REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8248093
Kluska, Miscelene Nunes dos Santos1
Morais, Wanderson Rodrigues2
Resumo
A abundância de informações disponíveis na internet e a crescente percepção das necessidades das pessoas, expressas principalmente nas interações sociais, espaços públicos e pesquisas institucionais, têm contribuído significativamente para o aumento do sofrimento psíquico, especialmente entre os grupos mais vulneráveis. Questões políticas ultrapassam os limites da tolerância e se entrelaçam com problemas como a pobreza e a desigualdade social, resultando em uma violência explícita que leva os indivíduos ao limite de sua capacidade e resistência emocional. No contexto em que vivemos, as relações de poder tendem a marginalizar certos grupos que continuamente sofrem com práticas de dominação e opressão. É de suma importância aprofundar a discussão sobre o sofrimento psíquico, e neste trabalho isso é realizado através da apresentação de dados que comprovam os impactos das políticas governamentais e outros fatores sociais na vida das pessoas. Esses dados foram coletados das principais fontes de notícias do país e, em seguida, analisados criticamente para fundamentar as conclusões apresentadas. A convivência complexa inerente aos grupos humanos é resultado de inúmeras variáveis do contexto social e político-econômico, o que cria circunstâncias que transformam a existência nos agrupamentos humanos em um verdadeiro ato de bravura, quase sobre-humano, para garantir a sobrevivência. Este trabalho destaca a polarização existente no campo político brasileiro, a qual se manifesta até mesmo através de demonstrações de extrema violência em diversas instituições, alimentando a desconfiança em relação aos poderes executivo, legislativo e judiciário. Essa situação tem como consequência o comprometimento da saúde mental da sociedade brasileira e das gerações futuras. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é explicar o processo saúde-doença e suas relações com o contexto atual.
Palavras-chave: Desigualdade. Polarização. Violência. Política. Saúde Mental.
Abstract
The abundance of information available on the internet and the growing awareness of people’s needs, mainly expressed in social interactions, public spaces, and institutional research, have significantly contributed to the increase of psychological suffering, especially among the most vulnerable groups. Political issues surpass the bounds of tolerance and intertwine with problems such as poverty and social inequality, resulting in explicit violence that pushes individuals to the limits of their emotional capacity and resilience. In the context in which we live, power dynamics tend to marginalize certain groups that continuously experience practices of domination and oppression. It is of utmost importance to delve deeper into the discussion about psychological suffering, and in this work, it is achieved by presenting data that demonstrate the impacts of governmental policies and other social factors on people’s lives. This data has been collected from the country’s primary news sources and then critically analyzed to underpin the presented conclusions. The complex coexistence inherent in human groups is a result of numerous variables within the social and political-economic context, creating circumstances that turn existence within human communities into a true act of bravery, almost superhuman, to ensure survival. This work highlights the polarization present in the Brazilian political landscape, which even manifests through displays of extreme violence in various institutions, fueling mistrust towards the executive, legislative, and judicial powers. This situation results in the compromise of the mental health of Brazilian society and future generations. In this sense, the objective of this work is to explain the health-disease process and its relations with the current context.
Keyword: Inequality. Polarization. Violence. Politics. Mental Health.
INTRODUÇÃO
Trata-se de um tema recorrente e atual que está inserido no dia a dia de todos, pois o sofrimento psíquico em virtude do excesso de cobrança e do bombardeamento de informações diárias é uma realidade para boa parte da população mundial. A polarização da política brasileira especialmente em época de campanhas eleitorais, a intolerância relacionada a questões de gênero, raça e diversas outras inclusive misoginia e o agravamento da pobreza com o aumento do número de pessoas que passam fome, são exemplos de causas e efeitos de políticas que atingem a sociedade de maneira corrosiva e deixam graves sequelas na saúde mental do indivíduo.
Na abordagem sobre a polarização da política brasileira esta está muito centrada na questão do voto e não tanto nas opiniões e atitudes políticas. A escassez de dados sobre esse tema nos obriga a ter uma visão apenas panorâmica e exploratória com base em pesquisas internacionais elaboradas pela Latin American Public Opinion Project (Lapop) que é um projeto mantido pela Universidade de Tenesse nos EUA desde meados de 2004 e faz pesquisa de opinião em 11 países da América Latina, e o World Values Survey (WVS), também americano que se expandiu para 120 países com o objetivo de analisar valores, crenças e normas das pessoas em uma perspectiva comparativa e transnacional (ORTELLADO, RIBEIRO E ZEINE, 2022).
