HIPERTENSÃO INTRACRANIANA IDIOPÁTICA NÃO RESPONSIVA AO TRATAMENTO MEDICAMENTOSO: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202505231352


Camila Soares Braga Silva; Karina Monique Santos; Thiago Lomanto De Goes Brito; Orientador: Prof. Dra. Jemima Araújo


RESUMO

Introdução: A hipertensão intracraniana idiopática (HII) é um tipo de cefaleia secundária que ocorre graças ao aumento da pressão intracraniana (PIC) de origem desconhecida. É uma doença neurometabólica complexa e incapacitante que afeta principalmente o sexo feminino, em idade fértil, com obesidade cuja incidência aumenta com a epidemia de obesidade no mundo. Objetivo: Relatar o caso clínico de uma paciente com HII que não respondeu ao tratamento medicamentoso instituído, necessitando realizar tratamento cirúrgico para resolução do quadro. Relato de caso: Relata-se o caso de uma paciente do sexo feminino, 46 anos, com IMC de 31,1, com antecedentes de enxaqueca e hipertensão arterial, diagnosticada com HII após piora da cefaleia associado a alteração visual, insônia e desequilíbrio, resultando em incapacidade. Ela iniciou tratamento com Acetazolamida e topiramato, porém não houve resposta satisfatória, sendo submetida a colocação de derivação ventrículoperitoneal que resultou em melhora da cefaleia e da qualidade de vida. Discussão: O tratamento da HII visa reduzir a pressão intracraniana, resolver a cefaleia e preservar a visão. A maioria dos indivíduos respondem a terapia de primeira linha com perda ponderal, acetazolamida ou topiramato. Casos refratários ou fulminantes, necessitam de intervenção cirúrgica, como o caso relatado. A derivação ventrículo-peritoneal apresenta alta taxa de melhora de cefaleia e de papiledema apesar do risco de complicações. Conclusão: O caso reforça a importância do diagnóstico e intervenção precoce para resolução dos sintomas e preservação da visão, alterando o prognóstico da doença e promovendo a qualidade de vida dos pacientes a curto e longo prazo.

Descritores: Dor de cabeça; Hipertensão intracraniana benigna; Tratamento.

Palavras-chave: Cefaleia; Hipertensão intracraniana idiopática; Derivação peritonioventricular.

ABSTRACT

Introduction: Idiopathic intracranial hypertension (IIH) is a type of secondary headache that occurs due to increased intracranial pressure (ICP) of unknown origin. It is a complex and disabling neurometabolic disease that mainly affects women of childbearing age with obesity, the incidence of which is increasing with the world’s obesity epidemic. Objective: To report the clinical case of a patient with IBH who did not respond to the drug treatment prescribed and required surgery to resolve the condition. Case report: We report the case of a 46-year-old female patient with a BMI of 31.1, with a history of migraine and hypertension, diagnosed with IBH after a worsening headache associated with visual alterations, insomnia and imbalance, resulting in disability. She began treatment with acetazolamide and topiramate, but there was no satisfactory response, and she underwent ventriculo-peritoneal shunt placement, which resulted in an improvement in her headache and quality of life. Discussion: The treatment of IIH aims to reduce intracranial pressure, resolve the headache and preserve vision. Most individuals respond to first-line therapy with weight loss, acetazolamide or topiramate. Refractory or fulminant cases require surgical intervention, as in the case reported here. Ventriculo-peritoneal shunt has a high rate of improvement in headache and papilledema despite the risk of complications. Conclusion: The case reinforces the importance of early diagnosis and intervention to resolve symptoms and preserve vision, altering the prognosis of the disease and promoting patients’ quality of life in the short and long term.

Descriptors: Headache; Benign intracranial hypertension; Treatment.

Keywords: Headache; Idiopathic intracranial hypertension; Peritoneo-ventricular shunt.

