DIGITAL HISTORY: CHALLENGES AND NEW PERSPECTIVES FOR HISTORIOGRAPHICAL RESEARCH
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102503031021
Djalma Vieira Pereira II [1]
Antonia da Silva Mota [2]
Resumo
Este artigo explora a historiografia digital e como ela está revolucionando a pesquisa histórica. Ao romper com a visão tradicional de pesquisa, a história digital utiliza tecnologias digitais no processo investigativo, análise, interpretação e disseminação da história, abrindo um leque de possibilidades para a produção e acesso ao conhecimento. A internet, com seus vastos repositórios digitais, amplia o acesso a fontes primárias e secundárias, democratizando acervos antes restritos. Ferramentas digitais como softwares de análise textual, georreferenciamento e visualização de dados permitem explorar fontes de maneira inovadora, revelando padrões e conexões antes imperceptíveis. A historiografia digital também democratiza o acesso ao conhecimento histórico através de plataformas online, que possibilitam o compartilhamento de pesquisas de maneira acessível e interativa, com recursos multimídia que tornam a história mais acessível. Apesar dos desafios, como a avaliação crítica das fontes online e a preservação digital, a historiografia digital, impulsionada por novas ferramentas, metodologias e colaboração entre historiadores e especialistas em tecnologia, se encaminha para um futuro promissor. Em suma, a historiografia digital representa uma mudança significativa na pesquisa histórica, revolucionando a maneira como buscamos compreender e interagir com o passado e o presente.
Palavras-chave: História Digital. Historiografia Digital. Fontes Digitais.
1 INTRODUÇÃO
A Revolução Digital, impulsionada pela internet e pelas novas tecnologias da informação e comunicação, tem transformado a sociedade de maneira profunda e abrangente, impactando diversos campos do conhecimento, incluindo a História. Essa revolução tecnológica inaugurou uma nova era na relação da humanidade com a informação, democratizando o acesso a fontes históricas, criando possibilidades de pesquisa e proporcionando experiências imersivas com o passado. Novas ferramentas e métodos de pesquisa emergem, reconfigurando a prática historiográfica e desafiando os historiadores a explorarem as potencialidades do universo digital na produção do conhecimento histórico.
Diante desse cenário em constante transformação, este estudo se propõe a explanar sobre a história digital, analisando as mudanças e permanências na prática da historiografia; debatendo o papel e a formação dos historiadores, refletindo sobre as novas demandas e desafios impostos pela era digital, discutindo a necessidade de desenvolvimento de novas habilidades e competências para lidar com as ferramentas digitais e as fontes online.
Concomitantemente, analisar o que consideramos fonte digital e virtual, seus usos e conservação, investigar sua natureza, seus desafios e potencialidades para a pesquisa histórica, abordando questões como a autenticidade, a confiabilidade e a preservação desse tipo de fonte.
A relevância deste estudo se justifica pela necessidade de compreender as implicações da Revolução Digital para a historiografia, buscando aprofundar o debate sobre o uso das tecnologias digitais na pesquisa e no ensino da História.
É crucial reconhecer os desafios da história digital, como a avaliação crítica das fontes online, a preservação digital de documentos e a garantia do acesso equitativo às tecnologias. O desenvolvimento de novas ferramentas e metodologias, a colaboração entre historiadores e especialistas em tecnologia e o diálogo constante com o público impulsionam a historiografia digital para um futuro promissor. Em suma, a história digital representa uma mudança de paradigma na pesquisa histórica, abrindo um leque de possibilidades para a produção e o acesso ao conhecimento. Ao integrar as tecnologias digitais ao ofício do historiador, ela revoluciona a maneira como compreendemos e interagimos com o passado, a era digital exige que os historiadores repensem suas práticas, desenvolvam novas habilidades e se engajem ativamente na construção de um futuro em que a tecnologia seja utilizada a serviço da produção e difusão do conhecimento histórico.
2 HISTÓRIA DIGITAL
A história digital rompe com a visão tradicional da pesquisa histórica e abre um leque de possibilidades para a produção e o acesso ao conhecimento. Sua classificação ainda é um debate em aberto entre os historiadores, dada a sua relativa novidade. Ela tem sido considerada, de diferentes maneiras, como uma tendência historiográfica, uma metodologia específica, um subcampo da história ou até mesmo um novo paradigma historiográfico (Araujo, 2014, P. 15-16, Apud Lucchesi, 2014). Há também divergências com relação à nomenclatura: história digital, história virtual e história hipertextual são termos utilizados. No Brasil, embora “história digital” seja comum, alguns historiadores preferem “história virtual” (Araujo, 2014, P.16, Apud Barros, 2010, P.32). Neste trabalho, optamos por “história digital”, mas também consideramos “historiografia digital” como sinônimo, seguindo a preferência de centros de pesquisa como o italiano, que utiliza “(storiografiadigitale)”(Araujo, 2014, P.16, Adaptado De Ragazzini, 2004).
No mais, a própria Lucchesi (2014), em uma perspectiva de história comparada, nos traz, em sua dissertação, divergências entre autores americanos e italianos no que concerne a história digital. Seja por diferenças culturais e/ou acadêmicas, ou mesmo por visões divergentes quanto ao papel da tecnologia na escrita da história, enquanto os Estados Unidos tendem a um viés mais quantitativo, pois enfatizam a utilização de ferramentas tecnológicas visando a análise de grandes volumes de dados, com ênfase na quantificação e na aplicação de métodos computacionais para a interpretação histórica. Já os autores da Itália tendem a uma abordagem mais reflexiva e crítica sobre o impacto da tecnologia na escrita da história questionando como as ferramentas digitais podem vir a transformar a epistemologia da história e a relação entre historiador, fonte e narrativa.
