IMPLICATIONS OF COLLECTIVE BARGAINING IN INDIVIDUAL EMPLOYMENT CONTRACTS – CONFRONTATION WITH LABOR PRINCIPLES
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7470176
Júlio César de Moura Luz¹
Caroline Pacheco Bezerra Luz²
Diego Braga Leal³
RESUMO
As negociações coletivas de trabalho são instrumentos capazes de alterar as cláusulas mantidas nos contratos individuais de trabalho em determinadas situações. Antes da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) as possibilidades de redução de direitos pela via negocial eram restritas e passam a ser possibilidade pacífica, principalmente após a decisão de repercussão geral do STF no ARE 1121633. Objetivou-se, com este trabalho, portanto, analisar a possibilidade das negociações coletivas no Direito brasileiro, com base no art. 7º, XXVI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 e os limites impostos a tais negociações pelos próprios princípios constitucionais, interpretados pela doutrina e jurisprudência. Após o estudo, entendeu-se que a Lei 13467/2017, no que tange à possibilidade de sobreposição do negociado ao legislado, viola princípios constitucionais implícitos e expressos e, por isso, deveria ter sido declarada inconstitucional pelo STF, que mantém tese inconstitucional sobre a matéria.
Palavras-Chave: Direito sindical; patamar civilizatório mínimo; vedação ao retrocesso social; adequação setorial negociada.
ABSTRACT
Collective labor negotiations are instruments capable of altering the clauses maintained in individual employment contracts in certain situations. Before the labor reform (Law nº 13.467/2017) the possibilities of reducing rights through negotiation were restricted and now can happen in an indisputable way, primarily after the decision of general repercussion of the Federal Supreme Court in ARE 1121633. The objective of this work, therefore, was to analyze the possibility of collective bargaining in Brazilian law, based on art. 7, XXVI, of the 1988 Constitution of the Federative Republic of Brazil – CRFB/88 and the limits imposed on such negotiations by the constitutional principles themselves, interpreted by doctrine and jurisprudence. After the study, it was understood that Law 13467/2017, with regard to the possibility of overlapping the negotiated with the legislated, violates implicit and expressed constitutional principles and, for this reason, should have been declared unconstitutional by the Federal Supreme Court, that maintains a decision against the Brazilian constitution in this matter.
KeyWords: union right; minimum civilization level; prohibition of social regression; negotiated sectoral adequacy.
1 INTRODUÇÃO
Os contratos de trabalho são a base das relações empregatícias: neles devem estar presentes as normas que devem reger a execução das atividades laborais. As cláusulas do contrato de trabalho aderem ao serviço, devendo ser observadas pelas partes e não são passíveis de alteração unilateral pelo empregador, salvo hipóteses em que haja consentimento do empregado e que a alteração não acarrete prejuízos diretos ou indiretos ao trabalhador.
Dito isto, aponta-se a importância do estudo a esta temática relativa aos contratos de trabalho: o individual e os coletivos.
Os contratos de trabalho coletivos, assim chamados, dizem respeito às negociações coletivas de trabalho.
Tem-se, com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (ARE 1121633) a consideração de uma relevante consolidação de um entendimento antes controvertido: os contratos de trabalho coletivo podem afastar ou limitar direitos trabalhistas que não sejam indisponíveis.
Sabe-se, nesse contexto, à luz do Direito Coletivo do Trabalho, que as partes envolvidas na relação de trabalho estariam, em tese, em condição de igualdade para transacionar, vez que os trabalhadores, hipossuficientes por natureza, seriam representados por um sindicato em que seus membros gozariam de prerrogativas funcionais específicas, como a estabilidade temporária no emprego.
Nesta senda, o presente estudo busca analisar a possibilidade das negociações coletivas no Direito brasileiro, com base no art. 7º, XXVI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 e os limites impostos a tais negociações pelos próprios princípios constitucionais, interpretados pela doutrina e jurisprudência.
Torna-se imperativa a discussão da aludida temática diante da decisão, com tese de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal no ARE 1121633, que versou a matéria.
Espera-se que o presente estudo sirva como base para análise do tema, que deve ser central nas discussões entre os estudiosos do direito laboral.
Entende-se que deveriam ser arbitrados limites aos contratos coletivos de trabalho a partir da análise dos princípios da adequação setorial negociada, da vedação ao retrocesso social e o respeito ao patamar civilizatório mínimo proposto pelo art. 7º da CRFB/88, analisados sistematicamente em conjunto à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, III e IV, CRFB/88).