1. INTRODUÇÃO

A hipertensão intracraniana idiopática (HII) é um tipo de cefaleia secundária que ocorre graças ao aumento da pressão intracraniana (PIC) de origem desconhecida, afetando principalmente o sexo feminino, em idade fértil, que apresentam obesidade. Trata-se de uma doença incapacitante, que atinge em maior proporção as mulheres, com uma incidência que se apresenta quase vinte vezes maior do que na população geral mundial, que traz diversos sintomas, dentre eles a cefaleia (SOUZA et al, 2022; SASSANI et al, 2025; CHENG et al, 2024).

É válido destacar que a HIC é uma doença neurometabólica complexa, onde o principal fator de risco modificável é o peso, cuja incidência aumenta concomitante com a epidemia da obesidade no mundo. A clínica da doença se baseia nos sintomas secundários do aumento da PIC, em especial as dores de cabeça incapacitantes, papiledema, sintomas visuais e zumbido pulsátil, além de algumas evidências demostrando disfunções metabólicas e aumento no risco de doenças cardiovasculares (SASSANI et al, 2025)

Além disso, merece destaque a importância do diagnóstico, que tipicamente requer a presença de papiledema, a PIC elevada, que pode ser avaliada através da punção lombar e neuroimagem que mostre ausência de outras causas secundárias da hipertensão. Há casos que tornam-se necessárias a utilização de critérios alternativos diagnósticos, cujos achados podem apresentar na neuroimagem a distensão do espaço subaracnóideo perióptico com ou sem tortuosidade do nervo óptico, estenose do seio venoso transverso, sela vazia e o achatamento do aspecto posterior do globo (SASSANI et al, 2025; SOUZA et al, 2022).

O presente estudo teve como objetivo, descrever o caso de uma paciente do sexo feminino, que apresenta hipertensão intracraniana idiopática associada a episódios recorrentes de cefaleia incapacitante, com alterações nos exames de imagem, e cujo tratamento final culminou com uma cirurgia de derivação ventrículo peritoneal (DVP) que proporcionou a resolução dos sintomas, apesar das complicações, uma vez que o tratamento medicamentoso instituído precocemente não surtiu efeito desejado e trouxe piora clínica para a paciente.

2. RELATO DE CASO

Paciente M.S.G., sexo feminino, parda, casada, 46 anos, 92 kg, 1,72 m de altura, IMC 31.1, natural de Salvador – BA e residente de Glória do Goitá – PE. Procurou atendimento de um neurologista ambulatorial por meio de teleconsulta por apresentar piora dos episódios de cefaleia intensa e incapacitante, que se tornaram recorrentes ao longo dos últimos meses.

Relatou antecedentes pessoais de enxaqueca sem aura desde a adolescência, Hipertensão arterial controlada há aproximadamente 10 anos, com uso recente de Acertalix 5mg + 1,25mg, uma vez ao dia, transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e depressão, fez uso de Desvenlafaxina 50mg ao dia, atualmente não faz tratamento medicamentoso. Apresenta antecedentes familiares de primeiro grau de aneurisma cerebral, pai (falecido devido a patologia) e irmã paterna, além de enxaqueca nos irmãos paternos e maternos.

Durante uma teleconsulta no início de 2023 com seu neurologista habitual, que já a acompanhava há alguns anos pelo quadro de enxaqueca, a paciente referiu piora das dores de cabeça com surgimento de sintomas como tontura, alteração visual (diplopia), náuseas, vômitos, insônia causada pela dor e alteração do equilíbrio que pioravam com o passar dos dias. Foi então solicitada uma tomografia computadorizada, exame solicitado rotineiramente para a paciente devido aos antecedentes familiares, e uma punção lombar, devido no padrão da dor que a paciente apresentava, além do retorno agendado com o resultado dos exames.

Semanas após, já com o resultado dos exames, o neurologista chegou ao diagnóstico inicial de Hipertensão Intracraniana Idiopática (HII) e iniciou o tratamento medicamentoso com topiramato 50mg/dia, já que houve alteração na punção com a pressão intracraniana elevada (quadro 1) e ausência de quaisquer alterações nos exames de imagem que acusassem uma causa específica.

