HIPERALDOSTERONISMO PRIMÁRIO: UM RELATO DE CASO

PRIMARY HYPERALDOSTERONISM: A CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202408062201


Camila Maria Coelho Amorim1; Guilherme de Almeida Castro1; Daniel Viana Torres1; Jon Vítor Jacobina Cesário1; Beatrice Cabral Gomes de Azevedo1; Hiquelme Vinicius Ferreira Rocha1; Hana Beatriz Martins Mota1; Beatriz Xavier Vitoriano1; Enzo Loandos Oliveira2; Luiz de Gonzaga Gomes de Azevedo Júnior2


Resumo

O hiperaldosteronismo primário é uma condição em que há produção excessiva e desregulada de aldosterona. É uma causa subdiagnosticada de hipertensão secundária, associada a elevado risco cardiovascular. Este estudo relata o caso de um paciente de 49 anos, com história de hipertensão arterial que apresentou baixas respostas aos anti-hipertensivos. Após anos de convivência com o distúrbio, foi diagnosticado com hiperaldosteronismo primário. Níveis elevados de aldosterona sérica, aumento da relação aldosterona-renina e hipocalemia revelaram a suspeita. A ressonância magnética demonstrou a presença de um adenoma cortical na glândula adrenal direita, confirmado pela adrenalectomia e biópsia subsequente. O relato destaca o hiperaldosteronismo primário como uma condição possível em pacientes com hipertensão refratária. Optou-se pela adrenalectomia direita total através de cirurgia laparoscópica. O procedimento mostrou-se eficaz na cura da hipertensão por hiperaldosteronismo primário.

Palavras-chave: Hiperaldosteronismo. Endocrinologia. Hipertensão.

INTRODUÇÃO A aldosterona é um mineralocorticoide produzido pelo córtex da adrenal, sendo que sua liberação depende primordialmente do sistema renina-angiotensina, apresentando também uma pequena influência do hormônio adenocorticotrófico (ACTH). A renina é uma enzima produzida nos rins, a qual é liberada na corrente sanguínea quando os níveis de pressão sistólica chegam a 100 mmHg ou menos. Ela induz a quebra do angiotensinogênio, uma grande molécula, e a transforma em angiotensina 1, um peptídeo inativo (GROSSMAN, 2022).

Sendo assim, a enzima conversora de angiotensina (ECA), converte a angiotensina 1 em angiotensina 2, que atua nas paredes musculares das pequenas artérias, fazendo com que elas se contraiam, aumentando assim a pressão arterial. Além disso, a angiotensina 2 induz a liberação de aldosterona pelas adrenais e vasopressina pela hipófise, fazendo com que os rins retenham mais sódio, aumentando o volume da circulação, e excretem mais potássio (GROSSMAN, 2022).

Quando a produção de aldosterona ocorre independente do sistema renina-angiotensina e de forma excessiva, pode-se dizer que está acontecendo um caso de hiperaldosteronismo primário, ou seja, algo está induzindo as adrenais a produzirem aldosterona de forma autônoma. Na maioria das vezes, essa condição é provocada por uma hiperplasia da suprarrenal, adenomas e carcinomas suprarrenais (YONG, 2018).

Mais de 90% dos casos de hiperaldosteronismo primário são devidos a um adenoma produtor de aldosterona, que é responsável por cerca de 35% dos casos, ou ao hiperaldosteronismo idiopático, que é responsável por cerca de 60% de casos (quase todos bilaterais). A hiperplasia adrenal unilateral é uma causa rara de hiperaldosteronismo primário, representando 1-2% dos casos (CHROSOS, 2020).

Cerca de 1% dos pacientes apresentam carcinomas adrenocorticais que são puramente secretores de aldosterona e geralmente são grandes no momento do diagnóstico; 1% apresenta hiperaldosteronismo familiar e 1% apresenta adenoma ou carcinoma ectópico produtor de aldosterona.  As formas hereditárias de hiperaldosteronismo primário representam apenas 1% dos casos, mas são mais prováveis ​​de ocorrer durante a infância. Essas formas incluem hiperaldosteronismo familiar tipos I, II e III (CHROSOS, 2020).

Geralmente, as manifestações clínicas presentes são hipertensão e hipocalemia inexplicável, fraqueza muscular, paralisias e parestesias transitórias. Em boa parte dos casos, a hipertensão leve a moderada é a única manifestação. Então, suspeita-se de hiperaldosteronismo primário quando se tem hipertensão resistente à terapêutica com fármacos, hipertensão antes dos 40 anos e achado de massa suprarrenal (YONG, 2018).

