiversidade única do bioma e garantir a segurança das comunidades que dependem diretamente desses ecossistemas para seu sustento e qualidade de vida.
Na busca pela prevenção e combate de incêndios a tecnologia pode ser uma grande aliada, portanto, destaca-se um sistema 1desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em colaboração com pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é destacado por ser o único do mundo capaz de prever a propagação de incêndios em tempo quase real. Utilizando imagens de sensoriamento remoto e dados de clima e relevo, o sistema simula a disseminação do fogo por todo o bioma do Cerrado, alcançando uma precisão de até 89% (Oliveira et al., 2023).
Segundo Oliveira et al., (2023) o sistema realiza simulações tridiárias automatizadas, considerando variáveis como fontes de ignição, quantidade de material combustível, umidade da vegetação e probabilidade de queima. Esta iniciativa representa um avanço significativo, proporcionando previsões automatizadas em tempo praticamente real e imagens de alta resolução para nove Unidades de Conservação (UCs), uma resolução de 0,04 hectare, e 25 hectares para a maior parte do bioma(Oliveira et al., 2023).
Outro destaque em busca do combate e prevenção de incêndios foi o Projeto de Lei 11276/18 estabelece uma política nacional para reduzir a ocorrência de incêndios florestais e os danos causados pelas queimadas, prevista no Código Florestal desde 2012 (Brasil, 2018).
A Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PNMIF) prevê uma série de medidas estruturantes para substituir gradativamente o uso do fogo no meio rural, promover a utilização do fogo de forma controlada, principalmente entre comunidades tradicionais e indígenas, e aumentar a capacidade de enfrentamento aos incêndios florestais (Agência Câmara de Notícias, 2019).
O projeto cria ainda o Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo, a quem caberá articular, propor medidas e mecanismos, monitorar e estabelecer as diretrizes para execução da política. O comitê deverá ter no mínimo um terço da sua composição formada por representantes da sociedade civil (Brasil, 2018). Destaca-se que o projeto foi aprovado no ano de 2021.
A prevenção e o combate de incêndios no Cerrado demandam uma abordagem multifacetada e coordenada, integrando tecnologia avançada, regulamentação eficaz e engajamento comunitário. Além disso, é essencial investir em educação ambiental para promover práticas sustentáveis de manejo do fogo entre as comunidades locais e usuários da terra. Fortalecer a capacidade de resposta emergencial, com equipes treinadas e equipamentos adequados, também é fundamental para garantir uma intervenção rápida e eficaz quando ocorrem incêndios. Somente por meio dessas medidas integradas será possível proteger efetivamente a rica biodiversidade do Cerrado e assegurar a sustentabilidade desses importantes ecossistemas para as gerações futuras.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo buscou discutir a prevenção e combate a incêndio no bioma Cerrado, sendo este de grande relevância para a biodiversidade brasileira. As discussões realizadas demonstraram que além de sua riqueza biológica, o Cerrado é fundamental para a segurança hídrica do Brasil, pois abriga as nascentes de importantes rios que alimentam várias bacias hidrográficas do país. Economicamente, o bioma contribui significativamente para a agricultura nacional, sendo uma importante área de produção de grãos e pecuária. No entanto, o crescimento desordenado da agricultura e a expansão urbana têm exercido uma pressão crescente sobre o Cerrado, resultando em taxas alarmantes de desmatamento e degradação.
Os incêndios foram discutidos ao longo do texto como uma das grandes preocupações atuais com relação a degradação do bioma Cerrado, devido ao aumento nos focos nos últimos anos, sendo a principal causa a ação homem e as consequências diversas, como degradação do solo, destruição da vegetação nativa também compromete serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação do ciclo da água e do carbono, exacerbando os impactos das mudanças climática, riscos à saúde devido à poluição do ar decorrente da fumaça, além de perdas econômicas, especialmente para aqueles que dependem diretamente dos recursos naturais do Cerrado para subsistência.
São graves as consequências para o homem e para a natureza dos incêndios neste bioma.Portanto, preservar o Cerrado é indispensável para garantir a manutenção não apenas de sua biodiversidade natural, mas também de sistemas econômicos importante Prevenir e combater incêndios no Cerrado requer uma estratégia integrada que englobe regulamentação eficaz, monitoramento constante, treinamento e engajamento da comunidade. Apenas através de esforços coordenados e suficientes recursos será viável mitigar os severos impactos das queimadas, preservar a singular biodiversidade do bioma e assegurar a segurança das comunidades que dependem diretamente desses ecossistemas para sua subsistência e bem-estar. Assim, observa-se que o combate e a prevenção de incêndios passa pela legislação e também pela ação do homem.
1Mais informações sobre o sistema desenvolvido podem ser encontradas no site: https://agencia.fapesp.br/novo-sistema-e-capaz-de-prever-incendios-no-cerrado-em-tempo-praticamente real/41868
REFERÊNCIAS
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