IMPACTO DA PANDEMIA DE CORONAVÍRUS NOS CUIDADOS  CARDIOVASCULARES NO BRASIL 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202412111102


Joselene Beatriz Soares Silva1;
Orientador: Guilherme Silva de Mendonça2


RESUMO 

A pandemia de COVID-19 foi uma emergência de saúde pública internacional devido  ao alto potencial de contágio do vírus cujas medidas de controle incluíram o  distanciamento social. Nesse contexto, cabe questionar a situação dos pacientes que  necessitam de atendimento médico para outras doenças, como as cardiovasculares.  O objetivo do estudo foi identificar o impacto da pandemia nos cuidados das doenças  cardiovasculares (DCV) no Brasil em termos de internações e óbitos. Para tal, foi  elaborada uma revisão de literatura narrativa com artigos científicos recentes  publicados preferencialmente entre 2014 e 2024. O número de internações por DCV  no período pandêmico foi inferior ao período pré-pandêmico. A região Nordeste teve  destaque no número de internações e óbitos por DCV, tanto no período pré quanto do  período pandêmico. O acidente vascular cerebral e a insuficiência cardíaca foram as  principais causas diretas de internações e óbitos de pacientes com DCV em ambos  os períodos, enquanto os óbitos afetaram principalmente pacientes acima de 80 anos.  Quanto ao sexo, homens foram mais afetados que mulheres e, em relação à  distribuição geográfica, Bahia e Pernambuco foram os estados mais afetados. Pode se concluir que a pandemia de COVID-19 impactou as internações por DCVs, com  uma redução no número dessas. As causas para tal redução são incertas e estudos  devem ser feitos para delimitar o impacto da pandemia.

Palavras-chave: cardiopatias; COVID-19; saúde pública.

SUMMARY 

The COVID-19 pandemic was an international public health emergency due to the high  contagion potential of the virus, whose control measures included social distancing. In  this context, it is worth questioning the situation of patients who require medical care  for other diseases, such as cardiovasculares diseases. The objective of the study was  to identify the impact of the pandemic on cardiovascular disease (CVD) care in Brazil  in terms of hospitalizations and deaths. To this end, a narrative literature review was  prepared with recent scientific articles published preferably between 2014 and 2024.  The number of hospitalizations for CVD in the pandemic period was lower than the  pre-pandemic period. The Northeast region stood out in the number of hospitalizations  and deaths due to CVD, both in the pre- and during the pandemic period. Stroke and  heart failure were the main direct causes of hospitalizations and deaths of patients with  CVD in both periods, while deaths mainly affected patients over 80 years of age.  Regarding gender, men were more affected than women and, in relation to geographic  distribution, Bahia and Pernambuco were the most affected states. It can be concluded  that the COVID-19 pandemic impacted hospitalizations for CVDs, with a reduction in  their number. The causes for this reduction are uncertain and studies must be carried  out to define the impact of the pandemic. 

Keywords: heart disease; COVID-19; public health. 

1 INTRODUÇÃO 

Reconhecida em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde  (OMS), a pandemia da COVID-19 (Coronavirus-19) foi uma emergência de saúde  pública internacional devido ao alto potencial contagioso do vírus em escala global.  Inicialmente identificado na China no final de 2019, onde os infectados apresentavam  quadro clínico semelhante a uma pneumonia potencialmente letal. Outros países  

começaram a registrar infecções pelo vírus a partir de janeiro de 2020, sendo que no  Brasil o primeiro registro oficial data de 26 de fevereiro de 2020 (Aquino et al., 2020).  Apesar da menor taxa de mortalidade em comparação com outros coronavírus, a alta  transmissibilidade do COVID-19 representou uma ameaça de colapso do  funcionamento dos sistemas públicos de saúde em vários países devido à alta  demanda de tratamento urgente, hospitalizações e complicações. Como resultado,  logo houve mortes em grande escala. Nesse contexto, segundo dados da OMS, em  24 de julho de 2020 a pandemia da COVID-19 somava 15.296.926 casos confirmados  em 216 países e 585.727 mortes. No Brasil, na mesma data, havia 2.347.238 casos e  85.259 óbitos (Aquino et al., 2020; Brasil, 2020a). 