Além disso, a história digital americana é marcada por uma cultura de inovação tecnológica, com forte influência das ciências da computação e das humanidades digitais, enquanto na Itália, há uma preocupação com a continuidade da tradição historiográfica, buscando integrar as novas tecnologias sem abandonar os métodos e teorias consagrados. Dessa forma, essas diferenças entre as abordagens americana e italiana refletem contextos culturais e acadêmicos distintos.
Para além disso, dentro da história digital, há mais convergências do que divergências, pois enquanto uma abordagem contribui para o avanço metodológico, a outra garante uma base teórica sólida para a prática historiográfica no mundo digital, mas ainda assim as duas bases convergem para a importância de nós historiadores nos apropriarmos dessas novas tecnologias, seja na utilização das novas ferramentas, seja para uma reflexão teórica sobre o que a história pode se tornar, a fim de que reconheçamos a importância dessa transformação digital. Ainda, a interdisciplinaridade como um importante arma para enriquecer a prática historiográfica; assim como a preocupação com a preservação do espaço digital, além da acessibilidade e democratização do conhecimento.
A internet, com seus vastos repositórios digitais de documentos, fotografias, vídeos e registros sonoros, amplia o acesso a fontes primárias e secundárias, democratizando o acesso a acervos antes restritos. A exemplo das plataformas online, como arquivos nacionais, bibliotecas digitais e museus virtuais permitem que historiadores de diferentes partes do mundo explorem novas perspectivas e enriqueçam suas pesquisas. Assim como as ferramentas digitais, como softwares de análise textual, georreferenciamento e visualização de dados permitem explorar as fontes de maneira inovadora. A análise de grandes volumes de dados revela padrões e conexões antes imperceptíveis, enquanto a visualização de dados históricos em mapas e gráficos interativos facilita a compreensão de processos históricos complexos. Para ilustrar, podemos citar o NACAOB, software desenvolvido pelo Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo), da UNICAMP/SP, que possibilita, após a inserção das informações presentes nos registros paroquiais (Nascimento, Casamento e Óbito), inúmeras pesquisas sobre as sociedades passadas, por exemplo, identificar se um indivíduo integra um núcleo familiar, em que rede familiar se inseria, com quem estabeleceu redes de sociabilidade, permitindo a reconstituição das famílias através de uma base de dados normalizada que possibilita a comparação com outras localidades já inseridas e o cruzamento dos registros paroquiais com outras fontes nominativas. Possibilita também pesquisas coletivas e comparativas, a exemplo, o tamanho e a constituição dos núcleos familiares nas diversas regiões do Brasil, assim como comparações entre sociedades da metrópole e suas colônias, uma vez que todas possuem essa tipologia de registro, feitos pela igreja católica e hoje disponíveis no site familysearche.org, cuja documentação de praticamente o mundo inteiro foi digitalizada, organizada e disponibilizada pelos Mórmons dos Estados Unidos. A partir desse projeto, surgem obras como, por exemplo: “Nação e Coração: Estudos Socio-Históricos Sobre a Formação do Brasil”, publicada a partir de um conjunto de estudos que exploram a intrínseca relação entre a construção da identidade nacional e as emoções coletivas no Brasil. Essa obra, assim como a coletânea “História Social das Populações no Brasil Escravista” (SCOTT, Ana Silvia Volpi; NADALIN, Sergio Odilon (orgs.). São Leopoldo, RS: Oikos, 2023), demonstra o crescente interesse na pesquisa e divulgação de temas relacionados à história social e demografia histórica no Brasil.
Os artigos dos diversos autores, que compõem essa produção, investigam as populações escravizadas no Brasil sob diferentes perspectivas, como família, trabalho, resistência e cultura. A obra, publicada pela Oikos Editora Ltda, contribui para ampliar o conhecimento sobre esse importante período da história do Brasil. Pois, assim como o estudo de populações escravizadas é fundamental para a compreensão da formação social brasileira, a análise de registros paroquiais, como os disponíveis no site familysearche.org, permite aprofundar o conhecimento sobre as sociedades passadas. E a ferramenta do NACAOB auxiliou bastante nessa análise devido aos dados que disponibiliza.
Além disso, plataformas online como blogs, sites e redes sociais permitem que historiadores compartilhem suas pesquisas com o público de maneira mais acessível e interativa. Recursos multimídia como vídeos, podcasts e animações tornam a história mais atraente e engajadora para diferentes públicos. Por exemplo, o historiador Bruno Leal, professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), doutor em História Social, Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica, criou o site Café História, em 2008, com o intuito de ser um espaço de interação entre historiadores na internet. Primeiramente, era uma grande rede social de divulgação científica que permitia historiadores e grande público publicarem e discutirem os conteúdos históricos, desempenhando um papel crucial na democratização do acesso à informação histórica e fomentado debates construtivos sobre uma variedade de temas históricos.
O crescimento do Café História foi rápido. Em pouco menos de um ano, o site cresceu de 50 membros cadastrados para 10 mil, mesmo sendo possível acessar boa parte dos conteúdos sem estar cadastrado. Em dois anos, a rede já ultrapassava os 20 mil membros e no último ano desta fase, em 2016, contava com mais de 65 mil. Em nove anos na plataforma Ning, a média de crescimento foi de 677 novos usuários cadastrados por mês (ou em média 22 usuários por dia), embora esse crescimento não tenha sido regular – teve seu ápice por volta de 2014 e queda nos dois anos seguintes. Neste cálculo, deve-se levar em consideração que pessoas também deixavam a rede todos os dias.
