REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202504130955
Priscylla Mayara Gomes de Alencar1
RESUMO
A desnutrição hospitalar ainda é um desafio significativo nos serviços de saúde, com impacto direto nos desfechos clínicos e econômicos. A triagem nutricional precoce e a intervenção com suplementação oral especializada emergem como estratégias eficazes para prevenir a deterioração do estado nutricional dos pacientes. Este estudo transversal analisou 897 pacientes internados em um hospital privado acreditado na cidade de João Pessoa (PB), entre abril e maio de 2023. Os resultados mostraram que 53% dos pacientes apresentavam risco nutricional, sendo beneficiados pela introdução precoce de suplementos orais, com uma prevalência final de desnutrição de apenas 2% na instituição. Os achados reforçam a importância da triagem nutricional nas primeiras 24 horas de internação como ferramenta de apoio à decisão clínica e melhoria dos desfechos dos pacientes hospitalizados.
Palavras-chave: Triagem nutricional; Suplementação oral; Desnutrição hospitalar; Terapia nutricional; Enfermagem.
INTRODUÇÃO
A desnutrição hospitalar é reconhecida como um problema de saúde pública global, afetando milhões de pacientes hospitalizados todos os anos e impactando diretamente os desfechos clínicos e os custos da assistência. Estudos indicam que sua prevalência pode variar entre 20% e 60%, dependendo do perfil populacional e da metodologia de avaliação utilizada (COSTA et al., 2020; WAITZBERG et al., 2011). No Brasil, levantamentos recentes mostram que até 48,1% dos pacientes internados em hospitais públicos e privados apresentam algum grau de desnutrição (CRUZ et al., 2022).
A condição de desnutrição em ambiente hospitalar está associada ao comprometimento da resposta imunológica, maior suscetibilidade a infecções, atraso na cicatrização de feridas, perda de massa magra, aumento do tempo de hospitalização, maior taxa de reinternações, além de elevação da morbimortalidade e dos custos hospitalares (SORIANO et al., 2019; CESPEN, 2021).
Diante desse cenário, a triagem nutricional precoce, idealmente realizada nas primeiras 24 horas após a internação, constitui uma das principais estratégias de prevenção da desnutrição hospitalar, sendo preconizada por diretrizes nacionais e internacionais. A Nutrition Risk Screening 2002 (NRS-2002), recomendada pela Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN), é uma ferramenta validada e amplamente utilizada para identificação de pacientes em risco nutricional (KONDURU et al., 2019; CESPEN, 2021).
Pacientes identificados em risco nutricional por meio da triagem devem ser rapidamente encaminhados para avaliação nutricional completa e intervenção apropriada. Uma das principais estratégias terapêuticas, quando há possibilidade de ingestão oral preservada, é o uso da suplementação nutricional oral especializada, que tem se mostrado eficaz na recuperação ou manutenção do estado nutricional, contribuindo para a redução de complicações, da permanência hospitalar e da mortalidade (GOMES et al., 2020; ARAÚJO et al., 2020).
Em instituições hospitalares acreditadas, como as certificadas pela Joint Commission International (JCI) ou Organização Nacional de Acreditação (ONA), a triagem nutricional precoce e a implementação de protocolos baseados em evidências fazem parte de um modelo assistencial voltado para a segurança do paciente e a qualidade do cuidado. Assim, a integração da triagem com a prescrição de suplementação nutricional, quando indicada, pode representar uma intervenção de grande impacto clínico.
Objetivo: Avaliar os desfechos clínicos de pacientes internados em um hospital privado acreditado que iniciaram o uso de suplemento oral especializado a partir da triagem nutricional realizada precocemente na admissão hospitalar.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo, realizado com pacientes internados em um hospital privado acreditado localizado em João Pessoa, Paraíba. A coleta de dados abrangeu o período de abril a maio de 2023, totalizando uma amostra de 897 pacientes. Foram incluídos na amostra os pacientes admitidos no período de estudo que passaram por triagem nutricional realizada nas primeiras 24 horas após a admissão hospitalar. A ferramenta utilizada para a identificação de risco nutricional foi o Nutrition Risk Screening 2002 (NRS-2002), instrumento validado e recomendado pelas diretrizes da Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN).
Foram excluídos os pacientes com tempo de internação inferior a 24 horas, menores de 18 anos e aqueles que, após a avaliação nutricional, apresentaram indicação de terapia nutricional enteral ou parenteral, por não se enquadrarem no perfil de uso exclusivo de suplemento oral.
Os dados foram coletados por meio da análise de prontuários eletrônicos e registros da equipe de nutrição clínica do hospital. As variáveis analisadas incluíram tempo de internação, evolução clínica, tipo de suplemento utilizado e resposta à intervenção nutricional. Os dados foram organizados em planilha eletrônica e analisados de forma descritiva.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Entre os 897 pacientes avaliados, 476 (53%) apresentaram risco nutricional identificado por meio da triagem nutricional com o instrumento NRS-2002 e iniciaram terapia nutricional com suplemento nutricional oral, em quantidade variando de uma a três unidades por dia. A orientação individualizada, fornecida pela equipe de nutrição clínica a pacientes e acompanhantes, foi um fator determinante para a adesão ao uso dos suplementos, conforme já descrito por estudos que destacam a importância da educação nutricional para o sucesso das intervenções dietoterápicas (GOMES et al., 2020).
