HEMANGIOMA INFANTIL MULTIPLO EM FACE, PESCOÇO E TÓRAX: RELATO DE CASO CLÍNICO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410140944


Paulo Bisi dos Santos Junior (P, BISI JUNIOR)1
Raquel Rodrigues Bastos (R,R, Bastos)2
Natacha Malu Miranda da Costa (N, M, M, da Costa)3


 1. INTRODUÇÃO:

O Hemangioma Infantil (IH) é um tumor benigno do endotélio vascular, que se caracteriza por lesões vasculares cutâneas sendo um dos tipos mais comuns de tumores de partes moles da infância. Apesar de sua natureza benigna e autolimitada, apresentam fases consecutivas de crescimento, paralisação e regressão (LUQUETTI et al., 2024).

Diferença deve ser considerada entre o Hemangioma Infantil e o Hemangioma Congênito, onde as principais diferença clínica entre os dois é que os hemangiomas congênitos são totalmente desenvolvidos ao nascimento, frequentemente detectados em ultrassom pré-natal, enquanto   os hemangiomas infantis, se detectáveis ao nascimento, se apresentarão como uma lesão “precursora” sutil, com proliferação durante a primeira infância (KROWCHUK et al., 2019).

Epidemiologicamente, os hemangiomas ocorrem em 1 a 10% da população, mas em prematuros a ocorrência do HI pode chegar a 20% em bebês brancos. Até 30% dos bebês nascidos com menos de 1 kg são afetados. Os principais locais dessas alterações são a região de cabeça (40%) e pescoço (20%), acometendo em ordem decrescente as regiões frontonasal, maxilar e mandibular (MOTA et al., 2024).

A patogênese do HI, apesar de amplamente estudada, ainda não foi completamente esclarecida. Parece ser resultado de um desequilíbrio na regulação da formação de vasos sanguíneos e na angiogênese intrínseca, possivelmente associado a fatores externos, como hipóxia tecidual e influências ambientais (POMPEU, 2021). Durante seu desenvolvimento, as células endoteliais no HI apresentam um perfil particular, marcadas positivamente para a proteína transportadora de glicose (GLUT1), também encontrada nas células endoteliais placentárias, mas ausente em outros tumores e malformações vasculares. Atualmente, o GLUT1 se destaca como o marcador imuno-histoquímico mais útil e utilizado no diagnóstico diferencial do HI, estando presente nas células endoteliais do HI em todas as fases de sua evolução (FACCHINI et al., 2023).

Há vários fatores de risco associados ao HI, incluindo idade avançada da mãe, prematuridade, gestações múltiplas, placenta prévia e pré-eclâmpsia, mas o fator mais significativo é o baixo peso ao nascer. Pesquisas mostraram que a cada redução de 500 gramas no peso ao nascer, o risco aumenta em 40%. Outros estudos indicam que o risco de desenvolver hemangioma é consideravelmente elevado, atingindo cerca de 22,9% em prematuros com peso ao nascer inferior a 1 quilo. Em uma população com hemangioma, a incidência de gestações múltiplas foi três vezes maior em comparação com a população em geral (HAGGSTROM; GARZON, 2017).

Do ponto de vista de evolução, os hemangiomas infantis possuem uma fase de crescimento, seguida por involução, o que geralmente não ocorre com o do tipo congênito. Geralmente ausente ao nascimento, o recém-nascido com HI pode apresentar lesões precursoras como máculas/manchas anêmicas, telangiectasias, máculas eritematosas ou azuladas (REZENDE et al., 2022).

Essas lesões precursoras tendem a evoluir possuindo uma fase rápida de crescimento (fase proliferativa), tornando-se uma placa ou tumoração, crescendo até 8 a 12 meses de idade, sendo os 3 primeiros meses de vida os de maior crescimento da lesão (cerca de 80% do volume). A fase involutiva geralmente inicia-se após o primeiro ano de vida, ocorrendo diminuição gradual do volume e clareamento progressivo. No entanto, a involução pode não ser completa e podem ocorrer alterações residuais desde cicatriz até tecido fibroadiposo residual (LUQUETTI et al., 2024).

Além disso, principalmente na fase proliferativa podem ocorrer complicações dependendo do tamanho e da localização, tais como desfiguração, ulceração, comprometimento funcional e dor, em até 15-24% dos pacientes acometidos. Ocasionalmente, podem comprometer a função de órgãos vitais ou ocorrer em associação com anomalias do desenvolvimento (MOTA et al., 2024).

