IMPACTOS DO DIAGNÓSTICO TARDIO DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) EM PESSOA COM TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE

IMPACTS OF LATE DIAGNOSIS OF AUTISM ESPECTRUM DISORDER (ASD) IN PEOPLE WITH ATTENTION DEFICIT AND HYPERACTIVITY DISORDER (ADHD)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8361004


 Laura Morgana Arantes Silveira1
Mosanyelle Alcântara de Souza Santos2
Paula Isabelly Freire Moreira3
Chimene Kuhn Nobre4


RESUMO

Introdução: O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio neurológico do desenvolvimento de caráter perdurável, cujo diagnóstico precoce é indispensável para o correto desenvolvimento e adaptação do indivíduo na sociedade. Associado ao Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a sintomatologia deste sobressai às manifestações do Autismo, resultando em diagnóstico único de TDAH, sem que seja investigada a presença de TEA. Objetivo: Sendo assim, o objetivo do trabalho foi enfatizar a importância da investigação do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em crianças diagnosticadas ou com hipótese de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), e como a ausência desse fator pode afetar o desenvolvimento psicossocial até a vida adulta. Materiais e Métodos: Logo, trata-se de uma revisão bibliográfica integrativa, utilizando de 24 artigos entre os anos de 2009 a 2022, encontrados em bases de dados como PubMed, SciElo e Science Direct. Resultados e Discussão: Os resultados demonstram piora significativa no desenvolvimento de indivíduos com TDAH que foram diagnosticados com TEA na fase adulta em relação a pessoas com os mesmos transtornos que receberam tratamento adequado desde a primeira infância, e também comparando a pessoas com TEA que foram diagnosticadas com TDAH tardiamente; aumentando, assim, seus desafios sociais e cognitivos; suscetibilizar-nos a depressão, ansiedade entre outros. Conclusão: Esses fatores corroboram para acentuar o distanciamento da possibilidade de uma vida comum a esses indivíduos em decorrência dos danos imutáveis já estabelecidos. 

Descritores: Autismo. TEA. Hiperatividade. TDAH. Desenvolvimento.

ABSTRACT

Introdução: Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurological developmental disorder with a lasting character, whose early diagnosis is essential for the correct development and adaptation of the individual in society. Associated with Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD), its symptomatology stands out from the manifestations of Autism, resulting in a single diagnosis of ADHD, without the presence of ASD being investigated.  Objetivo: Therefore, the objective of this study was to emphasize the importance of investigating Autism Spectrum Disorder (ASD) in children diagnosed or with a hypothesis of Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD), and how this factor can affect the psychosocial development until the end of life adulthood. Materiais e Métodos: Therefore, it is an integrative literature review, in which articles between the years 2009 to 2022 were evaluated, found in databases such as PubMed, SciElo and Science Direct. Resultados e Discussão: The results demonstrate a significant worsening in the development of individuals with ADHD who were diagnosed with ASD in adulthood compared to people with the same disorders who received adequate treatment since infancy, and also compared to people with ASD who were diagnosed with ADHD later; thus increasing their social and cognitive challenges; susceptibility to depression, anxiety among others. Conclusão: These factors corroborate to accentuate the distance from the possibility of a common life for these individuals as a result of the immutable damages already established.

Keywords: Autism. ASD. Hyperactivity. ADHD. Development.

1. Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio neurológico de desenvolvimento caracterizado pela interação social deficiente, irregular desenvolvimento intelectual e comportamentos repetitivos/obsessivos (HYMAN et al., 2020). Estes sintomas manifestam-se na infância e em alguns casos é evidente a influência genética, mas na maioria das vezes a causa é desconhecida, sendo mais provável que haja interação entre vários locais e não em um só gene. Outro fator que dificulta o conhecimento das gênesis do TEA é o genótipo que não segue os padrões de análise mendelianos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que há cerca de setenta milhões de pessoas com Síndrome do Espectro Autista em todo o mundo. Sendo que desse quantitativo, dois milhões encontram-se no Brasil. A estimativa é de que uma em cada 88 crianças apresenta traços de autismo, com prevalência cinco vezes maior em meninos (BRASIL, 2015).

