IMPACTOS DO DISTANCIAMENTO SOCIAL NA PANDEMIA DE COVID-19 NOS CUIDADORES DE PESSOAS IDOSAS COM ALZHEIMER: UMA REVISÃO DE ESCOPO

IMPACTS OF SOCIAL DISTANCING DURING THE COVID-19 PANDEMIC ON CAREGIVERS OF ELDERLY PEOPLE WITH ALZHEIMER’S: A SCOPING REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12712043


Juliana Aguiar Santana Benevides1;
Aluísio Gomes da Silva Junior2;
Gisele Caldas Alexandre3
Eliana Rosa da Fonseca4


Resumo 

Objetivo: Mapear os impactos das medidas de distanciamento social adotadas durante a pandemia de COVID-19 para cuidadores de pessoas idosas diagnosticadas com a Doença de Alzheimer. Metodologia: Revisão de escopo segundo o método JBI. A estratégia de busca abarcou as bases de dados LILACS e outras/BVS, Scopus e Embase/Elsevier, MEDLINE/PUBMED, CINAHL e outras/Ebsco, Cochrane Library/Wiley, PsycINFO/APA, Web of Science Core Collection/Clarivate e o Google Acadêmico. O sistema Rayyan foi utilizado para gerenciar a seleção dos artigos. Na extração de dados, utilizamos um instrumento elaborado pelos autores para alcançar o objetivo desta revisão. Resultados: No presente artigo, utilizamos 12 dos 81 estudos selecionados e identificamos sete temas principais abordados: os impactos na saúde mental, na rede de apoio, na sobrecarga de cuidados, na vida cotidiana, na saúde física e bem-estar, no processo de cuidado, na qualidade do sono e no padrão alimentar. Conclusão: Os resultados obtidos sugerem que as medidas de distanciamento social da COVID-19 exacerbaram problemas já vivenciados pelos cuidadores. Orientações sobre como lidar com as mudanças de rotina e no processo de cuidado, direcionamentos para manejo dos SCPD, intervenções psicológicas e disponibilidade de estruturas de apoio são algumas estratégias que devem ser consideradas. 

Palavras-chave: Idosos; Cuidadores; Doença de Alzheimer; COVID-19; Pandemia.

1. INTRODUÇÃO 

Uma nova doença infecciosa surgiu no final de 2019, a doença do coronavírus (COVID-19), causada pela síndrome respiratória aguda grave por coronavírus 2 (SARS-CoV-2) e, em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia de COVID-19. (WHO, 2020).  Na ausência de tratamento antiviral, as intervenções anti-COVID baseavam-se, principalmente, na prevenção de contágio por meio da adoção de medidas de distanciamento social (DS) por países de todo o mundo (Brown et al., 2020).

O DS é uma importante medida de saúde pública em pandemias e se mostrou eficaz para a contenção da infecção (Nussbaumer-Streit et al., 2020; Sebastiani et al., 2020). O objetivo das medidas de DS foi controlar os casos de COVID-19 (doença por coronavírus) e proteger a saúde das pessoas, em especial dos mais suscetíveis a complicações e morte (Dourado et al, 2020; Suárez-González et al., 2021; Manca et al., 2020). Assim, foi recomendado que as restrições fossem extremamente rigorosas com a população mais longeva, uma vez que apresentavam prognóstico particularmente desfavorável no que tange a essa doença (Pelicioni et al., 2020), levando alguns pesquisadores a denominá-la de emergência geriátrica de 2020 (Bonanad et al., 2020). Contudo, o distanciamento também pode gerar consequências indiretas e graves em pessoas idosas, com destaque para as que tem diagnóstico de demência e para seus cuidadores (Melo & Branco, 2021; Kumar & Salinas, 2021; Wang et al., 2020; Hwang et al., 2020)

A demência já foi declarada como prioridade de saúde pública pela OMS e prioridade de saúde global pelos líderes do G20, por representar a terceira principal causa de incapacidade no mundo e a principal causa de dependência de cuidados e incapacidade na velhice (WHO, 2021; Grkman., 2022). Esse agravo faz parte de um processo de envelhecimento patológico e se caracteriza pela presença de comprometimento acentuado, em dois ou mais domínios cognitivos, em relação ao esperado, com base na idade da pessoa e no nível geral de funcionamento cognitivo anterior (WHO, 2022). 

A principal causa de demência é a Doença de Alzheimer (DA), que representa de 60% a 70% dos casos, atinge majoritariamente as pessoas idosas. Caracteriza–se como uma doença neurológica que progressivamente causa perda de habilidades cognitivas e funcionais, fazendo com que os idosos necessitem cada vez mais de ajuda, geralmente, na figura de cuidadores. Esses apoiadores precisam aprender a lidar, não somente com os sintomas decorrentes dos déficits cognitivos e funcionais das pessoas com DA, mas, também, com as alterações de humor, personalidade e/ou comportamento, que são comuns nestes quadros e que podem gerar grave estresse naqueles que são responsáveis pelos cuidados diários (Alzheimer’s Association, 2023).  

