BILATERAL PERINEAL HERNIORRAPHY ASSOCIATED WITH RECTAL RESECTION AND COLOPEXY TO CORRECTE RECTAL DILATION: CASE REPORT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410102114
Julia Zuanazzi Machado1;
Lucas Rosestolato2
Resumo
A hérnia perineal é uma condição grave que ocorre principalmente em cães machos não castrados e costuma afetar animais com cerca de 10 anos de idade. A patologia é caracterizada pelo enfraquecimento dos músculos perineais, resultando na deslocação de órgãos pélvicos e abdominais, o que compromete a defecação e, em casos mais graves, leva à incontinência urinária e/ou fecal. O diagnóstico é realizado com base no histórico clínico, exame físico e, se necessário, exames complementares como radiografia e ultrassonografia, que ajudam a determinar o envolvimento de órgãos como a bexiga e o intestino. Embora o tratamento clínico possa aliviar os sintomas, o tratamento definitivo é cirúrgico. O caso relatado descreve o caso de um cão com hérnia perineal bilateral e dilatação retal, com duas intervenções cirúrgicas, a primeira envolveu a reparação das hérnias com técnicas diferentes em cada lado, sendo lado direito a transposição do musculo semitendinoso contralateral e lado esquerdo técnica padrão. E a segunda intervenção incluiu a colopexia, resseção e anastomose do reto dilatado, onde o paciente teve uma recuperação satisfatória com regressão dos sinais clínicos anteriormente apresentados e restauração da qualidade de vida.
Palavras-chave: herniorrafia. colopexia. ressecção retal. dilatação retal.
1 INTRODUÇÃO
A hérnia perineal é uma condição grave que se caracteriza pelo enfraquecimento, atrofia e separação dos músculos e fáscias que compõem a musculatura perineal, resultando no deslocamento caudal de órgãos pélvicos e abdominais para a região do períneo, permitindo a persistente distensão retal e comprometendo a defecação (BERNARDÉ et al., 2018; BONGARTZ et al., 2005; MACHADO et al., 2020; FOSSUM, 2021).
As hérnias perineais são comuns em cães e raras em gatos. Sua ocorrência é quase exclusivamente em cães machos e intactos, as hérnias perineais em cadelas geralmente são associadas a traumas. Há predisposição racial por cães da raça collie, poodle, dachshound, boxer, boston terrier, pequinês. A média de idade é de aproximadamente 10 anos (FOSSUM, 2021).
Os sinais clínicos mais frequentes incluem tumefacção da região perineal, tenesmo, disquesia, incontinência urinaria e/ou fecal, anúria e emese devido a envolvimento urinário e/ou intestinal (TILLEY et al., 2008; NELSON e COUTO, 2015).
O diagnóstico é baseado no histórico clínico, anamnese, exame físico e exames complementares como radiografia simples ou contrastada e ultrassonografia (MORAES et al., 2013), sendo estes raramente necessários para se fechar o diagnóstico, porém são necessários para determinar se bexiga urinária, próstata e intestino delgado estão herniados (CORREIA, 2009; FOSSUM, 2021).
O tratamento pode ser clinico com objetivo de aliviar os sintomas de constipação e disúria, porém a longo prazo é contraindicado, uma vez que o encarceramento visceral pode levar a risco de vida, sendo assim o tratamento definitivo é cirúrgico (FOSSUM, 2021). Entre os tratamentos cirúrgicos mais frequentemente utilizados para a reparação do diafragma pélvico estão a técnica de sutura padrão, transposição do músculo obturador interno, transposição do músculo glúteo superficial, transposição do músculo semitendinoso (BARBOSA et al., 2015; MORELLO et al., 2015), reparação com uso de implantes sintéticos ou biológicos, e colopexia e cistopexia (BARREAU, 2008).
