REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10675460
Matheus Dal Bosco Macari1; Maria Luiza Azambuja Locatelli1; Luiz Felipe Azambuja Locatelli1; Bruna Leticia Matos Amorim1; Alceu Carlos de Souza Júnior1; Marcos Paulo Telles Parrao1; Ana Paula Rodrigues Mello1; Gabriel Vinicius Pichek2
RESUMO:
A Doença de Chagas (DC) é uma condição tropical negligenciada que afeta milhões de pessoas, principalmente em países da América Latina. O aumento de casos em regiões não endêmicas devido à migração populacional e deficiências nas estratégias de triagem é uma preocupação crescente. A cardiomiopatia chagásica crônica (CCC), que afeta cerca de 30-40% dos pacientes, é a manifestação mais prevalente e grave, contribuindo significativamente para morbidade e mortalidade.
A resposta dos sistemas de saúde aos desafios apresentados pela DC é frequentemente negligenciada, resultando em falta de diagnóstico preciso e tratamento oportuno. A distribuição de casos é concentrada principalmente na América Latina, com a forma cardíaca sendo a mais preocupante devido à associação com morbidade e mortalidade significativas. A gestão eficaz da forma cardíaca é crucial para mitigar o impacto devastador na qualidade de vida e sobrevida dos pacientes.
A falta de acesso a medicamentos tripanocidas resulta em apenas uma pequena parcela dos afetados recebendo cuidados essenciais. A necessidade de estratégias de intervenção, especialmente na prevenção terciária, é um desafio global de saúde pública, exigindo mais pesquisas para orientar intervenções específicas e melhorar os resultados clínicos e a qualidade de vida dos pacientes com cardiomiopatia chagásica.
Avanços significativos nas diretrizes de tratamento da DC ocorreram na última década. A cardiopatia chagásica representa uma proporção significativa das insuficiências cardíacas e influencia a qualidade de vida dos pacientes de maneira abrangente. A pesquisa destaca a DC como a terceira causa mais comum de Insuficiência Cardíaca (IC), afetando não apenas a saúde física, mas também aspectos emocionais, sociais e psicológicos.
A qualidade de vida relacionada à saúde é mais precária no grupo de pacientes com IC devido à Doença de Chagas em comparação com o grupo não chagásico. A dimensão emocional é um contribuinte significativo, destacando a importância de uma abordagem holística no cuidado desses pacientes.
A atividade física emerge como uma ferramenta poderosa no tratamento da cardiopatia chagásica, oferecendo melhorias físicas e mentais. Apesar dos benefícios do treinamento físico, a participação em programas para pacientes com cardiomiopatia chagásica permanece baixa, especialmente em regiões de baixa e média renda. Estudos indicam que o treinamento físico é seguro e associado a melhorias na capacidade funcional e qualidade de vida nessa população.
No entanto, a pesquisa específica para a população com cardiomiopatia chagásica é limitada, com foco predominante em treinamento aeróbico. O treinamento dos músculos inspiratórios isolado apresenta melhorias significativas, e a combinação de treinamento aeróbico e resistido com TMI também mostra benefícios adicionais. Em suma, torna-se evidente o papel crucial da atividade física na melhoria da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde em pacientes com cardiopatia chagásica (CCC).
Palavras Chaves: Doença de Chagas, Cardiomiopatia Chagásica Crônica, Saúde Pública, Qualidade de Vida Relacionada à Saúde, Insuficiência Cardíaca e Atividade Física.
MÉTODOS:
Realizamos pesquisas em diversas bases de dados renomadas, como Arca (Fiocruz), Scielo, Periódicos Capes e PubMed, com foco específico na interseção de Chagas disease AND chronic e Chagas disease AND cardiopathology. A seleção abrangeu artigos científicos, revisões bibliográficas, metanálises, estudos randomizados, além de consultas a livros publicados no período de 2014 a 2024. Este processo de busca abrangente proporcionou uma ampla visão da literatura científica disponível sobre a relação entre a doença de Chagas e suas manifestações crônicas durante este intervalo de tempo.