Para este trabalho, tomou-se por base a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a legislação infraconstitucional correlata, dando-se ênfase ao modelo hermenêutico de interpretação lógica, sistemática e teleológica dos referidos dispositivos legais, assim como a ponderação entre princípios constitucionais implícitos e expressos.
2 DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
O termo relação de trabalho é utilizado como gênero, pois abrange os mais diversos tipos de relação entre trabalhadores e tomadores de serviço. As relações e emprego são aquelas em que há subordinação jurídica, passível de proteção pela CLT. Os contratos de trabalho existem para regulamentar as relações de emprego (CORREIA, Henrique, 2021).
O contrato individual de trabalho, por sua vez, pode ser definido como contrato bilateral, consensual, oneroso, intuitu personae ao empregado, de trato sucessivo e comutativo. (FREITAS; DINIZ, 2021).
O contrato é bilateral porque enfrenta interesses de duas partes identificadas: empregado e empregador; consensual porque não há, no direito brasileiro, possibilidade de trabalho forçado: deve haver consenso sobre as cláusulas do contrato entre empregado e empregador; oneroso, tendo em vista a necessidade de remuneração pelos serviços prestados pelo empregado; intuito personae porque deve haver o requisito da pessoalidade do trabalhador, que não pode se fazer substituir por outra pessoa para a prestação do serviço; de trato sucessivo, em regra, pois não há termo temporal para seu encerramento; e comutativo porque fixa obrigações recíprocas entre empregado e empregador.
Por óbvio, os contratos de trabalho devem se subordinar à legislação pátria, posta constitucional e ou infraconstitucional. Isso porque deve haver equilíbrio nas relações trabalhistas, tendo em vista que o empregado é figura hipossuficiente.
Nesse contexto, segundo Freitas e Diniz (2021) destacam que os contratos individuais devem se subordinar aos contratos coletivos de trabalho. Isso porque
3 DOS SINDICATOS E NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
Sindicatos podem ser definidos como entidades associativas e permanentes que representam interesses de trabalhadores e empregadoras, visando a defesa dos interesses coletivos dos seus representados (CORREIA, 2021).
Os sindicatos são a base do direito coletivo do trabalho. Diferentemente do direito individual do trabalho, no coletivo, devido à figura do sindicato, os trabalhadores põem-se em condições de igualdade para negociar suas condições de trabalho com o empregador.
Como uma das principais formas de atuação dos entes sindicais, Brito Filho (2018) destaca as negociações coletivas. Nesse ínterim, tanto os Acordos Coletivos de Trabalho como as Convenções Coletivas de Trabalho fixam obrigações a serem assumidas no curso do contrato de trabalho.
Brito Filho (2018) destaca a amplitude de funções das negociações coletivas, relatando que as primeiras seriam as funções normativa, obrigacional e compositiva e, as últimas, as funções política, econômica e social.
Como visto, as negociações coletivas impõem aos contratos individuais dos trabalhadores das categorias abrangidas obrigações advindas da composição de interesses entre as categorias profissionais e econômicas.
Ao mesmo tempo, também podem objetivar alterações contratuais que garantam estabilidade social àquela parcela de trabalhadores abrangidos – ou, quando desvirtuadas de sua origem, flexibilizar a legislação sob justificativa de preservar empregos.
Por isso é importante que os sindicatos sejam fortes e, de fato, representativos da categoria profissional, a fim de que o instituto dos contratos coletivos de trabalho não se desvirtue de seu fim lógico, qual seja: o equilíbrio nas relações entre empregados e empregadores, adaptando a prestação laboral às realidades locais e de cada categoria.
4 DECISÃO DO SUPREMO EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL
Com a aprovação da chamada reforma trabalhista (lei Federal nº 13.467/2017), que alterou diversos dispositivos da CLT, o art. 611-A da referida legislação passou a possibilitar que os acordos e as convenções coletivas de trabalho tenham prevalência sobre a legislação trabalhista em relação a diversos temas, conforme destaque:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre
I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
II – banco de horas anual;
III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;
IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;
V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;
VI – regulamento empresarial;
VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
X – modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI – troca do dia de feriado;
XII – enquadramento do grau de insalubridade;
XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
XV – participação nos lucros ou resultados da empresa.