Este presente relato tem por objetivo apresentar o caso de um paciente canino com hérnia perineal bilateral com dilatação retal presente, onde a terapêutica instituída foi a correção cirúrgica em duas etapas. A primeira intervenção foi da herniorrafia bilateral, com aplicação da técnica padrão do lado esquerdo e a técnica de transposição do musculo semitendinoso do lado direito. A segunda intervenção foi para colopexia e resseção e anastomose do reto dilatado.
2 RELATO DE CASO
Foi atendido no hospital veterinário um paciente canino, da raça border collie, com 11 anos de idade, castrado, pesando 21kg. Na anamnese a tutora se queixa de obstipação de 5 dias, dor abdominal e aumento de volume na região perineal. Animal apresenta alterações relacionadas a disquesia que vem evoluindo há cerca de 3 anos, o mesmo era atendido por outro profissional, onde a tutora fora orientada a fazer alimentação natural, administração de óleo mineral em dias intercalados, e quando apresentava obstipação, indicava enemas periódicos para liberação do trânsito intestinal.
No exame físico o paciente apresentava mucosa levemente hipocorada, algia à palpação abdominal, fezes ressecadas e acumuladas em intestino grosso, região perineal com aumento de volume e rigidez bilateral, na palpação retal digital constatou-se a presença de dilatação do reto, e presença de defeito na musculatura pélvica, caracterizada como anel herniário, os demais parâmetros encontravam-se dentro da normalidade. A suspeita foi de hérnia perineal bilateral com saculação retal, diante disso, o paciente foi mantido internado para realização de sedação, enema e exames complementares.
Inicialmente foram realizados exames hematológicos onde no hemograma apresentou anemia e leucocitose discreta, bioquímicos séricos para avaliação renal e hepática dentro da normalidade. Em seguida o paciente foi sedado com o protocolo de: metadona 0,2mg/kg; midazolam 0,5mg/kg e propofol dose/resposta. Após a sedação, o paciente foi submetido a radiografia abdominal simples, em seguida a lavagem intestinal com solução fisiológica aquecida com óleo mineral, massagem e remoção de bolos fecais represados, após a lavagem, submetido a outra radiografia, agora contrastada.
Na radiografia abdominal simples evidenciou-se o cólon e reto repleto de fezes ressecadas, e na radiografia contrastada evidenciou-se a presença de dilatação retal. Foi realizado também ultrassom abdominal e de região perineal, para melhor entendimento das estruturas envolvidas, a hérnia era maior do lado direito com alças intestinais envolvidas e bem discreta do lado esquerdo, com gordura abdominal envolvida. Com base no histórico clínico e exames complementares, foi confirmado o diagnóstico de hérnia perineal bilateral com dilatação retal. Diante disso o paciente foi mantido internado para estabilização e preparo pré-operatório. O preparo foi de 48 horas, onde o animal passou ingerir alimentação pastosa, óleo mineral via oral 1ml/kg/BID; lactulona via oral 0,2ml/kg/BID; analgesia e fluidoterapia.
Figura 1: radiografia latero lateral direita com aplicação de contraste, evidencia a dilatação retal após o enema.
A conduta terapêutica foi dividida em dois momentos cirúrgicos, sendo no primeiro realizada a herniorrafia perineal bilateral. E após recuperação e cicatrização, colopexia e ressecção retal e anastomose, para correção da dilatação retal. Sendo assim, após as 48h o paciente foi encaminhado para procedimento cirúrgico de herniorrafia perineal bilateral com o planejamento da aplicação da técnica padrão, e possibilidade de transposição do musculo obturador interno ou do semitendinoso na avaliação trans-cirúrgica.