A ulceração é a complicação mais comum dos hemangiomas, particularmente quando os hemangiomas estão proliferando rapidamente e localizados em locais propensos a trauma ou pressão. Uma descoloração branca precoce da superfície do hemangioma em bebês com menos de três meses pode anunciar ulceração. A causa da formação de úlceras é desconhecida, mas dados os locais típicos, a maceração e o estresse por atrito são prováveis fatores contribuintes. A ulceração é muitas vezes dolorosa e pode levar a sangramento, infecção e, invariavelmente, cicatrizes (BASELGA et al., 2016).

O diagnóstico pode ser estabelecido clinicamente, com base na história e no exame físico. No caso de hemangiomas múltiplos em bebês com menos de seis meses com ≥ 5 pequenos   hemangiomas   cutâneos   devem   ser   submetidos à ultrassonografia   do abdômen para ocorrência de potenciais hemangiomas hepáticos e ser monitorados clinicamente (MORGAN et al., 2024).

Apenas de 10 a 20% dos hemangiomas apresentam necessidade de tratamento, entretanto, vários aspectos são considerados ao decidir pela intervenção terapêutica, como a idade do paciente, o estágio de desenvolvimento da lesão, sua localização e tamanho, sinais secundários ou associados, gravidade das complicações e a necessidade urgente de tratamento. Também é levado em conta o impacto psicossocial nos pais e, mais tarde, no próprio paciente, especialmente se o hemangioma afeta áreas faciais (FACCHINI et al., 2023). As modalidades de tratamento podem envolver o uso de medicamentos administrados sistemicamente ou aplicados topicamente até procedimentos cirúrgicos reparadores em casos mais graves (FERNANDES, 2023).

A terapia sistêmica é normalmente indicada em HI potencialmente fatal, em casos de comprometimento funcional ou com ulcerações, com risco de cicatrizes permanentes ou até em casos de desfiguração. Desde 2008, o propranolol oral tem sido amplamente considerado o tratamento de primeira linha para HI (GIACHETTI et al., 2023).

Dependendo da localização e morfologia do hemangioma, avaliação adicional e/ou encaminhamento para um especialista em anomalias vasculares é indicado. O encaminhamento precoce, idealmente nas primeiras quatro a seis semanas de vida, também é indicado para bebês com hemangiomas de alto risco para os quais a terapia sistêmica está sendo considerada (AGOSTINHO et al., 2020).

O hemangioma da infância, é o objeto deste trabalho, sendo revisto do ponto de vista de suas características clínicas e laboratoriais, diagnóstico diferencial. Seguida por apresentação de caso clínico que caracteriza sua evolução rápida e consequente complicação.

2. METODOLOGIA:

Este artigo apresenta um relato de caso clínico atendido na clínica-escola de odontologia infantil da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Pará, seguindo uma abordagem metodológica exploratória, descritiva e qualitativa do prontuário médico do paciente, seguindo as orientações existentes para estudos desta natureza.

A seleção do caso foi baseada em sua relevância para a clínica infantil com apresentação de suas características clínicas importantes para o diagnóstico para fins educacionais em metodologias ativas de ensino, contribuir ainda para a literatura existente.

A participação no estudo foi condicionada à assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelo representante legal do paciente, garantindo conformidade com os aspectos éticos e legais existentes.

Adotando a metodologia proposta para a condução deste tipo de estudos, este trabalho foi estruturado em torno de uma breve revisão bibliográfica sistemática com busca nas bases de dados SciElo, LILACS, SBV e PUBMED, seguida pela apresentação do caso clínico em si, com as fotos (arquivo do autor) relevantes ao estudo, discussão de alguns itens de maior relevância permitindo uma compreensão ampla do contexto no qual o caso clínico se insere e a conclusão do estudo.

3. RELATO DO CASO:

Paciente A.L.M.P., sexo feminino com 7 meses de idade, compareceu a clínica-escola de odontologia infantil da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Pará na cidade de Belém, estado do Pará, mostrando lesões no queixo, região pré-auricular, pescoço e tórax.  

De acordo com o relato da responsável pela criança, a menor havia nascido prematura de baixo peso apresentando planas avermelhadas de contorno irregular no queixo, pescoço e peito (FIGURA 1). Além disso, havia inchaço avermelhado na região pré-auricular esquerda e pequenas fissuras na região de comissura labial.

