GRAVIDEZ ECTÓPICA CORNUAL ROTA: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7814647


Fabrício Alves de Oliveira Campos¹,2
Taciane Balsa Gris³


INTRODUÇÃO 

A gravidez ectópica ou extra uterina é aquela em que o blastocisto se implanta fora do revestimento do endométrio uterino. Sua incidência está entre 1,3 a 2% das gestações relatadas nos Estados Unidos.¹ Essa implantação pode ocorrer nas tubas em 95-96% dos casos, sendo 70% delas em região ampular, 11% fímbria, 12% ístmica e 2-3% intersticial e cornual. A forma abdominal representa 1%, a ovariana 3% e o canal cervical engloba menos de 1% dos casos. É uma condição com risco imediato de hemorragia e riscos tardios de infertilidade e recorrência. 3,4 No caso da rotura de gestação ectópica cornual, a proximidade da região com o ramo ascendente da artéria uterina traz um risco potencial de hemorragia, duplicando a mortalidade nos casos de rotura nesta modalidade, em relação às demais gestações ectópicas6

OBJETIVOS 

Relatar um caso raro de gravidez ectópica cornual rota, com preservação de útero e anexos, em um hospital de Belo Horizonte, ressaltando a importância do diagnóstico precoce e do tratamento imediato. 

MÉTODOS 

Trata-se de um estudo descritivo do tipo relato de caso baseado na análise de prontuário e experiência em campo na cirurgia da paciente. Foram coletadas informações referentes à idade, paridade, data da última menstruação, história patológica pregressa, principais sinais e sintomas clínicos à admissão, achados no exame físico à admissão, achados laboratoriais, de imagem e procedimentos realizados, assim como realizada fotografia da lesão, no momento da cirurgia. 

DESCRIÇÃO DO CASO 

Paciente de 23 anos, terceira gestação, com histórico de um parto vaginal e uma cesariana, admitida às 7 semanas e 3 dias de gestação, calculada pela DUM, com queixa de dor abdominal associada a náuseas, vômitos, sangramento vaginal de pequena monta e retenção urinária por mais de 12 horas. Ao exame, apresentava-se hipocorada (2+/4+), hidratada, afebril, PA: 106X73 mmHg, FC: 128 bpm. O abdome encontrava-se difusamente doloroso à palpação e com sinais de irritação peritoneal. No exame especular, observou-se secreção amarronzada em orifício externo do colo uterino. Ao toque vaginal, o colo estava fechado e doloroso à mobilização. A sondagem vesical de alívio permitiu a diurese clara de 1200 ml. Devido ao quadro clínico e fácil disponibilidade, realizou-se, na urgência, uma dosagem de β- HCG sérico, cujo resultado foi 365.312mUI/mL. À ultrassonografia, foi verificada ausência de gestação intrauterina. A paciente foi submetida a laparotomia exploradora com incisão a Pfannenstiel, na qual foi visualizada grande quantidade de coágulos exibindo-se pela incisão cirúrgica e saco gestacional livre em cavidade abdominal, associada a lesão em região cornual esquerda, confirmando gravidez ectópica rota, com sangramento ativo in loco, que pode ser evidenciada na Figura 1. Realizada hemostasia com sucesso após cuidadosa síntese da região atingida, com posterior decisão por preservação de anexo esquerdo e útero. A cirurgia corre sem intercorrências e, após estabilização hemodinâmica, a paciente apresentou, após 2h do procedimento, diurese clara em bolsa, hemoglobina de 8,6 g/dL; hematócrito: 26,0 %; plaquetas: 264.000 / mm3, evoluindo bem e tendo alta hospitalar em 48h. 

Figura 1. Corpo uterino segurado no centro da foto, tirada pelo ponto de vista cranial da paciente, evidenciando solução de continuidade em região cornual à esquerda, com sangramento ativo, compatível com gestação ectópica rota (seta). À esquerda da lesão, nota-se a tuba uterina (marcada com um X) e ovário (marcado com uma estrela) esquerdos, sem alterações identificáveis a macroscopia.

DISCUSSÃO 

A gestação ectópica responde como a principal causa de morte materna no primeiro trimestre de gestação, sendo responsável por cerca de 4% dos óbitos na gravidez.5 A gestação cornual é de grande risco devido a sua proximidade com os vasos uterinos em seu trajeto ascendente, sendo seu diagnóstico precoce extremamente importante pelo maior índice de complicações hemorrágicas e proporcionalmente o dobro de risco de morte materna, em relação às gestações ectópicas em outros sítios.6

O diagnóstico das gestações ectópicas, não raro, é realizado atualmente de forma precoce, através de exame clínico e complementação laboratorial e de imagem, quando indicadas, mas o diagnóstico de certeza é feito pela laparotomia exploradora, que é também o tratamento para as formas com rotura². Apesar de não serem mandatórios, a dosagem sérica da fração beta do HCG e a ultrassonografia são úteis em muitos casos, especialmente no diagnóstico diferencial de abdome agudo hemorrágico ou na distinção entre gestação normal e anormal, podendo ser usados também em conjunto, uma vez que níveis altos de β- HCG sérico obrigam a correspondência ultrassonográfica de gestação intra-uterina em uma gestação normal.2

CONCLUSÃO 

O quadro hemodinâmico instável da paciente apontava hemorragia grave e exigia estabilização e intervenção cirúrgica de emergência, o que reduz a morbimortalidade de grávidas nessa condição. A cirurgia foi bem indicada não para o tratamento da gestação ectópica em si, mas sim para o choque hemorrágico, que é a causa de morte materna nesses casos. A decisão por conservar o útero e anexos veio a partir da percepção de controle do sangramento, reduzindo o tempo cirúrgico e, por conseguinte, as potenciais complicações a curto prazo para a paciente, que evoluiu de forma satisfatória no pós-operatório, tendo alta sem intercorrências.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Zane, S. B., Kieke, B. A., Jr, Kendrick, J. S., & Bruce, C. (2002). Surveillance in a time of changing health care practices: estimating ectopic pregnancy incidence in the United States. Maternal and child health journal6(4), 227–236. https://doi.org/10.1023/a:1021106032198
  2. Ectopic pregnancy. Hoffman B.L., & Schorge J.O., & Bradshaw K.D., & Halvorson L.M., & Schaffer J.I., & Corton M.M.(Eds.), (2016). Williams Gynecology, 3e. McGraw Hill. https://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?bookid=1758&sectionid=118168057
  3. Hendriks, E., Rosenberg, R., & Prine, L. (2020). Ectopic Pregnancy: Diagnosis and Management. American family physician101(10), 599–606.
  4. Petrini, A., & Spandorfer, S. (2020). Recurrent Ectopic Pregnancy: Current Perspectives. International journal of women’s health12, 597–600. https://doi.org/10.2147/IJWH.S223909
  5. Nielsen, S. K., Møller, C., & Glavind-Kristensen, M. (2020). Ugeskrift for laeger182(15), V08190467.  
  6. Gallegos G., Fabiola, Pavéz O., Carolina, Jara M., Marcelo, Jesam G., Cristián, Montero C., Juan Carlos, & Bustos V., Juan Carlos. (2005). EMBARAZO ECTÓPICO INTERSTICIAL COMPLICADO: URGÊNCIA GINECOLÓGICA. Revista chilena de obstetricia y ginecología70(6), 414-417. https://dx.doi.org/10.4067/S0717-75262005000600012

¹Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – Hospital Governador Israel Pinheiro
²Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS
³Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Contagem