Após jejum alimentar de 12 horas e hídrico de 2 horas, deu-se inicio ao preparo cirúrgico da primeira cirurgia. Foi realizada a tricotomia ampla de região perineal e de membro pélvico esquerdo, seguida de antissepsia previa com clorexidina degermante 2%. De medicação pré-anestésica constou: metadona 0,2mg/kg; midazolam 0,5mg/kg por via IM, e cefalotina 30mg/kg como antibioticoterapia profilática via IV. Paciente foi encaminhado para a sala cirúrgica e induzido com propofol 4mg/kg por via intravenosa, intubado e mantido na manutenção inalatória de isofluorano, com oxigênio 100%. Já na sala cirúrgica o paciente foi posicionado em decúbito ventral, com a pelve elevada e a cauda fixada sobre o dorso.
Com os materiais estéreis e cirurgião devidamente paramentado, deu-se inicio a cirurgia do lado direito onde a hérnia era maior, iniciando pela antissepsia com iodo e álcool, após a colocação do campo estéril, foi realizada a sutura em bolsa de tabaco no anus, seguida de uma abertura elíptica na região perineal direita, iniciando desde a base da cauda até o assoalho pélvico, divulsão do tecido subcutâneo até exposição do saco herniário. Observou-se alças intestinais herniadas, os órgãos herniados foram devidamente inspecionados e colocados novamente na cavidade abdominal. Os músculos foram inspecionados e havia uma grande atrofia do lado direito, não sendo possível o fechamento primário ou a transposição do musculo obturador interno, sendo assim, conforme o planejamento, foi realizada a transposição do musculo semitendinoso contralateral. A incisão foi realizada ao longo da borda caudal da tuberosidade isquiática e se estende distalmente ao longo da porção caudal do membro até a altura do linfonodo poplíteo. O musculo semitendinoso é seccionado na altura do poplíteo e dissecado até a altura da tuberosidade isquiática, em seguida o musculo é rotacionado, abre-se um túnel abaixo da pele para transpor contralateral, e após posicionado, o musculo é suturado nos músculos restantes na região herniada, com sutura simples separada e fio absorvível, polidioxanona 3-0. Por fim, realiza-se a sutura do tecido subcutâneo com o mesmo fio absorvível, padrão simples contínuo e pele com fio nylon 3-0, sutura simples separado.
Em seguida, deu-se inicio a segunda etapa da primeira cirurgia, o lado esquerdo, aqui foi realizada a técnica padrão, onde a musculatura ainda estava integra para aproximação primária. Sendo por meio da incisão elíptica na região perineal esquerda, iniciando desde a base da cauda até o assoalho pélvico, divulsão do tecido subcutâneo até exposição do saco herniário, o conteúdo herniado era gordura abdominal, foi inspecionada e devidamente relocada na cavidade abdominal, em seguida os músculos foram aproximados com fios de sutura absorvível, polidioxanona 2-0, com sutura de sultan, onde os nós foram cerrados após passar pontos que fossem suficientes para fechar a hérnia. Os pontos incorporaram os músculos aparentes e o ligamento sacrotuberoso para dar resistência a sutura. Por fim os nós foram serrados e a hérnia foi fechada, e para finalizar, realiza-se a sutura do tecido subcutâneo com o mesmo fio absorvível, padrão simples contínuo e pele com fio nylon 3-0, sutura simples separado.
Após o termino da cirurgia, foi retirada a bolsa de tabaco, realizada a limpeza das feridas cirúrgicas e aplicação de curativo. O paciente foi mantido em observação na internação até total recuperação anestésica e mantido internado por 24 horas. Após o tempo de internação, o paciente teve uma recuperação satisfatória, onde ganhou alta com as recomendações de repouso, limpeza, troca de curativo e colar elisabetano durante 10 dias até o retorno. Com a prescrição de: dipirona 25mg/kg por via oral, TID, durante 5 dias; meloxicam 0,1mg/kg por via oral, SID, durante 5 dias; metronidazol 15mg/kg por via oral, BID, durante 7 dias.
