HANSENÍASE EM MENORES DE 15 ANOS NO ACRE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410161556


Laís de Brito Garcia1
Jose Johnata Paiva de Melo2
Luciana Ribeiro da Silva Peninche3
Francisco Naildo Cardoso Leitão4
Franciely Gomes Gonçalves5


Resumo

Introdução: Hanseníase é uma doença crônica infecciosa, causada pelo Mycobacterium Leprae, que tem afinidade por células cutâneas e células nervosas, com riscos de comprometimento neurais e desenvolvimento de incapacidades físicas. Apesar de todo avanço em termos de tratamento, o Brasil ainda ocupa o segundo lugar no ranking em número de casos. O acometimento em menores de 15 anos, reflete sérios prejuízos no controle da doença. Objetivo:  Descrever os aspectos epidemiológicos e clínicos dos casos de hanseníase em menores de 15 anos notificados no estado do Acre, Brasil, no período de 2013 a 2023. Método: Trata se de um estudo descritivo, retrospectivo, transversal, realizado a partir de dados secundários coletados no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS, do Ministério da Saúde- MS, através do TABNET, utilizando dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Hanseníase, no período de 2013 a 2023. Resultados: Foram observados 89 casos de hanseníase em menores de 15 anos notificados no estado do Acre. Os municípios de Rio Branco, Cruzeiro do Sul e Tarauacá apresentaram maior número de casos da doença. Predomínio na classificação operacional multibacilar e formas clínicas dimorfa e virchowiana, grau zero no diagnóstico e não registro do grau na cura, respectivamente. Conclusão: O acometimento de hanseníase em menores de 15 anos demonstra potencial descontrole da doença, principalmente no tocante ao diagnóstico tardio, com formas clínicas avançadas da doença com grau de incapacidade física instalado, demonstrando a urgente necessidade de medidas de controle no local de estudo.

Palavras-chave: hanseníase, crianças, adolescentes, epidemiologia

Introdução

Hanseníase é considerada doença infecciosa crônica, causada pelo Mycobacterium Leprae, que acomete indivíduos através das vias aéreas superiores, com importante afinidade pela pele e nervos periféricos, sendo estes os responsáveis por deformidades físicas, que alimentam o estigma em torno da doença. A evolução clínica da doença está relacionada à resposta imune do hospedeiro frente à bactéria1-3.

A incidência da enfermidade é notavelmente maior entre adultos, no entanto, menores de 15 anos estão propensos a adquirir o bacilo através do contato próximo entre familiares infectados não tratados, que contribui para a transmissão nesta população4,5. Em 2022, a Organização Mundial da Saúde registra 174.087 novos casos de hanseníase no mundo, correspondendo a taxa de detecção de 21,8 casos por1 milhão de habitantes. O Brasil permanece com o segundo lugar com maior número de casos novos da doença, o que o classifica como país prioritário para a hanseníase pela Organização Mundial de Saúde. Em 2022 o número de casos de hanseníase em menores de 15 anos foi de 10.302, correspondendo a taxa de detecção de 5,1 casos por 1 milhão, com aumento de 14,6% em comparação com 2021. Outro indicador importante para o monitoramento da hanseníase é o grau de incapacidade física, que apresentou em 2022 um total de 9.554 casos, correspondendo a uma taxa de detecção de 1,2 casos por 1 milhão de habitantes, em torno de 5,5 a mais que em 20216

A afecção em infantes é um forte indicador de monitoramento endêmico e possibilita a identificação da exposição precoce através de focos de contágio ativo, contribuindo para a continuidade da propagação, devido à demasiada circulação do Mycobacterium Leprae, resultado do contato íntimo e prolongado dos familiares infectados, os quais não obtiveram diagnóstico prematuro ou até mesmo tratamento adequado, tais fatores favorecem a manutenção da alta taxa de prevalência da doença 7,8-9

O atraso no diagnóstico da hanseníase pode levar a consequências físicas incapacitantes e problemas emocionais, afetando a qualidade de vida do indivíduo. A detecção precoce é essencial para evitar complicações graves e reduzir o estigma social associado à doença, assegurando o acesso ao tratamento adequado e promovendo melhores resultados clínicos e psicossociais10.

O estudo objetiva, descrever os aspectos epidemiológicos e clínicos dos casos de hanseníase em menores de 15 anos notificados no estado do Acre, Brasil, no período de 2013 a 2023.

Método

Desenho do estudo

Trata-se de estudo epidemiológico, descritivo, transversal, com coleta de dados retrospectivo, baseado em uma série temporal de casos de Hanseníase em menores de 15 anos, no estado do Acre, Brasil, no período de 2013 a 2023.

Os dados foram coletados no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS, do Ministério da Saúde – MS, através do TABNET, utilizando os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Hanseníase e organizados em planilhas do programa Excel (Microsoft office 2010), descritos em números absolutos e percentagem, apresentados em tabelas e gráficos, com posterior análise descritiva fundamentada em referencial teórico.

Foram considerados todos os casos de hanseníase em menores de 15 anos notificados no estado do Acre, Brasil, no período de 2013 a 2023. As variáveis analisadas foram divididas em 6 categorias: casos novos, sexo, classificação operacional, forma clínica, grau de incapacidade física na notificação, grau de incapacidade física na cura.