Acredito que uma das grandes inovações do Café História nessa primeira fase foi a fusão entre rede social e portal de conteúdo. Essa característica híbrida permitiu que o site se tornasse um espaço de interação e troca de informações entre os membros, ao mesmo tempo em que oferecia conteúdo relevante e de qualidade sobre história.
Além disso, o Café História sempre se caracterizou pela sua abertura e pluralidade. O site nunca teve uma linha editorial definida, o que permitiu que diferentes perspectivas e abordagens historiográficas pudessem ser expressas e debatidas. Essa pluralidade contribuiu para a riqueza e diversidade do conteúdo do site, atraindo um público amplo e heterogêneo.
Outro fator importante para o sucesso do Café História foi a sua interface amigável e intuitiva. O site foi projetado para ser fácil de usar e navegar, o que facilitou o acesso e a participação dos usuários. Além disso, o Café História sempre investiu em novas tecnologias e ferramentas, o que permitiu que o site se mantivesse atualizado e relevante ao longo dos anos.
Porém, em 2017, o Café História passou por uma reformulação e começa a seguir uma nova política de edição, assumindo assim a identidade de um site de divulgação, mas agora a colaboração é entre pesquisadores. Sendo assim, o conteúdo passa a ter uma credibilidade maior, pois são produzidos por profissionais de excelência da área.
O impacto do Café História pode ser aferido por meio de diversos indicadores, como o número de acessos ao site, o engajamento do público nas redes sociais – aproximadamente 325 mil seguidores no Facebook e 34 mil seguidores no X (Twitter) – a repercussão dos artigos publicados na mídia e em outros espaços acadêmicos. A plataforma se firmou como um espaço de referência para pesquisadores, estudantes, professores e demais interessados em história, dentro e fora do Brasil.
Em suma, o Café História representa um marco na história da divulgação científica no Brasil. A plataforma democratizou o acesso à informação histórica de qualidade, fomentou o debate público sobre o passado e inspirou a criação de novas iniciativas inovadoras. Sendo reconhecido pela Revista Pesquisa Fapesp que destacou o site como um dos principais sites de divulgação científica no Brasil.
Em suma, o Café História foi um projeto inovador e bem-sucedido que contribuiu para a democratização do acesso à informação histórica e para a promoção do debate público sobre o passado. O site se tornou um espaço de referência para historiadores, estudantes, professores e demais interessados em história, dentro e fora do Brasil.
Atualmente, o Café História é um site de divulgação científica que publica artigos, entrevistas, resenhas e outros conteúdos sobre história. O site continua sendo um espaço de referência para pesquisadores, estudantes, professores e demais interessados em história, dentro e fora do Brasil.
Outro exemplo, agora dentro da plataforma de vídeos Youtube, o canal Leitura ObrigaHistória, do historiador Icles Rodrigues, doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O canal Leitura ObrigaHISTÓRIA, criado em 2015 pelo historiador Icles Rodrigues, doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), destaca-se como um exemplo de sucesso na divulgação de conhecimento histórico. Com 454 mil inscritos e 13.695.850 visualizações em seus 434 vídeos no YouTube, o canal demonstra seu alcance e relevância no cenário digital.
Inicialmente focando em dicas de leitura para estudantes, professores e o público em geral no YouTube, o canal expandiu suas atividades para outras plataformas. Um de seus vídeos de maior sucesso, “Como se definem Direita e Esquerda? – Conceitos Históricos”, alcançou a marca de 1,7 milhões de visualizações, evidenciando o interesse do público por temas complexos e relevantes.
Em 2019, o Leitura ObrigaHISTÓRIA lançou o História FM, um podcast que se tornou um fenômeno de popularidade. Com uma abordagem que convida acadêmicos de Ciências Humanas para discutir temas relevantes da área, o podcast rapidamente conquistou um público fiel.
Os números impressionam: o História FM figurou no top 10 de podcasts mais ouvidos por 66 mil pessoas, no top 5 para 44 mil e é o podcast mais ouvido por 11 mil usuários da plataforma Spotify, segundo dados disponibilizados pela plataforma ao final de 2024.
O sucesso do História FM é um testemunho da qualidade do conteúdo oferecido e da capacidade do Leitura ObrigaHISTÓRIA de se adaptar e inovar. O projeto, que começou como um blog de resenhas de livros acadêmicos, expandiu-se para o Facebook, YouTube, e agora domina o formato de podcasts, demonstrando sua versatilidade e compromisso com a democratização do conhecimento histórico.
A trajetória do Leitura ObrigaHISTÓRIA é um exemplo inspirador de como é possível utilizar diferentes plataformas e formatos para compartilhar conhecimento de forma acessível e envolvente, atingindo um público amplo e consolidando-se como referência na divulgação da História no Brasil.
Outrossim, a história digital representa uma mudança de paradigma na pesquisa histórica, abrindo um leque de possibilidades para a produção e o acesso ao conhecimento. Ao integrar as tecnologias digitais ao ofício do historiador, ela revoluciona a maneira como compreendemos e interagimos com o passado. Contudo, apesar de seu potencial transformador, a historiografia digital também apresenta desafios. A avaliação crítica das fontes online, a preservação digital de documentos e a garantia do acesso equitativo às tecnologias são questões cruciais que demandam atenção.