INTRODUÇÃO
A doença de Chagas (DC) é uma condição tropical negligenciada que impacta milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente em países endêmicos da América Latina. Recentemente, observou-se um aumento nos casos em países não endêmicos, devido a migrações populacionais e deficiências nas estratégias de triagem nesses locais. A cardiomiopatia chagásica crônica (CCC), que afeta aproximadamente 30-40% dos pacientes com DC, representa a manifestação clínica mais prevalente e grave na fase crônica, contribuindo significativamente para a morbidade e mortalidade. Diante desse cenário, a necessidade de estratégias de intervenção para a DC é um desafio global de saúde pública. Dentro das estratégias de prevenção da DC, é crucial focar em medidas que possam reduzir a morbidade e mortalidade associadas à CCC, o que se enquadra na prevenção terciária. Portanto, estudos voltados para a prevenção terciária são urgentemente necessários, visando avaliar intervenções que melhorem o prognóstico clínico e funcional de indivíduos com CCC. Essas investigações são essenciais para preencher lacunas existentes e oferecer diretrizes fundamentadas para enfrentar eficazmente os desafios associados à DC.(MAZZOLI-ROCHA, et al. 2023)
A magnitude da Doença de Chagas na América Latina é evidenciada pelos dados da Organização Mundial da Saúde, que apontam que aproximadamente 6-7 milhões de pessoas, distribuídas em 21 países latino-americanos, estão atualmente infectadas pelo Trypanosoma cruzi. Contudo, a resposta aos desafios apresentados pela DC nos sistemas de saúde desses países é frequentemente negligenciada. A persistente falta de diagnóstico preciso e tratamento oportuno com medicamentos tripanocidas contribui para uma realidade em que apenas uma pequena parcela dos afetados recebe o benefício crucial para a saúde, enquanto a maioria enfrenta barreiras substanciais de acesso a esses cuidados essenciais. (ALEJANDRO et al, 2023)
Concentrados principalmente na Argentina (1.505.235 casos, prevalência de 3,6%), Brasil (1.156.821, 0,6%), México (876.458, 0,7%) Bolívia (607.186, a maior prevalência, 6,1%), Colômbia (437.960, 0,9%) e Venezuela (310.000, 1,1%) (ECHEVERRÍA, et al. 2020).
A trajetória natural da DC revela quatro condições clínicas distintas após a fase aguda: a forma indeterminada, a forma cardíaca, a forma digestiva e a forma mista (envolvendo tanto a forma cardíaca quanto a digestiva). Cada uma dessas formas apresenta desafios únicos para o manejo clínico, sendo a forma cardíaca particularmente preocupante devido à sua associação com morbidade e mortalidade significativas. A fase indeterminada da Doença de Chagas geralmente exibe um prognóstico favorável a longo prazo, com menor impacto clínico. As consequências associadas à forma digestiva, por sua vez, podem ser tratadas com intervenções apropriadas. No entanto, a forma cardíaca emerge como o principal desafio, sendo a principal causadora de morbidade e mortalidade na doença. Esta forma tem o potencial de evoluir para uma doença cardíaca grave, desencadeando eventos clínicos cardiovasculares que impactam significativamente a qualidade de vida e a sobrevida dos pacientes. O gerenciamento eficaz da forma cardíaca da Doença de Chagas torna-se, portanto, crucial para atenuar o impacto devastador que pode resultar dessa condição clínica específica. (ISELA, et al. 2023)
DISCUSSÃO
Na última década, houve avanços significativos na definição de diretrizes que buscam padronizar as indicações de tratamento para a Doença de Chagas (DC). Atualmente, recomenda-se o tratamento tripanocida para pacientes crônicos em situações específicas, abrangendo crianças, adolescentes, mulheres em idade fértil e adultos jovens (até 50 anos de idade) com a forma indeterminada ou estágios iniciais da doença cardíaca.