Os cuidadores informais fornecem a maior parte do apoio às pessoas com demência que vivem em casa e se sabe que eles são mais suscetíveis a sobrecarga e ao estresse (Alzheimer’s Association, 2023; Butcher et al., 2001).   O estresse do cuidador, em geral, é duradouro e se expressa por meio de problemas familiares, dificuldades financeiras, sensação de opressão ou abandono, tendência ao isolamento social, ansiedade, depressão e irritabilidade (Faison et al., 1999; Chiao et al., 2015). Diversos fatores podem contribuir para aumentar o risco de estresse do cuidador, como: idade, escolaridade, sexo,  grau de parentesco, problemas de relacionamento com o destinatário de cuidado e a insuficiência de apoio familiar e institucional (Etters et al., 2008 ; Hughes et al., 2014, Upton & Reed, 2006), 

No que diz respeito às características das pessoas idosas com doença de Alzheimer  e demências relacionadas  (DADR) que podem favorecer o surgimento do estresse, destacam-se a natureza da demência, a gravidade do comprometimento cognitivo e funcional e as alterações comportamentais (Riedijk et al., 2006; Mioshi et al., 2013; D’Onofrio et al., 2015; Pilon et al., 2016; Liu et al., 2018; Wolfs et al., 2012; Riffin et al., 2019;  Wolfs et al. , 2019; Papastavrou et al., 2007; Poon, 2019). O DS sugerido na pandemia de COVID-19 impactou as pessoas idosas com DADR em diversos domínios, como: cognição; sintomas comportamentais e psicológicos da demência (SCPD); funcionalidade; acesso aos serviços de cuidado em saúde e nível de estresse (Benevides et al., 2024). 

Essas repercussões nos destinatários de cuidados suscitaram, também, preocupações com os seus cuidadores (Wang et al., 2020; Dourado et al., 2020; NICE, 2018). Há evidências que apoiam o aumento do estresse e a sobrecarga dos cuidadores uma vez que eles tiveram que lidar com dificuldade de acesso aos serviços de saúde, insuficiência de apoio social, isolamento social e com a piora dos sintomas cognitivos, funcionais, psicológicos e comportamentais da pessoa com Alzheimer (Shapira, 2020; Bianchetti et al., 2022; Bombón-Alban et al., 2022). Contudo, é necessária uma revisão destes trabalhos com o intuito de investigar a real gravidade e extensão desses impactos. 

Com o intuito de mapear as repercussões das medidas de distanciamento social tanto para a pessoa idosa com Alzheimer quanto para seus cuidadores, conduzimos uma revisão de escopo. A partir dos resultados, os 81 trabalhos incluídos na revisão foram reunidos em três grupos, desdobrando-se em três artigos, respectivamente: 1) estudos que abordam os impactos nas pessoas idosas com Alzheimer (n=25); 2estudos que abordam os impactos nos cuidadores (n=12) e 3) estudos que abordam ambos os aspectos (n=44). O presente artigo é fruto do mapeamento realizado com os trabalhos do segundo grupo citado.

2. METODOLOGIA 

Realizamos uma revisão de escopo com a finalidade de reunir as evidências disponíveis sobre o tópico estudado (Arksey & Malley, 2005; Andersom et al., 2011). Sugere-se que essa metodologia seja utilizada com os seguintes propósitos: identificar os tipos de evidências disponíveis em um determinado campo, esclarecer os principais conceitos/definições na literatura, examinar como a pesquisa é conduzida em um determinado tópico ou campo, identificar as principais características ou fatores relacionados a um conceito, como precursor de uma revisão sistemática e/ou para identificar e analisar lacunas de conhecimento (Munn et al., 2018). 

 Essa revisão foi norteada pelas diretrizes do Instituto Joanna Briggs (JBI) e seguiu o Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) Checklist (Peters et al., 2021, 2024; Pollock et al., 2023).

 A seguinte questão de pesquisa foi utilizada na revisão: “quais foram as repercussões das medidas de distanciamento social devido à pandemia de COVID-19 para idosos com Alzheimer e seus cuidadores?”

 O protocolo foi registrado no Open Science Framework, sob o DOI: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/68XMU 

2.1 Participantes

Foram selecionados estudos que analisaram as pessoas idosas diagnosticadas com a doença de Alzheimer e/ou os seus cuidadores. 

2.2 Conceito

Os estudos que tiveram como objeto uma ou mais repercussões das medidas de distanciamento social devido à pandemia de COVID-19 para pessoas com Alzheimer e seus cuidadores foram incluídos.

No que tange às pessoas idosas com Alzheimer, consideraram-se os impactos nas dimensões comportamentais, cognitivas, emocionais, funcionais, familiares, sociais, no manejo clínico e no acesso aos serviços de saúde. Já no que diz respeito aos seus cuidadores formais ou informais, foram considerados os impactos emocionais, físicos, financeiros, sociais, familiares e na carga de cuidado.

Foram excluídos os manuscritos que expressamente tenham sido conduzidos apenas com pessoas que possuam menos de 60 anos, ainda que elas apresentassem o diagnóstico da doença de Alzheimer, os que analisaram as repercussões apenas em pessoas que possuam outros tipos de demências e os que abordaram os impactos diretos da COVID-19, como:

●    As associações e potenciais fatores-chave compartilhados entre COVID-19 e DA, como a análise dos mecanismos metabólicos, fisiopatológicos e as vias moleculares comuns;

●   A relação entre a infecção por COVID-19 e o desenvolvimento da Doença de Alzheimer e/ou outros distúrbios cognitivos e doenças neurodegenerativas;

●    A eficácia das diversas intervenções em pessoas com Alzheimer durante o período de confinamento da pandemia de COVID-19, como as medicamentosas, psicossociais e tecnológicas e

●  Os desfechos clínicos, como internações, complicações e mortalidade em pessoas com Alzheimer devido a infecção por COVID-19 

2.3 Contexto

Consideraram-se os estudos desenvolvidos tanto em ambiente domiciliar quanto ambulatorial, em serviços de assistência social, Instituições de Longa Permanência e similares. Optamos por não impor limitações quanto ao local ou tipo de serviço a fim de que pudéssemos alcançar todas as produções características desta população. 