Quadro 1

Na segunda consulta após diagnóstico de HII, a paciente relatou a manutenção dos sintomas e piora da insônia devido a enxaqueca que se manteve mesmo com o uso do medicamento, a conduta foi mantida e foi então solicitada uma nova punção lombar para avaliar a pressão intracraniana (PIC) e reavaliar o quadro após o início da terapia.

Com o resultado da segunda punção em mãos (quadro 2), que ainda indicava que a PIC se mantinha acima dos parâmetros de normalidade apesar do uso regular da medicação, foi então introduzido a acetazolamida 750 mg/dia e o topiramato foi aumentado para uma dose de 100 mg/dia, visando a redução da PIC e alívio dos sintomas.

Quadro 2

Entretanto, após a introdução do acetazolamida a paciente cursou com piora dos sintomas, principalmente das dores de cabeça, que a impossibilitavam de fazer atividades diárias básicas do dia a dia, como se levantar da cama e escovar os dentes. Além disso, relatou que apresentava episódios recorrentes de náuseas e vômitos, além de tontura excessiva ao tentar se levantar e episódios de sincope, por isso, optou por antecipar a consulta com o neurologista.

Assim, durante a terceira consulta em junho de 2024, o médico optou pela redução do acetazolamida para 500 mg/dia, manutenção do topiramato e redução de peso da paciente com a introdução de dieta associado a exercícios físicos. Apesar da redução do medicamento e introdução da dieta a paciente relatou que os sintomas se mantiveram, o que a impossibilitava de realizar atividade física, por isso, solicitou uma nova consulta com o seu neurologista, que optou por manter a conduta, porém solicitou uma ressonância magnética de crânio, uma angiorressonância magnética da drenagem venosa do crânio e uma angiotomografia computadorizada arterial e venosa intracraniana.

Após meses de manutenção do quadro, ainda em uso das medicações, a paciente buscou atendimento ambulatorialmente com um novo neurologista na cidade de Recife-PE no mês de junho de 2024, para buscar uma segunda opinião e relatar o surgimento de novos sintomas como a diplopia e a perda de equilíbrio, além das dores de cabeça e náusea que se mantinham constantes.

Dessa forma, devido a piora do quadro da paciente associado aos resultados dos últimos exames realizados, dentre eles os exames de imagem realizados (quadro 3), o segundo neurologista solicitou o acompanhamento conjunto com a neurocirurgia, uma vez que o tratamento medicamentoso já havia sido instituído e a paciente não apresentava melhora. Além disso, reduziu o acetazolamida para 250 mg/dia, manteve o topiramato na dosagem atual e introduziu o propranolol x mg/dia.

Figura 1: Ressonância de crânio, imagem ponderada em T2, demonstrando encéfalo normal.

Fonte: Documentos enviados pela paciente

Já na primeira consulta com a neurocirurgiã foram solicitados alguns exames complementares como uma angiotomografia cerebral, já realizada, exames oftalmológicos para avaliar possível edema óptico e um cateterismo. Dentre os exames solicitados apenas o cateterismo não chegou a ser realizado pela paciente.

Com o resultado dos exames em mão, foi agendado o retorno com a neurocirurgiã, que avaliou a normalidade nos exames oftalmológicos e confirmou alterações tanto nas punções lombares já realizadas quanto na angiotomografia e ressonância, o que levou a indicação de uma possível cirurgia devido a falha do tratamento medicamentoso. Assim, com a confirmação da paciente, foram solicitados exames pré-operatórios e uma nova bateria de exames oftalmológicos, dentre eles a campimetria e fundoscopia (figuras 1 e 2).

Figura 2: Campimetria

Fonte: Documentos enviados pela paciente

Figura 3: Fundoscopia

Fonte: Documentos enviados pela paciente

Em uma última consulta antes da cirurgia a paciente trouxe os últimos resultados solicitados com alterações nos exames oftalmológicos e a cirurgia foi então marcada para o início do mês de dezembro de 2024, sendo optada por uma derivação ventrículo peritoneal realizada no dia 03/12/24 com alta programada para o dia posterior após realização de uma tomografia de crânio.