Ocorre que, diante deste assunto, os estudiosos do direito do trabalho passaram a considerar que o artigo violaria as normas constitucionais postas e os princípios trabalhistas vigentes.
De igual maneira, os tribunais passaram a adotar diversos entendimentos distintos em relação ao tema.
Com isso, o STF resolveu, em um julgamento recente (junho de 2022 – ARE 1121633), fixar tese de caráter geral sobre a matéria, tendo decido da seguinte maneira:
São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis. (BRASIL, 2022).
Isso porque há normas de indisponibilidade absoluta, que são as normas constitucionais do art. 7º da CRFB/88 que não permitem a flexibilização, por serem direitos fundamentais de segunda dimensão insertos no texto constitucional e, portanto, cláusula pétrea (CORREIA, Henrique, 2021). Além destas, há, também, as normas que regulamentam interesse público direto, que não podem ser flexibilizadas.
O julgamento recente do STF possibilita que os contratos coletivos de trabalho vinculem os contratos individuais de trabalho de maneira flexível em relação ao texto legal.
Henrique Correia, 2021 aponta críticas à aprovação do negociado sobre o legislado: relativização do princípio da norma mais favorável; princípio da vedação ao retrocesso social; e falta de representatividade dos sindicatos no Brasil.
De fato, tem-se um enfraquecimento progressivo das forças sindicais a partir da reforma trabalhista de 2017, inclusive com redução de recursos financeiros aos sindicatos, que são enfraquecidos e tornam-se mais suscetíveis, desta maneira, ao poder econômico.
Desta maneira, nosso entendimento é de que o julgamento do supremo violou os princípios da própria adequação setorial negociada e da vedação ao retrocesso social, colocando em risco o patamar civilizatório mínimo da pessoa humana do trabalhador.
5 DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA, DA NORMA MAIS FAVORÁVEL E O PATAMAR CIVILIZATÓRIO MÍNIMO
Antes da aprovação a lei federal nº 13.467/2017, era pacífico que o limite às negociações coletivas, de acordo com Delgado (2016), encontrava-se delimitado na seara do princípio da adequação setorial negociada, com o estabelecimento de critérios de harmonização entre as normas advindas de negociação coletiva e as normas provenientes da legislação.
Como destacado, o entendimento do STF não deixou de considerar o princípio da adequação setorial negociada. Todavia, a interpretação conferida pelo Excelso Tribunal, deixou de levar em conta a raiz do princípio, conforme lição de Delgado.
Delgado (2016), destaca que, com base nesse princípio, as convenções e os acordos coletivos, construídos de forma autônoma, para incidirem sobre certa categoria, prevalecem sobre a lei, de origem estatal, desde que respeitados alguns critérios.
O primeiro requisito consiste na necessidade de que a norma resultante de negociação coletiva conceda mais benefícios que os previstos em lei. Assim, segue-se a lógica de que o mais benéfico, em regra, é melhor para o empregado, inexistindo afronta ao princípio da indisponibilidade de direitos, o qual é inerente à organização do direito trabalhista.
O segundo critério, de acordo com as lições de Delgado (2016), seria a norma coletiva transacionar apenas direitos trabalhistas de indisponibilidade relativa: a norma, assim, não pode implicar em renúncia de direito de ordem pública. Portanto, não prevaleceria o negociado sobre o legislado no tocante aos direitos absolutamente indisponíveis, direitos estes que não aceitam ser reduzidos em qualquer situação, sob pena de ir contra a dignidade da pessoa humana e a valorização social do trabalho (Art. 1º, III e IV, CRFB/88).
Quanto a este exclusivo ponto, o STF manteve o entendimento de que as negociações coletivas devem continuar sofrendo esta restrição.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu bases sólidas para a produção de normas jurídicas via negociação coletiva, como bem leciona Cairo JR. (2015), sendo um meio para democratizar o Direito do Trabalho, assim objetivando seu escopo máximo, que é buscar a solução do conflito entre capital e o trabalhador.
Deste modo, pela simples interpretação lógica do art. 7º da CRFB/88, de acordo com entendimento de Cairo JR. (2015) percebe-se a existência de flexibilizações expressamente permitidas pela Magna Carta, em virtude de transação, que seriam a redução de salários, a compensação/redução de jornada e, também, a majoração da jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento.