A confidencialidade do estudo foi assegurada, visto que, corresponde ao banco de dados públicos secundários de acesso livre, o que garante a preservação da identidade dos sujeitos e princípios éticos, estabelecidos pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012, que trata de pesquisas envolvendo seres humanos.

Resultados

No período de 2013 a 2023 foram notificados 89 casos de hanseníase em menores de 15 anos no estado do Acre, Brasil. Com maior predomínio no gênero masculino (53,9%). A variável escolaridade para essa faixa etária, apresentou maior nível de estudo, na 5ª a 8ª série incompleta do Ensino Fundamental, com analfabetismo presente em 3,3% dos casos. 

Observa-se na tabela 2, maior número de casos de hanseníase notificados no estado do Acre, nos municípios rio Branco (30,3%), Cruzeiro do Sul (12,3%) e Tarauacá (11,2%). 

No período estudado, o comportamento das formas clínicas de Hanseníase no diagnóstico, apresenta maior declínio em todas as formas clínicas da doença nos anos de 2019 e 2020, com tendência de aumento subsequentes nas formas clínicas dimorfa e virchoviana.

Gráfico 1 – Forma clínica da Hanseníase em menores de 15 anos, no estado do Acre, Brasil.

O grau de incapacidade física no diagnóstico, apresenta predominância do  grau zero, com casos diagnosticados com grau de 2 de incapacidade física no período de 2020 a 2022. 

Gráfico 2 – Grau de incapacidade física no diagnóstico dos casos de hanseníase em menores de 15 anos no estado do Acre, Brasil

Observa-se predomínio no não registro da avaliação da incapacidade física na cura, seguido de aumento do grau zero e elevação do grau 2 de incapacidade física no período de 2019 e 2020, respectivamente.

Gráfico 3 – Grau de incapacidade física na cura dos casos de hanseníase em menores de 15 anos no estado do Acre, Brasil

Discussão

A hanseníase representa um fardo substancial aos pacientes e à sociedade. O diagnóstico tardio da doença é um fator potencial para o desenvolvimento de incapacidade física e consequentes danos emocionais, pois a doença pode acometer a pele, os nervos, com riscos de deformidades físicas, que são responsáveis pelo estigma social e discriminação da doença, afetando a qualidade de vida do paciente. Assim, o diagnóstico precoce é essencial, principalmente em menores de 15 anos 11, 12.

Um dos principais parâmetros para avaliar o nível endêmico de uma região e a determinação do nível de circulação da bactéria é a tendência e a intensidade da doença na população menor de 15 anos. O diagnóstico da doença nessa faixa etária, indica endemicidade e continuação da cadeia de transmissão, que ocorre provavelmente por contato domiciliar, com pacientes multibacilares, em maior frequência, apesar de haver possibilidade de adquiri-la na comunidade. A não identificação precoce da doença pelos serviços de saúde e o contato prolongado, propicia o acometimento da doença em crianças e adolescentes, perpetuando a cadeia de transmissão e dificultando o controle da doença11, 13

O estado do Acre, apresenta casos da doença em menores de 15 anos, inclusive com diagnósticos tardios em formas clínicas consideradas avançada doença, que aumenta potencialmente o risco de desenvolvimento de deformidades e consequentes incapacidade físicas.

Outro indicador importante para o monitoramento da doença, é o grau de incapacidade física no diagnóstico, a presença do grau um ou dois, representa diagnóstico tardio da doença, e consequente risco de desenvolvimento de deformidades  e incapacidades físicas. Essa ocorrência em menores de 15 anos impacta negativamente na vida futura, com sérios prejuízos funcionais, emocionais e laborais 11.

Ressalta se a importância de medidas de controle da doença, que envolvem, campanhas de busca ativa dos casos novos, orientação educacional, para promoção do aumento da busca ativa aos serviços de saúde, bem como a importante ampliação na cobertura de exames de contato, capacitação e sensibilização de profissionais de saúde para facilitação do diagnóstico precoce e tratamento adequado, inclui se nesse aspecto, a inserção de maiores espaços na grade curricular dos cursos de medicina para a abordagem efetiva da hanseníase.

Conclusão

A hanseníase faz parte das doenças negligenciadas, o acometimento em menores de 15 anos, caracteriza alta endemicidade da doença. O diagnóstico tardio, com formas clínicas avançadas e presença de grau de incapacidade física instalado, demonstra a urgente necessidade de medidas de controle no local de estudo.

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1Discente do curso de medicina do Centro Universitário Uninorte (UNINORTE)
2Mestrado em Ciências da Saúde – Secretaria Estadual de Saúde do Acre (SESACRE)
3Docente do Centro Universitário Estácio Rio Branco – Estácio UNIMETA.
4Docente da Pós-graduação em Ciências da Saúde na Amazônia Ocidental da UFAC
5Orientadora e Docente do Centro Universitário Uninorte (UNINORTE) Setor de Pós-graduação, Pesquisa e Inovação
Centro Universitário Saúde do ABC e Serviço Estadual de Dermatologia do Acre. Contato: francielyggoncalves@gmail.com