No dia 04 de dezembro a alta da paciente foi cancelada pois a TC não foi préagendada (SIC) e ela apresentou múltiplos episódios de vômitos, assim, no dia 5 do mesmo mês a TC foi realizada e pôde-se visualizar a válvula e cateter inseridos, além de um hematoma de 0,3 cm (quadro 4). Apesar disso, a alta foi programada para o mesmo dia e a paciente foi liberada com orientações gerais e retorno programado para o dia 21/12 para reavaliação e a realização de uma nova TC de crânio.

Quadro 3

Na consulta de retorno pós-operatória, no dia 27/12, uma nova TC de crânio foi realizada e o hematoma havia aumentado de tamanho passando a ter 0,9 cm (quadro 5). Assim, uma nova consulta foi agendada para janeiro de 2025 para reavaliar o quadro da paciente e uma possível modificação das medicações em uso.

Quadro 4

No início de janeiro, em uma nova consulta com a neurocirurgiã, foi avaliada a funcionalidade da válvula inserida e houve uma modificação no tratamento medicamentoso com a retirada do Acetazolamida, manutenção do topiramato, introdução da sinvastatina e um nova TC foi solicitada para início de fevereiro. Ainda no mês de janeiro a paciente retornou para uma consulta com o neurologista, que a acompanhava em conjunto, e ele optou pela retirada do topiramato e do propranolol.

Uma nova TC foi realizada no início de fevereiro e o resultado foi avaliado pela neurocirurgiã, que mostrava desaparecimento do hematoma (quadro 6). Diante disso, a paciente foi orientada a retornar após 6 meses e orientada a retorno das atividades normais do dia a dia, com cuidados já orientados anteriormente em relação a cirurgia. Além disso, as consultas com o neurologista passaram a ser trimestrais inicialmente, com um retorno programado para meados de abril.

Quadro 5

No mais, a paciente relata que houve melhora exponencial de todos os sintomas, negando piora ou manutenção das dores de cabeça incapacitantes que sentia antes da cirurgia. Entretanto, queixa-se de dor abdominal no sítio da cirurgia que iniciaram no mês de março, com necessidade de internação hospitalar para tratamento álgico, onde foi então solicitado pelo médico plantonista uma consulta agendada com gastroenterologista para avaliação mais específica. 

3. DISCUSSÃO

A Hipertensão Intracraniana Idiopática (HIC), um tipo de cefaleia secundária, é causada pela elevação da pressão intracraniana, de origem não conhecida, sem evidências que apontem uma causa específica para tal alteração como qualquer tipo de massa intracraniana visível, trombose de seio venoso ou hidrocefalia, que levam a surgimento de sintomas como cefaleia, alterações visuais e zumbidos pulsáteis estão entre os mais frequentemente relatados (XU et al, 2024; CHENG et al, 2023).

É válido destacar que, segundo Cheng et al (2024), esta condição tem uma baixa incidência anual, com uma taxa de 0,5 – 2 para cada 100 mil habitantes da população geral, porém afeta predominantemente o sexo feminino, principalmente em idade fértil, com obesidade, com uma incidência 20 vezes maior em relação a população geral, reforçando assim que a paciente se enquadra dentro dos fatores epidemiológicos da condição, com IMC classificando-a com obesidade grau I. 

Em concordância, Potter et al (2024), confirma que além dos fatores relatados destaca-se o ganho de peso recente, as flutuações hormonais, transtornos de saúde mental (em especial o transtorno depressivo maior) e uma potencial predisposição genética. Destes, a paciente apresenta o transtorno depressivo maior cujo diagnóstico e tratamento foram instituídos antes da confirmação da HII. Além disso, destaca o aumento da incidência de HII ao longo dos anos junto com a epidemia de obesidade, enfatizando a identificação precoce dos fatores de risco e mecanismos patológicos da doença, que ainda permanece incompleta, sendo a dinâmica alterada no líquido cefalorraquidiano (LCR) a parte principal para sua compreensão, por isso, reconhecer os fatores de risco é crucial para o desenvolvimento de possível prevenção.