2.4 Tipos de fontes

Foram incluídos os desenhos de estudos experimentais e quase-experimentais, abarcando ensaios clínicos randomizados e não randomizados, estudos antes e depois e estudos de séries temporais interrompidos. Além disso, estudos observacionais analíticos, englobando estudos de coorte prospectivos e retrospectivos, caso-controle e transversais analíticos. Esta revisão também considerou desenhos de estudos observacionais descritivos, incluindo séries de casos, relatos de casos individuais e estudos transversais descritivos. Estudos qualitativos com foco em dados qualitativos também foram incorporados, incluindo projetos como fenomenologia, teoria fundamentada, etnografia, descrição qualitativa e pesquisa-ação. Textos e artigos de opinião também foram considerados. As revisões sistemáticas foram excluídas desta revisão, bem como os relatos de experiências, editoriais, dissertações e teses.

2.5 Estratégia de busca

A estratégia de busca teve como objetivo localizar estudos publicados e não publicados. Uma estratégia de busca em três etapas foi utilizada nesta revisão. Primeiro, uma pesquisa inicial limitada às bases MEDLINE (PubMed), Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Cochrane Library, OSF, PROSPERO e JBI Synthesis foi realizada com o objetivo de identificar artigos sobre o tema. Foram, então, identificados os termos padronizados e sinônimos nos vocabulários controlados, DECS/BVS, MESH/Medline e EMTREE/Embase. A partir desta pesquisa, as palavras do texto contidas nos títulos e resumos dos artigos relevantes e os termos de indexação foram usados para desenvolver uma estratégia de busca completa para aplicação e adaptação nas bases de dados/fontes de informação relevantes (Tabela 1). 

A estratégia de busca, incluindo todas as palavras-chave e termos de indexação identificados, foi adaptada para cada base de dados e/ou fonte de informação incluída: MEDLINE/PubMed; EMBASE e SCOPUS/Elsevier; CINAHL, ASP, Fonte Acadêmica/EBSCO; LILACS, BDENF/Biblioteca Virtual em Saúde; PsycINFO/American Psychological Association, Scientific Electronic Library Online e Web of Science Core Collection/Clarivate Analytics. Por fim, foi realizada busca de estudos adicionais nas listas de referências de todas as publicações incluídas nesta revisão. Os estudos foram pesquisados em qualquer idioma e a partir do ano de 2020, quando foi declarada a pandemia pela COVID-19.

2.6 Seleção das fontes de evidência

Após identificação das referências nas bases de dados e/ou fonte de informação, elas foram inseridas no EndNote 20 (Clarivate Analytics, PA, EUA) e as duplicatas removidas e importadas pelo software online Rayyan 2022 do Qatar Computing Research Institute Rayyan. Os títulos e os resumos foram selecionados por dois revisores independentes segundo os critérios de inclusão e exclusão (JASB & AGSV). Fontes potencialmente relevantes foram recuperadas na íntegra. Os textos completos das citações selecionadas foram avaliados detalhadamente por dois revisores independentes (JASB & AGSV). As divergências entre os revisores em cada etapa do processo de seleção foram resolvidas por meio de discussão. Os resultados da pesquisa e do processo de inclusão dos estudos seguem relatados no presente artigo e apresentados em um diagrama de fluxo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses extension for scoping review (PRISMA-ScR).

2.7 Extração de dados

Os dados foram extraídos dos artigos incluídos pelos revisores, de forma independente, em uma ferramenta própria de extração desenvolvida pelos revisores (JASB & AGSV). Os dados extraídos abarcavam detalhes específicos sobre população (idoso com demência e cuidador de idoso com demência), conceito (repercussão da medida de distanciamento), contexto (local e ambiente de cuidado), métodos de estudo e principais conclusões relevantes para a questão de revisão, dentre outros dados. A versão preliminar do instrumento de extração não sofreu modificações ao longo do estudo e não houve necessidade de entrar em contato com os autores dos artigos para dados faltantes ou adicionais.

2.8 Dados de análise e apresentação

Um resumo narrativo acompanha os resultados tabulados e/ou gráficos e descreve como os resultados se relacionam com o objetivo da revisão.

3. RESULTADOS 

3.1 Caracterização dos estudos

Identificamos 12 estudos que examinaram os efeitos do DS nos cuidadores de pessoas com Alzheimer. Os artigos eram oriundos dos Estados Unidos (n = 3), Argentina (n = 2), Itália (n = 2), Brasil (n= 1), França (n = 1), Noruega (n = 1), Reino Unido (n = 1) e Grécia (n = 1). O tamanho da amostra variou de 23 a 4.710 e abrangeu um total de 6.063 cuidadores de pessoas com demência que vivem na comunidade. A idade média dos participantes situou-se entre 18 e 85 anos.  A Figura 1 apresenta o Fluxograma PRISMA com os artigos identificados. 

Todos os 12 artigos identificados na revisão são pesquisas originais e sua  caracterização se encontra no Quadro 1. Na literatura, cujo objetivo principal era analisar os impactos das medidas de distanciamento social nos cuidadores de pessoas com demência, foram identificados sete temas principais: (1) impactos na saúde mental; (2)  impactos na rede de apoio; (3)  impactos na sobrecarga de cuidados (4) impactos na vida cotidiana; (5) impactos na saúde física e bem-estar (6) impactos no processo de cuidado (7) impactos na qualidade do sono e no padrão alimentação.

