HIDROCEFALIA DE PRESSÃO NORMAL EM PACIENTE GERIÁTRICO: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11627467


Pedro Igor Oliveira Ávila1
Orientador: João Gustavo Rocha Peixoto dos Santos2


RESUMO: 

Introdução: A hidrocefalia de pressão normal (NPH) é uma síndrome neurológica com maior prevalência na população idosa e que possui tríade clássica, a qual necessita de uma combinação com exames de imagem para o seu correto diagnóstico. Descrição do caso: O presente relato de caso aborda um paciente do sexo masculino, com 76 anos de idade, natural e procedente do município de Maceió-AL, que foi atendido em serviço emergencial, seguido do serviço de neurocirurgia, apresentando comorbidades, além de sintomatologia e exames prévios com indicação diagnóstica da NPH. Considerações finais: O caso trata-se de uma NPH idiopática e a própria síndrome merece mais discussões e maior divulgação para atingir a comunidade médica de forma mais abrangente e não apenas os especialistas. 

Palavras-chave: Hidrocefalia. Hidrocefalia de Pressão Normal. 

INTRODUÇÃO: 

A NPH (hidrocefalia de pressão normal) é uma síndrome neurológica epidemiologicamente prevalente em idosos, caracterizada por ventriculomegalia (alargamento dos ventrículos cerebrais) e é uma importante causa de demência cognitiva, quedas e infecção do trato urinário (Passos-Neto CEB, 2022). Apesar do quadro, trata-se de uma demência com potencial de reversão – o diagnóstico e o tratamento precoce auxiliam no bom prognóstico, sendo necessária a combinação da tríade clássica de sintomas em combinação com exames de imagem (ressonância magnética encefálica), punção lombar do líquido cefalorraquidiano (LCR) e o TAP teste (teste da torneira) para a sua identificação (Zaccaria V, 2019). 

O presente relato de caso tem importância clínica eminente para a comunidade científica, pois, discute uma temática prevalente na população que mais cresce no território brasileiro – a idosa – e correlaciona com estudos que buscam entender a associação de comorbidades (quase triviais a essa faixa etária) e o desenvolvimento da síndrome para designação do melhor tratamento (cirúrgico ou não), de acordo com a classificação da doença. 

DESCRIÇÃO DO CASO: 

Paciente A.V.D, pertecente ao sexo masculino, 76 anos de idade, casado, aposentado, natural e procedente do município de Maceió-Alagoas. Procurou atendimento médico no serviço de Urgência da Santa Casa de Maceió acompanhado de cônjuge, a qual relatou ter observado no paciente episódios de desorientação temporal e espacial, dificuldade de deambulação e incontinência urinária – ocasionalmente apresentando urina em vestimentas e urgência miccional. 

O paciente refere histórico prévio de admissão hospitalar por sepse de foco vesicular e, durante sua estadia, foi submetido a uma tomografia computadorizada craniana, tendo como achado clínico o diagnóstico de hidrocefalia de pressão intracraniana normal (HPN), no entanto, assintomático, logo, o achado foi deixado de lado em virtude do quadro primário. 

O paciente não possuía história de hemorragia subaracnóidea, meningite, hemorragia intracerebral, tumor cerebral ou traumatismo craniano. Além disso, não existiam antecedentes familiares relacionados a doenças neurológicas. Como comorbidades, apresentava hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2 e hiperplasia benigna prostática; em uso medicamentoso de insulina NPH, benfotiamina, metformina, alogliptina, tiroxina, AAS, orlistate, dutasterida + cloridrato de tansulosina e quetiapina. 

Ao exame neurológico, foi possível observar perda de memória de curto prazo, lentidão na velocidade de processamento, desatenção, dificuldade de planejamento e disfunção executiva. Não foram observados déficits focais, com presença de reflexos tendinosos profundos e vivos em quatro membros, ausência de clônus e respostas flexoras plantares presentes. Havia leve rigidez de membros superiores, sem roda dentada. A marcha era atáxica, com clara instabilidade postural e incoordenação dos movimentos, passos lentos, curtos e pés próximos ao solo. 