Sabe-se que o diagnóstico da HII tipicamente requer papiledema e elevação da PIC com composição normal do LCR, na ausência de causas secundarias. Para avaliação da pressão intracraniana faz-se necessário a realização de uma punção lombar, cujo valor ≥ 25 cmH2O é considerado anormalmente elevado e na ausência de outros fatores é fator diagnóstico de HII, confirmando então o diagnóstico da nossa paciente, que possuía 2 punções distintas com valores elevados (34cmH2O e 28 cmH2O) (BONELLI et al, 2024).

Souza et al (2022) enfatizam que a HII raramente se manifesta sem o papiledema, mas quando acontece, critérios alternativos são exigidos e ao menos 3 dos 4 achados indiretos típicos da HII precisam estar presentes: achatamento do aspecto posterior do globo, sela vazia, distensão do espaço subaracnóideo com ou sem a presença de nervo óptico tortuoso e estenose do seio transverso vistos na neuroimagem. Relata ainda que a elevação da PIC é a responsável pela sintomatologia da doença, em especial a cefaleia. Além disso, destaca o papel dos exames de imagem no diagnóstico da HIC, com a ressonância magnética mostrando alterações indicativas da elevação da PIC, como a sela túrcica vazia ou parcialmente vazia, apresentado no exame de imagem da paciente em questão.

Destaca-se ainda que clinicamente a HII se manifesta através de alterações visuais que podem se apresentar com algum grau de deficiência visual (80% dos casos), perda visual permanente (presente em cerca de 10% dos casos) ou até mesmo a diplopia, menos comum e que normalmente é causada pela paralisia do sexto nervo e está relacionada a maior gravidade. No mais, pode haver alterações na função cognitiva, metabólicas e assim como na paciente em questão, há as dores de cabeça incapacitantes que normalmente estão associadas a tontura, náuseas e vômitos, dor nas costas e obscurecimentos visuais transitórios (SASSANI et al, 2025; SOUZA et al, 2022).

Souza et al (2022), traz ainda a importância da observação do tipo de cefaleia apresentada, pois, tem como fenótipo mais comum a dor que se assemelha a enxaqueca, sendo assim o sintoma mais comum e com maior comprometimento da qualidade de vida dos pacientes. Dessa forma, faz-se necessário a investigação de diagnósticos diferenciais antes de definir uma HII. Na paciente abordada a investigação foi iniciada após mudança do padrão da dor da enxaqueca sem aura, com aumento da frequência associado a diplopia e piora da dor com mudanças de posição, além de despertares noturnos pela dor (inexistentes anteriormente). 

Diante disso, Mollan, Hoffmann e Sinclair (2019) trazem que a cefaleia da PIC elevada é posicional, com despertar noturno e que se agrava pela manobra de Valsava, no mais, a qualidade da dor se assemelha a enxaqueca e traz sintomas como fonofobia, fotofobia, vômitos, náuseas, que piora com atividade física, porém a perda visual constante, obscurecimento visual transitório, diplopia e tontura podem auxiliar na distinção entre a enxaqueca e a HII, mostrando assim que apesar da sintomatologia ser semelhante é importante investigar outras etiologias para tais alterações, como aconteceu com a paciente citada.

Dessa forma, afirma-se que o curso e o prognóstico da HII podem variar, exigindo uma abordagem multidisciplinar para o tratamento da patologia. Assim, o tratamento é baseado na sintomatologia principal e tem 3 objetivos principais: perda de peso, proteção visual e controle da dor de cabeça, ambos instituídos inicialmente no caso da paciente citada. É importante frisar que a perda ponderal é a única medida modificadora da doença, é necessário controle do peso em pacientes que apresentam o IMC ≥ 30 kg/m², com necessidade de equipe multidisciplinar com nutricionistas e endocrinologistas em alguns casos. (TOSCANO et al, 2020; SOUZA et al, 2022).