No entanto, o desenvolvimento de novas ferramentas e metodologias, a colaboração entre historiadores e especialistas em tecnologia e o diálogo constante com o público impulsionam a historiografia digital para um futuro promissor.
- Desafios e novas possibilidades
A era digital transformou a relação da humanidade com a informação, impactando profundamente a produção, comunicação e ensino da História. A internet e as novas tecnologias da informação e comunicação (TICs) democratizaram o acesso a fontes históricas, criando possibilidades de pesquisa e proporcionando experiências imersivas com o passado. Essa revolução tecnológica, no entanto, apresenta desafios e responsabilidades que exigem atenção e novas habilidades de historiadores, educadores e do público em geral. Por exemplo, a proliferação de informações falsas e dificuldade em avaliar a confiabilidade das fontes online: A internet, com sua vastidão de dados e a facilidade de publicação, torna-se um terreno fértil para a disseminação de informações falsas, distorcidas ou manipuladas. Historiadores e educadores precisam desenvolver habilidades de alfabetização digital para questionar a autoria, a data de publicação, os objetivos e a confiabilidade das informações encontradas na web, além de cruzar dados com outras fontes. Como alerta Roy Rosenzweig (2003): a internet, apesar de ser uma ferramenta poderosa, não é uma fonte mágica de informação histórica confiável.
Além disso, o risco de perda de documentos e informações digitais a longo prazo. A natureza mutável da internet coloca em risco a preservação de documentos e informações digitais devido a mudanças tecnológicas, falhas de servidores, encerramento de plataformas ou obsolescência de softwares. A preservação de fontes digitais exige estratégias e métodos específicos, como a criação de arquivos digitais, a migração de dados para novas plataformas e a documentação completa das fontes. Gallini e Noiret apontam para as dificuldades em “citar ou organizar as referências dispersas, fragmentadas, cambiantes e de natureza múltipla obtidas na internet. Dificuldades práticas e teóricas, já que dizem respeito, igualmente, às condições de transmissão e conservação do saber histórico” (2011, p. 19).
Outro desafio é a necessidade de novas habilidades dos pesquisadores. A era digital exige que historiadores desenvolvam novas habilidades, como o uso de ferramentas de busca online, bancos de dados digitais, softwares de análise textual e plataformas de georreferenciamento. Além disso, é fundamental que os pesquisadores saibam analisar criticamente as fontes digitais, verificar sua autenticidade e contextualizar os dados encontrados. Chatier adverte que:
A leitura feita em meio digital, diante da tela (seja em um web site, artigo em periódico ou trecho de um livro digital), pode ser problemática, pois, geralmente, é descontínua e costuma engendrar uma fragmentação da própria obra, documento ou meio através do qual são veiculados. Leitura que muitas vezes é feita apenas através da busca de palavras-chave específicas, que não atenta para identidade e coerência textual daquilo que se está lendo (2002, p. 23).
Desafios específicos da História Digital: A História Digital, que utiliza métodos computacionais para analisar grandes conjuntos de dados e visualizar padrões históricos complexos, enfrenta desafios como a necessidade de garantir a qualidade dos dados, a importância da crítica das fontes e a necessidade de desenvolvimento de novas habilidades dos pesquisadores. O NACAOB, um software desenvolvido para facilitar a análise de registros paroquiais, é um exemplo concreto dessa revolução, mas também evidencia os desafios da História Digital.
Outra dificuldade que surge é o acesso desigual à internet e às tecnologias digitais. A Revolução Digital acentua as desigualdades sociais, com o acesso desigual à internet e às tecnologias digitais criando uma fratura digital que exclui parte da população dos benefícios da era digital. A inclusão digital é fundamental para garantir que todos tenham acesso às oportunidades e aos benefícios da era digital. Anthony Giddens defende a necessidade de repensar a democracia na era digital: “A Revolução Digital exige uma nova forma de pensar sobre a democracia e a participação cidadã (1998, p. 115)
A era digital apresenta desafios e oportunidades para a História. Ao reconhecer os desafios e aproveitar as oportunidades, podemos garantir que a História continue a ser uma ferramenta poderosa para a compreensão do passado e a construção de um futuro melhor.
Mas para além dos desafios, há possibilidades da era digital para a história, como, por exemplo, a democratização do acesso a fontes históricas. Fontes primárias, como documentos, fotografias e vídeos, agora estão disponíveis online a qualquer pessoa com acesso à internet. Essa democratização permite que indivíduos de diferentes origens e contextos socioeconômicos se engajem com o passado de maneira mais profunda, construindo narrativas mais completas. Como aponta Pierre Lévy (2011), essa acessibilidade permite novas formas de consulta e manipulação, ampliando o escopo da pesquisa histórica e possibilitando a construção de narrativas mais complexas.
Há também uma revolução na pesquisa histórica. Ferramentas de busca online, como o Google Acadêmico, bancos de dados digitais, como o Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Portugal, e softwares de análise textual, como o Voyant Tools, permitem que historiadores explorem vastas quantidades de informação de forma mais eficiente, identifiquem padrões e tendências, e formulem novas interpretações sobre o passado. A digitalização de documentos históricos e a criação de plataformas online colaborativas, como o Google Books e o Internet Archive, promovem a troca de conhecimentos e o desenvolvimento de projetos de pesquisa internacionais. Imagine poder comparar diferentes versões de um mesmo documento histórico, ou acessar manuscritos raros sem sair de casa!