Segundo o prontuário médico da paciente, pelas características clínicas apresentadas, as lesões foram diagnosticadas como hemangioma múltiplo da infância (HI) nas regiões do osso esterno (anterior do tórax), na região mentoniana da face e também na região pré-auricular esquerda. Ainda pelo prontuário, três semana após o nascimento surgiram ulcerações nas áreas já descritas que foram acometidas por infecção bacteriana na incubadora (FIGURA 2).

No exame físico foi avaliado a pele e membranas mucosas; morfologia, localização e tamanho aproximado da lesão; presença e gravidade da ulceração e infecção secundária sem exsudato purulento; hepatomegalia e avaliação para ruído abdominal.

Exames adicionais geralmente não são necessários no caso de HI, mas pela presença de múltiplas lesões na cabeça, pescoço e tórax, foram solicitados, pois poderiam indicar também lesões hepáticas. Além disso foi avaliada a condição neurológica e cardíaca, tomografias e raio X de crânio, exames de sangue incluindo se há anticorpos para o Toxoplasma gondii (toxoplasmose) além de exames de urina, os quais se apresentaram normais com exceção de uma anemia persistente já esperada, também foi descartada relação com qualquer síndrome e risco de hemangioma em órgãos internos e hipotireoidismo. Em razão das lesões múltiplas a ultrassonografia do abdome foi realizada não sendo encontrada nenhuma alteração

Na entrevista com a equipe médica que acompanhava o caso, foi relatado que o tratamento para a infecção hospitalar foi imediatamente iniciado assim que a situação foi detectada, alcançando seu objetivo o que ocasionou o atraso no tratamento do hemangioma. O acompanhamento do paciente permaneceu pela extensão das lesões e pelo pouco ganho de peso, aproximadamente 300 gramas por mês. Em razão deste fato, uma dieta especial foi instituída incluindo ferro, vitaminas do complexo B além de vitaminas A e C. Pela perspectiva de diagnóstico espera-se que a paciente até os 2 anos de idade adquira peso suficiente e estabilização para que possa ser iniciada as séries de tratamentos cirúrgicos reparadores para o hemangioma.

De início não se optou por tratamento sistêmico da doença em razão da presença de lesões infectadas, pelo hemangioma se encontrar em término de fase de evolução (aspecto de “strawberry”) apresentando posteriormente uma ligeira involução, e pela condição de fragilidade do paciente (FIGURA 3).

Como não foi detectada a presença de lesões intrabucais e em tecido ósseo, o procedimento odontológico adotado, foi o preventivo com o máximo cuidado para se evitar a necessidade de tratamento invasivo, já que a abertura da cavidade oral é limitada pela lesão. A erupção dos dentes ocorreu aos 8 meses com os incisivos centrais inferiores em condições de perfeita normalidade e dentro da época esperada. Por isso, o responsável foi orientado em relação aos cuidados com a higiene oral e com os primeiros dentes decíduos, uso de escova dental adequada para o caso, sugerindo-se o uso de dedeira de silicone até a erupção dos incisivos e após uso de escova infantil macia e creme dental com flúor.

Ainda não existe um protocolo padrão para o tratamento de hemangiomas, mas em situações específicas como no caso apresentado o tratamento está indicado. O hemangioma apresentou um período de regressão lenta e a paciente com 1 ano e 4 meses apresentou características de estabilização da lesão (FIGURA 4), por isso, a conduta foi expectante e conservadora até esta idade, onde o paciente seria encaminhado posteriormente a um serviço de referência para tratamento sistêmico e cirúrgico indicado.

4. DISCUSSÃO:

O HI é um tumor benigno que, em até 65% dos casos, apresenta-se ao nascimento como uma lesão precursora cutânea no local do hemangioma (telangiectasia, mancha anêmica ou mancha avermelhada). Essas lesões podem ser tão sutis a ponto de não serem reconhecidas e até confundidas com arranhão, escoriação ou mancha. Geralmente possui aparência solitária, mas múltiplas lesões ocorrem em até 20% dos bebês e são especialmente comuns entre nascimentos múltiplos (LUQUETTI et al., 2024). Há predileção pela cabeça   e   pelo   pescoço, podendo   também   ocorrer   em qualquer   lugar   da   pele, membranas mucosas ou órgãos internos (POMPEU, 2021).

Alguns estudos (AGOSTINHO et al., 2020; FERNANDES, 2023) mencionam que a lesão presente ao nascimento provavelmente ocorre porque houve um gatilho local, já aquelas que aparecem após o nascimento podem ter sua indução por fatores sistêmicos associados à lesão local, como citocinas relacionadas à neovascularização sistêmica ou crescimento de nervo sensorial após o nascimento.