Toscano et al (2020) e Souza et al (2022), enfatizam que em situações com sintomatologia grave e sem regressão, dieta hipocalórica isolada não é suficiente, fazendo-se necessário a associação com tratamento medicamentoso para aliviar os sintomas e preservar a função visual. Para isso, o medicamento utilizado é a acetazolamida (ACZ), um inibidor enzimático da anidrase carbônica que reduz a secreção do LCR no plexo coroide, com posologia inicial de 500mg, duas vezes ao dia, chegando a no máximo 4g/dia. Tratamento que foi instituído inicialmente, na dosagem de 750 mg/dia, porém não tolerado pela paciente que apresentou os principais efeitos adversos da medicação, como vômito, náusea, hiporexia e fadiga.

Cabe destacar que o topiramato, na dosagem de 50 – 200mg/dia, apresenta eficácia semelhante a ACZ, sendo útil nos pacientes que apresentam obesidade e enxaqueca na HII. Nos casos em que a terapia medicamentosa falha ou não é tolerada pode-se optar por procedimentos cirúrgicos, que incluem derivações, angioplastia e colocação de Stent no seio transverso, entretanto, é necessária uma avaliação detalhada em pacientes que apresentam HII e cefaleia isolada, pois tal tratamento não é recomendado dada as altas taxas de complicações (TOSCANO et al, 2020; SOUZA et al, 2022; ANDERSON et al, 2024).

Em contrapartida, Cheng et al (2024), manifesta que cerca de um quarto dos pacientes que apresentam HII podem necessitar de intervenção cirúrgica em caso de perda visual ou se as dores de cabeça se apresentarem de maneira severa e persistente. Buhbu et al (2024), demonstra que a terapia medicamentosa é eficaz na redução do papiledema, porém com a cefaleia e zumbidos a sua taxa de sucesso é baixa, com cerca de 44% dos pacientes mantendo o quadro de dor mesmo após 6 meses de uso das medicações, assim como aconteceu com a paciente citada.

No que diz respeito aos tipos de cirurgias instituídas, a derivação cirúrgica do LCR pode se apresentar a partir de derivações ventriculoatrial (VA), lombo-peritoneal (LPE) e ventrículo-peritoneal (VP), sendo as duas últimas igualmente eficazes na redução dos sintomas da HII, com a DVP apresentando uma maior taxa de falha, porém com menor necessidade de revisões e é a escolha em casos de cefaleia intensa como sintoma isolado, como esclarece Toscano et al (2020). 

Assim, a cirurgia optada para a paciente foi a DVP, cuja eficácia é comprovada e tem uma melhora da cefaleia em 90,8% dos pacientes, além da regressão do papiledema 90,9%, entretanto, as complicações que podem surgir merecem destaque, as principais são: obstrução ou infecção da derivação, vazamentos de LCR e hemorragias subdurais e subaracnóideas, sendo a última a complicação apresentada pela paciente, o surgimento de um hematoma de 0,3 cm que evoluiu para 0,9 cm em menos de 1 mês após a cirurgia mas que reduziu de tamanho até desaparecer após remoção dos medicamentos associados (TOSCANO et al, 2020).

É necessário analisar que há uma chance na recorrência da cefaleia em cerca de 60-70% dos pacientes que fazem DVP em 1 ano após o procedimento, por isso, Souza et al (2022) frisam a importância de avaliar essa opção em casos de cefaleia na HII sem perda visual, onde mais de 50% desses pacientes necessitarão de revisão cirúrgica. Reforça ainda que apesar das complicações, as derivações permanecem sendo o procedimento mais disponível para casos de falha no tratamento medicamentoso da HII, embora existam outras opções cirúrgicas.

A colocação de stent no seio venoso tem se destacado como terapia emergente para pacientes com HII, particularmente na presença de estenose venosa. Dados recentes demonstram taxas promissoras de melhora, alcançando 93,7% para papiledema e 79,6% para cefaleia, com taxas relativamente baixas de complicações. Entretanto, ainda não tem sido amplamente empregado, não tendo sido considerado no caso relatado, devido indisponibilidade no serviço que a paciente foi atendida. (Souza et al, 2022). 