O grau mais leve do autismo, antes conhecido como Síndrome de Asperger, categoriza pessoas com maior adaptação funcional, podem ter dificuldades específicas na aprendizagem. Nesse caso, pode-se encontrar obstáculos no entendimento e no processamento da linguagem. No entanto, possuem menos problemas de comunicação e interação social, o que demonstra grande semelhança com os sintomas do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), dificultando e retardando o diagnóstico de Autismo, que é de suma importância que seja iniciado na primeira infância para melhor desenvolvimento da criança com o tratamento (GARGARO et al., 2011).

Segundo Dias (2015), o termo (Asperger) entrou em desuso pelo peso histórico-social que carregava. O médico austríaco Hans Asperger (1906-1980) estudava crianças que apresentavam movimentos descoordenados, conversação unilateral, hiperfoco e falta de empatia. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi notório o uso do termo para apagar a existência de pessoas com TEA durante a Alemanha de Hitler.

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é mais comum que o Autismo, ocorrendo em seis vezes mais crianças. Sendo que para o Autismo, o diagnóstico precoce é fundamental. Por isso, é importante separar as características que compõem cada transtorno, como principais sintomas o TDAH, apresenta: Problemas de atenção, hiperatividade, impulsividade e comportamentos de inquietude. Porém, mesmo tendo alguns sintomas similares ao TDAH, ele possui pontos chaves para sua suspeita, como: dificuldade de interação social, comunicação e linguagem social, comportamentos repetitivos (POLDERMAN et al., 2014). É comum iniciar a abordagem diagnóstica suspeitando de TDAH por ser mais frequente na população, mas se há suspeita de autismo, é preciso seguir o protocolo até sua confirmação ou descarte. Sendo assim, o presente estudo buscou reunir informações amplas sobre o tema com finalidade de facilitar o acesso aos profissionais de saúde e familiares, considerando a escassez de trabalhos relacionando ambos os transtornos e corroborando para a democratização de informações em uma linguagem simples e direta. 

2. Materiais e métodos

A pesquisa será desenvolvida através de uma revisão integrativa de Literatura, com abordagem descritiva, selecionando rigorosamente as bibliografias que relacionem o Transtorno do Espectro Autista (TEA) com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), utilizando de revistas científicas eletrônicas focadas na área de ciências da saúde para realização desse trabalho, tais como: PubMed, SciElo e ScienceDirect e Google Scholar, além de informações contidas em sites vinculados diretamente à profissionais da área da saúde especialistas em Neurologia e Psicologia, tendo como foco de pesquisa o tema “Impactos do diagnóstico tardio do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em pessoas com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)”. 

Ademais, os critérios de inclusão definidos foram artigos disponibilizados completos, publicados entre 2010 e 2022, em português e inglês que contenham embasamento científico ou parecer direto de profissionais da saúde, além de abordar os assuntos de forma dinâmica. Os critérios de exclusão foram baseados em artigos que não respondem ao objetivo da pesquisa como abordar aspectos que fogem à temática, teses e dissertações. A partir da leitura seletiva de literaturas encontradas online relacionados ao tema proposto, fez-se possível selecionar bibliografias para inclusão no trabalho em questão. 

3. Resultados

Após selecionar 24 literaturas para nortear e embasar o estudo, observou-se a vasta lacuna existente no diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), principalmente em pessoas que possuem Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) concomitantes. Sendo assim, a problemática é refletida em diferentes cenários: Crianças e adultos que são diagnosticados com TEA e TDAH ainda na primeira infância possuem melhor desenvolvimento psicossocial e intelectual comparadas a pessoas que foram diagnosticadas tardiamente, independentes do transtorno, sendo que se o diagnóstico do TEA for tardio, os resultados tornam-se ainda piores, pois o desenvolvimento deste está diretamente ligado a boas intervenções e estratégias desde a primeira infância.