Questões de misoginia e LGBTQfobia são fatores cruciais no debate político nacional e internacional. Junta-se a estas outras demandas raciais que engrossam o conjunto que compõe as medidas de base das campanhas em todo o país. Candidatos aos principais cargos brasileiros evitam manifestar publicamente suas opiniões sobre estes temas que dividem opiniões e consequentemente podem incorrer em redução de votos.
Em nosso contexto as relações de poder tendem a negar essas questões identitárias colocando às margens alguns sujeitos que sofrem de forma recorrente com práticas de dominação e violência (CORTEZ, SOUZA, SALVADOR, OLIVEIRA, 2019). De acordo com a Fiocruz (2021) a desigualdade de renda e a pobreza no Brasil aumentaram. No final de 2019, o Brasil havia sido destaque no relatório de desenvolvimento humano divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Segundo o estudo, o país era o sétimo mais desigual do mundo, atrás apenas de nações africanas. Em março de 2020, com a economia impactada, a desigualdade de renda bateu recorde. Em matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo em junho de 2022 afirma que 47,3 milhões de brasileiros terminaram o ano de 2021 na pobreza, o que equivale a 22,3% da população. Deste total, as pessoas de zero a 17 anos são os mais prejudicados e a parcela da população que mais sofreu com esse agravamento, 73% do total, é negra (Folha de São Paulo, 2022).
Nesse sentido, este trabalho visa fomentar esta discussão sobre o sofrimento psíquico decorrente de políticas governamentais e demais fatores sociais que interferem diretamente na vida das pessoas e no modo como elas enxergam e lidam com o presente e o porvir. Para atingir o que é proposto serão elencados os impactos destas ações na saúde mental da população, será apresentado também dados que corroboram estes impactos, retirados das principais fontes de notícias do país e posteriormente, através de análise crítica do exposto, será feita uma conclusão calçada nas informações apresentadas.
É importante que o debate não se torne esquecido entre os acadêmicos e pessoas envolvidas, para que a população se mantenha esclarecida e se sinta mais preparada para lidar com seu sofrimento psicológico, munidas de informações de qualidade e calçadas por conteúdos práticos e objetivos focados em resultados. Para a realização deste trabalho, será conduzida uma pesquisa online utilizando fontes de informação renomadas, como jornais, revistas e sites de alcance mundial. Essas fontes serão selecionadas com base em seu reconhecimento e credibilidade na comunidade acadêmica, garantindo a qualidade e confiabilidade dos dados utilizados.
IMPACTOS DO CONTEXTO SOCIOECONÔMICO NA SAÚDE MENTAL: TEORIAS E EVIDÊNCIAS
A convivência complexa inerente aos grupos humanos é resultante de inúmeras variáveis do contexto social, político-econômico que resultam em circunstâncias que tornam a existência nos conjuntos formados pelo homo sapiens, quase um ato de bravura no limite da sobrevivência.
No trecho citado pelo sociólogo Zygmunt Bauman em sua obra “Modernidade Líquida”, ele diz que “não há dúvidas de que, se quisermos viver, temos de arriscar. Precisamos ser bravos. Precisamos ter coragem” (BAUMAN, 2001). Aqui o autor explora a complexidade das relações humanas na sociedade contemporânea. Na complexa tessitura destas relações, em meio aos desafios e adversidades, é preciso recordar estas sábias palavras. A citação destaca a necessidade de coragem e bravura para enfrentar os desafios inerentes à convivência nos grupos humanos.