Novas possibilidades para o ensino da História: As TICs permitem a criação de ambientes de aprendizagem imersivos e interativos, que engajam os alunos de maneira mais dinâmica e estimulante. Jogos, simulações, realidade virtual e aumentada permitem que os estudantes experimentem o passado de forma mais vívida, explorando diferentes perspectivas e desenvolvendo habilidades de pensamento crítico e resolução de problemas. Propiciar o contato com o passado e a construção da identidade se torna, nesse contexto, uma tarefa fundamental da educação, uma vez que a memória é um elemento essencial da identidade, individual ou coletiva (Le Goff, 1990).
Outra perspectiva, a partir da história digital, é a de preservação de documentos históricos. A digitalização de acervos históricos contribui para a preservação de documentos frágeis e deteriorados pelo tempo, garantindo sua acessibilidade para futuras gerações. A digitalização também permite a criação de réplicas virtuais de objetos arqueológicos e obras de arte, democratizando o acesso a peças que antes só poderiam ser apreciadas em museus e exposições.
Possiblidade de colaboração entre historiadores em escala global. A internet facilita a colaboração entre historiadores e a criação de projetos de pesquisa colaborativos em escala global. Ferramentas digitais como bancos de dados, softwares de análise textual e plataformas de georreferenciamento permitem novas abordagens metodológicas e ampliam as possibilidades de investigação histórica. A capacidade de analisar grandes conjuntos de dados (Big Data) e visualizar padrões históricos em mapas e gráficos interativos oferece aos historiadores novas maneiras de compreender o passado (Wickham, 2019). Softwares de análise textual possibilitam a análise de grandes quantidades de documentos, identificando temas recorrentes, relações entre personagens e eventos, e tendências históricas (Burke, 2016).
Novas formas de comunicar a história ao público: a história pública explora as mídias digitais para comunicar a história ao público em geral, promovendo o engajamento e a participação social. Plataformas online como blogs, sites e redes sociais permitem que historiadores compartilhem suas pesquisas com o público de maneira mais acessível e interativa. Recursos multimídia como vídeos, podcasts e animações tornam a história mais atraente e engajadora para diferentes públicos. Segundo os autores adeptos desse novo paradigma, “a web oferece aos historiadores a oportunidade de alcançar um público mais amplo e diversificado do que nunca” (Cohen & Rosenzweig, 2005, p. 102).
A Revolução Digital transformou a relação da humanidade com a História, democratizando o acesso às fontes, criando possibilidades de pesquisa e proporcionando experiências imersivas com o passado. No entanto, a navegação nesse novo ambiente informacional exige o desenvolvimento de uma postura crítica e habilidades de alfabetização digital. A educação para o uso responsável e crítico das TICs é crucial para formar cidadãos capazes de interpretar e analisar a informação histórica de forma consciente, garantindo que a História seja utilizada como ferramenta de construção de uma sociedade mais justa, informada e democrática.
- Fontes digitais e virtuais
Araújo Sá (2008) foi um dos pioneiros a discutir o uso de fontes da internet no campo da História. Ele já reconhecia a necessidade de adaptar a prática histórica ao contexto das novas mídias tecnológicas, marcado pela aceleração do tempo e pela proliferação de memórias cotidianas. Segundo Sá (2008), “a velocidade passou a redefinir o cenário cultural desde o final dos anos oitenta, transformando o sentido do tempo, marcado pelo instantâneo, o imediato, o encurtamento da espera”. O autor destacava a falta de reflexões metodológicas sobre o tema, a pouca atenção dada por muitos historiadores a esses registros e a dificuldade de sua conservação.
A preservação de fontes digitais, conforme Sá (2008), depende de fatores econômicos e técnicos. Ele alertava para o risco de monopólio documental por empresas privadas, “colocando em xeque o futuro do passado” (Sá, 2008). Uma das principais preocupações era a questão da autoria: como avaliar a confiabilidade dos sites? A sugestão do autor era priorizar sites oficiais, que oferecem maior segurança e credibilidade.
Fábio Chang de Almeida (2011, p. 11) explorou as razões da relutância de historiadores em usar fontes digitais. Ele apontou, primeiramente, o tradicionalismo historiográfico, apegado a documentos escritos em papel. Como consequência, poucas pesquisas acadêmicas utilizavam fontes digitais: “No Brasil, a quantidade de pesquisas de mestrado e doutorado em História que utilizam as fontes digitais ainda está muito aquém do potencial oferecida por este suporte documental”. Em segundo lugar, Almeida (2011) mencionou a escassez de discussões teórico-metodológicas e a falta de habilidade dos historiadores em lidar com a tecnologia. Ele enfatizou:
Para os historiadores que buscam compreender o presente, negligenciar as fontes digitais e a Internet significa fechar os olhos para todo um novo conjunto de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que vêm se desenvolvendo juntamente com o crescimento e popularização da rede mundial de computadores (2011, p. 12).
Almeida classificou as fontes digitais em dois grupos: primárias (existentes apenas na internet, como sites e blogs, ou digitalizadas, como fotos e jornais) e não-primárias (teses, dissertações, artigos). Para verificar a confiabilidade das fontes, ele sugeriu rastrear links sobre o mesmo tema e verificar conexões com páginas institucionais, além de confrontar as fontes, prática comum na pesquisa histórica. Ele alertou: “tomar um fake site sendo um site verdadeiro seria um erro grosseiro, portanto o historiador deve estar atento a esta possível prática na hora de selecionar suas fontes” (Almeida, 2011, p. 23).