 Dessa forma, conclui-se que a demora em concretizar o diagnóstico do TEA nesses indivíduos acontece pelo descuido no momento do diagnóstico do TDAH, onde o profissional não é induzido a atentar-se a outros diagnósticos que podem estar em conjunto, bem como o passo a passo detalhado e trabalhoso para sintetizar o reconhecimento de TEA em um indivíduo que possui TDAH.

Além dos fatores diretos, há poucas publicações que abrangem os dois transtornos de forma conjunta, sendo um obstáculo para a realização do presente trabalho e mostrando como a escassez de informações dificulta o acesso de um conteúdo esclarecedor aos profissionais e à população. Esse fator, juntamente com os citados anteriormente, contribui para a problemática se concretizar e o diagnóstico do TEA acontecer tardiamente. 

4. Discussão

A seguir serão abordados os métodos diagnósticos do Transtorno do Espectro Autista (TEA) e do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), relacionando-os e evidenciando suas semelhanças e divergências como fatores que induzem ao diagnóstico tardio de TEA em pessoas que possuem ambos os transtornos. 

4.1 Diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (Tea)

O diagnóstico do TEA é clínico, através de especialistas, considerando questões comportamentais e aspectos de desenvolvimento. Segundo critérios do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), para considerar autismo, é preciso, somente, corresponder ao menos 6 critérios dos 12 propostos no livro. No entanto, a nova classificação DSM-V enfatizou que, além dos critérios listados, faz-se necessário a observação da criança em meio social, educacional e familiar, avaliando sua capacidade de comunicação, interações sociais diversas, entre outros. Esses critérios consistem em avaliações severas sobre inabilidades persistentes na comunicação social, manifestada em deficiente reciprocidade emocional e nos comportamentos não verbais de comunicação necessários para obter-se interações sociais; além de padrões repetitivos e restrição comportamental, quanto aos interesses e atividades exercidas, manifestados através de movimentos, manipulação de objetos inadequada, comportamentos repetitivos e estereotipados. Juntamente, necessidade de rotina (inflexibilidade a mudanças), rituais, fixações, alto ou baixo estímulo sensorial a atividades propostas (CHRISTIANSZ et al, 2016).

Como relatado por Sibley et al. (2016), houve o desenvolvimento de escalas de triagem com o intuito de detectar distúrbios precoces, bem como, distúrbios que não são facilmente suspeitados. A escala de triagem não é um diagnóstico, mas permite que os pacientes sejam encaminhados para uma investigação e observação mais especializada e detalhada. Os instrumentos de triagem podem ser aplicados em crianças com atraso na comunicação verbal e não verbal ou em situações de regressão da linguagem ou das habilidades sociais.  É imprescindível alertar que estes métodos podem implicar em falsos positivos e falsos negativos, sendo mais eficientes em conjunto com observação da criança no ambiente familiar e escolar.

Em suma, quatro escalas de triagem foram mais aceitas e adotadas pela maioria dos países quando se trata de TEA. São essas: Lista de Verificação Modificada para Autismo em Crianças Pequenas (M-CHAT); Escala de Pontuação para Autismo na Infância (CARS); Teste de Transtorno do Espectro do Autismo Infantil (CAST) e Questionário de Comunicação Social (SCQ). 

A M-CHAT pode ser realizada em crianças de 16 a 30 meses de idade, possuindo 23 itens a serem analisados. Pondé et al. (2010) foi responsável pela validação dessa escala no Brasil, indicando que, ao apresentar de duas a três falhas nos itens mais críticos, deve-se encaminhar o paciente a uma avaliação especializada. Neste questionário contém perguntas específicas, como “Seu filho já sabe andar?’’, “Seu filho consegue brincar segurando objetos de maneira correta?”, “Seu filho gosta de subir em móveis?”, entre outras. Tudo isso, a fim de direcionar, com maior fidelidade, ao diagnóstico correto. Atualmente, a M-CHAT é a principal escala para o diagnóstico de TEA (CHLEBOWSKI et al., 2013).