É de se verificar que os preconceitos estruturais determinam quais grupos étnicos, culturais devem sobreviver nos conglomerados urbanos e rurais, entretanto muitas vezes a maioria das práticas excludentes é camuflada e não denunciam que tipo de política mortal é praticada em detrimento das possibilidades de participação digna de determinados conjuntos sociais no centro das melhores oportunidades existentes no meio, em consonância com essas ideias desnudas, é plenamente aplicável alguns posicionamentos de mundo externalizados pelo Psicólogo Social, Ignácio Martín-Baró, uma vez que ele defendeu que existe a prevalência nefasta de pensamentos desumanizantes, despersonalizantes que desvirtuam a subjetividade do indivíduo e conduzem a um caminho cada vez mais alienante “da vida como ela é”, nesse sentido podemos citar o seguinte trecho do livro do intelectual supracitado, intitulado “Crítica e Libertação na Psicologia”:
“Tal como no caso do “caráter latino-americano” a pretensão explicativa da cultura da pobreza para a síndrome fatalista incorre em uma sutil psicologização. Afirma-se que, uma vez estabelecido o traço ou o estilo de vida, o fatalismo adquire uma autonomia funcional que o mantém e reproduz. O pressuposto implícito é o de que, mesmo quando evoluem as condições sociais, o indivíduo manterá sua indolência fatalista. Em outras palavras, uma vez estabelecida “a cultura da pobreza”, ela será a causa do fatalismo da população, independentemente das condições sociais mudarem ou não. O fatalismo teria suas raízes mais no psiquismo das pessoas do que no funcionamento das estruturas econômicas, políticas e sociais”. (MARTÍN-BARÓ, 2017, P. 221- 222).
Indubitável é que existe toda uma construção racional no sentido de afirmar que as pessoas que pertencem às minorias são desprovidas de qualidades sábias e, ainda, de capacidade para estabelecer um raciocínio mais apurado, pois elas não cultivam dentro de si o traço de vida inclinado para a constante melhoria da forma de existir “fazendo”, visto que o simples fato de “existir” não é válido dentro de uma sociedade que valoriza a apropriação das forças da natureza a qualquer custo.
Não se perder de vista a depreciação da organização formal mínima com total desconsideração dos valores que prestigiam a dignidade humana, nesse contexto podemos observar a polarização no campo político brasileiro, culminando até mesmo com demonstração de extrema violência com assassinatos por motivo torpe e insistentemente exibidos nos meios de comunicação, conforme reportagem extraída do portal G1 (G1-GLOBO, 2022) que trata do homicídio do brasileiro, Marcelo Arruda, tendo como autor um Agente Penitenciário Federal, Jorge Garanho, brasileiro também, ambos separados, apenas por questões políticas divergentes, por meio dessa amostra ingrata é possível aferir a magnitude da intolerância e polarização no sistema político nacional e instalação de uma espécie de “clima de guerra”.
A guerra, para Martín-Baró, deve ser entendida por aquilo que conforma e altera na dinâmica social, tendo três vetores que se retroalimentam: (a) violência; (b) polarização social e (c) mentira (Martín-Baró, 2017a). Sobre a primeira, não se pode compreendê-la como comportamento individual, fruto de mecanismos psíquicos (auto)destrutivos, mas inerente ao capitalismo, tendo um caráter estrutural. Remetendo a Fanon, “a violência imposta pelo colonizador é introjetada pelo colonizado, ficando ancorada em sua musculatura como uma tensão reprimida e em sua mente como culpa assumida” (Martín-Baró, 2017b, p. 193). Por conta disso, a violência perpetrada contra os explorados e oprimidos deve ser diferenciada da que estes produzem quando se voltam contra a ordem, isto é, a violência revolucionária, que passa a possuir um papel humanizador (Martins & Lacerda Júnior, 2014). Ademais, se com o prolongamento da guerra temos a normalização da violência, ao invés de uma anomalia, poderíamos pensar se a naturalização e o caráter sistêmico da violência já não configurariam um contexto de guerra, mesmo que não formalmente. Para Martín-Baró, pelo menos, já seria uma condição (COSTA, 2020).
Além dessa lamentável constatação de confronto, é importante destacar o acompanhamento da CPI dos atos antidemocráticos, que está investigando os acontecimentos extremistas ocorridos em 8 de janeiro de 2023. Estes eventos envolveram a invasão e depredação de instituições fundamentais para o país: o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). A mídia amplamente cobriu esses acontecimentos, que agora estão sendo minuciosamente investigados pelas autoridades competentes.
Uma ilustração dessa situação pode ser encontrada em um artigo publicado no site oficial do Senado (SENADO NOTÍCIAS, 2023). A invasão e destruição dessas instituições não apenas representam atos de extremismo e intolerância política, mas também repercutem como símbolos preocupantes. Infelizmente, tais manifestações de extremismo e polarização política têm uma história recorrente e desoladora na América Latina.
