REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202502201115
Leticia Namie, Tiago Halyson de Oliveira Gomes, Raquel Teixeira Gomes, Paula Alves Botoni, Geovanna Nogueira Barreto, Ana Leticia Vasconcelos, Ligia Luana Freire da Silva
Resumo: Introdução: A hipomelanose macular progressiva é uma dermatose caracterizada por máculas hipopigmentadas, não descamativas e sem histórico prévio de inflamação. As lesões são simetricamente distribuídas em dorso e abdome e podem apresentar confluência em linha mediana, especialmente, em tronco superior. É prevalente em mulheres e jovens e, apesar de assintomática, possui impacto significativo, devido à questão psicossocial. A fisiopatologia ainda não é bem esclarecida, entretanto sabe-se que é um distúrbio multifatorial. Nesse sentido, estudos indicam que a presença da bactéria anaeróbia gram-positiva Cutibacterium acnes do filotipo III tem papel considerável em sua etiologia. A compreensão desse potencial patogênico é relevante, pois está indissociavelmente ligado à resposta terapêutica e, consequentemente, à qualidade de vida e auto-estima dos pacientes. Objetivos: O presente trabalho tem como objetivo avaliar a correlação entre C. acnes tipo III e a hipomelanose macular progressiva, além de analisar as possibilidades de manejo terapêutico. Metodologia: Trata-se de uma revisão sistemática de literatura, a partir das bases de dados “PubMed” e “Google Acadêmico”, com os descritores “C. acnes“, “progressive macular hypomelanosis” e “pathophysiology”. Inicialmente foram separados 25 artigos, e após exclusão foram selecionados 5 trabalhos. A pesquisa foi realizada por meio da estratégia PICO, tendo: I) a População (P): seres humanos, II) Intervenção (I): indivíduos com hipomelanose macular progressiva, III) Comparação (C): sem grupos de comparação, IV) Contexto (Co): o C. acnes tipo III e sua correlação com a hipomelanose macular progressiva visando responder ao questionamento “qual a correlação entre o C. acnes tipo III com a hipomelanose macular progressiva?”. A sistematização dos artigos foi realizada a partir da metodologia Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (Figura 1). Resultados: A hipomelanose macular progressiva é, frequentemente, diagnosticada de modo errôneo como pitiríase versicolor, pitiríase alba e hipopigmentação pós-inflamatória e, desse modo, é comum o uso de antifúngicos e corticosteroides tópicos, que demonstram-se ineficazes para o tratamento dessa doença. Por outro lado, o sucesso da antibioticoterapia é uma das evidências circunstanciais que sustentam a hipótese de que C. acnes contribui com a patogênese da hipomelanose macular progressiva (Tabela 1). Ademais, há uma forte evidência estatística (p=0,0019, teste de McNemar) de que C. acnes tipo III esteja associada a esse distúrbio, porém outros filotipos não apresentam essa correlação, entre eles, o IA1, comum em acne vulgar.Observa-se uma disbiose em que C. acnes tipo III torna-se predominante (73,9%) em todas as lesões, contrariamente à pele saudável cuja proporção é menor (14,2%). Diante disso, o tratamento por 3 meses com limeciclina 300mg e peróxido de benzoíla 5% é capaz de diminuir a população desse patógeno de 80% para 22%, o que resultou em melhora clínica com repigmentação das lesões (Figura 2). Nesse contexto, de acordo com os resultados da tabela 1, a fototerapia ultravioleta B de faixa estreita (UVB-NB) demonstrou-se mais promissora, porém a desvantagem está no potencial de recidiva. Esta atua, principalmente, na repigmentação, ao estimular a melanização epidérmica dos melanossomos, mas não é tão eficaz na erradicação do patógeno. Por sua vez, a antibioticoterapia tópica é menos expressiva, entretanto os pacientes que responderam ao tratamento, não apresentaram novamente as lesões. Um dos limitantes dessa taxa menos significativa é devido ao modo de administração do medicamento, uma vez que as máculas, geralmente, acometem uma área extensa do dorso, o que se torna um desafio à aplicação pelo próprio paciente.Nesse contexto, nenhuma terapia isolada mostrou-se universalmente eficaz. Conclusão: conclui-se que a hipomelanose macular progressiva é uma afecção multifatorial, na qual Cutibacterium acnes III possui papel relevante em sua etiologia. Além disso, destaca-se que a melhor resposta terapêutica foi obtida pela associação de antibioticoterapia tópica e sistêmica à fototerapia UVB-NB, durante período de 3 meses de tratamento. No entanto ressalta-se a importância da continuidade dos estudos em doses e intervalos de administrações diferentes para garantir maior rapidez, segurança e eficácia ao tratamento para os pacientes.
Palavras-chave: “Hipomelanose” ; “Dermatopatia” ; “Hipomelanose macular”.