A CARS é aplicada em pessoas entre 3 a 17 anos de idade, é eficiente para distinguir casos leves, moderados ou graves de TEA. Possui 15 itens a serem avaliados, e engloba reações pessoais, imitação, resposta emocional, uso de objetos, consciência corporal, resposta em situações de mudanças, resposta visual, audição, paladar, olfato, tato, medo ou nervosismo; comunicação verbal e não verbal, nível de atividade, resposta intelectual, e impressões gerais. A pontuação de cada item varia de 1 a 4, sendo: 1- Dentro dos limites da normalidade e 4- Sintomatologia autista grave. Quanto à pontuação, há variação de 15 a 60 pontos, e a “pontuação corte” para TEA é 30 (CHLEBOWSKI et al., 2010).

Segundo Morales-Hidalgo et al. (2017), a CAST é aplicada em crianças de 4 a 11 anos de idade, dispondo de 37 questões com score máximo de 31. É positivo para TEA quando o score é maior ou igual a 15. O SCQ foi um dos instrumentos considerados padrão ouro para diagnóstico de TEA e utilização de pesquisas (Sato et al., 2009). Pode ser utilizado em pacientes a partir de 4 anos de idade, onde as questões são respondidas pelos pais. São 40 itens, sendo o ponto de corte maior ou igual a 15. A depender da idade, casos mais leves de TEA ou melhor capacidade cognitiva, podem passar despercebidos pelas avaliações com uso de escalas, tornando indispensável estar em conjunto com as outras esferas do convívio do avaliado.

4.2 Diagnóstico do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)

O diagnóstico do TDAH é majoritariamente utilizando o DSM-V, cujos critérios caminham entre A e E:

Critério A: padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere com o funcionamento ou desenvolvimento; Critério B: vários sintomas de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade presentes antes dos 12 anos de idade; Critério C: Vários sintomas de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade devem estar presentes em dois ou mais contextos (exemplo: escola e casa); Critério D: É clara a evidência de que os sintomas interferem ou reduzem a qualidade do funcionamento social, acadêmico ou ocupacional; Critério E: Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de outro transtorno psicótico, e não são melhor explicados por outro transtorno mental (exemplo: transtorno de ansiedade) (MANIADAKI, 2017, p.76).

É importante ressaltar que quaisquer desses critérios, os sintomas devem persistir por, no mínimo, seis meses, em grau inconsistente ao nível do desenvolvimento, impactando negativamente a vida do indivíduo. Para adolescentes e adultos, no mínimo 5 critérios devem ser preenchidos obrigatoriamente (SIBLEY et al., 2016).

Segundo Wigal (2021), para avaliação médica do TDAH, é necessário incluir pesquisas sobre a exposição pré-natal, como infecções, alcoolismo, complicações no parto, além de atentar-se ao desenvolvimento do paciente, buscando analisar os marcos do desenvolvimento, observando se os sintomas não foram ocasionados por fatores externos ou internos, como ansiedade e interações sociais.

Em crianças mais velhas, os sinais de TDAH se tornam mais sutis e distintos. Ademais, é disponível escalas específicas para corroborar com a análise do especialista. Além do DSM-IV, são elas: Escala de Conners e Escala de Vanderbilt. A escala de Conners, destinada a pais e professores, pode ser utilizada por especialistas como complemento, apesar da baixa aderência.

A versão para os pais contém 42 itens caracterizando o avaliado, e cada um recebe pontuação de 0 a 3, sendo: 0: nunca; 1: às vezes; 2: frequentemente; e 3: sempre. A “pontuação de corte” para TDAH é 58. Já a versão para professores, possui 39 itens divididos em 3 tópicos: Comportamento em sala de aula; Participação em grupo e Atitude em relação a autoridades,  respectivamente, com pontuação mínima de 62. (PANAGIODITI et al, 2019)

Quanto a Escala de Vanderbilt, seu desenvolvimento recente foi voltado a pediatria a fim de confirmar a presença de TDAH, sendo indicada para crianças de 6 a 12 anos de idade. Nela, estão dispostas 43 perguntas, contendo itens que relacionam ansiedade, depressão, transtornos de oposição e conduta, entre outros. Há, também, uma versão simplificada, a qual dispõe de 26 perguntas e 12 medidas contra efeitos colaterais, mas sua aplicação clínica é incomum e pouco usual entre médicos especialistas, sendo mais popular no contexto educacional (GARCÍA et al, 2018). Essas escalas, isoladamente, não conseguem distinguir o transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade de outros distúrbios do desenvolvimento.

4.3 ASRS-18

De acordo com o neurologista Matheus Trilico (2020), a Adult Self-Report Scale (ASRS) faz a adaptação adequada dos critérios listados no DSM-V para conduzir o processo diagnóstico de TDAH no contexto da vida adulta. Essa ferramenta separa os itens em grupos A e B, relacionando critérios de desatenção e hiperatividade para garantir uma análise minuciosa, como mostra a (Tabela 1).

Tabela 1. ASRS-18 

Fonte: GONÇALVES, 2022.

Interpretação: Critérios A: Sintomas descritos no DSM-V; Critérios B: Sintomas presentes precocemente (antes dos 12 anos e sintomas que causam problemas em pelo menos 2 áreas distintas (exemplo: trabalho e vida social); Se a maioria das respostas referirem pontuação 3-4/FREQUENTEMENTE ou MUITO FREQUENTE existe grande possibilidade do indivíduo analisado ser um paciente com TDAH. (GONÇALVES, 2022).

Atualmente, o ASRS-18 é o método mais simples para diagnosticar TDAH e é de fácil acesso aos profissionais de saúde, fator importante para garantir que o TDAH seja reconhecido e tratado desde o início, sem necessidade de utilizar todas as etapas citadas nos tópicos acima (RIGLER, 2016).

4.4 Relação TEA x TDAH

No sistema nervoso os transtornos comprometem áreas de grande importância para o desenvolvimento, como o cerebelo, responsável pelo equilíbrio e tônus muscular, e o sistema límbico, incluindo o hipocampo, responsáveis pelo comportamento, emoções e até mesmo a aprendizagem (SPRENGNER et al, 2013). Apesar de possuírem grandes diferenças, o Transtorno do Espectro Autista (TEA), em seu mais leve grau, assemelha-se bruscamente com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) no que diz respeito às manifestações comportamentais. Os sinais de alerta, na criança, podem ser percebidos nos primeiros meses de vida, sendo o diagnóstico estabelecido por volta 3 anos,  considerando que a condição não possui causa única. Interações de fatores genéticos e ambientais, prevalecendo no sexo masculino – os traços se manifestam-se diferente nas mulheres, prejudicando ainda mais a possibilidade de a estimulação ser iniciada na primeira infância (ANTSHEL et al., 2022).

O TDAH, por ser mais comum que o TEA, costuma ser a primeira hipótese diagnóstica; em muitos casos, a suspeita de TEA nem se inicia, pois, a sintomatologia do primeiro sobrepõe a do segundo, caminhando para uma longa jornada de desafios sociais, considerando que a simultaneidade dos transtornos ocorre em cerca de 44% dos pacientes diagnosticados com TDAH (POLDERMAN et al., 2014). Nesses casos, é comum o paciente não manifestar todos os achados de um dos transtornos, além de mesclar de forma sutil quesitos muito divergentes, expressando apenas padrões que são comuns.

Como principais, apresenta-se a dificuldade de concentração: o paciente não consegue focar em atividades. Indivíduos possuintes de TEA manifestam esse comportamento em situações específicas, sendo mais comum, fixação por longos períodos em atividades que geram interesse. A comunicação: no TDAH, a fala excessiva é comum. Quando o paciente tem tendência ao isolamento e dificuldade em comunicar-se, é um sinal de alerta para pesquisar sobre TEA. Dificuldades de interação e olhar nos olhos, bem como, o fator rotina são essenciais nessa busca,  pois indivíduos hiperativos demonstram-se impacientes a estes critérios, caso contrário, é importante atentar-se para a relação TEA-TDAH (COLOMBI, 2017).