As novas classificações disponíveis e os modernos recursos diagnósticos por imagem não só permitiram a diferenciação entre os tipos de tumores e as malformações vasculares, mas também modificaram de forma substancial a abordagem e o tratamento dessas anomalias.

Por anos, o termo “hemangioma” foi usado de maneira ampla e indiscriminada para descrever anomalias vasculares distintas em termos de origem, características clínicas, histopatológicas, evolução e prognóstico. Assim, expressões como “hemangioma capilar” ou “morango” eram usadas para descrever o que hoje é conhecido como a forma superficial do HI (FACCHINI et al., 2023).

O diagnóstico é clínico, apoiado na história do paciente. A ultrassonografia com Doppler, a ressonância magnética, a tomografia computadorizada e a angiografia podem ser utilizadas para avaliar a extensão do acometimento, diagnóstico diferencial e para o acompanhamento da resposta ao tratamento (FERNANDES, 2023).

Os principais objetivos do tratamento do HI estão relacionados com a prevenção de complicações; prevenção ou minimização de lesões residuais ou desfiguração; minimização de alterações psicológicas ao paciente e à família e o adequado tratamento da ulceração (LUQUETTI et al., 2024; KROWCHUK et al., 2019). Devido ao risco de complicações de até 20% dos casos e de sequelas inestéticas, em mais de 50%, e com a existência de medicações com boa resposta terapêutica e baixo índice de efeitos adversos, mesmo lesões pequenas de HI podem e devem ser tratadas. Quanto mais precoce se iniciar o tratamento, melhor será o resultado. Lembrando que hemangiomas congênitos não possuem boa resposta com betabloqueadores (HADDAD et al., 2021).

A literatura é unanime em afirmar que o momento ideal para início do tratamento do HI deve ser o mais precoce possível, levando-se em consideração o estágio de desenvolvimento da lesão, sua localização e condição de tratamento, sinais secundários ou associados e do quadro sistêmico do paciente. Os benefícios da intervenção precoce, mesmo para lesões limitadas, são reduzir os danos provocados pela proliferação dos hemangiomas, evitando prejuízos no crescimento das cartilagens nasais.

Além da conduta expectante, intervenções farmacológicas, cirúrgicas e uso de laser são as atuais opções de tratamento. O propranolol representa a primeira linha para HI devido à sua grande eficácia e segurança. A cirurgia mantém seu papel nos casos refratários, naqueles com complicações locais, com comprometimento funcional e para as sequelas após regressão do hemangioma (MENDES et al., 2020). Um estudo na literatura acompanhou 17 crianças tratadas com propranolol, demonstrou que todas apresentaram redução acentuada ou desaparecimento visual das lesões. Não houve caso de complicação com o uso da medicação. O uso de propranolol mostrou-se efetivo na redução e posterior desaparecimento de hemangioma cutâneo visível à ectoscopia (HADDAD et al., 2021).

Quando o tratamento cirúrgico está indicado, autores (GIUGLIANO et al.,2019; MENDES et al., 2020), referem realizar a cirurgia na fase involuída, considerando que as estruturas anatômicas são mais bem definidas e o tamanho da lesão pode ter reduzido, tornando a reconstrução tecnicamente mais fácil e com consequentemente com melhores resultados.

5. CONCLUSÃO

A presença de manchas eritematosas, telangiectasias ou manchas anêmicas ao nascimento podem ser o primeiro sinal do surgimento de um HI. A avaliação de fatores de risco como sexo feminino, baixo peso ao nascer, gestação múltipla, parto prematuro e outros, é fundamental para que se pense no diagnóstico de HI e oriente quanto à observação da evolução da lesão, uma vez que o prognóstico está diretamente relacionado com a introdução precoce do tratamento ou quando a condição do paciente permita.

6. REFERÊNCIAS

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BASELGA, E. et al. Risk factors for degree and type of sequelae after involution of untreated hemangiomas of infancy. JAMA Dermatology, 2016, v. 152, n. 11, p. 1239–1243, 1 nov. 2016. DOI: 10.1001/jamadermatol.2016.2905.

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1 p.bisi@yahoo.com.br
Professor Doutor Adjunto de Clínica Infantil da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Pará

2 Discente do Curso de Odontologia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Pará  

3 Professora Doutora da Clínica Infantil da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Pará