Assim como em todo o mundo, o Brasil adotou medidas para reduzir o impacto  da pandemia no sistema de saúde, dentre elas, o distanciamento social.  Adicionalmente, a pandemia acarretou efeitos psicológicos e psiquiátricos nos  indivíduos, especialmente o aumento da sensação de medo e insegurança. Embora  reconhecido como um mecanismo de defesa adaptável a situações de sobrevivência  em ambientes potencialmente ameaçadores, o medo pode ser prejudicial quando  ocorre de forma desproporcional em situações de emergência de saúde (Aquino et al.,  2020; Ornell et al., 2020). 

No contexto de esgotamento do sistema de saúde, distanciamento social e  medo, é preciso salientar a preocupação com os pacientes que precisam de  atendimento médico para outras doenças. Dentre elas, destacam-se as doenças  cardiovasculares, que em 2019 foram responsáveis por 98.293 mortes e geraram um  custo de R$ 3.097.015.094,33 (aproximadamente US$ 772.361.487,94) ao Sistema  Único de Saúde (SUS), o sistema público de saúde brasileiro (Brasil, 2020b). Além  disso, considerando a condição do Brasil como um país de renda média, os perfis  epidemiológicos e as expectativas prognósticas para doenças cardiovasculares apresentam perfis significativamente distintos, o que difere muito do cenário de países  de alta renda (Figueiredo et al., 2019).  

Sendo assim, é possível que o contexto pandêmico tenha impactado de forma  significativa o modo como os pacientes lidam com a busca por cuidados de saúde no  país, com modificação no padrão de variação estatística relacionado ao tratamento de  pacientes com doenças cardiovasculares. Além disso, cabe destacar que, devido à  necessidade de distanciamento social, também houve uma tentativa de oferecer a  continuidade da assistência médica, principalmente no que diz respeito às doenças  crônicas, por meio de tecnologias de telemedicina (Bitar; Alismail, 2021). Diante deste  cenário, torna-se de grande relevância compreender os impactos da pandemia de  COVID-19 na morbimortalidade cardiovascular, além disso, visando detectar  alterações que possam servir de alerta para que as autoridades de saúde busquem  formas de evitar dificuldades na realização dos cuidados necessários para pacientes  portadores de cardiopatias.  

O trabalho foi desenvolvido como uma revisão narrativa de caráter tipicamente  descritivo com objetivo de identificar os conhecimentos da literatura científica recente  acerca do impacto da pandemia de coronavírus nos cuidados de pacientes com  doenças cardiovasculares (DCV) no Brasil. Foram incluídos artigos científicos  nacionais e internacionais publicados preferencialmente entre os anos de 2014 e 2024  e que se encontram indexados em plataformas de busca de dados online como  LILACS e PubMed. 

2 DOENÇAS CARDIOVASCULARES E PANDEMIA DE CORONAVÍRUS 

2.1 Doenças cardiovasculares e insuficiência cardíaca 

As doenças cardiovasculares (DCV) representam um grupo heterogêneo de  patologias crônicas de elevada prevalência ao redor do mundo e, assim como a  maioria das doenças crônicas, estão amplamente relacionada a fatores de estilo de  vida e podem ser minimizadas ou evitadas, em grande parte, por mudanças no estilo  de vida. Trata-se de doenças persistentes que deixam deficiência residual; são  causados por condições patológicas não reversíveis; e requerem treinamento especial  do paciente em reabilitação, ou pode-se esperar que exijam supervisão médica  prolongada, observação ou cuidados de saúde (Castanho et al., 2013; Mansur;  

Favarato, 2012. Nos quadros cardiovasculares, a insuficiência cardíaca (IC)  representa o arquétipo da patologia em estágio terminal. Embora existam muitas  evidências de que o tratamento pode ajudar a melhorar os sinais e sintomas e  melhorar a sobrevida, ela continua sendo uma doença progressiva cuja sobrecarga  física e psicológica para os pacientes e suas famílias pode ser prolongada (Murad;  Kitzman, 2022). 