Quadro 1: Caracterização dos estudos

AnoAutorPaís/Tipo de EstudoFaixa etária/AmostraPrincipais conclusões
12021
Schmidt et al.Brasil

N/D
Entre 21 e 73 anos

35 cuidadores informais
Constatou-se elevada prevalência de indicadores de problemas de saúde mental. Porém, o DS não teve maior impacto na amostra de cuidadores de pessoas com demência do que na população geral. Além disso, a taxa de indicadores de problemas de saúde mental encontrada entre os participantes do estudo não difere daquela encontrada em outros estudos realizados com cuidadores de pessoas com demência em períodos fora da pandemia de COVID-19.
22021
Zucca et al.Itália

Multicêntrica de âmbito nacional
59,5 anos

4.710 cuidadores informais
Constatou-se elevada prevalência de stress nos cuidadores familiares pessoas com demência durante a pandemia de COVID-19 e identificou que os principais fatores de risco para aumento do nível de estresse entre esse grupo são: sexo feminino do cuidador, idade mais jovem e nível educacional mais baixo, parentesco entre pais e filhos, coabitação com o destinatário dos cuidados, conflitos com o paciente e descontinuidade na assistência médica devido ao bloqueio.
32021
Vislapuu et al.Noruega

Ensaio clínico randomizado e controlado
65,5 anos

105 cuidadores informais
Constatou-se que houve um aumento nas responsabilidades de cuidados entre cuidadores familiares de pessoas com demência e que os cuidadores co-residentes são particularmente afetados e propensos à sobrecarga de cuidados devido ao confinamento pandêmico e à interrupção súbita dos cuidados formais.
42021
Savla et al.Estados Unidos

N/D
Entre 30 e 82 anos

53 cuidadores familiares

Constatou-se que as percepções dos cuidadores sobre o impacto da pandemia variaram e que embora mais de metade dos cuidadores familiares considerassem a disponibilidade de serviços formais ou de apoio informal como suficiente, aqueles que não recebiam serviços formais suficientes e aqueles que não tinham apoio informal corriam maior risco de sobrecarga de funções.

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

Quadro 1: Caracterização dos estudos (continuação)

AnoAutorPaís/Tipo de EstudoFaixa etária/AmostraPrincipais conclusões
52022
Nikolaidou et al.Grécia

N/D
Cuidadores que participaram de grupos de apoio: 37 a 49 anos. 

Cuidadores que não frequentavam grupos de apoio: 35 a 48 anos. 

Grupo controle: 32 a 48 anos.

165 cuidadores de pessoas com demência e 138 adultos (grupo controle)
Constatou-se que os cuidadores de pessoas com demência apresentaram níveis mais baixos de gestão emocional, bem como aumento dos sintomas de estresse em comparação com a população não cuidadora.
62020
Boutoleau-Bretonnière et al.,França
N/D
Cuidadores de pessoas com DA: 68,4 anos. 

Cuidadores de pessoas com DFTvc: 59,8 anos

34 cuidadores de pessoas com DA e 38 cuidadores de pessoas com DFTvc
Constatou-se que houve um aumento na sobrecarga dos cuidadores e que ele estava amplamente associado aos sintomas neuropsiquiátricos na pessoa com DA, em especial, agitação.
72021
Sriram, V.; Jenkinson, C.; Peters, M.Reino Unido
Métodos mistos
51 a 85 anos

23 cuidadores
Constatou-se que os cuidadores enfrentaram dificuldades adicionais durante a pandemia da COVID-19 relacionadas aos impactos provocados por mudanças de vida quotidiana, impacto na saúde e no bem-estar dos cuidadores e redução do apoio das redes de apoio social e de saúde.
82020Cohen, Russo, Campos & AllegriArgentina
N/D
média: 56,2 anos

80 cuidadores
Constatou-se que houve um aumento do estresse dos cuidadores, independentemente do estágio da demência. Contudo, aqueles que cuidavam de indivíduos com demência grave apresentaram mais estresse relacionado à COVID em comparação com os cuidadores que auxiliavam indivíduos com demência leve.
92021
Carcavilla et al.,Argentina
Descritivo de corte transversal
18–30 anos: 1,8% 
31–45 anos: 12,3%, 
46–65 anos: 55,7%  
≥65 anos: 30,2%
106 cuidadores familiares
Constatou-se que o confinamento domiciliar da COVID-19 fez com que os cuidadores sentissem ansiedade com frequência, seguida de transtornos de humor, sono e alimentação.             

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

Nº        AnoAutorPaís/Tipo de EstudoFaixa etária/AmostraPrincipais conclusões
102021
Altieri & SantangeloItália

N/D
média: 48,7 anos

84 cuidadores
Constatou-se que o confinamento como medida restritiva contra a COVID-19 produziu alterações psicológicas nos cuidadores de PcD, com aumento dos níveis de depressão, mas não de ansiedade.
112022
Bullard, Merrilees, Wang & LevensonEstados Unidos 

Ensaio clínico randomizado
média: 63,9 anos

260 cuidadores familiares
Constatou-se que os cuidadores experimentaram uma diminuição na carga associada ao confinamento da COVID e que não houve alterações nos níveis de ansiedade e na depressão.
122021
Kostyál et alEstados UnidosN/Dmédia: 54 anos

188 cuidadores familiares italianos e 182 cuidadores familiares húngaros
Constatou-se que a pandemia de COVID-19 pôs em evidência as fragilidades das estruturas de apoio aos cuidadores familiares de pessoas que vivem com demência, tanto em Itália como na Hungria. A interrupção ou forte redução dos serviços de saúde e de apoio social, bem como o encerramento dos centros-dia, adotado para conter a pandemia, fizeram com que muitos cuidadores familiares se sentissem extremamente sobrecarregados.

