GRUPO DE ORIENTAÇÕES EM SAÚDE E PRÁTICA DE EXERCÍCIOS FÍSICOS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DE RESIDENTES DO PROGRAMA DE SAÚDE COLETIVA EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA DO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA-PR

HEALTH GUIDELINES AND PHYSICAL EXERCISE PRACTICE GROUP: A REPORT ON THE EXPERIENCE OF RESIDENTS OF THE COLLECTIVE HEALTH PROGRAM IN A FAMILY HEALTH UNIT IN THE MUNICIPALITY OF PONTA GROSSA-PR

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10476190


Camila Ouriques de Rezende1;
Izabel Hemyly de Araujo Gomes 2;
Edimara Rafaelli Balzer 3;
Sherryl Cristina Carvalho Nunes 4.


Resumo

A residência multiprofissional em saúde coletiva é um programa de pós-graduação em saúde que envolve diversas áreas profissionais. Seu foco é proporcionar uma formação integrada, com trabalho em equipe e atuação interdisciplinar, visando a atenção integral ao paciente. Os grupos na Atenção Primária à Saúde, referem-se a equipes compostas por profissionais de diferentes áreas, trabalhando de forma colaborativa para promover a saúde e o bem-estar dos indivíduos. Esses grupos visam potencializar o cuidado ao paciente por meio da troca de conhecimentos e habilidades entre os membros. Também, são estratégias que priorizam a prevenção de doenças e a promoção da saúde em comunidades e grupos específicos. Este trabalho tem por objetivo o relato de experiência sobre a criação de um grupo de práticas de saúde, elaborado por três residentes em saúde coletiva no ano de 2022, na cidade de Ponta Grossa, Paraná.

Palavras-chave: Saúde coletiva. Práticas de Saúde. Grupos. Residência multiprofissional. Atenção primária à saúde.

1 INTRODUÇÃO

Na contemporaneidade da saúde, a abordagem multiprofissional se mostra como um pilar essencial para a promoção de um atendimento integral e eficaz. Em particular, na Atenção Primária à Saúde (APS) e na Residência Multiprofissional (RM), equipes compostas por diversos profissionais desempenham um papel crucial, proporcionando uma visão completa e integrada no cuidado aos pacientes. A APS, sendo porta de entrada do sistema de saúde, enfatiza a prevenção e promoção à saúde, com destaque para a equipe multiprofissional que une expertises diversas. (BRASIL, 2013)

A RM representa um avanço na formação profissional, proporcionando experiência prática e interdisciplinar, preparando os residentes para intervir no âmbito das políticas de saúde. A interdisciplinaridade na equipe é essencial, promovendo a troca de conhecimentos e experiências entre diferentes profissões, resultando em cuidado mais efetivo e centrado no paciente, fortalecendo a capacidade do sistema de saúde diante das complexidades das condições de saúde da população. (BRASIL, 2006)

Diante desse compromisso, e tendo a APS como a porta de entrada entre os serviços de saúde e a comunidade, a existência de um grupo multiprofissional nas unidades básicas com orientações em saúde e a prática de exercícios físicos mostra- se fundamental para prevenção de doenças e promoção da saúde dos usuários, visando melhorar a qualidade de vida, o bem-estar físico e mental, contribuindo ainda para a melhora da saúde geral dos participantes. (MENDES, 2012)

A criação de grupos na APS opera em consonância com alguns princípios e valores do Sistema Único de Saúde (SUS), como os princípios da universalização, equidade e integralidade, principalmente. Nesse contexto, alguns temas também são levados em consideração, como o da cultura da paz e direitos humanos, que consistem em criar oportunidades de vivência, de solidariedade, de respeito à vida e de fortalecimento de vínculos entre profissionais e a comunidade, garantindo os direitos humanos, reduzindo violências e construindo boas práticas de convivência. (BRASIL, 2018)

Na atualidade, a APS visa um atendimento ampliado à saúde, ou seja, é influenciada pelas seguintes condições: alimentação, habitação, renda, educação, trabalho, meio ambiente, transporte, emprego, lazer, entre outros conceitos,

fundamentais para que se tenha condições de saúde adequadas. A saúde não significa apenas ausência de doença, mas sim um equilíbrio entre todas as esferas da vida e está intimamente ligada a vários pontos da vida do paciente. (BRASIL, 2018)