Visto que o principal objetivo do tratamento da HII é a resolução dos sintomas e preservação da visão, entende-se que apesar da DVP apresentar risco de intervenções futuras e altas taxas de complicações, como aconteceu com a paciente em questão, até o momento, 3 meses após a cirurgia de derivação ventrículoperitoneal, a paciente permanece sem qualquer sintoma, em especial as dores de cabeça incapacitantes. Além disso, cursou com melhora das queixas visuais, retornou as suas atividades habituais e iniciou atividade física.

4. CONCLUSÃO 

Diante do exposto, o presente estudo traz o caso de uma hipertensão intracraniana idiopática (HII) com falha no tratamento farmacológico. Vale ressaltar que o HII é uma condição anormal e incomum cuja característica é a elevação da pressão intracraniana sem causa conhecida, associada a dor de cabeça, deficiências visuais e zumbidos pulsáteis, que acometem geralmente mulheres em idade fértil. Outro fator de marcada importância é a obesidade, destacada como causa modificável e a redução do peso está entre os pilares do tratamento (CHENG et al, 2024). 

Diante disso, é importante que o diagnóstico e tratamento sejam realizados precocemente, uma vez que o prognóstico e o manejo são variáveis. Compreende-se que o diagnóstico de HII nesse caso foi correto, já que a paciente apresentava os critérios necessários. Destaca-se ainda que a terapia optada inicialmente foi instituída baseada nos critérios de tratamento mais eficazes, apesar da ausência de resposta esperada, optando-se então pelo tratamento cirúrgico. Em função disso, é fundamental que o tratamento vise a resolução dos sintomas com a melhor opção terapêutica disponível para o paciente em busca de uma melhor qualidade de vida a curto e longo prazo (TOSCANO et al, 2020; SOUZA et al, 2022).

5. REFERÊNCIAS

ANDERSON, M. et al.. Idiopathic Intracranial Hypertension. Neurosurgery clinics of North America, v. 35, n. 3, p. 287-291, mar 2024

BONELLI, L. et al.. Managing idiopathic intracranial hypertension in the eye clinic. Eye (London, England), v. 38, n.12, p. 2472-2481, maio 2024.

BUHBUT, O. et al. Disability and Patient-Reported Satisfaction in Women with Idiopathic Intracranial Hypertension: A Comparative Study of Venous Sinus Stenting and Medical Management. Diagnostics, v. 14, n. 22, p. 2572. Nov. 2024.

CHENG, H. et al. Long-term efficacy of venous sinus stenting in the treatment of idiopathic intracranial hypertension. CNS neuroscience & therapeutics v. 30, n.1, e14356. Jan 2024.

MOLLAN, S.P., HOFFMANN, J., SINCLAIR, A.J.. Advances in the understanding of headache in idiopathic intracranial hypertension. Curr Opin Neurol, v. 32, n. 1, p. 92-98, fev 2019.

POTTER, O., MENON, V., MOLLAN, SP. Risk factors and disease associations in people living with idiopathic intracranial hypertension. Expert Rev Neurother, v. 24, n. 7, p. 681-689, jul 2024.

SASSANI, M. et al.. Non-invasive assessment of intracranial compliance in idiopathic intracranial hypertension: an MRI-ICP study. Eye (Lond), jan 2025.

SOUZA, M. N. P. et al.. Update on Idiopathic Intracranial Hypertension Management. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 80, n. 5, p. 227–231, maio 2022.

TONG, X. et al.. Clinical outcomes after stenting treatment in patients with idiopathic intracranial hypertension and intrinsic versus extrinsic venous sinus stenosis. Journal of neurointerventional surgery, Advance online publication, fev 2025.

TOSCANO, S. et al. An update on idiopathic intracranial hypertension in adults: a look at pathophysiology, diagnostic approach and management. Journal of neurology, v. 268, n. 9, p. 3249-3268, maio 2020.

XU, Z. et al.. Stenting versus balloon angioplasty alone for idiopathic intracranial hypertension. Quantitative imaging in medicine and surgery, vol. 14, n. 12, p. 9431–9443, nov 2024.