Foi encaminhado à equipe de neurocirurgia para esclarecimento diagnóstico, onde solicitou-se a realização de nova ressonância magnética (RM) do encéfalo, a qual evidenciou o seguinte laudo: “moderada dilatação do sistema ventricular supratentorial, devendo-se considerar no diagnóstico diferencial a possibilidade de hidrocefalia crônica do adulto; redução volumétrica encefálica; sinais de microangiopatia isquêmica cerebral”. Em seguida, foi realizado o TAP teste (teste da torneira) – exame considerado o padrão-ouro para a confirmação do diagnóstico de HPN e para selecionar os pacientes que se beneficiarão com o tratamento cirúrgico -, obtendo resultado positivo para a cirurgia de DVP frontal direita (válvula programável STRATA II). 

DISCUSSÃO: 

Em 1965, Hakim, Adams e Fisher descreveram que a tríade clássica para hidrocefalia de pressão normal compreende distúrbio de marcha, demência cognitiva e incontinência urinária – caracterização que segue nos dias atuais. Como exames complementares, é comum o emprego de ventriculomegalia através da ressonância magnética encefálica, além de combinar com achados laboratoriais normais da pressão do LCR (Passos-Neto et al., 2022). O diagnóstico é baseado principalmente na história e no exame neurológico. É necessário pontuar que a tríade pode não estar completamente presente e, mesmo assim, o diagnóstico ser fechado, pois os sintomas seguem um curso único e podem se mostrar de forma lenta e progressiva, durante um período mínimo de três meses (Oliveira; Makarem; Román, 2019). 

A NPH pode ser classificada em duas formas, sendo uma conhecida como secundária (sNPH), relacionada a causas de baixa reabsorção do LCR, como hemorragia subaracnóidea, hemorragia intracerebral, meningite, tumores intracranianos e lesão cerebral traumática, e pode ocorrer em qualquer idade; outra chamada de idiopática (iNPH), quando a causa não pode ser identificada, sendo mais comum na faixa etária acima de 60 anos (Oliveira; Makarem; Román, 2019). É importante levar em consideração a idade média no diagnóstico, visto que algumas manifestações podem ser decorrentes de comorbidades e não da síndrome – nesse sentido, considerar o Brasil como um país em processo de envelhecimento e entender que essa faixa etária costuma englobar doenças prévias. Nesse sentido, o paciente deste relato apresentava diabetes mellitus e hipertensão arterial, fazendo-se primordial diferenciar o que era decorrente de doenças pré-existentes e o que advém da síndrome. 

Quanto a fisiopatologia, a real patogênese da NPH permanece pouco explicada, de maneira geral, define-se que na síndrome, há uma pressão de abertura normal na punção lombar, enquanto há dilatação ventricular desproporcional ao grau de atrofia cortical. Quando se fala em sNPH, supõe-se que essas condições levam a um processo inflamatório das granulações aracnóides, com reabsorção reduzida do LCR e alteração da dinâmica do fluxo do LCR, resultando em dilatação ventricular. Já na NPH idiopática, os achados encontraram “afinamento e fibrose das meninges e membranas aracnoidais, inflamação das granulações aracnoidais, alterações vasculares, patologia da DA, ruptura da gliose ependímica e subependímica ventricular”. Alguns casos sugerem a hipótese de hidrocefalia congênita que se tornou sintomática devido ao aumento da circunferência da cabeça, outras causas estão relacionadas à doença óssea de Paget e acondroplasia (Oliveira; Makarem; Román, 2019). 

O tratamento mais comum para a síndrome é a cirurgia com shunt, na qual um sistema de shunt é inserido nos ventrículos cerebrais ou no espaço subaracnóideo lombar com o objetivo de drenar o LCR. (Hudson et al., 2019). Todavia, esse tratamento tem apresentado complicações e, por isso, haveria uma necessidade de reavaliar a determinação do candidato apropriado para o tratamento com shunt (Scully et al., 2018), uma vez que o diagnóstico é frequentemente sub confirmado com base apenas na resposta positiva ao desvio do LCR (Oliveira; Makarem; Román, 2019). 

Como percebido, a NPH é uma condição com diversas comorbidades associadas, por isso, existem estudos epidemiológicos que buscam correlacionar as comorbidades com o NPH, entendendo suas relações e se elas funcionam como fatores preditivos sob a expectativa de cura após tratamento com shunt. Hudson M, et al relata que 15,7–17,8% dos pacientes com iNPH apresentam diabetes mellitus tipo 2 (DM); já no estudo de PYYKKÖ et al. (2018), o principal ponto da pesquisa foi a demonstração de uma importante comorbidade vascular e diabética em pacientes com iNPH e como isso reflete a mortalidade e as causas de morte na iNPH. Por isso, existe um objetivo de reduzir o perfil da comorbidade dos pacientes iNPH para melhorar os resultados dos pacientes após a terapia de shunt (Hudson et al., 2019). A hipertensão arterial é a condição mais documentada relacionada a iNPH, com uma prevalência relatada de 42% a 92% entre pacientes que apresentam a síndrome iNPH (Pyykö et al., 2018). 