A vivência das residentes multiprofissionais em saúde coletiva nas áreas de Educação Física, Serviço Social e Farmácia no Grupo Práticas de Saúde (GPS) em uma Unidade de Saúde da Família (USF) revelou-se uma experiência enriquecedora e transformadora tanto para os integrantes do grupo, quanto para as próprias residentes. (BRASIL, 2006)

Nesse relato, a criação do GPS respeitou a linha de atendimento ampliado à saúde, por se tratar de uma unidade modelo da Estratégia Saúde da Família (ESF), com uma abordagem integral do processo saúde-doença, com outros compromissos, mas focando principalmente em ações de prevenção e promoção à saúde.

Diante do breve contexto e da relevância do tema, este relato busca não apenas descrever as ações de promoção e prevenção da saúde durante o ano de 2022, mas também evidenciar a importância desses encontros na APS. Logo, o objetivo deste trabalho é relatar a experiência vivenciada pelas residentes multiprofissionais em saúde coletiva das áreas: Educação Física, Serviço Social e Farmácia, durante o GPS em uma USF no ano de 2022, destacando avanços e limitações encontradas durante as atividades, evidenciando a importância da prática de grupos em tais espaços.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1978, reafirmou a saúde como um direito humano fundamental, ou seja: indispensável para a vida. A definição de saúde vai muito além da ausência de doenças; é essencial que se desfrute de um equilíbrio entre o bem-estar físico, mental e social. Diante deste conceito, percebe-se a necessidade de cuidar do corpo como um todo, desde a mente até mesmo o contexto social no qual essa pessoa está inserida para definir precisamente o estado de saúde.

Em 2006 foi aprovada a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) do SUS, com o propósito de combater os diversos desafios que dificultam a promoção da saúde. A PNPS solidificou o compromisso do Estado brasileiro com a manutenção, ampliação e a qualificação de ações de promoção da saúde nos serviços e na gestão do SUS. (BRASIL, 2018)

Segundo a PNPS, para que aconteça a promoção da saúde, faz-se necessária a incorporação de medidas e práticas que vão além do atendimento individual, mas também coletivo. Já a prevenção é definida pelo Ministério da Saúde como “todo ato que tem impacto na redução de mortalidade e morbidade das pessoas” (BRASIL, 2013).

A APS é compreendida como um conjunto de várias ações de saúde sendo realizadas de maneira individual, familiar e coletiva, que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde. O modelo de ESF é considerado uma ótima ferramenta para consolidação e fortalecimento dos princípios das APS porque, através de uma equipe multiprofissional, é lograda a otimização do desenvolvimento de práticas de cuidado integral à população do território. (BRASIL, 2013)

A utilização de grupos na APS é respaldada por diversas abordagens e teorias que reconhecem a eficácia dessa modalidade de intervenção. Abaixo estão organizados alguns pontos chave que embasam a utilização de grupos na APS:

QUADRO 01- UTILIZAÇÃO DE GRUPOS NA APS:

Modelo BiopsicossocialGrupos na APS podem proporcionar um ambiente que considera não apenas a dimensão biológica, mas também a psicossocial.
Abordagem Socioecológica:Reconhece a influência do ambiente social e cultural na saúde. Destaque para grupos.
Educação em SaúdeGrupos proporcionam um espaço para compartilhar conhecimentos, experiências e estratégias para a promoção da saúde.
Empoderamento e ParticipaçãoGrupos promovem a participação dos pacientes, permitindo que eles assumam um papel ativo em seu próprio cuidado e influenciem as políticas de saúde locais.
Teoria da Mudança Comportamental:Destaca a importância do suporte social, do compartilhamento de metas e da motivação mútua para promover comportamentos saudáveis.
Atenção Centrada no Paciente:Grupos permitem uma abordagem mais personalizada, pois levam em conta a diversidade de perspectivas e experiências dos participantes.
Fonte: MARTINS, Liziane. Adaptado por: As autoras (2023)