Júlia Tomasi (2013) também abordou a questão da veracidade das fontes digitais, destacando a ausência frequente de nomes e datas, a volatilidade e a instabilidade dessas fontes, o que dificultava o arquivamento e afastava os historiadores: “outro motivador para os historiadores verem os documentos virtuais com mais cautela e precaução, e consequentemente estes serem menos utilizados nas pesquisas históricas” (Tomasi, 2013).
Tomasi (2013) também lembrou os princípios éticos da pesquisa com fontes digitais, como ocultar nomes e rostos para proteger a identidade dos colaboradores e substituir endereços eletrônicos por variáveis. Divulgar um endereço para verificação da fonte poderia comprometer o anonimato do colaborador. A autora concluiu que o uso de páginas da internet como fontes históricas ainda era visto como um tabu: “Resumidamente, utilizar as páginas da internet como documentos de pesquisa para história é visto como tabu por muitos pesquisadores, tendo o historiador pouco se debruçado sobre tais documentos, já que suscitam, de certo modo, estranheza” (Tomasi, 2013).
Anita Lucchesi (2015) observou que, embora historiadores se beneficiassem da internet para troca de materiais, o uso de fontes digitais na produção de textos históricos ainda era incerto. Ela notou o interesse do público não especializado por história na internet, muitas vezes sem o rigor do ofício do historiador, o que justificaria uma adaptação dos profissionais. Lucchesi propôs o conceito de “Historiografia Digital”, não como uma mera ferramenta de cálculo, mas como uma rede capaz de gerar novos questionamentos. Ela retomou o problema do desaparecimento de sites e plataformas, questionando como recuperar links de páginas inexistentes. O hipertexto, característico da comunicação digital, trazia a vantagem do acesso facilitado a fontes, mas também o risco de “afogamento” em meio a múltiplos pontos de vista: “corre-se constantemente o perigo de afogamento em meio a esses múltiplos pontos de vistas no mar de informações em que se lançam as redes de links” (Lucchesi, 2015, p. 31), o que dificultava a identificação da autoria.
Nucia Alexandra Silva de Oliveira analisou a internet como espaço de debate historiográfico, focando em sites sobre a História do Brasil. Ela reiterou problemas como a questão da autoria: “Desconfia-se muito mais do que está posto na internet, especialmente pelo fato de que muitos textos parecem não ter o mesmo rigor dos trabalhos impressos, sobretudo nos aspectos de referência e explicitação da autoria”(2014, p. 28). Oliveira (2014) também expressou preocupação com plágios, manipulação de dados e a autenticidade das informações, além do desaparecimento e da modificação de conteúdo online:
No caso da pesquisa que coordeno, pode-se citar o caso de um site que teve todo o seu conteúdo modificado, gerando, assim, a necessidade de uma nova leitura. Aliás, em alguns momentos isso pode se tornar gravíssimo, pois nem sempre é possível refazer toda uma pesquisa. Neste caso, deve ser dito que na organização dos documentos não é recomendável que o único acesso a eles seja online. Isto é, uma providência essencial do trabalho no espaço virtual é mesmo o armazenamento do material coletado (Oliveira, 2014, p. 49).
A autora destacou a carência de discussões metodológicas sobre o uso de fontes digitais na área da História.
Em resumo, as reflexões teórico-metodológicas e as técnicas para lidar com fontes digitais na pesquisa histórica ainda são insuficientes. A efemeridade e a instabilidade dessas fontes são desafios significativos, contrastando com a longevidade de arquivos físicos e fontes orais. A preservação da memória digital é uma questão crucial. A desconfiança em relação aos dados e a dificuldade em identificar a autoria são preocupações recorrentes entre os pesquisadores que utilizam fontes digitais.
3 METODOLOGIA
Esta pesquisa, de caráter exploratório, estruturou-se em uma metodologia de pesquisa bibliográfica, com o objetivo de analisar e sistematizar o conhecimento produzido sobre a história digital. O ponto de partida foi a construção de um corpus bibliográfico abrangente e representativo, a partir de buscas em repositórios online (como SciELO e JSTOR) e bases de dados acadêmicas (como Google Acadêmico). As palavras-chave utilizadas nas buscas incluíram termos como “historiografia digital”, “fontes digitais”, “história digital”, “humanidades digitais”, “métodos digitais em história”, entre outros, garantindo a seleção de obras relevantes e diversificadas. I9jm imj89
A leitura das obras selecionadas foi realizada de forma crítica e analítica, buscando aprofundar a compreensão do tema. Essa etapa visou, primeiramente, identificar e analisar os principais conceitos e definições relacionados à história digital, mapeando as convergências e divergências entre os autores. Em seguida, buscou-se analisar as diferentes perspectivas e abordagens metodológicas presentes na literatura, identificando as correntes de pensamento e as principais discussões no campo. A investigação das ferramentas digitais e das técnicas de pesquisa utilizadas em historiografia digital também foi realizada, avaliando suas potencialidades e limitações. Por fim, pretendeu-se discutir os desafios e as perspectivas da historiografia digital, refletindo sobre as implicações éticas, epistemológicas e metodológicas da utilização de tecnologias digitais na pesquisa histórica.
Para facilitar a análise e a síntese do conhecimento, as informações extraídas das obras foram organizadas e sistematizadas por meio de fichas de leitura, resumos, mapas conceituais e outros instrumentos. A análise e interpretação dos dados coletados se deu por meio da técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2016), buscando reconhecer os temas recorrentes e os principais argumentos apresentados pelos autores, analisar as relações entre as diferentes obras – identificando convergências, divergências e diálogos entre os autores – e elaborar uma síntese crítica do conhecimento produzido, apresentando as principais conclusões e reflexões da pesquisa.