Dessa forma, pode-se afirmar que as DCVs não apenas contribuem  amplamente para a morbidade e mortalidade, mas também representam um pesado  fardo econômico para o sistema de saúde em escala global e nacional. Dada a  abrangência e prevalência das DCVs, fica claro que uma abordagem de saúde da  população, com medidas preventivas, seria o modelo mais adequado a ser adotado  para lidar com esse problema onipresente cujo foco é na prevenção de DCVs.  Medidas profiláticas devem ser tratadas coletivamente porque há evidências  esmagadoras de que a ocorrência de DCVs pode ser reduzida com mudanças no  estilo de vida. Assim, as DCVs devem ser direcionadas a um nível primário de  promoção da saúde antes que algumas das importantes causas subjacentes das DCV  atinjam seriamente uma pessoa ou população em geral (Mesquita et al., 2018;  Rombaldi et al., 2014). 

2.1.1 Aspectos epidemiológicos das doenças cardiovasculares 

Coletivamente, as DCV correspondem a causa número um de mortes em todo  o mundo. Estima-se que aproximadamente 18 milhões de pessoas morreram em  decorrência de cardiopatias em 2016, representando 31% das mortes globais. Dessas  mortes, 85% foram causadas por infarto agudo do miocárdio e acidente vascular  cerebral (Fernandes et al., 2020; Soares et al., 2013). 

No Brasil, dados de 2016 mostram que as DCVs foram responsáveis por 27,6%  dos 1.309.774 óbitos registrados no departamento de informática do Sistema Único  de Saúde do Brasil (DATASUS), o equivalente a 33% dos custos do Sistema Único de  Saúde (SUS). Fatores como pressão alta, tabagismo, níveis elevados de açúcar no  sangue e falta de exercício podem contribuir para a condição em pacientes mais  jovens. Esses fatores podem ser amenizados ou tratados com medidas de cuidados  paliativos. Além disso, mais de 152.000 americanos com menos de 65 anos morrem  a cada ano em decorrência de cardiopatias, o que poderia ser evitado por meio de  medidas direcionadas aos indivíduos com CP (Murad; Kitzman, 2022). Considerando apenas dados referentes à IC, a OMS relata prevalência de 23 milhões de casos em  todo o mundo. Nos países desenvolvidos, a IC afeta 1% a 2% da população adulta e  afeta até 10% dos idosos. No Brasil, dados do DATASUS apontam aproximadamente  dois milhões de pacientes acometidos por IC no país, com 240.000 casos  diagnosticados a cada ano, e estima-se que o número de casos aumente com o  envelhecimento da população (Jaarsma et al., 2009). 

2.1.2 Aspectos clínicos e classificação da insuficiência cardíaca 

Existem muitos sistemas de classificação da gravidade da IC, que corresponde  ao estágio avançado das DCV, os quais vão além da simples análise da fração de  ejeção. Duas classificações amplamente utilizadas são: a classificação da New York  Heart Association por classe funcional e a classificação do American College of  Cardiology por estágio da doença. Além da definição norte-americana de doença  cardiovascular, existem vários outros critérios de classificação, como os critérios de  classificação da European Society of Cardiology que consideram várias evoluções da  IC avançada, que pode ser definida pela presença de um ou mais dos listados critérios  (Murray, 2015). 

Durante a evolução natural das DCV, os cardiopatas apresentam sinais e  sintomas decorrentes das alterações cardíacas anatômicas e funcionais, bem como  dos efeitos do próprio tratamento. As manifestações clínicas físicas são os maiores  preditores da diminuição da qualidade de vida, sendo a fadiga considerada um dos  sintomas mais comuns em pacientes com IC, citada na literatura como tendo valores  participantes em até 85% dos casos. Juntamente com dispneia e edema constituem  a tríade clínica clássica em pacientes idosos com IC (Bakitas et al., 2013).  