Os grupos na APS baseiam-se em teorias que enfatizam a integralidade, participação ativa, aprendizado coletivo e abordagens contextualizadas para a promoção da saúde e prevenção de doenças. Essas teorias sustentam a eficácia dos grupos como ferramentas valiosas para alcançar objetivos diversos no contexto da APS. (NOGUEIRA et al, 2016)

O GPS teve sua criação e estrutura, focadas principalmente na atenção centrada ao paciente e na educação em saúde, com o intuito maior de proporcionar um atendimento coletivo de acordo com as demandas dos participantes. Foram realizadas escutas qualificadas centradas nas necessidades dos pacientes, além do exercício da educação em saúde, quando foram compartilhadas experiências pelos participantes e troca de conhecimento entre as residentes, garantindo a promoção de saúde por meio de diálogos e conversas expositivas.

3 METODOLOGIA

O presente trabalho trata-se de um relato de experiência, um estudo transversal descritivo, qualitativo acerca da atuação multiprofissional e interdisciplinar das residentes do programa de Residência em Saúde Coletiva do município de Ponta Grossa, Paraná, no ano de 2022.

A pesquisa qualitativa enfatiza o subjetivo como meio de compreender e interpretar as experiências, tentando captar o contexto na sua totalidade, trabalha com o universo de significados, motivações, aspirações e principalmente valores e atitudes. (TRIVIÑOS, 1987)

Este estudo caracteriza-se também como descritivo, afinal tem como objetivo principal descrever e relatar as atividades que aconteceram durante o GPS. O programa de RM em Saúde Coletiva está vinculado à Fundação Municipal de Saúde (FMS) de Ponta Grossa, e é definido como uma modalidade de ensino de pós- graduação Lato sensu, com caráter de especialização e configura-se como ensino em serviço. O programa destina-se a especializar os profissionais de nove profissões diferentes em saúde coletiva, com uma carga horária de 5.760 horas. (MANUAL DO RESIDENTE, 2019)

As profissões que compõem o programa devem trabalhar de maneira a somar com as equipes de saúde e atuar de forma multiprofissional e interdisciplinar, ou seja, os membros que fazem parte da equipe devem trabalhar em conjunto, com a troca de conhecimentos e experiências, além de respeitar os limites e as ações de cada profissão. (MANUAL DO RESIDENTE, 2019)

Segundo o manual do residente, no cenário das RM em Saúde, a educação interprofissional representa uma estratégia que possibilita o desenvolvimento do trabalho coletivo de forma efetiva, com o objetivo de potencializar a qualidade da atenção à saúde, atendendo o paciente de forma global. (ARAÚJO et al., 2017)

Este relato de experiência caracteriza-se a partir da vivência de três residentes das áreas de Educação Física, Serviço Social e Farmácia durante o GPS vinculado a uma USF do município de Ponta Grossa, PR no ano de 2022.

Para tanto, o universo da pesquisa é a FMS do município de Ponta Grossa – PR, especificamente a unidade em que as residentes estavam lotadas. A cidade referenciada foi fundada no ano de 1823 e está localizada no 2º Planalto Paranaense da região dos Campos Gerais e, segundo o Censo do IBGE de 2022, apresenta uma Área Territorial de 2.054,732km²; sua densidade demográfica é 174,41 hab./km²; e há 358.371 pessoas residentes no município. Dentre as regiões de saúde e macrorregiões de saúde do Paraná, a cidade em questão está situada na macrorregional leste. (PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE, 2018)

No município em questão, as unidades de saúde estão reunidas em seis distritos (quadro 02), que se baseiam principalmente através da sua localização geográfica, proporcionando uma descentralização dos atendimentos na APS, de tal forma que contemple todas as regiões da cidade, seguindo o que determina os

princípios de universalização e regionalização do SUS. (Plano Municipal de Saúde, 2018)

QUADRO 02- DISTRITOS UNIDADES DE SAÚDE

Fonte: Plano Municipal de Saúde, 2018. Adaptado: As autoras (2023).