Quadro 1: Caracterização dos estudos (continuação)
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

3. 1 Resumo das evidências

Considerando a complexidade do processo de cuidado à pessoa idosa com Alzheimer, no período pré-pandêmico, os cuidadores eram estimulados a compartilhar a carga de cuidados com familiares e/ou cuidadores formais e a utilizar serviços de apoio (Hughes et al., 2014). Todavia, durante a pandemia de COVID-19, o DS foi imposto pelos governos como medida preventiva. Desta forma, os cuidadores foram impelidos a assumir de forma muito solitária a tarefa de cuidar. 

Portanto, acredita-se que o confinamento pode ter exacerbado problemas já vivenciados pelos cuidadores, como o isolamento social, a sobrecarga e as repercussões negativas na saúde física, funcional, emocional e na qualidade de vida. Logo, conduzimos uma revisão de escopo cujo objetivo também foi mapear os impactos das medidas de distanciamento social da COVID-19 nos cuidadores de pessoas idosas com Alzheimer.   Por meio dela, foi possível fornecer uma descrição ampla destes efeitos a partir de um ângulo exploratório mais amplo.  Até onde sabemos, a nossa análise é a primeira a fornecer um relato mais abrangente desses impactos.

Ao todo, 12 estudos foram incluídos nesta revisão e sete temas principais foram identificados e analisados: impactos na saúde mental, impactos na rede de apoio, impactos na sobrecarga de cuidados, impactos na vida cotidiana, impactos na saúde física e bem-estar, impactos no processo de cuidado e impactos na qualidade do sono e no padrão alimentação.

3.1.1 Impactos na saúde mental

Sete estudos dessa revisão apontaram que o DS provocou impactos na saúde mental dos cuidadores de pessoas com Alzheimer, com destaque para estresse, ansiedade, depressão nervosismo, tristeza, pensamentos negativos, medo, redução do otimismo, sensação de opressão e sentimento de desamparo (Schmidt et al., 2021; Zucca et al., 2021; Nikolaidou et al., 2022; Cohen et al., 2020; Carcavilla et al.,2021; Altieri & Santangelo, 2021, Sriram et al., 2021). 

Identificaram-se os principais fatores de risco envolvidos no aumento do estresse entre esses cuidadores no período pandêmico:  sexo feminino, idade mais jovem e nível educacional mais baixo, parentesco entre pais e filhos, coabitação com o destinatário dos cuidados, conflitos com o paciente e descontinuidade na assistência médica devido ao bloqueio. A presença desses fatores aumentou em até três vezes o risco de desenvolver sintomas no espectro de ansiedade ou depressão (Zucca et al., 2021). 

Além disso, aqueles que cuidavam de indivíduos com demência grave apresentaram mais estresse em comparação com os que auxiliavam indivíduos com demência leve (Cohen et al., 2020). Outros fatores também foram correlacionados aos impactos na saúde mental do cuidador, como prestar assistência àqueles que apresentaram deterioração durante a pandemia e não participar de grupos de apoio (Nikolaidou et al., 2022). A redução da socialização e das visitas à PCD demência, inclusive quando ela era hospitalizada e a família não era autorizada a visitar e tranquilizá-la, também causava ansiedade e estresse no cuidador (Sriram et al., 2021). Ademais, as profundas preocupações com a pandemia também foram correlacionadas a uma saúde emocional mais frágil (Savla et al.2021).

Já em relação aos fatores de proteção, apenas dois pareceram exercer efeito: ser cuidador de pessoas na fase inicial da demência e receber ajuda de instituições, associações ou indivíduos (Zucca et al., 2021). Desta maneira, os cuidadores que receberam apoio psicossocial, como de grupos de suporte aos cuidadores, tiveram menos dificuldades em gerir as suas emoções em comparação àqueles que não receberam apoio semelhante (Nikolaidou et al., 2022). 

Apesar de ter encontrado elevada prevalência de indicadores de problemas de saúde mental dos cuidadores de pessoas com demência, um dos estudos destacou que a taxa destes problemas não era maior do que aquela identificada na população em geral, assim como não diferia daquela encontrada em outros estudos realizados com cuidadores de pessoas com demência em períodos fora da pandemia de COVID-19 no Brasil (Schmidt et al., 2021). Contrapõe-se a esse resultado os achados de outra investigação, na qual os pesquisadores apontaram que os cuidadores experimentam maiores dificuldades em gerenciar suas emoções, bem como aumento dos sintomas de estresse em comparação com a população não cuidadora (Nikolaidou et al., 2022). Destaca-se, ainda, que uma das investigações encontrou aumento nos níveis de depressão, mas não de ansiedade, entre os cuidadores de pessoas com DADR (Altieri & Santangelo, 2021). Outros autores indicaram que não houve alterações nem nos níveis de ansiedade e nem de depressão entre os sujeitos estudados durante o período de restrições sociais pandêmicas (Bullard et al., 2022)

3.1.2 Impactos na rede de apoio

Quatro estudos identificaram que as medidas de distanciamento provocaram uma diminuição e/ou insuficiência na rede de apoio social às pessoas com demência e seus cuidadores. Essa fragilidade das estruturas de apoio, caracterizada principalmente por dificuldades para acessar os profissionais de saúde e de cuidados, resultou em menor disponibilidade de tempo para autocuidado e em frustração no cuidador (Vislapuu et al., 2021; Sriram et al, 2021; Kostyál et al, 2021; Carcavilla et al., 2021).

Ademais, a alteração na proporção de cuidados formais e informais, com aumento destes últimos, fez com que os cuidadores tivessem que assumir ainda mais responsabilidades (Vislapuu et al., 2021). Entre elas, o apoio adicional para manter as pessoas com demência ocupadas, em ambientes fechados, durante os longos períodos de confinamento nos quais o suporte virtual nem sempre funcionava como pretendido (Sriram et al., 2021).  Exigiram também criatividade, o que levou alguns optaram a estimular a pessoa com demência a usufruir da varanda, ver fotos, fazer tarefas domésticas, fazer atividades físicas, dançar, ouvir música, utilizar jogos, caminhar pelo quintal, participar de videoconferências com familiares e meditar/fazer exercícios de respiração (Carcavilla et al., 2021).