A vivência dos sintomas de cada paciente é individual e subjetiva, devendo a  equipe multiprofissional de atendimento tomar o paciente como referência para  interpretação e melhores condutas. Portanto, as intervenções para melhorar a  qualidade da saúde do paciente têm impacto direto na mortalidade, eventos clínicos,  necessidades de hospitalização e custos (Bakitas et al., 2013). A dispneia, por sua  vez, é uma experiência subjetiva de desconforto respiratório causada por aspectos  físicos, psicológicos, sociais e ambientais, sendo um dos sintomas mais relevantes  em pacientes cardíacos. Trata-se do sintoma mais comum que os doentes com IC  apresentam ao serviço de urgência e é considerado um dos sintomas mais graves,  associado a um agravamento do desempenho funcional do doente. Desta forma contribui para os efeitos debilitantes da doença, favorecendo o isolamento social e um  maior risco de descompensação da insuficiência cardíaca. A congestão pulmonar é  comum em pessoas com doenças cardíacas, mas não é a única causa de falta de ar.  Hipertensão pulmonar, derrame pleural, disfunção e fraqueza muscular respiratória,  doença pulmonar associada, causas restritivas, aspectos não orgânicos, podem  contribuir para a dispneia. Portanto, as hipóteses terapêuticas para a dispneia  requerem a identificação da etiologia e seu tratamento específico (Ouwerkerk; Voors;  Zwinderman, 2014).  

A fadiga afeta aproximadamente 30% a 60% dos pacientes com IC, com até  80% apresentando fadiga e dispneia e 20% apresentando sintomas em repouso. No  entanto, muitas vezes é subdiagnosticada e subtratada além de estar associada a má  qualidade de vida, prognóstico e mortalidade. Essa dificuldade diagnóstica se deve  principalmente ao fato de a fadiga não ser um conceito claramente definido na prática  clínica diária. Muitos sinônimos foram incorretamente associados à fadiga, no entanto,  muitos deles são sintomas associados que ocorrem concomitantemente à fadiga,  como fraqueza, letargia, cansaço extremo, sensação de fraqueza, entre outros. O  conceito mais utilizado na literatura expressa a fadiga como a sensação subjetiva de  exaustão desproporcional às atividades em andamento (Riley; Beattie, 2017). 

A síndrome da fadiga crônica (SFC), caracterizada por um estado debilitante e  muitas vezes com etiologia específica, ocorre quando o quadro sintomático não  melhora em um período superior a seis meses, mesmo quando o paciente está em  repouso (Mizuno et al., 2017). Portanto, há necessidade de investigar causas  secundárias de fadiga que podem ser corrigidas com tratamentos específicos, as  quais podem ser devido a diminuição da função física, diminuição da massa muscular,  distúrbios do sono, depressão e/ou ansiedade ou condições metabólicas como  anemia e hipotireoidismo, hiponatremia e hipocalemia, além de infecção. Em  pacientes com IC, o próprio baixo débito pode ser a causa da fadiga. Nas fases iniciais,  podem ser realizados trabalhos voltados à reabilitação, condicionamento físico e  motivação para o exercício, resultando em maior tolerância ao esforço. Na fase final  da vida, as medidas preferenciais são a conservação de energia e a melhoria da  qualidade de vida dos afetados (Brasil, 2018). 

Outra manifestação clínica de extrema importância nos cardiopatas com IC é o  edema, que afeta principalmente os membros inferiores. Com o desenvolvimento da  doença, ocorre restrição de repouso no leito, caquexia, hipoalbuminemia, deterioração da função renal, perda da capacidade de urinar, edema nas costas, sacro e membros  superiores, e até mesmo exsudação da pele em casos graves. O edema prejudica a  ejeção ventricular, levando à congestão pulmonar e edema periférico. Pacientes com  edema correm maior risco de complicações como feridas de pressão celulite, que  podem ser a causa da descompensação da IC. Essa característica de congestão foi  apontada como fator importante na internação e no prognóstico de cardiopatas. Desta  forma, o cuidado multidisciplinar, bem como a orientação alimentar, cuidados com a  pele, exercícios, posições diferentes, acolhimento e aconselhamento familiar são bem  vindos. É importante enfatizar que o ganho de peso diário em pacientes cardíacos  reflete o acúmulo de líquidos. Uma família vigilante e orientada pode ser  potencializada ao reconhecer a necessidade de restrição hídrica intensificada e doses  adicionais de diuréticos para retornar ao peso corporal ideal (Bakitas et al., 2013).  