Segundo o Plano Municipal de Saúde (2018/2021) de Ponta Grossa, a APS conta com 52 unidades básicas de saúde localizadas na área urbana e 10 na área rural, contando com 80 ESFs e 13 de Saúde Bucal, além de contar com 01 equipe de Atenção Domiciliar. O Plano menciona 5 equipes do Núcleo de Ampliado de Saúde da Família (NASF), atualmente extintas. (PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE, 2018)

A ESF é uma estratégia eficaz e consolidada para aumentar a oferta de serviços e cuidado à comunidade, por se tratar de uma equipe multiprofissional, sendo composta por pelo menos: 1 médico, 1 enfermeiro, auxiliares ou técnicos de enfermagem, e poderão agregar ainda outros profissionais como: dentistas, auxiliares de saúde bucal e ou técnicos, agentes comunitários de saúde e de combate a endemias (ACS e ACE). (PNAB, 2017)

No ano de 2022, durante a passagem das residentes na unidade referenciada neste artigo, a estrutura da USF contava com duas equipes para atender a demanda da comunidade, conforme o quadro abaixo:

QUADRO 03- COMPOSIÇÃO EQUIPE USF

PROFISSIONALQUANTIDADE
MÉDICOS02
ENFERMEIROS02
TÉCNICOS DE ENFERMAGEM06
ACS04
ACE01
DENTISTA01
AUXILIAR DE SAÚDE BUCAL01
ADMINISTRATIVO02
FARMACÊUTICA01
AUXILIAR DE FARMÁCIA01
RESIDENTES06
Fonte: Autoras (2023)

A ideia do grupo surgiu coletivamente, durante as conversas entre a Preceptora enfermeira, Residentes e demais servidores da USF. Naquele momento, o desenvolvimento de um grupo de saúde apresentava-se como um desafio pelo próprio cenário pós pandemia de coronavírus. Era um momento de volta às ruas, retorno das atividades coletivas, visto que, em período pré-pandemia, o NASF realizava encontros e práticas corporais com a população desse bairro. O NASF foi criado em 2008 com o intuito de aumentar a resolutividade e a capacidade de respostas das equipes frente aos problemas dos usuários da USF, sendo a estratégia de grupos uma das maneiras de proporcionar ações de cuidado ao paciente, focando essencialmente na prevenção e promoção à saúde. (BRASIL, 2011)

As atividades do GPS aconteciam em parceria com os demais profissionais da unidade e contava com a participação da comunidade de forma voluntária. Assim, o grupo era formado principalmente por moradores do território.

O grupo iniciou-se primeiramente apenas com a prática de exercícios físicos, duas vezes na semana, com duração em média de uma hora cada encontro, entre a Profissional de Educação Física e a população. Tais encontros aconteciam sempre nas segundas e quartas-feiras, no período da manhã, na Associação de Moradores do bairro.

Ao início de cada grupo era realizada uma chamada para o controle da frequência. Logo após, as atividades eram divididas entre aquecimento, momento de fortalecimento muscular, onde a profissional estimulava diferentes capacidades físicas, sendo elas principalmente: equilíbrio, coordenação motora, flexibilidade, mobilidade, força e resistência. Por fim, havia um momento de relaxamento com exercícios focados no controle da respiração e alongamentos dinâmicos e passivos.

Em reunião entre as residentes e a equipe da USF, iniciou-se mais um dia de grupo, com o objetivo de aproximar a população dos profissionais de saúde, os encontros ocorriam semanalmente, toda terça-feira, também no período da manhã, no mesmo local. Nesse dia eram realizadas rodas de conversas, com temas diversos, sempre com a intenção de promover saúde aos participantes. Antes dessa reunião, as residentes de saúde coletiva praticavam caminhadas com aqueles que tinham interesse, iniciando na USF e terminando o percurso na Associação de Moradores para o encontro semanal do grupo.

Havia um cronograma para o encontro das terças-feiras. Nos primeiros dias foram realizadas rodas de conversa no intuito de fortalecer vínculos com a população e também para as residentes conhecerem melhor as demandas, dúvidas e interesses da comunidade. Durante os encontros era realizada a aferição de pressão arterial, verificação de glicemia capilar para os participantes diabéticos, retirada de medidas antropométricas como peso, altura, circunferência abdominal, cálculo de IMC, assim como orientações individuais e coletivas sobre esses dados.