Nesse diapasão, Cairo JR (2015) ainda destaca que é absolutamente inviável a flexibilização, de acordo com o princípio citado, de atos estritos de renúncia e as normas de indisponibilidade absoluta e, conforme Delgado (2016), mais precisamente que afetem o status do patamar civilizatório mínimo do trabalhador.
Sobre o patamar civilizatório mínimo, Bertolin e Tupiassu (2011), asseveram:
Com efeito, a partir da consagração da ideia de que o trabalho não é uma mercadoria e do nascimento dos direitos sociais, evoluindo para a concepção de um “constitucionalismo social”, passou a ser exigida do Estado a proteção necessária à dignidade da pessoa do trabalhador. Para que esta seja respeitada, também há direitos a serem observados, elencados na própria Constituição, em seu artigo 7º, que constituem um patamar mínimo a ser observado, sob pena de afronta à dignidade do trabalhador.
Nessa lógica, interpretando-se as normas constitucionais sistematicamente, o art. 7º da Constituição Federal, aliado aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, integram a noção do patamar civilizatório mínimo. O princípio da adequação setorial negociada surgiria para efetivar este patamar civilizatório mínimo, tornando-se um princípio constitucional implícito.
A esta luz, Delgado (2016), assim o considera: “A Lei Magna da República constitucionalizou também diversos princípios inerentes ao Direito Coletivo do Trabalho, a saber: (…) o da adequação setorial negociada”. (DELGADO, 2011, p. 64-65).
O entendimento adotado pela Suprema Corte brasileira, portanto, reduziu a exigência de manutenção do patamar civilizatório mínimo estritamente às normas de ordem pública contidas no texto constitucional, representando um verdadeiro retrocesso social.
6 DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL
Bonavides (2013) traduz o caráter de essencialidade dos direitos fundamentais e os classifica diante do contexto histórico de seu surgimento e dos objetivos a que se propõem defender. Assim, os direitos fundamentais de primeira dimensão teriam status negativo, em que o Estado deveria intervir o mínimo possível na esfera de liberdade do ser humano.
Os direitos fundamentais de segunda dimensão, por sua vez, seriam prestacionais e sociais, com fim na igualdade. Os de terceira, estariam direcionados à fraternidade, a valores que extrapolam a esfera individual do ser humano. A quarta dimensão de direitos fundamentais estaria ligada a questões de globalização e preservação do pluralismo e democracia, por exemplo; e a quinta, abstratamente, defenderia o direito à paz.
Nessa ótica, de acordo com Bertolin e Tupiassú (2011), os direitos trabalhistas, basilares da ordem constitucional fundada em 1988 e do Estado Democrático de Direito, surgem como direitos prestacionais de segunda dimensão.
Na concepção de Silva Júnior (2010), “os direitos fundamentais de segunda dimensão determinam a proteção à dignidade da pessoa humana, enquanto os de primeira dimensão tinham como preocupação a liberdade em contrapartida ao poder de imperium do Estado”.
Dessa forma, pode-se entrelaçar toda a percepção dos direitos fundamentais sociais à noção de dignidade da pessoa humana, que, de acordo com o art. 1º, III, da CRFB/88, é fundamento da República Federativa do Brasil. Lemos (2015), por sua vez, alerta que os fundamentos expressos na Carta Magna servem como indicação de que estes devem nortear o ordenamento jurídico brasileiro como um todo.
Nesta senda, Lemos (2015) ainda assevera que a flexibilização de normas trabalhistas, quando com a finalidade de reduzir direitos (in pejus), é admitida por meio de negociações coletivas na Constituição de forma excepcional, concluindo que essa possibilidade não pode integrar o âmago do Direito do Trabalho e, menos ainda, os fundamentos da Constituição de 1988, somente podendo existir como ultima ratio em casos concretos em que se estaria em jogo a sobrevivência da própria empresa e dentro das possibilidades expressamente previstas no texto constitucional.