Vale salientar que a pesquisa bibliográfica, embora se limite à análise de materiais já publicados, permitiu a construção de um estudo aprofundado e rigoroso sobre a historiografia digital, com base na análise crítica e sistemática da literatura sobre o tema. A escolha por este método se justificou pela necessidade de mapear e analisar o estado da arte da historiografia digital, fornecendo um panorama abrangente das discussões, tendências e desafios do campo.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
Este artigo, em sua essência, investiga a emergência e consolidação da historiografia digital como um campo dinâmico e transformador da pesquisa histórica. Longe de ser apenas uma transposição do tradicional para o digital, a historiografia digital redefine a pesquisa, utilizando tecnologias digitais em todas as etapas do processo investigativo, da análise de fontes à disseminação do conhecimento. Essa abordagem inovadora abre um vasto leque de possibilidades, mas também impõe desafios significativos aos historiadores.
A internet, com seus imensos repositórios digitais, democratizou o acesso a fontes primárias e secundárias, antes restritas a arquivos físicos e bibliotecas. Ferramentas digitais como softwares de análise textual, georreferenciamento e visualização de dados proporcionam novas formas de explorar e interpretar as fontes, revelando padrões e conexões anteriormente imperceptíveis. Além disso, a historiografia digital facilita a disseminação do conhecimento histórico por meio de plataformas online, tornando-o mais acessível e interativo, com o uso de recursos multimídia que enriquecem a experiência do público.
Apesar dos avanços, a historiografia digital enfrenta desafios importantes, como a necessidade de avaliação crítica das fontes online, a preservação digital a longo prazo e a garantia de um acesso equitativo às tecnologias. A colaboração entre historiadores e especialistas em tecnologia, juntamente com o desenvolvimento de novas ferramentas e metodologias, impulsiona a historiografia digital em direção a um futuro promissor.
Em resumo, a historiografia digital representa uma mudança paradigmática na pesquisa histórica, revolucionando a forma como interagimos com o passado e o presente. A integração de tecnologias digitais ao trabalho do historiador exige uma reflexão constante sobre as práticas de pesquisa, o desenvolvimento de novas habilidades e um engajamento ativo na construção de um futuro em que a tecnologia esteja a serviço da produção e difusão do conhecimento histórico. A tabela a seguir apresenta um panorama detalhado dos principais aspectos da historiografia digital, organizados em quatro categorias: Pesquisa, Análise e Interpretação, Comunicação e Ensino, e Preservação. Cada categoria é analisada em termos de descrição, ferramentas e plataformas utilizadas, vantagens, desafios e exemplos de projetos.
Tabela – Aspectos da Historiografia Digital
Aspecto Descrição Ferramentas e Plataformas Vantagens Desafios Exemplos de Projetos Pesquisa Acesso e análise de fontes primárias e secundárias. – Arquivos Nacionais (Arquivo Nacional da Torre do Tombo) – Bibliotecas Digitais (Biblioteca Nacional Digital) – Museus Virtuais (Museu do Louvre online) – Bases de dados online – Democratização do acesso às fontes. – Ampliação do escopo da pesquisa. – Possibilidade de cruzar diferentes fontes. – Avaliação da confiabilidade das fontes. – Viés algorítmico. – Digitalização de documentos históricos. – Criação de bancos de dados de fontes primárias. Análise e Interpretação Exploração de dados históricos com novas metodologias. – Softwares de Análise Textual (Voyant Tools) – Plataformas de Georreferenciamento (Google Earth) – Ferramentas de Visualização de Dados (Tableau) – Identificação de padrões e tendências. – Formulação de novas interpretações. – Criação de narrativas mais complexas. – Domínio das ferramentas digitais. – Interpretação dos dados. – Análise de grandes conjuntos de dados (Big Data). – Mapeamento de eventos históricos. – Modelagem de processos históricos. Comunicação e Ensino Disseminação do conhecimento histórico de forma inovadora. – Plataformas de publicação online (blogs, sites) – Redes Sociais – Ferramentas multimídia (vídeos, podcasts, animações) – Maior alcance e interação com o público. – Experiências de aprendizagem imersivas. – Fomento ao debate público sobre a história. – Manutenção da qualidade da informação. – Combate à desinformação. – Projetos de história oral. – Reconstruções virtuais de sítios arqueológicos. – Jogos e simulações históricas. Preservação Proteção e acesso a longo prazo de documentos históricos. – Repositórios digitais confiáveis – Softwares de preservação digital – Prevenção da deterioração de documentos. – Acesso para futuras gerações. – Custos de digitalização e armazenamento. – Obsolescência tecnológica. – Digitalização de acervos históricos em risco. – Criação de bibliotecas digitais colaborativas.
A tabela apresentada acima revela a amplitude da Historiografia Digital, demonstrando seu potencial para transformar a pesquisa, análise, comunicação e preservação do conhecimento histórico, com isso a incorporação de ferramentas e plataformas digitais à prática do historiador impulsiona uma série de mudanças, impactando significativamente a interação com o passado, tanto para historiadores quanto para o público em geral.
Pesquisa: A Historiografia Digital democratiza o acesso às fontes históricas. Através de arquivos nacionais online, bibliotecas digitais e museus virtuais, pesquisadores exploram temas e períodos com maior profundidade. Plataformas como o Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Portugal), a Biblioteca Nacional Digital (Portugal) e o Museu do Louvre online (França) exemplificam este acesso facilitado.