Com 10 dias de pós-operatório o paciente retornou para retirada de pontos e reavaliação, com uma boa cicatrização da região perineal, mas ainda com um leve aumento de volume na região anal, e apresentando represamento de fezes e leve disquesia devido a dilatação retal ainda presente. Conforme o planejamento e a boa recuperação do paciente foi programada a segunda cirurgia, que seria composta pela correção da dilatação retal pela técnica de ressecção e anastomose retal pela abordagem dorsal, e colopexia para conferir tração cranial e alivio da região perineal.
O paciente foi submetido a nova avaliação hematológica, onde apresentou-se dentro dos parâmetros de normalidade. E após jejum alimentar de 12 horas e hídrico de 2 horas, deu-se inicio ao preparo cirúrgico da segunda cirurgia. Foi realizado enema para remoção dos bolos fecais represados, seguidos da tricotomia ampla de região perineal e abdômen, e antissepsia prévia com clorexidina degermante 2%.
Com o mesmo protocolo anestésico anterior, o paciente foi primeiramente posicionado em decúbito dorsal, para iniciar com a técnica de colopexia. Na sala cirúrgica com os materiais estéreis e cirurgião devidamente paramentado, deu-se inicio a primeira etapa da segunda cirurgia, iniciando pela antissepsia com iodo e álcool, após a colocação do campo estéril, foi realizada incisão para celiotomia através da linha média na região pré-púbica, ao acessar a cavidade abdominal o cólon descendente é localizado e faz-se uma incisão parcial na camada serosa e muscular de aproximadamente 3cm e na mesma altura, faz uma incisão na parede abdominal esquerda, com a mesma proporção, a borda lateral das feridas do cólon e parede abdominal são aposicionadas com fio de polidioxanona 3-0, e é realizada a sutura de padrão simples continuo. Na sequencia realizou-se a aposição das bordas mediais da mesma maneira. Em seguida procedeu-se com a miorrafia da cavidade abdominal com fio polidioxanona 2-0, padrão simples contínuo, seguido da rafia do subcutâneo mesmo fio e padrão de sutura, e para a dermorrafia fio nylon 3-0, padrão simples separado.
Figura 2: primeira etapa da cirurgia com a realização de colopexia através da celiotomia mediana.
Em seguida foi iniciada a segunda etapa da cirurgia. O paciente foi posicionado em decúbito ventral, com a pelve elevada e a cauda fixada sobre o dorso, iniciando pela antissepsia com iodo e álcool, após a colocação do campo estéril, foi realizada a sutura em bolsa de tabaco no anus, seguida de uma incisão curvilínea a partir de uma tuberosidade isquática a outra, curvando dorsalmente o anus, tecido subcutâneo é divulsionado, secciona o musculo retococcígeo, elevador anal e parcialmente o elevador do ânus. Faz a localização da dilatação retal seguida da oclusão intestinal com pinça atraumática, e realiza-se a ressecção da porção retal acometida, as extremidades do intestino são aposicionadas e são realizadas suturas simples separada, com fio polidioxanona 3-0, até a total fechamento do lúmen. Os músculos são reposicionados e suturados com o mesmo fio e sutura. A região é lavada com solução fisiológica e em seguida é realizada a rafia subcutânea, com fio polidioxanona 3-0, padrão simples contínuo, seguida da dermorrafia, fio nylon 3-0, padrão simples separado.
Figura 3: segunda etapa da cirurgia após a resseção da porção retal dilatada e anastomose.
Após o termino da cirurgia, foi realizada a limpeza e curativo da região, removida a sutura em bolsa de tabaco. O paciente foi encaminhado para sala de recuperação onde ficou em observação até retorno anestésico. A recomendação foi de que ficasse internado por 48 horas em observação, onde o paciente manteve-se estável, com o trânsito gastrointestinal fluindo adequadamente, sem evidencia de acumulo fecal na região retal. Sendo assim, teve alta médica, com as recomendações de repouso, limpeza e colar elisabetano durante 15 dias até o retorno. Com a prescrição de: dipirona 25mg/kg por via oral, TID, durante 5 dias; meloxicam 0,1mg/kg por via oral, SID, durante 5 dias; metronidazol 15mg/kg por via oral, BID, durante 7 dias e lactulona via oral 0,2ml/kg/BID.