Pacientes com IC geralmente apresentam náuseas, constipação, dor  abdominal e outros sintomas gastrointestinais. O baixo débito cardíaco associado à  congestão da circulação hepática e intestinal é responsável pela maioria dos  sintomas. A náusea pode ser causada por diminuição do esvaziamento gástrico,  doença digestiva gástrica, insuficiência hepática ou renal e uso de medicamentos  como a digoxina. A constipação pode ser secundária à congestão e imobilidade da  alça intestinal. No caso específico da terapia medicamentosa para IC, a digoxina tem  obtido resultados satisfatórios na redução da internação dos pacientes, entretanto, um  de seus principais efeitos colaterais são as manifestações clínicas gastrointestinais,  principalmente vômitos, anorexia e náuseas. A dor é um sintoma muitas vezes  subestimado ou subestimado na prática clínica de pacientes com insuficiência  cardíaca quando a atenção é voltada para sintomas mais graves, como a dispneia. A  prevalência varia de 20% a 84%, mas muitos pacientes têm mais de um local de dor  ao mesmo tempo (Fernandes et al., 2020; Goodlim, 2019). 

Mais comumente relatada como dor musculoesquelética nas extremidades  inferiores e nas costas, a artrite é muito comum na população idosa. Também são  frequentes as queixas de dor torácica, relacionadas ou não ao fenômeno da angina  pectoris. É importante reconhecer a dor e o desconforto associados ao choque de um  desfibrilador implantável e ao componente “dor total”, não apenas a causa física da  dor deve ser avaliada, mas também os aspectos psicológicos, sociais e espirituais da  dor associados à origem (Bakitas et al., 2013). 

As manifestações clínicas mais comuns da piora das DCV são óbvias, e a  evolução nas opções de tratamento garantiu a melhora da conduta terapêutica, com  otimização do prognóstico de pacientes cardiopatas e melhor sobrevida de pacientes  com IC. No entanto, essa melhora ainda não impede a progressão da doença para o  estágio final do doença, que pode levar a sintomas fisicamente ou emocionalmente  incapacitantes que afetam seriamente a qualidade de vida do paciente. Quanto mais  grave e severo o envolvimento, menos intervenções para prolongar a vida estão  disponíveis e maior a necessidade de ações de cuidados paliativos (Brasil, 2018). 

Dentre as doenças cardíacas, a evolução para IC é a que representa alguns  dos maiores obstáculos, principalmente em termos de avaliação prognóstica. Isso  porque muitos pacientes morrem repentinamente, mesmo no início das aulas  funcionais. A maioria apresenta um declínio gradual e contínuo, geralmente com  duração de vários anos, com episódios de exacerbações agudas, por vezes  reversíveis, mas que também podem levar à morte. Todo o percurso pode ser dividido  em três fases: primeira, relativamente estável, gestão de rotina relacionada com a  doença crónica; segunda, devido a um declínio acentuado da função, o recurso a  cuidados hospitalares torna-se mais frequente, enquanto são implementadas várias  medidas de suporte e paliativas e terceiro, um período de dias a semanas em que  ocorre uma deterioração inevitável (Riley; Beattie, 2017). 

2.1.3 Evolução da insuficiência cardíaca e cuidados paliativos 

O prognóstico dos pacientes com DCV e IC está diretamente relacionado ao  número de internações. Dados demonstram que a cada internação cumulativa, a  sobrevida média do paciente diminuiu. Após a quarta internação por problemas  cardíacos, metade dos pacientes morrem após 7 meses. No Reino Unido, uma  ferramenta específica é recomendada para ajudar a detectar pacientes nos últimos 12  meses de vida, incluindo pacientes cardíacos: o Gold Standard Framework (GSF)  Guidelines for Prognostic Indicators. O processo consiste em três etapas  fundamentais: identificação do paciente, avaliação das necessidades clínicas e  individuais, planejamento dos cuidados (Murray, 2013). O GSF foi submetido a um  painel de pesquisadores para avaliação de sua utilidade. Este trabalho mostrou uma  sensibilidade de 83% e uma especificidade de 22%. Se o objetivo principal é reduzir  a taxa de não identificação no último ano de vida, a ferramenta torna-se eficaz, ainda  que à custa de falsos positivos devido à sua avaliação intuitiva (Brasil, 2018). 