INTRODUÇÃO
A pele é uma estrutura dinâmica, composta pela epiderme – que funciona como uma barreira e é subdivida em basal, espinhosa, granulosa, lúcida e córnea –, e pela derme, responsável pelo suporte nutricional e circulação. Na epiderme, encontram-se os melanócitos que produzem o pigmento melânico, que protege-a contra a radiação UV. Ademais, os anexos cutâneos também são constitutivos fundamentais, visto que estão intrinsecamente associados aos mecanismos fisiológicos da pele. Nestes, especialmente, nas unidades pilossebáceas, é notável a presença de uma microbiota rica composta por S. epidermidis, C. acnes, Malassezia spp., Demodex, que contribuem para a homeostase do ambiente. Partindo-se desse contexto, o entendimento da função e estrutura da pele se mesclam à compreensão das patologias que a acometem.
A hipomelanose macular progressiva é uma dermatose caracterizada por máculas hipopigmentadas, não descamativas e sem histórico prévio de inflamação. As lesões são simetricamente distribuídas em dorso e abdome e podem apresentar confluência em linha mediana, especialmente, em tronco superior, porém raramente são encontradas em face. É prevalente em mulheres e jovens e, apesar de assintomática, possui impacto significativo, devido à questão psicossocial.1
A fisiopatologia ainda não é bem esclarecida, entretanto sabe-se que é um distúrbio multifatorial, no qual o fator genético e alterações hormonais parecem estar relacionados. Nesse sentido, estudos indicam que a presença da bactéria anaeróbia gram-positiva Cutibacterium acnes, especialmente, do filotipo III tem papel considerável em sua etiologia.2 A compreensão desse potencial patogênico é relevante, pois está indissociavelmente ligado à resposta terapêutica e, consequentemente, à qualidade de vida e auto-estima dos pacientes.
OBJETIVOS
O presente trabalho tem como objetivo avaliar a correlação entre Cutibacterium acnes tipo III e a hipomelanose macular progressiva, além de analisar as possibilidades de manejo terapêutico.
METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão sistemática de literatura, a partir das bases de dados “PubMed” e “Google Acadêmico”, com os descritores “Cutibacterium acnes“, “progressive macular hypomelanosis” e “pathophysiology”. Inicialmente foram separados 25 artigos, tendo-se os seguintes critérios de exclusão: 1) duplicação nas bases de dados, 2) data de publicação superior a dez anos, 3) tipo de estudo (os relatos de caso foram excluídos) e 4) acesso restrito ao artigo. Após seleção criteriosa foram escolhidos artigos na língua inglesa e portuguesa. Assim, finalizou-se o trabalho com 5 artigos.
A pesquisa foi realizada por meio da estratégia PICO, tendo: I) a População (P): seres humanos, II) Intervenção (I): indivíduos com hipomelanose macular progressiva, III) Comparação (C): sem grupos de comparação, IV) Contexto (Co): o Cutibacterium acnes tipo III e sua correlação com a hipomelanose macular progressiva visando responder ao questionamento “qual a correlação entre o Cutibacterium acnes tipo III com a hipomelanose macular progressiva?”.
A sistematização dos artigos foi realizada a partir da metodologia Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (Figura 1).
Figura 1 – Metodologia PRISMA.
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RESULTADOS
A partir de 25 artigos obtidos do “PubMed” e do “Google Acadêmico” e, após a aplicação dos critérios estabelecidos, foram selecionados um total de 5 artigos para leitura na íntegra, do período de 2014 a 2024, sendo 1 revisão sistemática, 3 estudos de coorte e 1 ensaio clínico randomizado.
A hipomelanose macular progressiva é, frequentemente, diagnosticada de modo errôneo como pitiríase versicolor, pitiríase alba e hipopigmentação pós-inflamatória e, desse modo, é comum o uso de antifúngicos e corticosteroides tópicos, que demonstram-se ineficazes para o tratamento dessa doença. Por outro lado, o sucesso da antibioticoterapia, como demonstra a tabela 1, é uma das evidências circunstanciais que sustentam a hipótese de que o patógeno Cutibacterium acnes está associado etiologicamente a esse distúrbio, uma vez que é detectado, seja por métodos de cultura, coloração gram e técnicas moleculares, em maior quantidade em pele lesional em comparação à saudável. Além disso, ao exame com radiação UV de lâmpada de Wood, em ambiente escuro, é possível observar um padrão de fluorescência folicular laranja-avermelhado em máculas hipopigmentadas, devido às porfirinas produzidas pela bactéria, entre elas, a coproporfirina III.2
Tabela 1 – Manejo terapêutico e suas respectivas respostas clínicas.