Cabe destacar que um dos estudos, realizado em comunidade rural, apontou que mais da metade dos cuidadores informais consideraram que a disponibilidade de apoio formal ou informal foi suficiente. Todavia, havia um grupo de cuidadores que não tinha acesso a apoio formal suficiente e não tinha apoio informal. Estes estavam sob maior risco de sobrecarga de funções (Savla et al., 2021).

3.1.3 Impactos na sobrecarga

Quatro estudos destacaram que as medidas de DS resultaram em sobrecarga nos cuidadores (Vislapuu et al., 2021; Boutoleau-Bretonnière et al.,2020; Altieri & Santangelo, 2021; Savla et al., 2021).

Houve aumento nas responsabilidades de cuidados entre cuidadores, familiares e aqueles que co-residiam (na sua maioria cônjuges) foram particularmente afetados e mais propensos à sobrecarga de cuidados devido ao confinamento pandêmico e à interrupção súbita dos cuidados formais (Vislapuu et al., 2021). Aqueles que não recebiam serviços formais suficientes, e os que não tinham apoio informal, tinham maiores riscos de sobrecarga (Savla et al., 2021). Outrossim, o principal fator que impactou a sobrecarga do cuidador, de diferentes maneiras, foi o surgimento ou intensificação dos sintomas neuropsiquiátricos, em especial a agitação (Boutoleau-Bretonnière et al., 2020).

Níveis mais baixos de resiliência e uma maior dependência funcional das pessoas com deficiência previram níveis mais elevados de sobrecarga do cuidador durante o período no qual as medidas de DS estavam em vigência. Além disso, aqueles que estavam mais preocupados com a pandemia apresentavam mais probabilidades de sofrer maior sobrecarga que aqueles que conseguiram encontrar aspectos positivos neste cenário (Altieri & Santangelo, 2021).

3.1.4 Impactos na vida cotidiana

Em um estudo, os principais impactos na vida cotidiana do cuidador foram alterações relacionadas com cuidados com a higiene da PCD, a impossibilidade de sair de casa ou receber visitas, o aumento do tempo dispensado ao receptor do cuidado e a falta de ajuda externa para o cuidado. Contudo, atribui-se a dificuldade de adaptação do cuidador à nova rotina a dois fatores: ao fato de as pessoas com demência terem deixado de frequentar consultas (como as médicas, de fisioterapia e de psicologia, por exemplo) e também à necessidade de manter distância social dos amigos e familiares (Schmidt et al., 2021).

 Um outro estudo identificou percepções mistas entre os cuidadores. Alguns consideravam que haviam ocorrido mudanças importantes no cotidiano devido à necessidade de tomar precauções extras para evitar que a PCD fosse contaminada pelo vírus, como lembrá-lo continuamente de que precisava usar máscaras. Já outros, consideraram que as restrições não provocaram alterações importantes, principalmente, porque seu estilo de vida anterior já era marcado pela restrição social (Sriram et al., 2021).

3.1.5 Impactos na saúde e bem-estar

Um estudo constatou que, diante da ausência dos cuidadores formais, os cuidadores familiares de PCD que necessitavam de assistência física tiveram que oferecer um suporte adicional. Essa assistência complementar abrangia o aumento da carga física e isso resultou em complicações na saúde do provedor de cuidados. Um exemplo disso foi o surgimento de hérnia de disco em uma das participantes do estudo (Sriram et al., 2021).  

Esse mesmo estudo também constatou que o bem-estar do cuidador foi atingido de diversas formas como: quando precisavam sair para trabalhar ou fazer compras, ficavam com medo de infectar involuntariamente a pessoa com demência, eles também estavam constantemente preocupados com o gerenciamento das reações das pessoas em geral no que tange à PCD e sua dificuldade em respeitar as regras do DS e o uso de máscaras de proteção. Ademais, os prejuízos do DS à vida social das PCD foram associados a uma piora tanto na condição da PCD quanto no bem-estar do cuidador.

3.1.6 Impactos no processo de cuidado

O processo de cuidado também sofreu impactos, de acordo com um dos estudos. Alterações nas rotinas de higiene, que se tornaram mais rígidas, e aumento do tempo dispensando aos cuidados foram concebidas como mudanças significativa que impactaram o processo de cuidado à PCD. A impossibilidade de sair de casa ou receber visitas, assim como o acesso limitado ao apoio social para o suporte à PCD, também foram alterações na rotina que impactaram o processo de cuidado (Schmidt et al., 2021).  

Os pesquisadores ainda destacaram que lidar com mudanças de humor ou comportamento da PCD, cuidar de todas as novas tarefas a serem realizadas com o receptor de cuidados e manter o distanciamento social aumentaram o grau de dificuldade para cuidar da pessoa com DA e encontram-se dentro do espectro dos impactos no processo de cuidado.

3.1.7 Impactos na qualidade do sono e padrão alimentar

Impactos na qualidade do sono e no padrão alimentar também foram encontrados em um dos estudos selecionados. Para lidar com essas e com outras consequências do DS, os cuidadores adotaram diversas medidas como: aumentar a dose das medicações em uso, fazer exercícios físicos, caminhar pelo jardim, dançar, ouvir música, jogar, usufruir da varanda, ver fotos, dedicação às tarefas relacionadas à limpeza, videoconferências com os familiares e reserva de um tempo para meditar e respirar, entre outros (Carcavilla et al.,2021).