As matérias jornalísticas com um viés bélico incorporadas neste trabalho refletem a profunda polarização da política brasileira. Essa polarização não apenas tem efeitos na esfera política, mas também afeta a saúde mental da população e as oportunidades de acesso a formas mais saudáveis de desenvolvimento.
A influência social exercida por pequenos grupos é um fenômeno amplamente estudado na psicologia, e sua presença pode ser observada em nossa tendência à conformidade, obediência à autoridade e comportamento em grupo. Esses aspectos foram abordados no estudo científico de Rodrigues, que contribui para a compreensão desses processos sociais, conforme podemos depreender do escrito científico de Rodrigues (2018):
As ciências sociais, incluindo a Psicologia Social, têm demonstrado que somos uma espécie que parte de uma situação inicial de vida de extrema dependência não para a completa independência, porém para a interdependência entre adultos. Podemos dizer que nenhuma criança se torna humana a não ser entre humanos, e ninguém se tornará adulto – capaz de agir conforme a interdependência saudável para todos – a não ser sob a influência de adultos que promovam esta igualdade. Com isso, torna-se fundamental estudar os processos de influência social a que nós estamos sujeitos, visando a compreender as condições psicossociais para o bem-estar subjetivo. Para isso, adotamos primeiramente, neste ensaio, o referencial teórico de um autor que devota toda sua vida acadêmica ao estudo e aplicação dos processos de influência social (p.2).
A pesquisa de Rodrigues, assim como outros estudos relevantes nessa área, fornece uma base científica para entender como a influência social afeta nossas atitudes, comportamentos e interações sociais. Ao examinarmos os resultados dessas pesquisas, podemos compreender melhor os mecanismos psicológicos subjacentes à conformidade e à obediência, bem como sua relevância no contexto do comportamento grupal.
Aprofundando no aspecto do comportamento grupal, é correto afirmar que os desafios aversivos que permeiam a vida dos brasileiros são tão opressivos e semelhantes às características danosas de outros países latino-americanos. De acordo com uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e divulgada no Portal G1 (G1, 2022), estima-se que em 2021, cerca de 33 milhões de pessoas no Brasil viviam com menos de R$ 289,00 por mês. Esses dados alarmantes ilustram a realidade da pobreza e da desigualdade social no país, refletindo as adversidades enfrentadas pela população e seus efeitos no comportamento coletivo.
Embora não existam dados específicos sobre a saúde mental do povo brasileiro, mas considerando os dados socioeconômicos supracitados e também o corte de verbas destinadas à saúde mental no ano 2020, conforme explanação do Psicanalista Christian Dunker, a respectiva decisão executiva reacende o descaso destinado às pessoas que sofrem de transtornos mentais, uma vez que o investimento em saúde mental implica em cuidados multifatoriais e continuados e não apenas em internações.
Mister se faz ressaltar que a Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgou em junho/2022 sua maior revisão mundial sobre saúde mental, conforme exposto no site oficial do Ministério da Saúde, em 2019, quase um bilhão de pessoas, sendo 14% dos adolescentes do mundo viviam com um transtorno mental. Por conseguinte, nos termos da pesquisa mundial o suicídio foi responsável por mais de uma em cada 100 mortes, tendo ainda que ser relevado o fato de que 58% dos atos de autoextermínio ocorreram com indivíduos antes de eles alcançarem 50 anos de idade. Seguindo este viés é importante destacar que, segundo a Organização Pan americana da Saúde (OPAS) as condições de saúde mental são responsáveis por 16% do total de doenças e lesões em pessoas com idade entre 10 e 19 anos e o suicídio é a terceira principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos. Fatores como abuso ou violência, mudanças físicas que provocam mudanças emocionais e exposição à pobreza são apontados como impulsionantes dos transtornos que contribuem para esses números.
Assinale, ainda, que no documento emitido pela OMS existe o alerta sobre o peso que as desigualdades sociais e econômicas, guerras constituem componentes com essência de nitroglicerina, ou seja, com alto poder ofensivo ao tecido social.