Para realizar o diagnóstico é indicado a triagem de eletrólitos, aldosterona plasmática e atividade de renina plasmática. Em seguida, recomenda-se a realização de uma tomografia de adrenal sem contraste. Por fim, o endocrinologista deve indicar a terapêutica adequada de acordo com cada caso (YONG, 2018).

Diante do exposto, o objetivo desse trabalho é relatar um caso de hiperaldosteronismo primário descoberto através da investigação de hipertensão descompensada sem causa aparente, dando enfoque nas manifestações clínicas e possíveis achados do quadro.

RELATO DE CASO

Paciente J.L.J, 49 anos, sexo masculino, IMC de 23,6 portador de Diabetes Mellitus (DM) tipo 2 diagnosticada há 12 anos. Recorreu ao endocrinologista há 5 anos solicitando uma investigação de DM. Relatou dor em queimação nos membros inferiores, perda de peso excessiva e dieta irregular. Sem parestesias dos MMII. Paciente em uso de: Insulina NPH, Metformina 1 vez ao dia e Atenolol mais Clortalidona. Nega histórico cirúrgico.

Nos antecedentes familiares relatou que havia familiares com Diabetes Mellitus, Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e Hiperlipidemia.

Ao exame físico constatou-se aparelho respiratório e cardíaco sem alterações. Pressão Arterial (PA), 120 x 80 mmHg. Sem alterações na tireoide. Ao examinar os membros inferiores, percebeu-se reflexos aquileus diminuídos, hipoestesia, sensibilidade palestésica diminuída em pés e sensibilidade tátil diminuída. Nos exames complementares apresentou elevação nos índices de hemoglobina glicada (7,5%) e da glicemia em jejum (251 mg/dL). Foi receitado Insulina Glargina e Metformina.

Nas demais consultas de acompanhamento, o paciente referiu uso adequado dos medicamentos e dieta regular, o que normalizou os índices glicêmicos e melhora do quadro de dor e sensibilidade nos membros inferiores. Quanto à HAS, estava em uso de Candesartana e Hidroclorotiazida. J.L.J. negava queixas e não apresentava anormalidades nos exames físicos e laboratoriais, a não ser uma PA de 140 x 100 mmHg 3 meses após o primeiro atendimento.

Durante as consultas de rotina notou-se que mesmo em uso de medicações anti-hipertensivas, exercícios físicos e dieta regular a PA de J.L.J. mantinha-se elevada algumas vezes, variando de 120 x 80 mmHg a 170 x 100 mmHg em atendimentos com intervalos trimestrais. Ainda assim, o paciente não referia qualquer sintoma nem apresentava achados suspeitos nos exames laboratoriais.  

Depois de um ano, após maior investigação da PA resistente, o paciente retornou com os níveis séricos de aldosterona aumentados (93,6 ng/dL), com PA 170 x 100 mmHg, hipocalemia (K 3,3 mEq/L), potássio urinário 113 mEq/L e razão aldosterona-renina 44,5, o que evidenciou um provável hiperaldosteronismo primário. Não houveram anormalidades na ultrassonografia das artérias renais e J. também estava sendo acompanhado com um médico nefrologista.  

Após 3 meses, em uso de Atenolol, Olmesartana, Anlodipino, Espironolactona o paciente regressa com o resultado da ressonância magnética de abdômen solicitada anteriormente, que demonstra um nódulo na porção central da glândula adrenal direita de 1,4 x 0,8 cm, isointenso e com hiporrealce após contraste. J.L.J. foi submetido à adrenalectomia direita por aldosteronoma por via laparoscópica. Sua biópsia revelou adenoma cortical de adrenal do tipo oncocítico, bem delimitado, com 1,5 cm e margens cirúrgicas livres de lesão.

O paciente seguiu em acompanhamento com o endocrinologista e inicialmente teve sua pressão arterial controlada com apenas uma medicação anti-hipertensiva (Atenolol) que posteriormente foi suspensa, devido à melhora do quadro de HAS secundária.

DISCUSSÃO

O profissional médico pode suspeitar da presença de hiperaldosteronismo em indivíduos com HAS persistente que demonstrem em seus exames laboratoriais níveis baixos de potássio. Muitas vezes podem não apresentar sintomas, mas em outros casos, fraqueza, formigamento, espasmos musculares e períodos de paralisia temporária. O Hiperaldosteronismo provoca no paciente um aumento dos níveis de aldosterona no organismo, podendo assim levar à HAS. (RESENDE, 2023; CARVALHO, ROSA, 2022).