Em um curso sintomático, a evolução do paciente com IC raramente é linear. O  conhecimento técnico da doença, aliado a todo o trabalho precoce com o paciente e  família, pode dar uma noção real da gravidade do quadro, incluindo a probabilidade  de morte e a probabilidade de estabilização, mesmo que temporária, até nova  descompensação. Embora a morte ainda não tenha ocorrido, a perda de um ente  querido pode se manifestar como uma incapacidade de ver o paciente deitado no leito  como sujeito de sua vida, mesmo quando se inicia a sedação paliativa, momento em  que a vida orgânica é mantida, mas a vida biográfica termina (Murad; Kitzman, 2022). 

Os desafios de prever o prognóstico de um paciente com IC tornam difícil  discutir com ele suas preferências de cuidados desejados. Consequentemente, os  pacientes com IC têm pouco conhecimento de seu verdadeiro estado clínico e,  portanto, pouco comprometimento na decisão de como proceder com seu tratamento.  É provável que os papéis da doença em estágio inicial sejam desempenhados por  profissionais sem experiência em cuidados paliativos, portanto, é necessário incluir na  formação de novos cardiologistas os conceitos básicos desse tipo de cuidado,  principalmente mistificados como sinônimo de quase-morte, além controle básico de  sintomas, habilidades de comunicação e medicina centrada no paciente. Sabe-se que,  segundo estudo realizado em 2017, a otimização do tratamento cardiológico leva a  uma redução significativa da mortalidade precoce e concomitante aumento da  expectativa de vida. Outro levantamento realizado em 2019 mostrou o perfil  epidemiológico dos pacientes atendidos em cuidados paliativos na área de  cardiologia. Este estudo mostra que os cuidados paliativos geralmente são  considerados apenas para doenças avançadas, cerca de 33% dos quais estão  acamados e incapazes de compensar os sintomas. Além disso, é curioso que os  encaminhamentos sejam frequentemente feitos por médicos, e não pelo cardiologista  assistente do paciente (Brasil, 2018; Riley; Beattie, 2017).  

Segundo a OMS, o grupo das DCV é listado como a segunda causa de  necessidade de cuidados paliativos no mundo, estando atrás apenas das doenças  neoplásicas. Teoricamente, o conceito de cuidados paliativos foi proposto pela  primeira vez pela OMS em 1990 e revisado e ampliado em 2002 para incluir todos os  pacientes com doença grave, incurável e progressiva em um continuo com risco de  vida. Exemplos incluem AIDS, doenças neurológicas e, especialmente, doenças  cardiovasculares (Murray, 2015). No entanto, se essa conceituação for tomada  literalmente, o número de pacientes acometidos com indicação de cuidados paliativos é considerável, e esse tipo de ajuda não pode ser oferecido a todos. Por esta razão,  a Associação Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) recomenda a utilização de  critérios de avaliação para uma melhor assistência ao doente. Estes incluem o  diagnóstico de doença incurável, expectativa de vida inferior a 6 meses,  disponibilidade operacional para prestar cuidados e pacientes que optam por receber  CP em detrimento da continuidade do tratamento. Portanto, além do caso dos  pacientes com IC, cujo prognóstico e estágio final de vida em alguns casos  apresentam incerteza, os pacientes com indicação de transplante cardiovascular, bem  como outras indicações de transplante de órgãos sólidos, também são candidatos à  CP, devido à alta probabilidade de determinar angústia excruciante em alguns casos,  produz-se muitos sintomas intensos e desconfortáveis (Murray, 2015). 

Apesar desse reconhecimento, o acesso dos cardiopatas em estado avançado  aos serviços de cuidados paliativos ainda é limitado, e essa falta de acesso é uma  realidade mundial, inclusive no Brasil. A tomada de decisão para pacientes cardíacos  é normalmente realizada por cardiologistas, que normalmente não têm treinamento  em cuidados paliativos. Muitas vezes, os profissionais especializados nesse tipo de  cuidado são chamados para consulta apenas nos últimos momentos de vida, após  esgotadas as opções de tratamento modificador da doença. Por outro lado, na grande  maioria dos casos a evolução para estágios finais que requerem cuidados paliativos  ocorrem em pacientes com IC conhecida, nos quais os sinais e sintomas progridem  ao longo do tempo, o que permite com que tais cuidados tenham um efeito potente na  qualidade de vida dos pacientes, possivelmente estendendo sua expectativa de vida.  Em pacientes não tratados, sabe-se que a IC evolui para piora das manifestações  clínicas, com aumento das internações hospitalares de emergência e complicações  como arritmias e curta sobrevida (Goodlim, 2019). 