Ao longo dos encontros do grupo, uma série de ações de promoção e prevenção da saúde foram implementadas, refletindo o comprometimento e a diversidade de conhecimentos das residentes. Orientações sobre hábitos alimentares saudáveis, práticas de atividade e distribuição de materiais informativos foram algumas das iniciativas que buscaram abordar as necessidades abrangentes da comunidade.

Depois de um certo período de adaptação, para cada encontro havia um tema específico a ser trabalhado, no qual os participantes já ficavam sabendo antecipadamente o que seria tratado na semana seguinte. Além disso, buscava-se realizar atividades alusivas aos meses coloridos do Calendário da Saúde, como ações sobre setembro amarelo, outubro rosa e novembro azul (BRASIL, CALENDÁRIO DA SAÚDE). As atividades do Calendário da Saúde contavam também com a participação de estagiários de enfermagem atuantes na USF. Outra ação importante desenvolvida periodicamente era a aplicação de testes rápidos para rastreio de possíveis infecções sexualmente transmissíveis (IST ‘s).

Alguns momentos de descontração e diversão foram proporcionados também durante esses encontros, como a realização de festa junina, bingos, atividades lúdicas e gincanas. Em um dos momentos, houve a participação do Serviço de Obras Sociais (SOS) com cortes de cabelo gratuitos para os integrantes do grupo.

De acordo com a lista de presença, participavam do grupo um total de 52 moradores, sendo 46 mulheres e 6 homens, com média de idade de 60,73 ± 11,54 anos. Em relação ao sexo e faixa etária, percebe-se a participação efetiva das mulheres e principalmente idosas acima de 60 anos. Destaca-se que a maioria dos integrantes possuíam alguma doença crônica, como diabetes, hipertensão arterial, dislipidemias e ansiedade como as principais condições relatadas.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O desenvolvimento das atividades do GPS foi pensado no intuito de aproximar a equipe da USF e da comunidade. A RM em Saúde Coletiva possibilitou que tal processo fosse pensado de maneira multiprofissional, assim como preconiza a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) com o envolvimento de todas as áreas que oferecem atendimento na USF. De acordo com a PNAB, uma das atribuições dos profissionais atuantes nesta Política é praticar cuidado individual, familiar e dirigido a pessoas, famílias e grupos sociais, visando propor intervenções que possam influenciar os processos saúde-doença individual, das coletividades e da própria comunidade. (BRASIL, 2017)

Os encontros do GPS buscavam atender a comunidade de maneira livre e espontânea, principalmente aqueles que eventualmente estariam mais isolados em um período pós pandemia, como é o caso das pessoas idosas e das pessoas com deficiência. Uma das finalidades do grupo era também aproximar as pessoas diversas, tentando proporcionar um local saudável para a mente e para o corpo, longe de estigmas, onde pudessem se sentir seguros.

Os temas abordados foram planejados mediante o contexto social em que se encontravam os participantes, tendo como objetivo o incentivo ao autocuidado, boas práticas de saúde, desenvolvimento social e coletivo, proporcionando momentos de bem estar, visando a melhora da qualidade de vida desses indivíduos. Os encontros eram definidos coletivamente, com a participação de todos os envolvidos e frequentemente era realizada uma avaliação com os participantes, pelas Residentes e pela equipe da USF com o propósito de identificar pontos que poderiam melhorar ou aqueles a serem modificados.

Cada profissional trazia conhecimentos de sua área. A dentista da USF, quando tinha possibilidade de participar, buscava orientar sobre a saúde bucal da pessoa idosa, dos portadores de doenças crônicas e das crianças. A equipe de Enfermagem tratou de temas com relevância nacional como o câncer de mama, saúde do homem e a importância da realização de preventivos. A Farmacêutica falou sobre mitos e verdades das terapias medicamentosas, uso racional de medicamentos, tratamento regular e consciente e uso de plantas medicinais. A Assistente Social tratou de temas relacionados a acesso aos direitos como o Estatuto da Pessoa Idosa, violência doméstica e direito à saúde. A Profissional de Educação Física fornecia orientação e auxílio em relação às práticas de atividade física (AF) que aconteciam no grupo assim como aquelas relacionadas às atividades diárias.