Posta assim a questão, é de se dizer que segundo Vygotsky, o homem não nasce humano ele vai se humanizar, a partir do contato do ser em desenvolvimento com a cultura com o grupo social no qual ele está inserido e é através desse contato da criança que se desenvolve as funções psicológicas superiores. Ao pensarmos, num contexto de vida limitado e hostil, o desenvolvimento da criança será restringido pelas variáveis do ambiente imposto, uma vez que cada ser humano é datado, geograficamente marcado também, assim não é possível pensar num indivíduo universalizado.
Ao ensejo da conclusão deste item as ideias teóricas defendidas por Martin- Baró, a partir da sua visão de Psicologia latino-americana estão mais próximas da realidade de um povo marcado pelo sistema colonialista, pois, ainda persistem muitas práticas desfavoráveis a construção de sistema social saudável. Ademais, não podemos ignorar o entendimento do indivíduo como um ser resultante do seu meio, conforme a teoria clássica de Vygotsky, partindo do pressuposto sociocultural.
O CONTEXTO POLÍTICO NO BRASIL E SUA RELAÇÃO COM A SAÚDE MENTAL
O cenário político brasileiro exerce uma influência de grande magnitude sobre a saúde mental da população. A dinâmica política, incluindo mudanças governamentais e debates intensos, pode ter um impacto emocional profundo nas pessoas, gerando implicações significativas para seu bem-estar psicológico. Especialmente notável é o papel da polarização, que se tornou uma característica proeminente do panorama político brasileiro nas últimas décadas. A intensa divisão ideológica tem o potencial de estabelecer um ambiente de hostilidade, tensão e conflito, resultando em um aumento dos níveis de estresse, ansiedade e preocupação.
A convivência dentro de um contexto político polarizado contribui para a disseminação de sentimentos de desconfiança, medo e incerteza acerca do futuro. Essa atmosfera de incerteza, por sua vez, exerce um impacto significativo sobre o estado emocional e mental dos indivíduos. Um exemplo concreto dessa dinâmica pode ser observado em um artigo publicado na revista Exame em 15 de outubro de 2018, durante um período de acirrada disputa presidencial no Brasil. Nesse contexto, pessoas buscavam consultórios psiquiátricos devido à sensação de medo e preocupação relacionados ao desfecho das eleições naquela ocasião.
O problema é exacerbado pelo cenário de polarização nas redes virtuais, onde ocorre a formação de bolhas de opinião e a falta de diálogo construtivo entre os diferentes grupos (ALBUQUERQUE, 2018). Além disso, eventos políticos turbulentos, como crises institucionais, escândalos de corrupção e instabilidade governamental, abalam a confiança tanto na classe política quanto nas instituições democráticas. Essa erosão da confiança pode culminar em sentimento de frustração, desesperança e desilusão, contribuindo negativamente para a saúde mental das pessoas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Indubitável é que o ser humano é resultante da influência dos fatores biológicos, psicológicos e socioculturais, a cada nova interação o organismo adquire novas habilidades ou abandona outras, isso tudo ocorre de acordo com o contexto vivenciado.
Tenha-se presente que neste trabalho constatamos que a teorização pessimista sobre o rumo das questões sócio político-econômico no Brasil, não constituem ideologias, mas sim a realidade expressa e tristemente ignorada, por pessoas que muitas vezes não tiveram acesso a políticas públicas assertivas e integrativas, porém de forma escancarada são elas as principais vítimas de políticas excludentes, e nem percebem quando são afetadas pelo adoecimento mental e até mesmo podem interpretar que a culpa pela enfermidade psicológica é exclusivamente delas, quiçá não souberam lidar com os desafios do mundo. O indivíduo é afetado pelo que o cerca.
Em virtude das ideias desenvolvidas neste trabalho é possível expressar que o indivíduo submetido a condições sócio político-econômica indignas, é destituído de recursos favoráveis que garantam a integridade do seu sistema biopsicossocial, sendo extremamente suscetível ao comprometimento da sua saúde como um todo, especialmente as enfermidades psíquicas.
Longe de ser apenas uma questão política, o adoecimento psíquico no Brasil é uma questão de saúde pública bastarda de navegar apenas no meio acadêmico e sair do campo dos debates e ganhar forma no campo das efetividades e da realidade na vida de todos os cidadãos. A vida é tida como o bem mais precioso, porém, através do exposto aqui e das evidências e fatos apresentados observa-se que o acesso aos meios de preservação e manutenção da vida é reservado a um grupo muito seleto.