2.2 Internações por cardiopatias no Brasil na pandemia de coronavírus De acordo com Wee e colaboradores (2020), a pandemia da COVID-19 teve  um grande impacto nos serviços de saúde, especialmente aqueles relacionados à  emergência. O medo de contrair o vírus levou a uma redução nas taxas de admissões  hospitalares por outras causas (Rosenbaum, 2020). Esse cenário também se refletiu  nas DCV, conforme destacado por Toniolo e colaboradores (2020), Alsaied e  colaboradores (2020) e Shi e colaboradores (2020), que apontaram uma redução na  procura hospitalar e um aumento na taxa de letalidade dessas doenças durante a pandemia. No Brasil, um estudo realizado por Costa e colaboradores (2020) nos três  primeiros meses da pandemia relatou um aumento na taxa de letalidade por DCVs na  população brasileira, relacionado diretamente à redução das hospitalizações. Isso é  particularmente preocupante, considerando que as DCVs são a principal causa de  mortalidade no país, como apontado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia  (Normando et al., 2021).  

Os dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) mostram  que o Nordeste brasileiro representou uma parcela significativa das internações e  óbitos por razões cardiovasculares em 2020 e 2021, como destacado por Costa e  colaboradores (Costa et al., 2020). Na análise descritiva realizada no período de 2016  a 2020, a região foi responsável por 25% da morbidade em todo o Brasil, ficando atrás  apenas da região Sudeste. Conforme os dados coletados no SIH/SUS, entre 2018 e  2021 ocorreram 725.658 internações e 74.298 óbitos por doenças cardiovasculares  no Brasil, sendo que a maioria das internações e óbitos ocorreu no período pré pandêmico (385.103 internações e 37.808 óbitos) em comparação com o período  pandêmico (340.555 internações e 36.490 óbitos) (Costa et al., 2020). 

De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), o acidente  vascular cerebral não especificado, tanto hemorrágico quanto isquêmico, foi a  principal causa de internações e óbitos por DCV no período pré-pandêmico, com  92.171 internações (24,07%) e 15.231 óbitos (40,28%). Em seguida, a IC foi  responsável por 90.860 internações (23,59%) e 10.037 óbitos (26,54%). No período  pandêmico, o acidente vascular cerebral não especificado continuou liderando com  87.338 internações (25,64%) e 15.200 óbitos (41,65%), seguido pela IC, com 71.881  internações (21,1%) e 8.911 óbitos (24,42%). No que se refere às variáveis  socioeconômicas, os dados coletados no SIH/SUS mostram que a faixa etária de 60  a 69 anos foi responsável pelo maior número de internações por DCV tanto no período  pré-pandêmico (92.601 internações ou 24,04%) quanto no pandêmico (82.563  internações ou 24,24%). Já em relação ao número de óbitos, a faixa etária de 80 anos  foi a que apresentou o maior número, com 10.837 óbitos (28,6%) em 2018-2019 e  10.542 óbitos (28,89%) em 2020-2021 (Costa et al., 2020; Brasil, 2020a). 

Em relação ao gênero, o sexo masculino foi mais afetado por DCV nos dois  períodos analisados, com 199.015 internações (51,6%) e 19.353 óbitos (51,18%) em  2018-2019 e 180.955 internações (53,13%) e 18.741 óbitos (51,35%) em 2020-2021.  Em relação à raça/cor, a parda apresentou o maior número tanto de internações quanto de óbitos, tanto no período pré-pandêmico (198.389 internações ou 51,51% e  19.263 óbitos ou 50,9%) quanto no pandêmico (193.195 internações ou 56,75% e  20.271 óbitos ou 55,54%). Quanto à distribuição espacial, os dados mostram que a  Bahia e Pernambuco foram os estados com maior número de internações e óbitos por  doenças cardiovasculares em ambos os períodos. Na Bahia, houve 107.681  internações (27,96%) e 11.117 óbitos (29,4%) no período pré-pandêmico e 99.611  internações (29,24%) e 11.289 óbitos (30,93%) no período pandêmico. Em  Pernambuco, foram observadas 79.790 internações (20,71%) e 7.711 óbitos (20,39%)  no período pré-pandêmico e 64.974 internações (19,07%) e 6.526 óbitos (17,88%) no  período pandêmico (Costa et al., 2020; Brasil, 2020a). 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