A prevalência de desnutrição observada entre os pacientes em uso de suplementação oral especializada foi de 6% (n=31), representando apenas 2% do total de pacientes internados na instituição no período avaliado. Tais achados reforçam a eficácia da identificação precoce e da intervenção nutricional com suplementos orais na prevenção da desnutrição hospitalar. De acordo com a ESPEN, o uso precoce da suplementação nutricional oral em pacientes em risco nutricional reduz a perda de peso, melhora o estado funcional e contribui para a diminuição do tempo de internação (CESPEN, 2021).
Com relação ao perfil epidemiológico da amostra, observou-se que 67% dos pacientes apresentavam idade superior a 60 anos, faixa etária considerada de risco para desnutrição em decorrência de fatores fisiológicos, patológicos e sociais que comprometem a ingestão e absorção de nutrientes (WAITZBERG et al., 2011). Além disso, 58% dos pacientes eram do gênero feminino. As principais causas de internação foram doenças infecciosas (42%) e neurológicas (40%), ambas frequentemente associadas à perda de apetite, alterações na deglutição e aumento das demandas metabólicas, o que eleva o risco nutricional.
No que se refere ao tempo de internação, 79% dos pacientes permaneceram hospitalizados por menos de 10 dias, 20% entre 10 e 30 dias e apenas 1% ultrapassou 30 dias. Esses dados indicam que a introdução precoce da suplementação oral pode ter contribuído para uma recuperação mais rápida e redução do tempo de internação, como já relatado na literatura (SORIANO et al., 2019).
Quanto ao desfecho clínico dos pacientes em uso de terapia nutricional oral, 94% receberam alta hospitalar, enquanto 6% evoluíram para óbito. Esse achado está de acordo com estudos que demonstram a associação entre suporte nutricional adequado e melhores prognósticos clínicos, incluindo redução de complicações e aumento das taxas de alta hospitalar (ARAÚJO et al., 2020).
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos neste estudo demonstram que a implementação de condutas assistenciais bem definidas, baseadas em diretrizes e protocolos institucionais, contribuiu diretamente para a baixa prevalência de desnutrição hospitalar observada no período analisado. A realização da triagem nutricional nas primeiras 24 horas de internação, aliada ao início oportuno da suplementação nutricional oral em pacientes com risco nutricional, evidenciou-se como uma estratégia eficaz para a prevenção de complicações nutricionais e a promoção de melhores desfechos clínicos.
Esses achados estão em consonância com a literatura científica, que reforça que a detecção precoce do risco nutricional e a intervenção nutricional adequada são determinantes na melhora da evolução clínica e na redução do tempo de internação, da morbimortalidade e dos custos hospitalares (WAITZBERG et al., 2011; ESPEN, 2021). Além disso, a orientação nutricional realizada de forma sistematizada favoreceu a adesão ao tratamento, elemento essencial para a efetividade das intervenções dietoterápicas (GOMES et al., 2020).
Portanto, este estudo destaca a importância da atuação integrada da equipe de nutrição clínica no contexto hospitalar, e sugere que a incorporação de práticas baseadas em evidências, como a triagem nutricional precoce e o uso racional da suplementação oral, deve ser uma prioridade nas instituições de saúde que buscam excelência assistencial e segurança do paciente.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, J. C. C. et al. Impacto da suplementação nutricional oral em pacientes hospitalizados com risco nutricional. Revista de Nutrição Clínica e Metabólica, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 112–119, 2020.
CESPEN – European Society for Clinical Nutrition and Metabolism. ESPEN guideline on clinical nutrition in hospitalised patients. Clinical Nutrition, [s.l.], v. 40, p. 1-32, 2021.
COSTA, M. M. et al. Desnutrição hospitalar: prevalência e fatores associados em hospitais públicos e privados do Brasil. Revista Brasileira de Saúde Hospitalar, Brasília, v. 12, n. 2, p. 55–62, 2020.
CRUZ, M. D. et al. Estado nutricional de pacientes hospitalizados e sua relação com o tempo de internação e evolução clínica. Jornal Brasileiro de Nutrição Clínica, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 23–30, 2022.
GOMES, F. et al. Importance of early nutritional intervention in hospitalized patients: adherence, barriers, and outcomes. Journal of Clinical Nutrition and Metabolism, [s.l.], v. 9, p. 225–232, 2020.
KONDURU, C. et al. Nutrition Risk Screening 2002: effectiveness and applicability in clinical practice. Clinical Nutrition ESPEN, [s.l.], v. 32, p. 58–63, 2019.
SORIANO, F. G. et al. Efeitos da intervenção nutricional precoce em pacientes hospitalizados: uma revisão sistemática. Arquivos Brasileiros de Nutrição, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 45–52, 2019.
WAITZBERG, D. L. et al. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 5. ed. São Paulo: Atheneu, 2011.
1Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Graduanda em Nutrição. Pós-graduada em Enfermagem Dermatológica. MBA em Gestão em Saúde. Atua na área de Terapia Nutricional como Enfermeira integrante da Equipe Multiprofissional de Terapia Nutricional (EMTN), , com experiência na implementação de estratégias para prevenção e tratamento da desnutrição hospitalar.