Segundo o Guia de Atividade Física publicado pelo Ministério da Saúde em 2021, praticar AF traz inúmeros benefícios para a saúde e provoca grandes mudanças na rotina daqueles que a praticam. E para a população em destaque desse relato, a população idosa, a prática de AF ajuda os indivíduos a desfrutarem de uma vida plena, com melhor qualidade e um grande avanço nas suas habilidades de socialização, por meio da participação dessas atividades em grupo. (BRASIL, 2021)

Ainda segundo o manual, a prática de AF proporciona um aumento de energia, disposição, autonomia e independência para realizar as tarefas diárias, além da redução do cansaço e melhora na capacidade de locomoção devido o fortalecimento dos músculos e ossos. Promove também a diminuição das dores nas articulações, melhora do controle postural e equilíbrio. Um ponto muito relevante para essa população é que a prática de AF reduz o risco de quedas e lesões, e também o risco de demências como o Alzheimer, ajudando na manutenção da memória, atenção, concentração, raciocínio e foco, além de estimular a melhora do sono. (BRASIL, 2021)

A realização de AF contribui significativamente para a prevenção de diversas doenças crônicas, auxiliando no controle da pressão arterial elevada, redução dos índices glicêmicos e colesterol alto, minimiza os riscos de desenvolver doenças do coração e alguns tipos de câncer, melhora a saúde dos pulmões e da circulação. Muito além de benefícios físicos, a prática de AF contribui consideravelmente para a saúde mental dos praticantes, controlando os sintomas de ansiedade, depressão, sentimentos de tristeza e solidão. (BRASIL, 2021)

Durante os dois anos do programa de RM em Saúde Coletiva, segundo as normas e orientações da coordenação, cada residente deve vivenciar a rotina de trabalho em uma USF diferente a cada ano com o intuito de aproximar-se das particularidades e das demandas em diferentes territórios do município.

Antes de finalizar o primeiro ano, as residentes realizaram um ofício, mencionando a existência do grupo e a devida importância que o mesmo apresentava para a população e solicitaram à Comissão de Residência Multiprofissional em Saúde (COREMU), a lotação de profissionais para dar continuidade aos trabalhos que já vinham sendo realizados. Com a troca de campo de trabalho no ano seguinte, a solicitação das residentes não foi atendida, não foram lotados profissionais que dessem continuidade ao grupo, principalmente as práticas corporais. A comunidade mobilizou-se, realizaram diversos registros na Ouvidoria Municipal da Saúde, reivindicando o retorno do grupo, mas sem sucesso.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das análises das experiências obtidas e das avaliações realizadas diariamente pelas residentes, no decorrer do GPS, pode-se afirmar que foi uma experiência exitosa para todos os envolvidos. A comunidade constantemente trazia devoluções positivas. Os relatos deixavam evidente que houve avanço na qualidade

da saúde dos participantes, com destaque para a saúde mental, onde obteve-se relato de que sintomas de ansiedade, solidão e sofrimento estavam amenizados. Corriqueiramente, as devoluções eram positivas, os resultados se mostraram satisfatórios na medida do possível daquele cenário.

A existência do grupo na comunidade com a participação das equipes de saúde proporcionou um maior vínculo com a população, ou seja, as relações tornam-se mais fortalecidas. O contato direto com as pessoas do grupo possibilitou o estreitamento das relações, favorecendo momentos de escuta mais qualificada, uma vez que, na rotina dos atendimentos individuais e nas consultas ambulatoriais da unidade, o acolhimento interdisciplinar, multiprofissional, humanizado e centrado no paciente apresenta as limitações da realidade concreta.

Durante esses espaços e também nos momentos de interação entre profissionais e comunidade, aqueles que estavam participando de forma voluntária criaram laços entre si, possibilitando um ambiente saudável e agradável para as práticas do dia. Como pertenciam ao mesmo bairro, e muitas vezes vivenciavam realidades semelhantes e com as mesmas condições de saúde crônicas, os participantes identificavam-se entre si.