Tal afirmação pode ser ratificada no presente relato de caso, levando em consideração que o paciente J.L.J. não apresentava PA aumentada nas primeiras consultas, e após alguns meses passou a evidenciar uma elevação dela, associado a hipocalemia, além de outros sintomas relacionados aos membros inferiores. No entanto, esses achados podem se confundir com a progressão da Diabetes.

O diagnóstico do hiperaldosteronismo baseia-se em critérios como o aumento da aldosterona sérica e relação aldosterona-renina, excesso de potássio na urina e consequente redução no plasma sanguíneo, que se mostraram efetivos no presente relato. Existem outros testes, como o da sobrecarga de sódio oral e teste da supressão com fludrocortisona que não são comumente utilizados. Outro importante papel nos exames é seguir uma linearidade do rastreamento até sua confirmação e a determinação etiológica. Já no momento da triagem é importante observar se o paciente apresenta sinais de hipertensão resistente antes dos 40 anos ou achado de massa suprarrenal. Em relação ao método de imagem, a TC de corte fino da região suprarrenal sem contraste será o método de escolha mais adequado, embora no caso supracitado a ressonância magnética tenha sido muito oportuna e decisiva no diagnóstico.

 O manejo adequado do hiperaldosteronismo resulta em altas chances de cura, reduzindo significativamente os níveis pressóricos e o risco cardiovascular, igualando-os ao de uma pessoa com HAS ou até mesmo normotensa, como no caso de J.L.J. Existem algumas divergências a respeito do desfecho final quando se compara o tratamento cirúrgico e o medicamentoso, mas em alguns estudos o tratamento cirúrgico é tido como um método associado a melhores resultados, maior redução do risco cardiovascular e mortalidade, melhor controle bioquímico e com chance de cura da HAS em aproximadamente 50% dos pacientes, conforme o caso descrito (TEODORO, 2022; DA SILVEIRA, 2022).

CONCLUSÃO

Embora a epidemiologia do hiperaldosteronismo primário não revele incidência e prevalência altas na população geral, é notório que o conhecimento desse distúrbio é de importância considerável para a prática médica, pois deve ser lembrado entre as hipóteses diagnósticas referentes à hipertensão secundária e resistente. 

REFERÊNCIAS

CHROSOS, G.P. Hyperaldosteronism. Medscape. Disponível em: <https://emedicine.medscape.com/article/920713-overview>. Acesso em: 07 nov. 2023.

DA SILVEIRA, J. V.; ALMEIDA, M. Q; CONSOLIM-COLOMBO, F. M. Investigação e abordagem do paciente hipertenso com Hiperaldosteronismo Primário. Hipertensão. v. 24, n. 2, p. 1-5, ago. 2022.

GROSSMAN, A.B. Aldosteronismo primário. Manual MSD. Disponível em: <https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-end%C3%B3crinos-e-metab%C3%B3licos/dist%C3%BArbios-suprarrenais/aldosteronismo-prim%C3%A1rio>. Acesso em: 04 nov. 2022.

MONGE, A. et al. Fisiopatología y presentación clínica del hiperaldosteronismo primario.: Revisión de tema. Revista Ciencia y Salud Integrando Conocimientos, v. 5, n. 3, p. 35-41, 22 jun. 2021.

RESENDE, A. L. et al. Hipertensão arterial resistente por hiperaldosteronismo primário: relato de caso. Revista de Medicina, v. 102, n. 3, 29 jun. 2023.

ROSA, L. H. P. S.; CARVALHO, R. P. Hipertensão arterial secundária por hiperaldosteronismo primário: relato de caso. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Medicina) – Escola de Ciências Médicas e da Vida da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiás. 2022.

TEODORO, M. S. et al. Rastreio do Hiperaldosteronismo Primário: Reprodutibilidade e Abrangência. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 15, n. 8, p. e10772-e10772, 2022.

YOUNG, W. F. Diagnosis and treatment of primary aldosteronism: practical clinical perspectives.  Journal of Internal Medicine, v. 285, n. 2, p. 126–148, 25 set. 2018.


1 Discente do Curso de Graduação em Medicina da Faculdade Estácio IDOMED Campus Juazeiro-BA.
2 Médico especialista em Endocrinologia e Metabologia, Docente do Curso de Graduação em Medicina.