Contudo, a confiabilidade das fontes online e a existência de vieses algorítmicos exigem atenção, a digitalização de documentos, a criação de bancos de dados de fontes primárias e a transcrição colaborativa impulsionam a pesquisa histórica na era digital.
Análise e Interpretação: Ferramentas como softwares de análise textual (ex: Voyant Tools), plataformas de georreferenciamento (ex: Google Earth) e ferramentas de visualização de dados (ex: Tableau) permitem explorar dados históricos sob novas perspectivas, revelando padrões, tendências e relações complexas, nesse sentido a análise de grandes volumes de dados (Big Data), o mapeamento de eventos históricos e a modelagem de processos históricos são exemplos de abordagens inovadoras. Porém, o domínio dessas ferramentas, a interpretação precisa dos dados e a interdisciplinaridade demandam novas habilidades e formação continuada para os historiadores.
Comunicação e Ensino: A Historiografia Digital amplia as possibilidades de comunicação e ensino da história. Plataformas de publicação online (blogs, sites, Hypotheses.org), redes sociais e recursos multimídia permitem alcançar públicos mais amplos, criar experiências de aprendizagem imersivas e estimular o debate público. Projetos de história oral, reconstruções virtuais de sítios arqueológicos, jogos e simulações históricas, e documentários interativos demonstram o potencial da área. É crucial, no entanto, garantir a qualidade da informação, combater a desinformação e desenvolver competências digitais para a produção de conteúdo.
Preservação: A preservação digital garante o acesso a longo prazo e a proteção de documentos históricos frágeis. Repositórios digitais (ex: Internet Archive, Projeto Gutenberg) e softwares de preservação digital são ferramentas essenciais, a digitalização de acervos em risco, a criação de bibliotecas digitais colaborativas e o desenvolvimento de estratégias de preservação a longo prazo contribuem para a salvaguarda do patrimônio histórico na era digital. É preciso, porém, considerar os custos de digitalização e armazenamento, a obsolescência tecnológica e a autenticidade dos documentos digitalizados.
Por fim, Historiografia Digital é um campo dinâmico com potencial para revolucionar a prática historiográfica, a apropriação crítica e reflexiva das ferramentas digitais é essencial para que os historiadores explorem as oportunidades e superem os desafios, com isso, a formação continuada, a interdisciplinaridade e a colaboração entre profissionais da área são fundamentais para o desenvolvimento da Historiografia Digital e para a construção de um futuro promissor para a História na era digital.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa, ao explorar a historiografia digital e suas implicações, confirma a transformação profunda que a Revolução Digital impôs à pesquisa histórica: analisando as mudanças e permanências na prática historiográfica, debatendo o papel e a formação dos historiadores na era digital, e investigando a natureza, os usos e a conservação das fontes digitais e virtuais.
Constata-se que a historiografia digital não é meramente uma nova ferramenta, mas sim um novo paradigma que redefine a maneira como os historiadores interagem com o passado e o presente. A democratização do acesso a fontes primárias e secundárias, proporcionada pela internet e por vastos repositórios digitais, expande significativamente as possibilidades de pesquisa. Ferramentas digitais de análise textual, georreferenciamento e visualização de dados permitem explorar fontes de maneira inovadora, revelando padrões e conexões antes imperceptíveis, e formulando novas interpretações históricas.
A comunicação e o ensino da História também se beneficiam da era digital. Plataformas online e recursos multimídia tornam o conhecimento histórico mais acessível, interativo e engajador para diferentes públicos, promovendo o debate e a participação social. A preservação digital, por sua vez, surge como um elemento crucial para garantir o acesso futuro ao patrimônio histórico, embora demande atenção constante aos desafios da obsolescência tecnológica e dos custos de armazenamento.
Este estudo, no entanto, não se limita a celebrar as potencialidades da historiografia digital. Reconhece-se a importância da avaliação crítica das fontes online, a necessidade de desenvolvimento de novas habilidades e competências por parte dos historiadores, e a urgência em combater a desinformação e garantir o acesso equitativo às tecnologias. A pesquisa bibliográfica realizada evidenciou a complexidade do campo, revelando tanto as convergências quanto as divergências entre os autores, e a necessidade de um debate contínuo sobre as implicações éticas, epistemológicas e metodológicas da utilização de tecnologias digitais na pesquisa histórica.
Em suma, a historiografia digital representa uma mudança significativa e irreversível na pesquisa histórica. As novas descobertas desta pesquisa residem na sistematização dos múltiplos aspectos da historiografia digital – pesquisa, análise, comunicação/ensino e preservação – e na identificação dos desafios e oportunidades inerentes a cada um deles. Ao integrar as tecnologias digitais de forma crítica e reflexiva, os historiadores podem não apenas ampliar o alcance e o impacto de seu trabalho, mas também contribuir para a construção de uma sociedade mais informada, engajada e consciente de seu passado.
Como limitação do estudo, aponta-se a natureza dinâmica e em constante evolução da historiografia digital, o que exige um acompanhamento permanente das novas ferramentas, metodologias e debates no campo. Sugere-se, para futuras pesquisas, a realização de estudos de caso que demonstrem, na prática, o uso de ferramentas e metodologias específicas da historiografia digital, bem como investigações sobre o impacto da história digital no ensino e na aprendizagem da História
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[1] Discente do Curso Superior de História Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: djalma.vieira1@hotmail.com
[2] Docente titular aposentada do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal do Maranhão (PROFHISTORIA/UFMA). Email: as.mota@ufma.br