Após 15 dias o paciente retornou para retirada dos pontos, apresentando uma ótima recuperação e cicatrização, com regressão dos sinais clínicos de acumulo de fezes e disquesia, se alimentando bem e defecando adequadamente. Diante disso, a terapêutica cirúrgica instituída para este caso pode ser considerada um sucesso, onde o paciente teve uma boa recuperação e a qualidade de vida restaurada.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
As hérnias surgem devido à fragilidade das estruturas que formam a parede muscular, podendo ter origem congênita ou adquirida em uma região específica do corpo. Isso leva à protusão das vísceras por um orifício entre os grupos musculares enfraquecidos em direção ao subcutâneo (SMEAK, 2012). No caso relatado havia uma grande fragilidade e atrofia da musculatura pélvica, levando a protusão de órgãos abdominais através do defeito.
A hérnia perineal possui causas ainda não completamente esclarecidas, porém acredita-se que esteja associada a fatores hormonais, esforço físico, fragilidade ou degeneração muscular. Esses elementos provocam a fraqueza dos músculos do diafragma pélvico, que deixam de oferecer suporte à parede retal (RAISER, 2017). O paciente apresentava dilatação retal e uma dificuldade crônica para defecar, o que pode ter ocasionado grande esforço da musculatura pélvica, ocasionando a hérnia perineal ao longo dos 3 anos desde o inicio dos sinais clínicos de disquesia e obstipação.
De acordo com Fossum (2021) a maioria dos cães tem desvio retal e alguns também apresentam dilatação e a radiografia contrastada vai demonstrar a posição do cólon e do reto. Neste caso havia dilatação retal que foi identificada além da palpação retal, com o exame radiográfico contrastado.
Doenças retais que podem desempenhar papel na herniação incluem desvio retal, dilatação da parede retal, e divertículo (MANN et al., 1995). O aparecimento concomitante da saculação retal é normalmente verificado em casos de hérnias crônicas (FERREIRA e DELGADO, 2003; COSTA NETO et al., 2006), contudo, isto não pode ser relatado isoladamente como fator principal para o surgimento da hérnia perineal (MORAES et al., 2013). Neste caso relatado há uma grande suspeita de que a dilatação retal (saculação) possa ter ocasionado a hérnia perineal bilateral, devido a sinais clínicos de disquesia e obstipação crônicos.
O diagnóstico da hérnia perineal é baseado na anamnese, sinais clínicos, exame físico, radiográficos e ultrassonográficos. Os sinais clínicos mais comuns são tenesmo, constipação crônica, obstipação, disquesia e aumento de volume perineal podendo ou não ser redutível; ver nos casos em que há retroflexão da vesícula urinária, observa-se disúria, oligúria e estrangúria, sendo considerada uma emergência clínica. A palpação retal consiste em um dos exames mais importantes, pois permite de- terminar as estruturas que compõem a hérnia e avaliar se há a presença de alterações retais, assim como se há aumento do volume prostático (DÓREA; SELMI; DALECK, 2002; MORTARI; RAHAL, 2005). O diagnóstico foi definido através da palpação da região perineal, onde foi identificado o anel herniário bilateral, a hérnia era redutível, e também da palpação retal onde apresentava uma dilatação contendo grande conteúdo de fezes represadas, e através dos exames complementares foi possível confirmar o grau de acometimento de órgãos abdominais e a presença de dilatação retal.