É válido destacar que, ao lado da dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho também figuram como fundamento da República (art. 1º, IV, CRFB/88), fortalecendo a ideia de que os direitos trabalhistas concretizados são instrumentos de valorização do trabalhador enquanto ser humano, e são essenciais para a efetividade do Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, nota do Ministério Público do Trabalho anterior à aprovação da reforma trabalhista (nota técnica nº 02) sugeria a (in) constitucionalidade da referida legislação, levando em conta que sua aprovação teria como único objetivo a possibilidade de flexibilizar a legislação, nos seguintes termos:
Dado que o ordenamento brasileiro já prevê, incontroversamente, a prevalência do negociado sobre a lei sempre que a negociação significar a criação de novo benefício ou a ampliação de benefício já previsto em lei, conclui-se que o único objetivo do PL 6.787/2016 é permitir a exclusão de direitos trabalhistas pela via negocial. (Ministério Público do Trabalho, 2017, p. 6).
Tendo consciência de que os direitos trabalhistas são, efetivamente, direitos fundamentais consagrados pela Constituição da República de 1988 e que a regra, hoje, é que as negociações coletivas só podem trazer ampliação de direitos dos trabalhadores, resta claro que a legislação em vigor possibilita retrocesso social aos direitos dos trabalhadores, não tendo a decisão do STF levado em conta esta constatação.
Tal princípio, conforme Carrilho (2015) deve ser conceituado levando em consideração a seguinte abrangência: “toda e qualquer forma de proteção de direitos fundamentais em face de medidas do poder público as quais tenham por escopo a supressão ou mesmo restrição de direitos fundamentais” (CARRILHO, 2015, p. 282).
Ora! Se os direitos trabalhistas expressos na Lex Mater são direitos fundamentais consagrados e o princípio em referência também tem base constitucional, torna-se inadmissível que lei exarada pelo poder público tenha finalidade a restrição de direitos dos trabalhadores.
Com o tema de repercussão geral que possibilita o negociado sobre o legislado, ressalta-se que o STF vai na contramão de precedentes históricos da própria Corte, como o seguinte:
A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. – O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. – A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados. ” (ARE-639337- Relator (a): Min. CELSO DE MELLO) (grifos acrescidos pelo autor).
Carrilho (2015), ainda destaca a previsão constitucional implícita do referido princípio, que se encontra submerso em princípios expressos, como, por exemplo, o da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica, do valor social do trabalho e da valorização do trabalho humano. Também há que se destacar o princípio do Estado Democrático de Direito, uma vez que Bonavides (2013) leciona que é característica essencial a qualquer constituição democrática a presença de direitos fundamentais.
E é nesse sentido que Carrilho (2015)destaca que, sob a perspectiva da liberdade contratual que, em tese, existiria entre empregado e empregador que se precarizam as relações de trabalho e surge o retrocesso social em matéria de direitos fundamentais.
7 CONCLUSÃO
Diante das premissas apresentadas, é clara a possibilidade e importância do reconhecimento das negociações coletivas de trabalho. Contudo, a flexibilização de direitos trabalhistas pela via das negociações coletivas, sem necessidade de contrapartidas claras, trata-se de retrocesso social.
A preocupação do Estado brasileiro claramente estabelecida na Lex Mater vigente é totalmente humanista, colocando o ser humano e sua dignidade no âmago do ordenamento jurídico, motivo pelo qual seus direitos sociais não podem ser objeto de reduções por liberalidade dos entes classistas, principalmente em um cenário que estes vêm sendo enfraquecidos pelas alterações legislativas vigentes.
Pôde-se notar que a Lei nº 13467/2017, ao possibilitar a sobreposição do negociado sobre o legislado, em especial em seu art. 611-A, violou princípios basilares do Estado Democrático de Direito, que se encontram implicitamente ou, mesmo, de maneira expressa dentro do texto constitucional.
Não por menos, o julgamento do ARE 1121633 com tese de repercussão geral do STF brasileiro merece ser revisto pelo próprio órgão judiciário, tendo em vista que violou os princípios da própria adequação setorial negociada e da vedação ao retrocesso social, colocando em risco o patamar civilizatório mínimo da pessoa humana do trabalhador.
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¹Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí; Especialista em Direito Ambiental pela Faculdade Internacional Signorelli; Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Piauí; Assessor Jurídico no Ministério Público do Trabalho.
²Bacharela em Direito pela Universidade Estadual do Piauí; Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Uninovafapi, Especialista em Docência do Ensino Superior pelo Instituto de Ensino Superior São Judas Tadeu, Especializanda em Direito Do Trabalho e Previdenciário pela Escola Superior da Advocacia do Piauí; Advogada inscrita na OAB/PI.
³Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí.