IMPACTO DO RASTREAMENTO DE CÂNCER DE PRÓSTATA ATRAVÉS DA DOSAGEM DO ANTÍGENO PROSTÁTICO ESPECÍFICO (PSA) PARA O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.

IMPACT OF PROSTATE CANCER SCREENING THROUGH PROSTATE SPECIFIC ANTIGEN (PSA) DOSAGE FOR THE UNIQUE HEALTH SYSTEM.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7637596


Roberto Ribeiro Malveira1,2
Cristiane Rocha Magalhães2
Marcela Dutra da Silva2
Kátia Marie Simões e Senna1
Bernardo Rangel Tura1


RESUMO

A população mundial está envelhecendo e a estrutura etária da população brasileira será semelhante à que observamos nos países desenvolvidos no início do século XXI. O câncer de próstata (CaP) é o câncer masculino mais comum com um total de 72.000 novos casos por ano. A utilização de rastreamento populacional para detecção de câncer de próstata utilizando o teste diagnóstico para o antígeno prostático específico (PSA) é controverso. O tratamento do câncer de próstata pode causar incontinência urinária e disfunção erétil. Objetivo: Avaliar o impacto do rastreamento populacional de câncer de próstata utilizando o teste diagnóstico do PSA. Métodos: Calculou-se o impacto orçamentário para o Sistema Único de Saúde, a quantidade de indivíduos com sobrediagnóstico, as biópsias da próstata e prostatectomias desnecessárias, e a quantidade de indivíduos com sequelas pós prostatectomias. Para uma coorte hipotética com característica semelhante a população brasileira, o impacto orçamentário para o rastreamento populacional é de R$ 2.258.589.515,04 incluindo a realização 14.914.944 biópsias desnecessárias. Resultados: Em 1.322 prostatectomias, temos 622 indivíduos com incontinência urinária e 741 com disfunção erétil. Ao estimar o sobrediagnóstico em 60%, dos 3.095 homens detectados com câncer de próstata, 1.857 homens tinham tumores indolentes. As prostatectomias desnecessárias somaram 793. Conclusão: O resultado da avaliação demonstra a necessidade de uma grande quantidade de recursos para a realização de rastreamento populacional de câncer de próstata, submetendo grande parte da população masculina à procedimentos desnecessários.

Palavras-chave: câncer de próstata, rastreamento, sobrediagnóstico, antígeno prostático específico.

ABSTRACT

The world population is aging and the age structure of the Brazilian population will be similar to that observed in developed countries at the beginning of the 21st century. Prostate cancer (PCa) is the most common male cancer with a total of 72,000 new cases per year. The use of population screening for prostate cancer detection using the diagnostic test for prostate-specific antigen (PSA) is controversial. Prostate cancer treatment can cause urinary incontinence and erectile dysfunction. Objective: To evaluate the impact of population screening for prostate cancer using the PSA diagnostic test. Methods: The budgetary impact for the Unified Health System, the number of individuals with overdiagnosis, prostate biopsies and unnecessary prostatectomies, and the number of individuals with post-prostatectomy sequelae were calculated. For a hypothetical cohort with characteristics similar to the Brazilian population, the budgetary impact for population screening is BRL 2,258,589,515.04 including performing 14,914,944 unnecessary biopsies. Results: In 1,322 prostatectomies, we have 622 individuals with urinary incontinence and 741 with erectile dysfunction. When estimating overdiagnosis at 60%, of the 3095 men detected with prostate cancer, 1857 men had indolent tumors. Unnecessary prostatectomies totaled 793. Conclusion: The result of the evaluation demonstrates the need for a large amount of resources to carry out population screening for prostate cancer, subjecting a large part of the male population to unnecessary procedures.

Keywords: prostate cancer, screening, overdiagnosis, prostate-specific antigen.

INTRODUÇÃO

As Nações Unidas estimam que a população mundial seja de 9,7 bilhões de habitantes em 2050 (ONU, 2019), e projeta para o mesmo ano que uma em cada seis pessoas no mundo terá 65 anos ou mais (16%) relação que em 2019 é de uma em 11 (9%). A população mundial está envelhecendo a estrutura etária da população brasileira será semelhante à que observamos nos países desenvolvidos no início do século XXI, quando 45,0% de pessoas possuíam 45 anos ou mais de idade (IBGE, 2016; ONU, 2019). No Brasil, as projeções demonstram curvas ascendentes para os indivíduos acima de 60 anos (NASRI, 2008), em decorrência da queda da taxa de natalidade (CARVALHO e GARCIA, 2003; ONU, 2019). Com base nesse cenário cresce a importância de se pensar nas doenças crônico-degenerativas como as cardiovasculares, o câncer e as associadas ao envelhecimento (OMS, 2015; TORRE et al, 2015). E desta forma, o câncer surge como uma das preocupações em termos de saúde pública no mundo, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento (OMS, 2015; WHO, 2018).

No Brasil, os tipos de câncer mais incidentes em homens foram: pulmão, próstata, cólon e reto, estômago e fígado, tendo uma previsão de 704 mil novos casos de câncer a cada ano no País (INCA, 2022). Dentre estes, o câncer de mama em mulheres (10,5%), o de próstata em homens (10,2%) e o de cólon e reto (6,5%) são os três tipos mais incidentes. O câncer de próstata (CaP) é o câncer masculino mais comum e ocorre em todas as regiões, com um total de 72.000 novos casos por ano, perdendo apenas para os cânceres de pele não melanoma (INCA, 2022).

Dentre as causas para o aumento da incidência de CaP observado no Brasil, além da elevação da sobrevida da população, acrescenta-se a melhoria da qualidade dos registros. Em 2020, o câncer de próstata apresentou 98 mil casos novos, segundo dados do GLOBOCAN (SUNG, 2021). Sua incidência tem aumentado significativamente, em grande parte devido à adoção generalizada do teste de antígeno prostático específico (PSA) para a detecção do CaP assintomático (KAWANO e MOURÃO, 2022).

No entanto, parte desse aumento entende-se estar relacionado ao fenômeno denominado sobrediagnóstico (INCA, 2019), que em oncologia refere-se à ocorrência de diagnóstico de cânceres, os quais não progredirão ou mesmo terão um desenvolvimento lento, decorrentes da presença de tumores indolentes. Estes tumores são caracterizados por apresentarem uma reduzida taxa de crescimento e não evoluírem para metástase. Indivíduos cujo diagnosticado de CaP seja classificado como sobrediagnóstico, chegarão ao óbito sem apresentarem sintomas relacionados a doença. E a causa mortis não será o câncer diagnosticado (WELCH e BLACK, 2010). O sobrediagnóstico não está relacionado com o resultado falso-positivo do teste diagnóstico, uma vez que este apenas contribui com uma quantidade maior de indivíduos encaminhados para a biópsia da próstata, sem alterar o número de casos de câncer diagnosticados (WELCH e BLACK, 2010; INCA 2002; CALISTA et al, 2020).

Welch e Black (2010) estimaram a existência de sobrediagnóstico em 60% dos casos de CaP quando utilizado o teste do antígeno prostático específico (PSA, do termo em inglês prostate specific antigen) durante o processo diagnóstico. Em 2001, um estudo já relatava que autópsias de um em cada três homens após os 50 anos mostraram evidências histológicas de CaP, mesmo não tendo como causa mortis o câncer. O mesmo estudo relata que o percentual atinge 80% em indivíduos acima de 80 anos (SCHWARZSCHILD, 2001).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a detecção precoce de câncer pode ocorrer por meio de duas estratégias: o diagnóstico precoce e o rastreamento populacional. Na primeira, deve haver uma conscientização dos indivíduos quanto aos principais sinais e sintomas da doença para que procurem uma avaliação em um serviço de saúde, caso possuam algum deles. Na estratégia de rastreamento, toda a população alvo é avaliada, incluindo indivíduos aparentemente saudáveis (WHO, 2007).

A próstata é uma glândula com função secretora que compõe o sistema reprodutor. Localizada abaixo da bexiga e anterior ao reto, envolvendo a porção inicial da uretra, canal pelo qual a urina é eliminada. Por isso explica-se o toque retal constituir-se em um dos pilares da avaliação prostática de rastreamento. A próstata tem como função principal, a produção de parte do líquido que forma o sêmen (MARTINS, 2021). Alguns fatores de risco foram identificados para o desenvolvimento do CaP: idade, excesso de peso corporal, etilismo, tabagismo, histórico familiar, etnia, metabolismo esteróide sexual desregulado, hiperinsulinemia, níveis elevados de ocitocinas pró-inflamatórias e alterações nos genes BRCA1, 2 e ATM (CALISTA et al, 2020; INCA, 2022).            

Para o diagnóstico do CaP estão recomendados o exame clínico com o toque retal, a dosagem sérica do PSA e a biópsia da próstata (NARDI et.al., 2015; JÚNIOR et.al. 2015; DALL’OGLIO et.al., 2011). O toque retal possui limitações, pois apenas as áreas posteriores e laterais da próstata são avaliadas. No entanto, é na zona periférica que são localizados a maioria dos tumores e são detectados quando o volume tumoral é igual ou maior que 0,2 mL (DALL’OGLIO et.al., 2011). Com relação ao teste do PSA, valores alterados podem estar relacionados com causas diversas, tais como o resultado falso positivo do teste, ocasionando a realização de biópsias desnecessárias (INCA 2002; JÚNIOR et.al. 2015; CALISTA et al, 2020).

O PSA é uma glicoproteína produzida pelo epitélio prostático, podendo ser encontrada também no endométrio, glândulas uretrais, periuretrais e anais masculinas, tumores de mama e adenocarcinomas de pulmão (ANGELI, 2008). Seu uso inicial foi como marcador tumoral na detecção de recorrência de câncer de próstata ou progressão da doença. No início dos anos 90 o teste foi adotado para o rastreamento do câncer de próstata. Em seguida, sociedades profissionais o adotaram em suas diretrizes como estratégias de rastreamento (METTLIN et.al., 1993). Entretanto a utilização do teste de PSA no rastreamento do câncer de próstata é uma questão controvérsia (BRETT et.al., 2011; BRASIL, 2016; KAWANO e MOURÃO, 2022).

De acordo com Armbruster (1993) um marcador tumoral ideal deve ter como características: a especificidade para o tecido, tumor ou para ambos; capacidade de diagnosticar câncer precocemente ou monitorá-lo; capacidade de detectar o tumor antes que os sintomas surjam; ter tempo de meia-vida curta a fim de expressar rapidamente a resposta ao tratamento, e ter 100% de sensibilidade e especificidade. Diante do apontado pelo autor, o PSA não se classifica como o marcador tumoral adequado para ser utilizado em um rastreamento populacional (LUIZAGA et al, 2020; PONTE et al, 2021). Entidades como a American Cancer Society (ACS) e a American Urological Association (AUA) recomendam uma decisão compartilhada após o indivíduo ser informado sobre os riscos e benefícios ao se submeter ao rastreamento. No entanto, a Canadian Task Force on Preventive Health Care (CTFPHC) não recomenda que se realize o rastreamento, e o National Cancer Institute alerta para os riscos desta estratégia de detecção do CaP (WHO, 2007).

No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (2019) também não recomenda a utilização do teste em rastreamento populacional, por considerar que faltam evidências científicas de boa qualidade que indiquem o emprego desta estratégia diagnóstica. No entanto, a Sociedade Brasileira de Urologia se posiciona a favor do rastreamento (INCA, 2019). As sequelas pós-tratamento impactam na qualidade de vida do indivíduo. São potencialmente capazes de produzir consequências psicológicas. Tofani e Vaz (2007) relatam a possibilidade de uma disfunção erétil produzir ou amentar ansiedade e depressão. Além disso, deve-se considerar o impacto financeiro decorrente dos custos do tratamento da incontinência urinária e da disfunção erétil.                        

Através de informações acessíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), pode se reconhecer situações que levem a uma melhora da vigilância em saúde. Portanto, o primeiro passo para combater uma doença é conhecê-la: saber onde, quando, como e quem ela afeta, para que as medidas de controle possam ser planejadas. Assim, este estudo traz como objetivo “Estimar o impacto financeiro da adoção do rastreamento populacional de câncer de próstata com o teste diagnóstico para o antígeno prostático específico para o Sistema Único de Saúde”.

METODOLOGIA

O presente estudo elaborou uma avaliação econômica parcial estimando a análise do impacto orçamentário do rastreamento populacional de câncer de próstata com o teste diagnóstico do Antígeno Prostático Específico, em indivíduos do sexo masculino com idade entre a 50 e 76 anos. A análise foi elaborada sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS), para avaliar a hipótese de incorporação de rastreamento de CaP para a população brasileira. O horizonte temporal estabelecido para análise foi de um ano, opção considerada adequada para que a análise expresse o objetivo deste trabalho. Para a construção do modelo de estudo foi realizada uma revisão rápida na literatura a partir de pergunta estruturada com base no acrônimo PICO (Quadro 1).

Quadro 1 – Acrônimo PICO do estudo:

A revisão da literatura foi realizada na base de dados primária Medline, via Pubmed, a partir das seguintes estratégias de busca: a primeira foi desenhada para localizar estudos que fornecessem estimativas para subsidiar a construção de uma árvore de decisão (diagrama de estudo) e a segunda foi elaborada para localizar artigos sobre a acurácia do teste diagnóstico do PSA (Quadro 2). As buscas foram realizadas sem restrição de data de publicação, e com filtros para os idiomas Português, Inglês e Espanhol.

Quadro 2 – Estratégias de busca:

Para a elaboração do modelo foi construída uma árvore de decisão (diagrama de estudo) a partir de uma coorte hipotética com características semelhantes à população brasileira. Esta coorte foi utilizada para estimar a ocorrência de das sequelas pós-cirurgia de prostatectomia (incontinência urinária e disfunção erétil), do sobrediagnóstico, e do impacto orçamentário, no rastreamento populacional de CaP utilizando o teste diagnóstico do PSA.

Foram considerados os valores de sensibilidade e especificidade obtidos para o teste diagnóstico de PSA, assim como as estimativas de sobrediagnóstico e sequelas pós-cirurgia de ressecção da próstata, dentre os resultados encontrados na literatura consultada. Sendo desconsiderados ajustes no ponto de corte de PSA relacionados com a etnia, a idade do indivíduo, ou a história familiar de CaP.

As informações para a composição da população na coorte hipotética foram extraídas da projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) denominada Projeção da População do Brasil por Sexo e Idades: 2000-2060. O custo do exame de toque retal (TR) foi estimado a partir do valor de uma consulta em atenção especializada, por não encontrar o valor referente ao exame no Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órteses, Próteses e Materiais Especiais do Sistema Único de Saúde_SIGTAP/ DATASUS e por ser este exame realizado durante a consulta médica.

A obtenção da estimativa das biópsias desnecessárias originou-se da soma de dois valores. Um deles foi a quantidade de indivíduos com resultado falso-positivo no teste de PSA. A segunda parcela foram os indivíduos com resultado verdadeiro positivo, mas que possuiam tumores indolentes, ou seja, grupo considerado como sobrediagnóstico. Esta parcela foi obtida através da quantidade de pessoas com diagnóstico de CaP após a realização de biópsias, multiplicada pelo percentual estimado de sobrediagnóstico, conforme demonstrato a seguir:

Bd = Fp + (Hbp x Sd)

Onde: Bd = biópsias desnecessárias
Fp = quantidade de indivíduos com resultado falso positivo do teste
PSA Hbp = indivíduos com CaP e resultado positivo na biópsia da próstata
Sd = percentual de sobrediagnóstico

Para a radioterapia foi considerado o número de Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC) iniciais como a quantidade de pacientes que realizaram tratamento de radioterapia no período. O valor considerado para a radioterapia foi o valor médio pago por APAC no ano de 2016, somado ao valor de uma tomografia, a qual é utilizada no planejamento deste tratamento. No valor da APAC, além da quantidade de campos irradiados, estão incluídos procedimentos secundários como o planejamento radioterápico, e a verificação que avalia se a área delimitada se encontra enquadrada nos campos planejados. Não foi considerada a realização de hormonioterapia previa ou adjuvante à radioterapia.

Para o valor do tratamento de CaP foi considerado a média ponderada da prostatectomia e da radioterapia. Para cada procedimento, multiplicamos a quantidade realizada em 2016 pelo valor do procedimento. Em seguida, somamos os resultados das duas multiplicações e dividimos pela soma das quantidades dos procedimentos realizados no período, conforme demonstrado na equação abaixo. Os dados para realização deste cálculo foram obtidos a partir dos registros do ano de 2016.

A estimativa de prostatectomias desnecessárias foi obtida através da multiplicação da quantidade de prostatectomias pela estimativa percentual de sobrediagnóstico.

Pd = P x Sd

Onde: P = quantidade de prostatectomias desnecessárias
P = quantidades de prostatectomias realizadas
Sd = estimativa de sobradiagnóstico

Todos os cálculos para determinar o impacto orçamentário foram realizados utilizando o software Excel® e foram arredondados para o número inteiro superior. Os valores estão expressos em moeda nacional brasileira (Reais – R$). Para análise de sensibilidade foi utilizado o programa R versão 3.3.2. O projeto foi cadastrado na Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia.

RESULTADOS

Segundo o IBGE, a população de homens entre 50 e 76 anos em 2016 foi de 19.634.634. Destes, de acordo com a estimativa do INCA (2018) de 61,82 novos casos de CaP para cada 100.000 homens, válida para o mesmo período, tivemos 12.150 casos novos. O custo do rastreamento dos 19.634.634 homens submetidos à parte inicial do rastreamento (TR e teste diagnóstico do PSA) foi de R$ 518.747.030,28, dos quais R$196.346.340,00 correspondendo ao TR, e R$ 322.400.690,28 referente ao teste do PSA.

Do total de indivíduos encaminhados para o exame de biópsia da próstata, menos de 0,1% (0,07%) são indivíduos que realmente possuem CaP. Os demais representam uma das parcelas do grupo de biópsia desnecessárias e tiveram resultado falso negativo. A outra parcela é obtida a partir de uma estimativa de 60% de sobrediagnóstico no grupo que o resultado da biópsia foi positivo para CaP. Temos então que 14.914.944 indivíduos realizam biópsia desnecessariamente.

 A biópsia da próstata completa o rastreamento do CaP, totalizando um custo de R$ 2.258.589.515,04, sendo submetidos a este procedimento 14.924.022 indivíduos. Deste total, 14.913.087 são biópsias desnecessárias.

A partir das informações coletadas no DATASUS para o período de janeiro a novembro de 2016, 42,7% dos homens trataram o CaP submetendo-se a prostatectomia, e 57,3% com radioterapia. A taxa de mortalidade para esse procedimento cirúrgico no período foi de 0,58% (16 óbitos), com uma média de permanência de 4,2 dias. Então, no cenário analisado neste trabalho temos 1.322 indivíduos submetidos a retirada da próstata e 8 óbitos.

Estimando a ocorrência das sequelas da prostatectomia em 47% para a ocorrência de incontinência urinária após 12 meses, e 56% para a disfunção erétil também por 12 meses, temos para o cenário do estudo que 622 indivíduos tem incontinência urinária, e 741 indivíduos tem disfunção erétil.

A análise de sensibilidade demonstrou que apenas a especificidade do teste diagnóstico do PSA influência no impacto orçamentário. Este resultado é coerente com o comportamento da especificidade num teste diagnóstico. Quanto menor o seu valor, maior a quantidade de indivíduos com resultado falso positivo. Consequentemente, neste estudo, uma maior quantidade de indivíduos foi encaminhada para a biópsia da próstata, elevando o valor do impacto orçamentário.

DISCUSSÃO

A hipótese da incorporação pelo SUS do rastreamento populacional de CaP utilizando o teste diagnóstico do PSA em homens com idade entre 50 e 76 anos foi elaborada sob os aspectos da acurácia do teste diagnóstico e suas consequências, o sobrediagnóstico e o impacto econômico. Com relação ao teste diagnóstico do PSA, seus parâmetros de sensibilidade e especificidade demonstraram uma reduzida capacidade de ser um instrumento adequado para sua utilização em um rastreamento populacional. A reduzida especificidade acarretou numa grande quantidade de resultados falso-positivo.

Considerando ainda o desconhecimento da história natural da doença e o fato de que para o rastreamento homens assintomáticos seriam encaminhados para a dosagem do PSA, teríamos como consequência um grande número de indivíduos diagnosticados com CaP e encaminhados para tratamento, os quais possuem tumores indolentes, fato este classificado como sobrediagnóstico (POPPEL et al, 2022).

Analisando a etapa inicial do rastreamento representado pela testagem com PSA, obtivemos que 10% dos indivíduos que possuiam CaP de próstata eram descartados por representarem o grupo com resultado falso negativo do teste. Foram 1.215 indivíduos descartados pelo resultado do teste diagnóstico do PSA e que no ano seguinte seriam novamente submetidos ao rastreamento.            

Por outro lado, com os resultados da simulação do modelo, considerando para o teste diagnóstico do PSA uma sensibilidade de 90% e uma especificidade de 24%, é possível estimar que grande quantidade de indivíduos que não tem CaP, não seriam descartados pelo teste. Isto devido a sua baixa especificidade. De um total de 19.634.634 homens rastreados, 14.913.087 apresentariam resultado falso positivo e seriam encaminhados para a realização de biópsia sem necessidade.

Somando-se as duas etapas iniciais do rastreio (TR e PSA) temos mais de meio milhão de reais. Este valor supera os gastos com material de consumo que o Ministério da Saúde teve com o INCA no ano de 2015, que de acordo com o portal transparência (http://transparencia.gov.br/) foi de R$ 168.702.025,54.

Em termos monetários, para a realização de biópsia, o grupo com resultados falso-positivo do teste do PSA representa um custo de R$ 1.738.567.682,46. Este valor representa 99,93% do valor obtido pelo modelo para a realização deste procedimento. É importante ressaltar que o procedimento pode causar algumas complicações como hemospermia (37,4%), hematúria (14,5%), sangramento retal (2,2%) (DALL’OGLIO et al, 2011).

Considerando que o rastreamento ocorre ao longo do ano, seriam mais de 50 mil biópsias da próstata desnecessárias por dia. Além disso, para a realização deste exame são necessários profissionais especializados, material de consumo, equipamentos e instalações, os quais devem estar disponíveis para realizar o procedimento. Os recursos envolvidos para a etapa de biópsia da próstata, considerando também a totalidade dos resultados verdadeiro positivo são R$ 2.143.522.884,96.

Finalizada a etapa de rastreamento, temos um gasto total de R$ 2.258.589.515,04, representando 5,9% dos gastos diretos do Ministério da Saúde em 2015, segundo o portal transparência (http://transparencia.gov.br/). Ainda, segundo a mesma fonte, os gastos do Ministério da Saúde com o INCA, instituição de referência do Governo Federal na área de oncologia, recebeu em 2015, R$ 429.901.470,54. Desta forma, o custo da etapa de rastreamento equivale a cinco vezes a manutenção de um hospital público de referência na área oncológica. Considerando a sensibilidade da biópsia, teremos 3.095 novos casos de CaP detectados ao final do rastreamento populacional, e o custo por cada CaP detectado é de R$ 729.754,29.

Estudos internacionais recomendam o uso de ferramentas validadas de apoio à decisão clínica, a fim de facilitar a troca entre o binômio médico-paciente e discussão dessas informações. Essas ferramentas são usadas principalmente quando as pessoas têm escolhas razoáveis ​​sobre resultados de saúde com valores diferentes (SANTOS et al, 2022; POPPEL et al, 2022).

Pesquisa realizada pela Universidade de Gotemburgo na Suécia, entre os anos de 2015 a 2020 verificou que evitar a biópsia sistemática em favor da biópsia dirigida por Ressonância Magnética para triagem, em pessoas com níveis elevados de PSA reduziu o risco de sobrediagnóstico pela metade, ao custo de retardar a detecção de tumores de risco intermediário em uma pequena proporção de pacientes (HUGOSSON et.al., 2022). Cabe informar como limitação deste estudo que não foram computados o valor da consulta de retorno quando o indivíduo receberia o resultado do teste diagnóstico do PSA.

CONCLUSÃO

O resultado desta avaliação demonstra que o rastreamento populacional do CaP utilizando o teste diagnóstico do PSA demandaria uma grande quantidade de recursos financeiros, e submetendo grande parte da população masculina à procedimentos desnecessários. A história natural da doença a e acurácia do teste diagnóstico do PSA são responsáveis pela ocorrência de sobrediagnóstico de CaP.

A tomada de decisão compartilhada caracteriza-se por um processo colaborativo mútuo, em que são discutidas as opções de cuidado e suas possíveis possibilidades e consequências; a fim de se tomar a decisão mais adequada ao contexto de vida do indivíduo. Este tipo de abordagem é especialmente relevante, em situações onde existe algum grau de incerteza na relação entre risco e recompensa. Avaliações econômicas futuras poderão aprimorar os resultados apresentados neste trabalho.

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1 Instituto Nacional de Cardiologia, Rio de Janeiro, Brasil
2 Instituto Nacional do Câncer, Rio de Janeiro, Brasil.