Mediante análise de diversas abordagens em relação ao tema, inúmeras crianças com traços associados ao Transtorno do Espectro Autista recebem somente diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade antes que um pediatra ou especialista investigue o TEA, (COSTELLO et al, 2021). É importante ressaltar que há semelhanças de substratos neuropsicológicos em indivíduos com ambos os transtornos, fator que contribui negativamente com o TEA, já que o diagnóstico do TDAH é mais simplificado.  Foi demonstrado que crianças com TDAH têm dificuldades pragmáticas de linguagem semelhantes às crianças com TEA, incluindo também o desenvolvimento funcional e emocional prejudicados, ansiedade elevada e deficiências sensoriais. 

4.5 Consequências do diagnóstico tardio

Sabendo que o autismo deve ser diagnosticado antes dos 2 anos de idade, ainda na primeira infância, ao tratar-se uma comorbidade de transtornos como TEA e TDAH, é notória a perda cognitiva e social, principalmente em casos de autismo mais graves, impactando negativamente até a família do indivíduo e ressaltando características como a impulsividade, dificuldade para manter relacionamentos, comunicação prejudicada, desatenção, dificuldade de compreensão, dificuldade para estabelecer rotinas ou até mesmo a má familiarização com mudanças repentinas, entre outras (PANAGIODITI et al., 2014). Esses fatores prejudicam progressivamente a convivência familiar, acadêmica e profissional que poderiam ser esferas bem desenvolvidas na vida adulta caso o paciente recebesse tratamento adequado desde a fase inicial de seu desenvolvimento. 

Ademais, mesmo com diagnóstico e tratamento de TDAH, após os 2 anos, as alterações do neurodesenvolvimento ocasionadas pelo TEA, como é o caso do cerebelo e o sistema límbico, tornam-se irreversíveis mesmo que se inicie o tratamento. É importante ressaltar que, quanto maior é a demora para iniciar o tratamento, maior é a piora do quadro do paciente e suas perdas, predispondo-o a um quadro de ansiedade, depressão, e comportamentos suicidas (comum em adultos com autismo nível 1 de suporte – grau leve) (RICHA et al., 2014).

Sendo assim, foi possível observar a lacuna existente entre o diagnóstico de TEA e TDAH, de forma que se estão em conjunto o TDAH mascara os sintomas do Autismo de grau leve, fazendo com que o TEA seja diagnosticado tardiamente e trazendo consequências irreparáveis ao paciente. 

5. Considerações finais

O estudo foi baseado em análise dos fatores que contribuem para o atraso no diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) em pessoas que possuem diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), enfatizando as etapas para confirmação e descarte, ressaltando a necessidade da investigação de TEA quando houver confirmação de TDAH, principalmente na primeira infância, em consideração aos métodos dificultosos e minuciosos envolvidos no diagnóstico do TEA. Bem como a problemática acerca do desenvolvimento prejudicado e irreversível do indivíduo, ocasionado pela ausência de tratamento adequado para o autismo, em longo período sem diagnóstico, somado com a comorbidade do TDAH.

Em decorrência disso, notou-se que pessoas (crianças e adultos) com os dois transtornos demonstram um nível mais alto de comprometimento psicossocial comparado a pessoas que possuem transtornos únicos, além da predisposição a transtornos psiquiátricos, já que o suicídio é 9x mais comum nesse grupo, comparando a pessoas sem TEA. Esses fatores demonstram intensa necessidade no diagnóstico precoce de TEA em pessoas com TDAH, além de fornecimento de tratamentos específicos para cada um, individualizando-os, mas também, agrupando-os, pois juntos configuram necessidades específicas e diferentes de casos de transtornos únicos.

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1Acadêmico de Medicina. E-mail: laurasmorgana@hotmail.com. Artigo apresentado a UNIFIMCA, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Medicina, Porto Velho/RO, 2023.
2Acadêmico de Medicina. E-mail: mosany_dede@gmail.com. Artigo apresentado a UNIFIMCA, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Medicina Porto Velho/RO, 2023.
3Acadêmico de Medicina. E-mail: paulaisabelly11@hotmail.com. Artigo apresentado a UNIFIMCA, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Medicina, Porto Velho/RO, 2023.
4Professor Orientador. Professor do curso de Medicina. E-mail: prof.chimene@fimca.com.br