4. DISCUSSÃO

O envelhecimento populacional é uma conquista da humanidade que foi propiciada por melhorias contínuas nas condições de vida, como saneamento, nutrição, educação (McKeown & Lowe, 1986), e nos cuidados de saúde e na gestão de condições crônicas (Hellis et al.,, 2022). No entanto, à medida que as pessoas envelhecem, aumentam as chances de serem afetadas por doenças relacionadas à idade, como a doença de Alzheimer e as demências relacionadas (OMS, 2019). Devido à complexidade e as características particulares, essas patologias são acompanhadas da necessidade de tratamentos extremamente caros e de cuidados que aumentam progressivamente ao longo do tempo (Wittenberg et al., 2019). Diante destas crescentes exigências de saúde que impactam o orçamento público, há uma priorização dos cuidados informais como fonte potencial de alívio para os sistemas (Hellis et al., 2022). 

Os cuidadores informais, entre os quais se destacam os familiares, são considerados figuras-chave de apoio na assistência às pessoas com DADR (Campos et al., 2022). Eles prestam assistência de forma contínua e não remunerada e apoiam o receptor de cuidados em atividades de vida diária (AVDs) e atividades instrumentais de vida diária (AIVDs), como: alimentação, banho/ir ao banheiro e assistência financeira e compras/gerenciamento de medicamentos (Fields et al., 2022; Allen et al., 2019). 

Esses cuidadores não podem ser esquecidos, uma vez que cuidar de uma pessoa com DADR é, por definição, uma tarefa estressante e que pressupõe diversos desafios relacionados às mudanças que ocorrem com o receptor de cuidados, como:  presença e intensificação contínua dos déficits cognitivos e físicos, mudanças de humor e o surgimento das alterações de comportamento (León-Salas et al.,, 2011).

Há ainda outros fatores que contribuirão para o surgimento de exaustão e o comprometimento da qualidade de vida deste sujeito como: gênero do cuidador , suporte social nulo ou insuficiente, dedicação de muitas horas ao cuidado, moradia com o idoso, presença de algum comprometimento físico ou mental, nível de confiança, ausência de preparo para o exercício desta função, alterações profundas na vida cotidiana, problemas financeiros e qualidade do relacionamento com a pessoa com DADR (Pearlin et al., 1990; Covinsky et al., 2003; Roth et al., 2005; Etters et al., 2008; Ferrara et al., 2008; Campbell et al., 2008; Brodaty & Donkin, 2009; Molinuevo & Hernandez, 2011; Kim et al., 2012). Não obstante, à medida que a Doença de Alzheimer avança, tanto o tempo dispensado aos cuidados quanto as tarefas e responsabilidades diárias aumentam progressivamente.

A intensificação dos sintomas comportamentais e psicológicos da demência (SCPD), que se referem a um grupo de sintomas e sinais comportamentais, psicológicos e afetivos que frequentemente são apresentados por pessoas com DADR, também se caracteriza como um fator que pode aumentar o sofrimento dos cuidadores (Caramelli & Bottino, 2007; Tibleet al., 2017). No inventário Neuropsiquiátrico, um dos principais instrumentos utilizados para avaliar esses sinais e sintomas, eles são divididos em 12 domínios: delírios; alucinações; agitação/agressividade; depressão/disforia; ansiedade; euforia/desolação; apatia/indiferença; desinibição; irritabilidade/labilidade; comportamento motor aberrante; comportamentos noturnos e apetite/alterações alimentares (Reisberg et al., 1987; Cummings et al, 1994). Há evidências de que a ocorrência de agitação/agressividade, ansiedade, desinibição, irritabilidade e distúrbios do sono nas pessoas com (DADR), afeta a qualidade do seu relacionamento com as pessoas mais próximas, contribuindo para que a experiência do cuidar seja percebida negativamente pelo cuidador (Shin et al., 2005).

Ser cuidador de pessoas com DADR, portanto, está associado a um maior risco de comprometimento físico, funcional, emocional e na qualidade de vida (Etters et al., 2008; Del-Pino-Casado et al, 2018; Rokstad et al.,  2021; Manthorpe & Bowling, 2016; Salllim et al., 2015; Zhang, Cheng & Gonçalves-Pereira, 2020; Bertand et al., 2006; Vitaliano et al., 2003; Papastavrou et al., 2007). Além disso, na literatura há um consenso de que, na maioria das vezes, esse cuidador apresenta-se como um paciente secundário ou vítima oculta da DA (Richardson et al., 2013; Zarit et al., 1986; Zarit & Edwards, 1996). 

Nosso estudo confirma as evidências relacionadas à experiência dos cuidadores de pessoas com DADR e indica que as medidas de DS da pandemia de COVID-19 exacerbaram problemas complexos já vivenciados por esses sujeitos durante o processo de cuidados, quais sejam:  impactos negativos na saúde (mental e física), no bem-estar, na qualidade do sono e no padrão alimentar, insuficiência/ausência de apoio social e sobrecarga. Essas restrições também resultaram em alterações significativas na vida cotidiana e no processo de cuidado.  Portanto, é preciso minimizar esses impactos e manter a continuidade dos cuidados diante de um possível novo contexto pandêmico com o fortalecimento das estruturas de apoio e adequação dos serviços de saúde e assistências às necessidades destes cuidadores e dos receptores de cuidados.

4.1 Limitações dos estudos incluídos

Algumas importantes limitações foram encontradas nos estudos revisados. Uma parte considerável está diretamente relacionada ao contexto pandêmico que representou um grande desafio também no âmbito da pesquisa científica e, portanto, foram inevitáveis e expressavam as possibilidades de produzir saber científico em uma pandemia.