As técnicas que são utilizadas com maior frequência são a clássica, também conhecida como a de reposição anatômica, e a técnica de transposição do músculo obturador interno. A técnica tradicional tem como principal vantagem a facilidade de execução (FERREIRA e DELGADO, 2003; HEDLUND, 2008). Outras técnicas incluem a associação da colopexia e cistopexia ou transposição do músculo glúteo superficial, técnica de implantação de membranas biológicas, ou a transposição do músculo semitendinoso (MORTARI e SHEILA, 2005). Quando os músculos perineais estão muito atrofiados, a utilização de retalhos dos músculos semitendinoso ou glúteo superficial são alternativas viáveis para reconstrução perineal. Outra alternativa é o uso de tela de polipropileno (BARBOSA et al., 2015; GILL; BASTARD, 2018). A terapêutica escolhida para este caso foi planejada no pré-operatório e definida somente no trans-cirúrgico, após confirmar a atrofia muscular e impossibilidade do fechamento primário, sendo assim foi utilizado da transposição do musculo semitendinoso do membro contralateral para a hérnia direita, e da técnica padrão para a hérnia esquerda. Além da colopexia associada a resseção e anastomose do reto, devido a dilatação retal.
Independentemente da técnica utilizada para o tratamento da hérnia perineal, recomenda-se a realização de orquiectómica, que determina a redução do nível de testosterona circulante e o volume prostático, pois os cães não castrados apresentam uma taxa de recidiva 2,7 vezes superior à dos cães orquiectomizados (HAYES JUNIOR; WILSON; TARONE, 1978). O paciente já era orquiectomizado e neste caso não havia necessidade desta intervenção.
A palpação retal é o passo mais importante no exame físico, que permite estimar o grau de relaxamento da parede retal (FERREIRA e DELGADO, 2003). As fezes são removidas manualmente e o dedo indicador é usado para verificar a existência e o grau de anormalidade, assim como o desvio retal, a saculação e o divertículo (MORAES et al., 2013). Após o paciente ser sedado foi possível um exame físico mais minucioso, onde foi realizada a remoção das fezes represadas no reto e na palpação identificada a dilatação retal.
Os problemas ocasionados pela saculação podem levar ao esvaziamento incompleto do reto na defecação, esforço persistente e recorrência da hérnia, portanto a correção cirúrgica deve ser realizada (MEHRJERDI et al., 2013). A terapêutica cirúrgica de escolha para os casos de saculação retal se dá mediante técnicas como colopexia ou ressecção retal; associando cada técnica com possíveis complicações (COSTA NETO et al., 2006; MORAES et al., 2013). O paciente apresentava saculação retal (ou dilatação retal) com grande retenção de fezes, sendo necessária a correção cirúrgica, mas que foi definido realizar a sua correção em um segundo momento, logo após a recuperação total da herniorrafia bilateral, devido ao trauma cirúrgico que seria muito grande e também do tempo cirúrgico longo. A técnica para correção da dilatação retal foi da ressecção retal associada a colopexia.
4 CONCLUSÃO
Conforme apresentado neste relato de caso a abordagem cirúrgica do paciente canino com hérnia perineal bilateral e dilatação retal foi bem-sucedida, demonstrando a eficácia das técnicas empregadas. A realização da terapêutica em duas etapas mostrou-se eficiente, dentro das condições deste paciente, proporcionando alívio dos sintomas de disquesia e obstipação, e melhora significativa no trânsito intestinal. O manejo pré e pós-operatório, aliado a um bom acompanhamento clínico, contribuiu para uma recuperação satisfatória e restauração da qualidade de vida do animal, evidenciando a importância de intervenções com um bom planejamento cirúrgico e técnicas adequadas em casos graves como este.
REFERÊNCIAS
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1Discente do Curso de Pós-Graduação de Cirurgia de tecidos moles em Cães e Gatos na Associação Anclivepa SP e-mail: juliazm5426@gmail.com
2Médico Veterinário Mestre em Anatomia dos animais domésticos e silvestres. e-mail: lucas.cirurgia@anclivepa-sp.com.br