Um ponto importante que os grupos fornecem para a APS, é o fato de proporcionar a diminuição da demanda espontânea nas unidades, (MENDES, 2012) visto que as ações de prevenção e promoção de saúde realizadas nos encontros promovem um melhor acompanhamento das pessoas com problemas crônicos, especialmente as pessoas idosas, que eram a maioria. Como eram realizadas semanalmente aferição da pressão arterial, verificação da glicemia capilar aos portadores de diabetes, controle de peso corporal e risco cardiovascular, em alguns dias testes rápidos e solicitação de exames laboratoriais, as práticas do grupo minimizaram os atendimentos individuais na USF.

De acordo com o manual do Residente (2019), a RM em Saúde Coletiva tem objetivos voltados à integração, intersetorialidade e interdisciplinaridade. Idealmente falando, tal experiência seria campo propício para ampliação e troca de saberes entre as diversas profissões e entre a comunidade. Entretanto, a realidade concreta mostrou que a Residência pode ser também uma forma de preencher lacunas para as quais a organização da saúde pública no município não é capaz de apresentar resolutividade. Um exemplo disso está relacionado à falta de profissionais nos serviços e o uso da

Residência para adiar contratações e concursos. Tal cenário expõe uma situação grave de precarização das relações do trabalho exercido pelas Residentes quando lhes é expropriada a oportunidade de tornarem-se especialistas por meio de práticas integrativas e multiprofissionais voltadas à garantia da saúde à população.

Sabe-se que a realidade do SUS em Ponta Grossa é repleta de limitações que aparecem no cotidiano de cada equipamento e que a presença dos Residentes possibilita a garantia do acesso ao direito à saúde. Diante disso, torna-se urgente que trabalhos como o grupo Práticas de Saúde sejam encarados como uma ferramenta de trabalho que viabilize esse direito que é essencial a todo ser humano.

O fim do GPS evidenciou uma das fragilidades do processo de residência: a descontinuidade do cuidado, o que vai contra ao que está preconizado na PNAB, a qual traz que uma das atribuições do profissional da APS é participar do acolhimento dos usuários, proporcionando atendimento humanizado, realizando classificação de risco, identificando as necessidades de intervenções de cuidado, responsabilizando- se pela continuidade da atenção e viabilizando o estabelecimento do vínculo. (BRASIL, 2017)

Outra fragilidade encontrada pelas residentes foi a falta de estrutura e materiais para a realização das atividades preparadas. Para as práticas corporais, a Profissional de Educação Física improvisava as aulas com objetos que os próprios participantes traziam de casa, como cabos de vassouras, garrafas descartáveis com areia para simular pesos. Em vários momentos a profissional utilizava seus materiais pessoais para que a continuidade do grupo fosse mantida, como por exemplo: caixa de música, bolas, fita antropométrica, balança digital, aparelho de pressão, entre outros. O local onde os encontros aconteciam, era o mesmo local onde eram realizadas festas no final de semana, e constantemente o ambiente encontrava-se sujo, com lixo e o chão escorregadio, oferecendo risco de queda para os participantes.

Mesmo com todas as limitações do programa, as Residentes que estavam frente ao desenvolvimento do grupo puderam vivenciar a satisfação em atender pessoas que precisavam firmar vínculos com a unidade, pessoas que ficaram isoladas durante muito tempo por causa da pandemia e que por isso, expressavam eterna gratidão. As Residentes também aprenderam com cada experiência trocada entre os profissionais e a comunidade, cada momento compartilhado serviu como crescimento profissional e pessoal.

6 REFERÊNCIAS

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  21. PONTA GROSSA. Plano municipal de saúde 2017-2021. Fundação Municipal de Saúde
  22. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

¹ Profissional de Educação Física residente em saúde coletiva da Fundação Municipal de Saúde de Ponta Grossa, Paraná. co.rezende@gmail.com
² Assistente sosocial residentem saúde coletiva da Fundação Municipal de Saúde de Ponta Grossa, Paraná. izabel.h.araujo@hotmail.com
³ Farmacêutica residente em saúde coletiva da Fundação Municipal de Saúde de Ponta Grossa, Paraná. edimarabalzer25@gmail.com
4 Assistente social, Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, Tutora de Serviço Social da Residência em saúde coletiva da Fundação Municipal de Saúde de Ponta Grossa, Paraná. sherrylcristina@hotmail.com