De acordo com os dados obtidos, pode-se afirmar que as DCVs representam a  principal causa de morte no Brasil e no mundo, sendo responsáveis por alta frequência  de internações e custos socioeconômicos elevados. O acidente vascular cerebral e a  IC foram identificados como as principais causas de internações e óbitos tanto no  período pré quando no período pandêmico. A idade avançada, em particular a faixa  etária de 60 a 69 anos para internações e acima de 80 anos para óbitos, foi identificada  como um fator preditor independente de mortalidade por doenças cardiovasculares  (Normando et al., 2021; Brasil, 2020a; Belani et al., 2020). Dessa forma, a idade  avançada foi identificada como um fator preditor independente de mortalidade por  doenças cardiovasculares (Normando et al., 2021; Brasil, 2020a; Costa et al., 2020).  Isso pode ser explicado pelo envelhecimento da população, o enrijecimento do  sistema vascular e o progressivo aumento da pressão arterial. Estudos destacam a  necessidade de ampliar o conhecimento sobre a insuficiência cardíaca para conter os  desfechos negativos e reduzir as taxas de mortalidade associadas em todo o país.  Esses dados destacam a importância de estratégias de combate aos fatores de riscos  para doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT) como as doenças cardíacas, a fim  de conter o avanço dos números de mortes e incapacidades nos próximos anos. Com  o envelhecimento da população brasileira, é fundamental aprofundar o conhecimento  sobre as DCVs e desenvolver políticas públicas de saúde efetivas para prevenir, tratar  e gerenciar essas condições, sobretudo entre os grupos de risco, a fim de reduzir a  morbimortalidade cardiovascular no país (Costa et al., 2020; Naghavi et al., 2017). 

Os homens são mais afetados pelas DCV do que as mulheres, com maior  número de internações e óbitos, devido ao menor cuidado masculino com a saúde e  a menor adesão aos tratamentos e hábitos saudáveis. A relação entre raça/cor e a  prevalência de DCVs não foi encontrada em nenhum estudo. A distribuição espacial  mostra que a Bahia e Pernambuco têm a maior prevalência de internações e óbitos  por DCVs. A pandemia de COVID-19 tem impactado diretamente na saúde  cardiovascular por agravar o seu quadro clínico, principalmente em homens. A COVID 19 também tem sido reconhecida como uma doença heterogênea que pode afetar  vários órgãos e sistemas, incluindo o sistema cardiovascular (Fang et al., 2020;  Kragholm et al., 2019; Siqueira et al., 2017). Comportamentos de risco, como  sedentarismo, má alimentação, ingestão de álcool e uso de tabaco, são fatores de  risco para o desenvolvimento de DCVs, assim como a questão socioeconômica, que  engloba nível educacional, ocupação e renda. 

O estudo apresenta limitações, principalmente em relação à veracidade e  atualização dos dados coletados pelo SIH/SUS. É necessário realizar mais estudos  para avaliar o perfil epidemiológico das DCVs na população da região Nordeste. A  pandemia de Covid-19 demonstrou ter impactado as internações por DCVs, com uma  redução no número dessas. As causas para tal redução são incertas e estudos devem  ser feitos para delimitar o impacto da pandemia (Figueiredo et al., 2020; Guimarães et  al., 2012). 

Os resultados do estudo alertam para a necessidade de estratégias de controle  de DCV, considerando aspectos como o gênero, a raça, as condições  socioeconômicas e a idade da população. É necessário avaliar o impacto da pandemia  no agravamento de pacientes com DCVs e desenvolver estratégias de prevenção.  São necessários mais estudos para compreender como o Covid-19 pode acometer o  sistema cardiovascular nos diferentes estágios da doença, bem como monitorar os  efeitos em longo prazo e projetar tratamentos eficazes. 

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1Mestre em Ciências da saúde da Universidade federal de Uberlândia UFU  Joselene_beatriz@hotmail.com; 2Doutor em Ciências da saúde da Universidade federal de Uberlândia UFU  Guilherme.silva@ufu.br