Apesar dos progressos nas tecnologias médicas e farmacêuticas, é notável que o tratamento etiológico para a DC ainda dependa de medicamentos desenvolvidos nas décadas de 1960 e 1970. É crucial ressaltar que esses medicamentos apresentam uma incidência considerável de efeitos adversos, resultando na interrupção do tratamento em cerca de 10% dos pacientes, que não conseguem completar o período recomendado de 60 dias. (PINTO DIAS, et al. 2015)
A abordagem atual para melhorar a eficácia e tolerabilidade do tratamento envolve a consideração da combinação de novos medicamentos com benznidazol e/ou o reposicionamento de medicamentos com potenciais efeitos tripanocidas. Após a infecção inicial, os indivíduos com DC mantêm sorologia positiva para T. cruzi ao longo de suas vidas, enquanto a parasitemia é tipicamente indetectável em mais da metade dos casos. A progressão clínica da DC é lenta, levando anos para manifestar sintomas e sinais de envolvimento cardíaco. Essa complexa interação entre fatores sorológicos, parasitológicos e clínicos exerce uma influência significativa na avaliação da resposta ao tratamento tripanocida. O desafio atual reside na busca por abordagens terapêuticas mais eficazes e com menor incidência de efeitos adversos, a fim de otimizar o tratamento da DC crônica. (ALEJANDRO et al, 2023)
Em virtude dos índices elevados de hospitalizações, do nível de mortalidade e dos custos econômicos e sociais, a doença é considerada um problema de saúde pública desafiador. Conforme estudo brasileiro, as etiologias mais predominantes na IC são as isquêmicas (30,3%), a hipertensiva (20,4%), a idiopática (14,5%), valvar (12,4%) e, posteriormente, a de origem chagásica (10,8%). (PAZ, et al. 2019)
A classificação da Insuficiência Cardíaca (IC) pela New York Heart Association (NYHA) é baseada na intensidade dos sintomas, dividindo-os em quatro classes funcionais (CF). Essa classificação determina o grau de comprometimento físico dos pacientes durante a realização de exercícios e atividades diárias. As manifestações clínicas, como edema, dispneia e redução da tolerância às atividades diárias, associadas à natureza prolongada e à complexidade da doença, exercem impacto não apenas nos aspectos biológicos, mas também nos elementos sociais, psicológicos e espirituais da vida do paciente com IC. Essa influência abrangente interfere na qualidade de vida (QV) e no bem-estar do indivíduo de maneira sistêmica.
A pesquisa conduzida por Paz et al. destacou a Doença de Chagas (DC) como a terceira causa mais comum de Insuficiência Cardíaca (IC). Essa constatação foi obtida a partir da análise do funcionamento do ambulatório de referência do estado de Pernambuco em doença de Chagas.
Na continuidade da pesquisa, a média global de Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) revelou-se mais elevada no grupo de pacientes com Insuficiência Cardíaca (IC) devido à Doença de Chagas, em comparação com o grupo não chagásico. Surpreendentemente, a dimensão emocional emergiu como o principal contribuinte para esse resultado, indicando que a percepção da QVRS na população afetada pela Doença de Chagas transcende as considerações estritamente clínicas. Esse destaque para o impacto emocional ressalta as complexidades psicossociais associadas à DC, relacionadas a estigmas culturais comparáveis aos enfrentados por doenças crônicas estigmatizadas pela sociedade contemporânea, como câncer e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Essa situação influencia não apenas a saúde física, mas também altera padrões de pensamento, produção, relações familiares e sociais, resultando em mudanças nos padrões de comportamento.
A QVRS dos pacientes com IC foi classificada como moderada, e a análise revelou associações significativas entre idade, classe funcional e o grupo de pacientes com IC secundária à Doença de Chagas. As médias foram mais altas na dimensão física, que reflete os sintomas e as limitações causadas pela doença, em comparação com a dimensão emocional. A dimensão física foi fortemente influenciada pela idade e apresentou correlações com a renda e a ocupação. No entanto, o grupo de pacientes com Doença de Chagas demonstrou valores notavelmente significativos na dimensão emocional, indicando uma influência negativa da doença nos escores totais de QVRS. Notavelmente, apenas a variável Classe Funcional (CF) apresentou uma associação forte e significativa nas três dimensões analisadas. Esses resultados destacam a importância de uma abordagem holística ao cuidado desses pacientes, considerando tanto os aspectos físicos quanto os emocionais para promover uma qualidade de vida mais abrangente. (PAZ, et al. 2019)
Em contrapartida, observamos a atividade física como uma ferramenta poderosa no tratamento da cardiopatia chagásica, oferecendo melhorias tanto físicas quanto mentais para os pacientes. O treinamento físico (TF) emerge como uma estratégia crucial de intervenção para pacientes com doenças cardiovasculares (DCV), pois aprimora parâmetros clínicos e funcionais, resultando em uma qualidade de vida (QV) aprimorada.