Parte dos estudos utilizou uma amostra pequena, o que pode ter ocorrido devido à dificuldade de contato com os cuidadores durante o período de restrição. Há aqueles cuja amostra foi composta apenas por mulheres, comparou participantes de diferentes níveis de escolaridade, recrutou indivíduos de um cenário geográfico único ou abrangeu apenas um grupo étnico. Esses aspectos podem caracterizar viés de seleção, interferindo nos resultados relatados.

Há investigações nas quais não foram mensurados os indicadores de saúde mental e sobrecarga na amostra antes do período pandêmico, pois não havia um acompanhamento longitudinal pré-estabelecido. Com isso, não foi possível avaliar a evolução dos sintomas. Também se destaca que a maioria dos estudos não comparou os resultados dos cuidadores de pessoas com demência com aqueles apresentados por várias outras populações de cuidadores.

A confiabilidade de algumas pesquisas também pode estar comprometida, uma vez que não foram testados instrumentos padronizados e validados para medir variáveis relacionadas ​​com a sobrecarga de cuidado, ansiedade, estresse, depressão, cognição e personalidade. Permanece em discussão a validade das avaliações que foram realizadas à distância e as autoavaliadas em comparação com as avaliações na modalidade presencial e aplicadas pelo próprio pesquisador, uma vez que podem resultar em interpretações equivocadas e interações não-verbais. Esses fatores podem implicar em viés de informação.

A forma de recrutamento, como por meio do Facebook (Kostyál et al,2021), por exemplo, também é alvo de discussões, pois muitos cuidadores não utilizam a internet, desconhecem grupos de Facebook, têm dificuldades de acesso aos formulários on-line e/ou não confiam nos meios tecnológicos. 

4.2 Limitações da revisão de escopo

A atual investigação limitou-se à análise da literatura referente ao segundo grupo de artigos (n=12), referindo-se àqueles trabalhos que analisaram os impactos do DS da pandemia apenas nos cuidadores. É válido destacar que os resultados referentes ao grupo 1 (n = 25), cujo objetivo era analisar esses impactos apenas nas pessoas idosas com Alzheimer, já foram publicados (Benevides, Silva Junior, Alexandre & Fonseca, 2024). Conforme descrito anteriormente, um terceiro artigo com os resultados referentes ao grupo 3 (n=44), que compreende uma investigação dupla: impactos nas pessoas idosas com Alzheimer e nos cuidadores, está em fase de construção.

Esta revisão limitou-se à análise da literatura cujo objetivo principal foi investigar diretamente os impactos das medidas de distanciamento social nas pessoas com doença de Alzheimer e seus cuidadores. Ou seja, investigações cujo objetivo geral era genérico, (como, por exemplo, analisar os impactos da pandemia de COVID-19 nas pessoas com Alzheimer), não foram incluídas. Portanto, é possível que parte dos estudos relevantes não tenham sido incluídos. Além disso, a discrepância nas diferenças metodológicas dos desenhos de estudos e/ou nas escalas de avaliação também pode ter comprometido a síntese dos resultados.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta investigação, apresentamos os resultados da nossa revisão de escopo acerca das repercussões do distanciamento social para cuidadores de pessoas idosas com doença de Alzheimer. Sete temas principais foram identificados entre os 12 estudos que foram incluídos: impactos na saúde mental; impactos na rede de apoio; impactos na sobrecarga de cuidados; impactos na vida cotidiana; impactos na saúde física e bem-estar; impactos no processo de cuidado e impactos na qualidade do sono e no padrão alimentar.

As evidências indicam que as medidas de distanciamento social, implementadas durante a pandemia de COVID-19, exacerbaram problemas complexos já vivenciados cotidianamente por esses sujeitos e adicionou novas questões, tornando o processo de cuidado ainda mais desafiante. Por conseguinte, os governos, a sociedade civil e as famílias precisam construir uma parceria com vistas à elaboração e efetivação de um plano abrangente e de uma abordagem multifacetada para suporte a esses sujeitos cuidadores. 

Orientações sobre como lidar com as mudanças de rotina e no processo de cuidado, direcionamentos para manejo dos SCPD, intervenções psicológicas, disponibilidade de estruturas de apoio, a fim de que o cuidador usufrua de tempo para autocuidado, são algumas estratégias que devem ser consideradas. A implementação de serviços de tele assistência, tanto para os receptores de cuidados quanto para os cuidadores (como consultas médicas, oficinas de estimulação cognitiva e grupos de apoio), também pode se configurar como uma ferramenta eficaz. Porém, a tele assistência demanda esforços visando à expansão dos serviços de internet, ao treinamento para uso das tecnologias e à elaboração de planos individualizados, que considerem as particularidades das pessoas com DADR e seus cuidadores.

Identificamos como direções futuras de investigação:  avaliação dos efeitos do DS nos cuidadores de pessoas com Alzheimer após o fim das restrições; exploração das relações complexas entre confinamento, sobrecarga, ansiedade, depressão e o apoio social; efeitos do DS nas comunidades negras e minorias étnicas e desenvolvimento de ferramentas psicométricas específicas e válidas para medir a resposta destes cuidadores às pandemias. 

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1Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS/UFRJ-FIOCRUZ-UERJ-UFF). e-mail: julianaas@id.uff.br

2Professor Titular do Departamento de Planejamento em Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (MPS/ISC/UFF).

3Professora Associada do Departamento de Epidemiologia e Bioestatística do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (MEB/ISC/UFF).

4Bibliotecária da Biblioteca do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Instituto de Doenças do Torax (HUCFF/IDT). e-mail: elianarosa@hucff.ufrj.br