A atenção dada a casos de grande importância é mínima e são avaliados em épocas de campanhas eleitorais e disseminados imediatamente ao findar esse período. A precarização da vida através da exclusão “natural” feita através de práticas camufladas culminam na segregação de classes, prática que acaba sendo considerada coerente diante da sociedade em virtude dos costumes e crenças impostas através de um pacto social firmado desde o nascimento do indivíduo.
Frise-se mais, como remate que a saúde e seus determinantes não necessariamente estão vinculados, apenas a sociedades mais ricas, pois nem sempre riqueza é sinônimo de melhores níveis de saúde, mas especificamente em prol de uma visão mais sistêmica e vinculada ao ideal de coesão social com mais igualdade entre todos os membros, unidos simplesmente pelo bem-estar geral, ainda que modo utópico e nos termos do princípio da beneficência, pois constitui uma obrigação ética em qualquer ciência maximizar o benefício e minimizar questões que depreciam a vida e sonhos.
RECOMENDAÇÕES
Diante do exposto, sabe-se que é complexa a questão dos impactos causados pelo contexto socioeconômico na saúde mental da população. Por isso torna-se importante a adoção de políticas públicas que sejam eficazes na redução dos efeitos desfavoráveis. Tais questões devem ser abordadas de forma multidisciplinar e envolvendo diversos setores da sociedade tais como ONGs e outras entidades, além do poder público. É importante que a população e educadores também façam parte do processo.
É essencial que haja aumento do investimento em programas de saúde mental compreendendo o acesso às psicoterapias pela população carente, tratamento com medicação, quando for necessário, e atenção plena àqueles que estão em situação de vulnerabilidade social. Programas de educação e atenção às crianças e jovens podem ser incluídos no currículo escolar a fim de combater as diversas vias de violências emanadas nesse ambiente.
No combate à pobreza, pode ser fomentada a geração de emprego através de parcerias com empresas multisetoriais para contratação de mão-de-obra local e valorização do comércio de cada município. Criação de cursos de qualificação desta força de trabalho e orientações práticas de como atuar nos diversos setores tais como vendas, agro, recursos humanos, contábil, etc. É fundamental o incentivo ao diálogo dentro das organizações de trabalho melhorando as relações interpessoais dos trabalhadores, com respeito às diferenças e promoção do entendimento mútuo contribuindo para uma melhor produtividade e manutenção da saúde mental durante o período laboral.
No campo institucional, o fortalecimento das instituições democráticas, a promoção da transparência e a luta contra a corrupção contribuem para um ambiente mais confiável e previsível, fazendo com que a comunidade se sinta mais segura na participação de programas sociais e se envolva com mais afinco nas questões que dizem respeito ao comunitário.
A criação de políticas e programas específicos para pessoas e classes vulneráveis como uma condição prioritária, tais como crianças e adultos em situação de rua, pessoas LGBTQ+ e minorias étnicas, inserindo estas pessoas em programas sociais de apoio à saúde mental e combate aos diversos tipos de discriminação sofridos por elas.
Promoção de campanhas de conscientização sobre saúde mental e combate à percepção negativa que se tem sobre os transtornos mentais, com vistas à promoção da acessibilidade e do respeito para com as pessoas portadoras de necessidades especiais. É importante que se faça uma avaliação contínua dos impactos, eficácia e eficiência destas políticas praticadas, com dados atualizados periodicamente, para que sejam feitos ajustes quando necessário e se define novas estratégias, evitando assim que ao longo do tempo tais ações caiam no esquecimento.
Por fim, é crucial que as políticas públicas e intervenções sejam baseadas em evidências científicas sólidas e adaptadas à realidade sociocultural brasileira, garantindo a continuidade dos serviços prestados e a manutenção de um ambiente saudável e inclusivo, fatores essenciais para enfrentarmos desafios presentes e futuros relacionados ao impacto do contexto socioeconômico na saúde mental do nosso povo.
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1Graduanda do curso de psicologia do Centro Universitário São Lucas. E-mail: miscelenekluska@gmail.com
2Graduando do curso de psicologia do centro Universitário São Lucas. E-mail: wandersonrm@outlook.com.br