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Em contrapartida, apesar de estudos indicarem que Cutibacterium acnes também está relacionada à acne vulgar, esta não apresenta-se concomitante à hipomelanose macular progressiva, pois os filotipos são distintos e a distribuição das cepas ao longo do organismo humano também varia. Há uma forte evidência estatística (p=0,0019, teste de McNemar) de que C. acnes tipo III esteja associada às máculas hipopigmentadas, porém outros tipos não apresentam essa correlação, entre eles, o IA1, comum em acne vulgar.3
Apesar dessa bactéria ser constituinte da microbiota cutânea, em indivíduos hígidos, o tipo prevalente na parte superior do dorso e no abdome é o IA1 e na parte inferior é o tipo II, o qual foi constatado pela tipagem de sequência de locus-único (SLST) baseada em sequenciamento de nova geração (NGS). Entretanto, nesses locais comuns de ocorrência de hipomelanose macular progressiva, ocorre uma inversão desse padrão, uma disbiose em que Cutibacterium acnes tipo III torna-se predominante (73,9%) em todas as lesões, contrariamente à pele saudável cuja proporção é menor (14,2%). Nesse sentido, o tratamento por 3 meses, diariamente, com limeciclina 300mg e peróxido de benzoíla 5%, é eficaz, uma vez que é capaz de diminuir consideravelmente a população do patógeno de 80% para 22% (p=0,015), sendo esta semelhante à distribuição média detectada em amostras controle.Em decorrência, ao alterar a predominância desse filotipo, houve também uma melhora clínica, com repigmentação das lesões (Figura 2). Associado a isso, esse distúrbio é incomum em face, o que é justificado pelo fato de que as cepas de C. acnes tipo III são raramente detectadas na fronte e mucosa bucal, mesmo em pacientes com hipomelanose macular progressiva.1
Figura 2 –Respostas clínicas ao tratamento diário com peróxido de benzoíla 5% e limeciclina 300mg por 3 meses. Pacientes 1 (A e B) e 2 (C e D) antes e após o manejo terapêutico.
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DISCUSSÃO
Apesar dos estudos indicarem o potencial patogênico de Cutibacterium acnes III, o mecanismo pelo qual o patógeno induz a hipomelanose macular progressiva ainda é incerto: considera-se como hipótese a produção de enzimas com propriedades degradativas; desencadeamento de inflamação por fatores como porfirinas ou proteínas de estresse; uma mudança ácida ou choque térmico, além de genes codificadores de homólogos de AMPc que atuam como toxinas formadoras de poros, o que compromete a função de melanócitos. Por outro lado, ao exame histológico, imuno-histoquímico e ao microscópio eletrônico, é possível constatar que, nas máculas hipopigmentadas, há uma redução na atividade da tirosinase e diminuição da melanização epidérmica dos melanossomos; distribuição anormal de tonofilamentos dentro dos queratinócitos; diferença na distribuição das proteínas S100, assim como uma alteração na maturação, tamanho, número e arranjo dos melanossomos na pele com lesão.4
Nesse contexto, de acordo com os resultados da tabela 1, a monoterapia UVB-NB demonstrou-se mais promissora, porém a desvantagem está no potencial de recidiva. Considera-se que a fototerapia atua, principalmente, na repigmentação, ao estimular os melanócitos a sintetizar melanina e aumentar a melanização dos melanossomos, porém não é tão eficaz na erradicação de C. acnes III. Portanto, quando o efeito bacteriostático é removido, ocorre reinfecção pilossebácea. Por sua vez, a antibioticoterapia tópica é menos significativa e mais demorada, entretanto os pacientes que responderam ao tratamento, não apresentaram novamente as lesões. Um dos limitantes dessa taxa menos expressiva é devido ao modo de administração do medicamento, uma vez que as máculas, geralmente, acometem uma área extensa do dorso, o que torna-se um desafio à aplicação pelo próprio paciente.Nesse contexto, nenhuma terapia isolada mostrou-se universalmente eficaz.5
CONCLUSÃO
Portanto, a presente revisão sistemática conclui que a hipomelanose macular progressiva é uma afecção multifatorial, na qual Cutibacterium acnes III possui papel relevante em sua etiologia. Além disso, destaca-se que a melhor resposta terapêutica foi obtida pela associação de antibioticoterapia tópica e sistêmica associada à fototerapia UVB-NB, durante período de 3 meses de tratamento. No entanto ressalta-se a importância da continuidade dos estudos em doses e intervalos de administrações diferentes para garantir maior rapidez, segurança e eficácia ao tratamento para os pacientes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2. McDowell A, McLaughlin J, Layton AM. Is Cutibacterium (previously Propionibacterium) acnes a potential pathogenic factor in the aetiology of the skin disease progressive macular hypomelanosis?. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2021;35:338-344.
3. Barnard E, Liu J, Yankova E, Cavalcanti SM, Magalhães M, Li H, et al. Strains of the Propionibacterium acnes type III lineage are associated with the skin condition progressive macular hypomelanosis. Sci Rep. 2016;6:31968
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