No entanto, apesar dos claros benefícios do TF e das recomendações robustas nas diretrizes, a participação em programas de TF para pacientes com cardiomiopatia chagásica (CCC) permanece bastante baixa, especialmente em países de baixa e média renda, onde os serviços de TF são escassos ou até mesmo inexistentes em muitas regiões endêmicas de DC. A investigação sobre o TF como uma estratégia adaptada para indivíduos com CCC ainda está em estágio inicial, com a maioria dos grandes ensaios clínicos randomizados avaliando sua eficácia e segurança em pacientes com DCV, mas sem incluir participantes com CCC. (MAZZOLI-ROCHA, et al. 2023)
Neste artigo do International Journal of Cardiology Heart & Vasculature, Diaz-Arocutipa et al. conduziram uma revisão sistemática com meta-análise, abrangendo oito estudos que investigaram a influência do treinamento físico (TF) em pacientes com cardiomiopatia chagásica (CCC). Apesar da limitação e heterogeneidade das evidências disponíveis, os resultados indicaram que o TF era seguro e associado a melhorias na capacidade funcional (CF) e qualidade de vida (QV) nessa população. (CALDERON-RAMIREZ, et al2023)
Entretanto, há uma escassez de estudos específicos quando se trata da população com cardiomiopatia chagásica (CCC), com a maioria dos focos voltados para o treinamento aeróbico isolado ou a combinação de treinamento aeróbico e resistido. Em ambos os casos, benefícios clínicos evidentes foram observados.
Há evidências científicas consistentes indicando que o treinamento dos músculos inspiratórios (TMI) isolado proporciona melhorias significativas na pressão inspiratória máxima, no consumo máximo de oxigênio, na capacidade funcional (CF) e na qualidade de vida (QV) em pacientes com doenças cardiovasculares (DCV). Além disso, a pesquisa está explorando os efeitos da combinação de treinamento aeróbico e resistido com TMI em pacientes com DCV. Comparado ao treinamento aeróbico isolado, a inclusão do TMI resulta em benefícios adicionais nessa população. (MAZZOLI-ROCHA, et al. 2023)
CONCLUSÃO
Diante do exposto, torna-se evidente o papel crucial da atividade física na melhoria da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde em pacientes com cardiopatia chagásica (CCC). No entanto, é notável a escassez de estudos focados nesta população, concentrando-se principalmente no treinamento aeróbico isolado ou na combinação de treinamento aeróbico e resistido. Esta lacuna ressalta a necessidade premente de investigações adicionais que explorem a eficácia dessas modalidades de treinamento específicas. Essa abordagem é fundamental para fornecer orientações mais precisas sobre intervenções de reabilitação cardiovascular adaptadas aos pacientes com cardiomiopatia chagásica, visando otimizar seus resultados clínicos e qualidade de vida.
REFERÊNCIAS:
CALDERON-RAMIREZ, P. M. et al. Exercise-based training programs for patients with chronic Chagas cardiomyopathy: A systematic review and meta-analysis. IJC Heart & Vasculature, v. 48, p. 101256–101256, 1 out. 2023.
ECHEVERRÍA, L. E. et al. WHF IASC Roadmap on Chagas Disease. Global Heart, v. 15, n. 1, p. 26, 30 mar. 2020.
HASSLOCHER‐MORENO, A. M.; SPERANDIO-DA-SILVA, G. M.; SARAIVA, R. M. Trypanocidal Treatment in Chronic Chagas Disease: Critical Evaluation of Cure Criteria. Exploratory research and hypothesis in medicine, v. 000, n. 000, 26 out. 2023.
ISELA, E. et al. Chronic Chagas Cardiomyopathy in the Brazilian Amazon region: clinical characteristics and regional distinctiveness. Frontiers in Public Health, v. 11, 27 nov. 2023.
MAZZOLI-ROCHA, F.; FELIPPE, M. Exercise training in chronic Chagas cardiomyopathy: Promising preliminary evidence, but long-term large clinical trials are still needed. IJC Heart & Vasculature, v. 48, p. 101272–101272, 1 out. 2023.
PAZ, L. F. DE A. et al. Quality of life related to health for heart failure patients. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 72, n. suppl 2, p. 140–146, 2019.
PINTO DIAS, C. et al. II Consenso Brasileiro em Doença de Chagas, 2015. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 25, n. 21, p. 1–10, jun. 2016.
1Estudante de Medicina – UNINASSAU Cacoal
2Médico – UNINASSAU Cacoal