Alguns diagnósticos diferenciais merecem destaque, como a doença com corpos Lewy, doença de Parkinson, demência Vascular e doença de Alzheimer. Na doença com corpos Lewy, observa-se declínio cognitivo com mudança predominante na capacidade, disfunção visual, espacial e executiva, alucinações visuais complexas e consciência flutuante. Na doença de Parkinson, desde o início é possível perceber o tremor de descanso, rigidez da roda dentada, bradicinesia e marcha de Parkinson com instabilidade postural. Quando se fala em demência vascular, os achados são assimétricos, com déficits focais, alterações piramidais precoces (reflexos exaltados, espasticidade e presença do sinal de Babinski), com início agudo e evolução em etapas. Por fim, na doença de Alzheimer, predomina um comprometimento cognitivo caracterizado por síndrome disexecutiva, associada a desatenção, apatia, comprometimento da memória e desaceleração psicomotora, geralmente precede e ofusca os sintomas motores e urinários (Oliveira; Makarem; Román, 2019). 

CONSIDERAÇÕES FINAIS: 

Apesar de adentrar-se em especialidades, o conhecimento sobre a NPH não pode se restringir aos grupos da Neurologia e Neurocirurgia, visto que, ao considerar o perfil epidemiológico da síndrome e o envelhecimento populacional brasileiro, é imprescindível que essas informações façam parte da formação do médico geral, seja para identificá-la de forma mais adequada e encaminhar de forma mais rápida e assertiva para os serviços especializados, seja para descartar a síndrome e partir para os diagnósticos diferenciais. 

O presente relato de caso chama atenção, ao passo que informa sobre o assunto, sendo, portanto, de exímia importância para a comunidade científica por abordar de forma direta e objetiva pontos importantes para o diagnóstico da NPH, a qual deve ser estudada e revisada por médicos de forma geral, com ou sem especialização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 

EDUARDO, C. et al. Normal pressure hydrocephalus: an update. Arquivos De Neuro-psiquiatria, v. 80, n. 5 suppl 1, p. 42–52, 1 maio. 2022. 

FROTA, M. et al. Normal pressure hydrocephalus associated with COVID-19 infection: a case report. BMC Infectious Diseases, v. 22, n. 1, 3 mar. 2022. 

HUDSON, M. et al. Comorbidity of diabetes mellitus in idiopathic normal pressure hydrocephalus: a systematic literature review. Fluids and Barriers of the CNS, v. 16, n. 1, 12 fev. 2019. 

ISRAELSSON, H. et al. Risk factors, comorbidities, quality of life, and complications after surgery in idiopathic normal pressure hydrocephalus: review of the INPH-CRasH study. Neurosurgical Focus, v. 49, n. 4, p. E8–E8, 1 out. 2020. 

OLIVEIRA, LOUISE MAKAREM; NITRINI, R.; ROMÁN, G. C. Normal-pressure hydrocephalus: A critical review. Dementia & Neuropsychologia, v. 13, n. 2, p. 133–143, 1 jun. 2019. 

M Das, Joe. and Milton C. Biagioni. Normal Pressure Hydrocephalus. StatPearls, StatPearls Publishing, 26 June. 2023. 

MÌCCHIA, K. et al. Normal pressure hydrocephalus. Medicine, v. 101, n. 9, p. e28922–e28922, 4 mar. 2022. 

PYYKKÖ, O. T. et al. Incidence, Comorbidities, and Mortality in Idiopathic Normal Pressure Hydrocephalus. World Neurosurgery, v. 112, p. e624–e631, 1 abr. 2018. 

SCULLY, A. et al. A systematic review of the diagnostic utility of simple tests of change after trial removal of cerebrospinal fluid in adults with normal pressure hydrocephalus. Clinical Rehabilitation, v. 32, n. 7, p. 942–953, 7 mar. 2018. ZACCARIA, V. et al. A systematic review on the epidemiology of normal pressure hydrocephalus. Acta Neurológica Scandinavica, v. 141, n. 2, p. 101–114, 21 nov. 2019.


1Discente do curso de Medicina no Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC).
2Docente no CESMAC e doutor em Ciências da Saúde pelo departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).